ATUALIZAÇÃO

Obtenção de células-tronco hematopoiéticas do sangue de cordão umbilical e placentário: papel do enfermeiro

 

Rafael Tavares Jomar, D.Sc.*

 

*Professor Assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 

Recebido em 07 de novembro de 2016; aceito em 4 de abril de 2017.

Endereço para correspondência: Rafael Tavares Jomar, Boulevard 28 de Setembro, 157 Vila Isabel 20551-030 Rio de Janeiro RJ, E-mail: rafaeljomar@yahoo.com.br

 

Resumo

Atualmente tem sido estimulada a busca por fontes alternativas de células-tronco hematopoiéticas (CTH) para utilização em transplantes, notadamente a partir do sangue de cordão umbilical e placentário (SCUP), sendo, frequentemente, a coleta deste material responsabilidade do enfermeiro. O objetivo deste artigo é destacar o papel do enfermeiro na obtenção de CTH do SCUP. É amplo o papel do enfermeiro neste processo, pois atua na seleção de doadoras, na coleta de SCUP e na consulta de enfermagem de seguimento com as doadoras e seus bebês, o que coloca em destaque sua autonomia profissional e contribui com as áreas de saúde e de enfermagem no tocante à utilização de CTH em transplantes.

Palavras-chave: especialidades de enfermagem, transplante de células-tronco de sangue do cordão umbilical, papel do profissional de enfermagem, Enfermagem.

 

Abstract

Obtaining hematopoietic stem cells from umbilical cord blood and placental blood: nurses’ role

Nowadays, the search for alternative sources of Hematopoietic Stem Cells (HSC) for use in transplants has been stimulated, especially those from the Umbilical Cord and Placental Blood (UCPB), and often collection of this material is under nurse's responsibility. The aim of this article was to highlight the nurse's role in obtaining the HSC from UCPB. Nurses perform an important and wide-range role in this process for they act in the donors selection, collection of HSC and nursing follow-up consultation with the donors and their babies, which emphasizes professional autonomy and contributes to the health and nursing areas in the use of HSC in transplants.

Key-words: specialties, nursing, cord blood stem cell transplantation, nurse's role, Nursing.

 

Resumen

Obtención de células-tronco hematopoyéticas de la sangre del cordón umbilical y placentario: papel do enfermero

Actualmente ha sido estimulada la búsqueda por fuentes alternativas de células-tronco hematopoyéticas (CTH) para utilización en trasplantes, especialmente a partir de la sangre del cordón umbilical y placentario (SCUP), siendo, frecuentemente, la colecta de este material responsabilidad del enfermero. El objetivo de este artículo es destacar el papel del enfermero en la obtención de CTH del SCUP. Es amplio el papel del enfermero en este proceso, pues actúa en la selección de donantes, en la colecta de SCUP y en la consulta de enfermería de seguimiento con las donantes y sus bebés, lo que destaca su autonomía profesional y contribuye con las áreas de salud y de enfermería en lo que respecta a la utilización de CTH en trasplantes.

Palabras-clave: especialidades de enfermería, trasplante de células madre de sangre del cordón umbilical, rol de la enfermera, Enfermería.

 

Introdução

 

As células-tronco hematopoiéticas (CTH) são células que possuem a capacidade de se autorrenovar e se diferenciar em células especializadas do tecido sanguíneo e células do sistema imune [1]. Sua utilização em transplantes é uma das modalidades terapêuticas que mais tem demonstrado eficácia ao longo dos anos no tratamento de doenças onco-hematológicas e imunológicas [1-2].

A obtenção de CTH pode ser feita a partir da medula óssea, do cordão umbilical e placentário ou do sangue periférico. Pela dificuldade de serem encontrados doadores compatíveis de medula óssea (considerada a fonte clássica de CTH), tem sido estimulada a busca por fontes alternativas de CTH, notadamente o sangue de cordão umbilical e placentário (SCUP), já que elas são obtidas mais facilmente desta fonte, além de sua utilização apresentar menor risco de causar doença enxerto versus hospedeiro e de transmitir infecções virais [1,3].

Nesse contexto, sabe-se que em diversos Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário públicos e privados é o enfermeiro o profissional responsável pela coleta de SCUP com vistas à obtenção de CTH [4]. Vale destacar, no entanto, que o número de estudos na área de enfermagem relacionados à utilização de CTH em transplantes é incipiente, o que aponta para a necessidade de desenvolvimento de estudos capazes de fornecer subsídios às práticas de enfermagem nesta área [5].

Considerando que os temas relacionados à enfermagem em transplante de CTH ainda não foram devidamente explorados, a carência de publicações para melhor compreensão deste objeto e a necessidade de ampla discussão e divulgação do papel do enfermeiro nesta área [5-6], o objetivo deste artigo é destacar o papel do enfermeiro na obtenção de CTH do SCUP.

A discussão sobre o papel do enfermeiro no processo de obtenção de CTH do SCUP se justifica porque a terapia com CTH é uma especialidade que demanda alta complexidade assistencial e funcional por parte do enfermeiro [7], por isso a divulgação de seu papel neste processo é relevante para contribuir com o aumento da visibilidade da participação da enfermagem nesta área.

 

Papel do enfermeiro na obtenção de CTH do SCUP

 

No tocante aos aspectos legais, o enfermeiro treinado e habilitado por Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário de referência tem sua atuação na coleta de SCUP reconhecida [8]. Vale ressaltar que tal atuação já foi normatizada pelo Conselho Federal de Enfermagem [9].

A primeira etapa na qual o enfermeiro atua no processo de coleta de CTH do SCUP é a seleção de candidatas à doação, o que geralmente ocorre na própria maternidade onde acontece o parto [4,7,10]. Ele seleciona gestantes que satisfaçam as seguintes condições: idade ? 18 anos e que tenha se submetido há, no mínimo, duas consultas pré-natais; idade gestacional ? 35 semanas; bolsa rota há menos de 18 horas; trabalho de parto sem anormalidade e ausência de doença durante a gestação que possa interferir na vitalidade placentária [8].

Condições que desqualificam doação de SCUP também devem ser observadas: sofrimento fetal grave; feto com anormalidade congênita; temperatura materna ? 38°C durante o trabalho de parto; gestante com situação de risco para infecções transmissíveis pelo sangue; presença de processo infeccioso e ou doença durante o trabalho de parto que possa(m) interferir na vitalidade placentária; gestante em uso de hormônios/drogas que se depositam nos tecidos; gestantes com história pessoal de doença sistêmica autoimune ou de neoplasia e/ou história de doenças hereditárias do sistema hematopoiético em seus familiares [8].

Após a candidata à doação de SCUP ter sido selecionada, o enfermeiro deve abordá-la a fim de fornecer-lhe informações completas e pormenorizadas sobre a natureza da doação, seus objetivos, métodos, benefícios e testes laboratoriais previstos. Caso concorde em doar o SCUP, a gestante deve assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando sua doação voluntária [4,7-8,10-11].

O SCUP é coletado em sistema fechado próprio para coleta deste material em hospital/maternidade regularizado junto ao órgão de vigilância sanitária competente, devendo ser mantidas as condições de assepsia necessárias [8]. Tal coleta requer do enfermeiro habilidade técnica para a obtenção adequada de material, sendo importante para a obtenção satisfatória de células tanto quantitativa quanto qualitativamente [7]. Para obter sucesso nesta coleta é preciso planejar antecipadamente as atividades e contar com a colaboração da equipe obstétrica, pois o bom entrosamento entre o enfermeiro e esta equipe é elemento importante [4].

Em condições assépticas, antes ou após a dequitação da placenta, o enfermeiro punciona a parte distal do vaso mais ingurgitado do cordão umbilical e permite que o sangue drene, por gravidade, para o interior da bolsa coletora que deve estar abaixo do nível da placenta [4,7,10]. Em cada coleta obtém-se, em média, 120 ml de SCUP [3], no entanto, ele somente será aceito para processamento quando o número de células nucleadas na bolsa coletora for ? 5 x 108 [8].

Ainda que não haja regra que estabeleça o melhor momento de proceder a coleta de SCUP, se antes ou após a dequitação da placenta, existem evidências que apontam para a maior quantidade de células nucleadas obtidas e maior volume de sangue drenado quando a coleta é realizada antes da dequitação [12].

Ao término da coleta o enfermeiro preenche um formulário, que será mantido nos arquivos do Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário, com informações sobre a doadora, o pré-natal, o parto e o recém-nascido [8], e, em seguida, identifica com etiquetas de código de barras este formulário, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado, a bolsa coletora e as amostras de sangue do SCUP e da doadora [4,7-8,10], além de providenciar o envio deste material para o Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário em caixa térmica onde a temperatura deve ser mantida entre 2°C e 6°C [8].

A última etapa da qual o enfermeiro participa da obtenção de CTH do SCUP é a consulta de enfermagem de seguimento da doadora e seu bebê. Durante esta consulta, ele procede ao exame clínico do bebê a fim de investigar enfermidades congênitas e/ou infecciosas que ainda não foram detectadas [8,10], além de entregar os resultados dos exames laboratoriais feitos nas amostras de sangue da doadora e do SCUP, a saber: triagem de infecções transmissíveis pelo sangue, citomegalovírus, toxoplasmose e detecção de hemoglobinas anormais. Caso sejam encontrados resultados laboratoriais anormais, o enfermeiro encaminha a doadora a um serviço de assistência especializado, para que sejam tomadas as medidas cabíveis [8].

Nesta consulta de enfermagem, que pode ocorrer no segundo mês pós-parto, mas idealmente no sexto mês, o enfermeiro coleta nova amostra de sangue da doadora para a repetição dos testes de triagem para doenças transmissíveis. As informações obtidas durante esta consulta devem ser registradas e arquivadas junto aos outros documentos referentes à unidade de SCUP em questão [8].

Por fim, cabe mencionar que os enfermeiros devem constantemente estar atualizados sobre os últimos progressos na utilização de CTH de SCUP em transplantes [13]; também é necessário seu envolvimento em todas as áreas de assistência e pesquisa relativas a tal utilização, desde a pesquisa básica até as consultas ambulatoriais de seguimento dos transplantados, para, assim, colaborar com o desenvolvimento de (mais) competências nesta prática especializada de enfermagem.

 

Conclusão

 

O papel do enfermeiro na obtenção de CTH do SCUP é amplo e de destaque, pois neste processo ele atua desde a seleção de doadoras, passando pela coleta de SCUP em si, até a consulta de enfermagem de seguimento com as doadoras e seus bebês, mostrando-se relevante sua contribuição para as áreas de saúde e de enfermagem no tocante à utilização de CTH em transplantes.

No entanto, sugerimos que a atuação do enfermeiro na obtenção de CTH do SCUP seja ampliada para além das maternidades e que os Bancos de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário permitam que tal atuação alcance os serviços de Pré-natal públicos e privados a fim de aumentar o número de doadoras e, consequentemente, as possibilidades de serem disponibilizadas CTH de SCUP compatíveis com os indivíduos que necessitam de transplantes.

 

Referências

 

  1. Roura S, Pujal JM, Monton CG, Genis AB. The role and potential of umbilical cord blood in an era of new therapies: a review. Stem Cell Res Ther 2015;6(1):123.
  2. Li HW, Sykes M. Emerging concepts in haematopoietic cell transplantation. Nat Rev Immunol 2012;12(6):403-16.
  3. Rodrigues CA, Pereira NF, Oliveira DCM, Torres M, Alencar ISB, Salomão I et al. Transplante de sangue de cordão umbilical. Rev Bras Hematol Hemoter 2010;32 Supl I:8-12.
  4. Paiva ED. Experiência de enfermeiras que atuam na coleta de células-tronco de sangue de cordão umbilical. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2007.
  5. Lima K, Bernardino E, Wolff LDG, Peres AM. Características da produção científica de enfermagem acerca de transplante de células-tronco hematopoiéticas. Cogitare Enferm 2012;17(3):568-73.
  6. Silva JB, Póvoa VCO, Lima MHM, Oliveira HC, Padilha KG, Secoli SR. Carga de trabalho de enfermagem em transplante de células-tronco hematopoiéticas: estudo de coorte. Rev Esc Enferm USP 2015;49(spe):93-100.
  7. Marques DLOL, Oliveira BGRB, Izu M, Castro JBA, Braga FHP, Bouzas LFS. Técnica de coleta por sistema fechado do sangue de cordão umbilical e placentário para obtenção de células-tronco hematopoiéticas. In: Anais do 16º Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem. Campo Grande: ABEn; 2011. p. 364-65.
  8. Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC Nº 56 de 16 de dezembro de 2010. Dispõe sobre o regulamento técnico para o funcionamento dos laboratórios de processamento de células progenitoras hematopoéticas. [citado 2011 Out 12]. Disponível em URL: http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?data=17/12/2010&jornal=1&pagina=113&totalArquivos=220.
  9. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução Nº 304 de 22 de julho de 2005. Dispõe sobre a atuação do enfermeiro na coleta de sangue do cordão umbilical e placentário. [citado 2011 Out 12]. Disponível em URL:http://site.portalcofen.gov.br/node/4339.
  10. Cruz AF. Atuação do enfermeiro no banco de sangue de cordão umbilical e placentário. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer; 2004.
  11. Petrini C. Umbilical cord blood collection, storage and use: ethical issues. Blood Transfus 2010;8(3):139-48.
  12. Surbek DV, Visca E, Steinmann C, Tichelli A, Schatt S, Hahn S et al. Umbilical cord blood collection before placental delivery during cesarean delivery increases cord blood volume and nucleated cell number available for transplantation. Am J Obstet Gynecol 2000;183(1):218-21.
  13. Lopes LA, Bernardino E, Crozeta K, Guimarães PRB. Good practices in collecting umbilical cord and placental blood. Rev Latinoam Enferm 2016;24:e2770.