ARTIGO ORIGINAL

Conhecimento da enfermeira do Programa de Saúde da Família sobre o vírus linfotrópico de células T humanas

 

Danielle de Jesus Soares*, Ana Clarissa Cerqueira dos Santos**, Maria da Conceição Costa Rivemales, D.Sc.***

 

*Enfermeira, graduada pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Especialista em Clínica da Pessoa e da Família pela Faculdade Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Pós-graduanda em Gestão em Saúde pela UFRB, **Enfermeira, graduada pela UFRB, Especialista em Gestão em Saúde Pública pelo Instituto Pró Saber, Universidade Cândido Mendes, ***Enfermeira, Professora Adjunto II da UFRB, Especialista em Gestão em Saúde pela UNIFESP, Especialista em Docência na Saúde pela UFRGS, orientadora do estudo

 

Recebido em 30 de maio de 2017; aceito em 4 de dezembro de 2017.

Endereço de correspondência: Danielle de Jesus Soares, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) 44380-000 Cruz das Almas BA, E-mail: dany.sol22@hotmail.com, Ana Clarissa Cerqueira dos Santos: santosanjoclarissa@gmail.com; Maria da Conceição Costa Rivemales: mariarivemales@hotmail.com

 

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo verificar o conhecimento das enfermeiras atuantes no Programa Saúde da Família de Santo Antônio de Jesus/Bahia sobre o Vírus Linfotrópico de Células T Humanas (HTLV). Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo e exploratório, realizada com 14 enfermeiras das Unidades de Saúde da Família (USF) de um município do Recôncavo Baiano, no período de julho a agosto de 2014. Os dados foram coletados através da entrevista semiestruturada e analisados a partir da Análise de Conteúdo Temática. O estudo revelou que o primeiro contato com a temática HTLV ocorreu a partir de duas situações específicas: durante o curso de graduação ou durante o exercício laboral. As narrativas revelaram que as enfermeiras possuem um conhecimento incipiente em relação ao vírus; sendo o medo e a insegurança os sentimentos destacados pelas mesmas; uma vez que o conhecimento apreendido sobre o vírus mostra-se insuficiente para o desenvolvimento de atividades na rotina da USF. Sugere-se o desenvolvimento de estudos como este, a fim de levantar as reais necessidades dos profissionais, desse e de outros serviços de saúde, em se tratando da abordagem sobre o HTLV.

Palavras-chave: vírus 1 linfotrópico T humano, vírus 2 linfotrópico T humano, Enfermagem.

 

Abstract

Knowledge of Family Health Program nurse about human T-lymphotropic virus

This work aims to verify the knowledge of nurses working in Santo Antônio de Jesus/Bahia Family Health Program about the Human T-lymphotropic virus (HTLV). This is a qualitative, descriptive and exploratory study, conducted with 14 nurses of Family Health Units in a Reconcavo Baiano town, from July to August 2014. The data were collected through semi-structured interviews and analyzed from the qualitative analysis. The study revealed that the first contact with the theme HTLV occurred from two specific situations: during the course of graduation or during working period. The narratives also revealed that nurses have an incipient knowledge on the virus; the fear and insecurity feelings were highlighted by them; since the knowledge gained about the virus proves to be insufficient for the development activities in the Family Health Units routine. It is suggested the development of studies like this one in order to raise the real professional needs, this and other health services, in the case of the approach to HTLV.

Key-words: Human T-lymphotropic virus 1, Human T-lymphotropic virus 2, Nursing.

 

Resumen

Conocimiento de la enfermera del Programa de Salud de la Familia sobre el virus linfotrópico de células T humanas

El presente trabajo tiene por objetivo verificar el conocimiento de las enfermeras actuantes en el Programa Salud de la Familia de Santo Antônio de Jesús/Bahia sobre el virus linfotrópico de células T humanas (HTLV). Se trata de una investigación cualitativa, de carácter descriptivo y exploratorio, realizada con 14 enfermeras de las Unidades de Salud de la Familia de un municipio del Recôncavo Baiano, en el período de julio a agosto de 2014. Los datos fueron recolectados a través de entrevista semiestructurada y se analizaron a partir del análisis de contenido temático. El estudio reveló que el primer contacto con la temática HTLV ocurrió a partir de dos situaciones específicas: durante el curso de graduación o durante el ejercicio laboral. Las narraciones revelaron que las enfermeras poseen un conocimiento incipiente en relación al virus; siendo el miedo y la inseguridad los sentimientos destacados por las mismas; una vez que el conocimiento aprendido sobre el virus se muestra insuficiente para el desarrollo de actividades en la rutina de la USF. Se sugiere el desarrollo de estudios como éste, a fin de levantar las reales necesidades de los profesionales, de ese y de otros servicios de salud, en lo que se refiere al abordaje sobre el HTLV.

Palabras-clave: virus 1 linfotrópico de células T humanas, virus 2 linfotrópico T humano, Enfermería.

 

Introdução

 

O Vírus Linfotrópico de Células T Humanas (HTLV) foi o primeiro retrovírus humano descrito. Foram identificados dois tipos de vírus, o tipo 1 associado a doenças em seres humanos, como a Leucemia/Linfoma de células T do Adulto (LLTA) e a Paraparesia Espástica Tropical/Mielopatia Associada ao HTLV (HAM/TSP); e o tipo 2 não associado a doenças em seres humanos [1]. Essa infecção pode ser transmitida tanto por via vertical, através da amamentação, como horizontal, por via sexual e parenteral [2].

Pressupõe-se que mais de 20 milhões de pessoas estejam infectadas por HTLV no mundo, no entanto esta prevalência irá variar de acordo com a região geográfica [3]. Estimativas apontam que existam no Brasil aproximadamente 2,5 milhões de pessoas infectadas o que torna o país de maior número absoluto de pessoas infectadas [4]. Porém dados relativos à sua prevalência e incidência no país são dificilmente encontrados, isso se relaciona a falta de uma de uma política pública específica de prevenção e controle da disseminação do vírus [5].

Desta forma existe um desconhecimento a respeito do vírus e sua infecção, não só pela população em geral, mas também pelos profissionais de saúde. É observada uma confusão do HTLV com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), este fato pode ser explicado pelas semelhanças de suas siglas e por ambos os vírus pertencerem à mesma família. Porém o HIV, destrói as células de defesas do organismo causando a Aids, enquanto o HTLV multiplica as células de defesa podendo transformá-las em câncer ou outras doenças [6,7].

Torna-se necessário uma maior atenção para este vírus, que vem infectando os indivíduos de forma silenciosa, causando doenças graves que poderiam ser evitadas com medidas preventivas simples, dentre elas o uso do preservativo nas relações sexuais [7].

É função da Atenção Básica atuar de forma conjunta aos serviços especializados no atendimento às pessoas acometidas pelo HTLV, para isso é necessário que os profissionais envolvidos detenham informações sobre os meios de prevenção e controle da infecção pelo vírus [8]). Neste cenário o enfermeiro enquanto membro da equipe que compõe a Unidade de Saúde da Família (USF) mostra-se atuante em funções que vão desde os cuidados técnicos às orientações psicológicas e comportamentais [9].

Considerando a importância do papel do enfermeiro enquanto membro da Equipe de Saúde da Família, torna-se imprescindível identificar o conhecimento que estes profissionais possuem sobre o vírus. Desta maneira este estudo objetivou verificar o conhecimento das enfermeiras do PSF sobre o vírus HTLV.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo exploratório com abordagem qualitativa. O estudo qualitativo tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social além de reduzir a distância entre teoria e dados, indicador e indicado e entre contexto e ação [10].

O lócus da pesquisa foram as Unidades de Saúde da Família (USF) de Santo Antônio de Jesus/Bahia. A atenção básica deste município está composta por duas Unidades Básicas de Saúde localizadas no centro da cidade e vinte e uma Equipes de Saúde da Família [11].

Foram selecionadas as unidades situadas na zona urbana do município citado, o que correspondeu a 16 USF. Porém devido à saturação dos dados no decorrer das entrevistas, 14 unidades efetivamente foram incluídas. Como todas USF possuíam apenas uma Equipe de Saúde da Família, quatorze enfermeiras participaram do estudo.

A coleta dos dados foi iniciada mediante aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia sob o número do CAAE 28034814800000056, de 05 de junho de 2014. Todas entrevistadas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foi garantido o anonimato e autonomia das participantes em interromper sua participação em qualquer momento da entrevista sem prejuízo para ambas às partes; atendendo assim as recomendações da Resolução 466/2012 que versa sobre as pesquisas envolvendo seres humanos.

Os dados foram coletados em três etapas, entre os meses de julho a agosto de 2014. Primeiro foi feita uma aproximação com o campo de estudo para apresentação da proposta e agendamento do dia para a realização das entrevistas. Posteriormente foram coletadas as narrativas através da entrevista semiestruturada e em seguida foi aplicado o questionário. As entrevistas foram gravadas para então serem transcritas, possibilitando um melhor entendimento e organização das ideias.

Para o tratamento dos dados selecionou-se como técnica a análise de conteúdo. Os dados empíricos obtidos a partir das entrevistas e questionário foram agrupados em categorias de análise temática. A partir da análise do conteúdo das falas das participantes do estudo, emergiram as seguintes categorias: Contato com a temática HTLV; O que se sabe sobre o HTLV.

 

Resultado e discussão

 

Contato com a temática HTLV

 

A maioria das entrevistadas refere ter ouvido falar pela primeira vez sobre o HTLV, de modo superficial, durante o curso de graduação. Vejamos os relatos a seguir:

 

Na faculdade, raramente assim, superficial, e também aqui no trabalho, no ambiente de trabalho. (E6)

Na faculdade e bem sucinto, né, as pessoas não dão tanta importância como dão ao HIV, a hepatite, até assim quando a gente é estudante a gente não vê tanta ênfase nesse assunto. (E4)

Ah, faz tempo, não sei te falar assim... foi durante a graduação. (E1)

 

Historicamente os currículos aplicados no campo da saúde possuem relações com o modelo de atenção médico-curativo, trazendo assim uma visão tecnicista do trabalho, centrado na cura em detrimento do olhar voltado a realidade social, empobrecendo, assim, a relação entre as necessidades de saúde e a integração das práticas nos diferentes níveis de atenção [12].

Acrescenta-se ainda o reflexo gerado na vida do paciente pela falta de conhecimentos técnico-científicos do profissional que o assiste, sendo mais uma barreira que as pessoas com HTLV precisam enfrentar [13]. Esse fato pode ser explicado pelo baixo número de pesquisas que abordam o tema e por não ser esta uma doença de notificação compulsória, o que reflete na não obtenção de dados oficiais sobre o tema [14].

Por ser a Bahia um estado de alta prevalência para o HTLV [15], os profissionais de saúde atuantes nesse Estado necessitam ter subsídios para a atuação/intervenção mais efetiva sobre o vírus. Sugere-se então a inclusão, mais concreta, de conteúdos sobre HTLV nos cursos de graduação em enfermagem.

As narrativas revelam que algumas enfermeiras apenas tiveram o contato com a temática HTLV durante as atividades laborais, a partir do momento em que foi incluída a solicitação da sorologia na triagem pré-natal.

 

Aqui na unidade, na verdade não ouvi falar, é um dos exames que a gente pede do pré-natal

[...] (E10)

[...] Agora no dia a dia do posto na rotina tem uns dois anos mais ou menos que a gente começou a pedir o HTLV. (pra todos os pacientes?) R: só para gestante. (E8)

 

Os relatos evidenciam que a inclusão da pesquisa sorológica para o HTLV na triagem pré-natal do município estudado, fez com que as enfermeiras tivessem conhecimento sobre a existência do vírus, mesmo que de forma incipiente, a partir da experiência cotidiana do trabalho.

É notável o desconhecimento dos profissionais de saúde e também da população acerca do HTLV, o que favorece um diagnóstico e tratamento errados; a infecção muitas vezes é confundida com outras doenças [16]. Apesar disso, foi possível perceber que a partir do momento em que a sorologia para diagnóstico do HTLV passou a ser realizada na triagem pré-natal, no município estudado, houve uma maior apreensão de determinadas informações sobre o vírus. Infere-se, portanto, que os conhecimentos captados na prática diária permitiu às entrevistadas que adquirissem algum tipo de conhecimento sobre o HTLV [14].

Faz parte do elenco de ações desenvolvidas durante a assistência pré-natal à realização da triagem pré-natal em toda gestante acompanhada pela rede SUS. Logo, o Ministério da Saúde [17] orienta a realização do rastreamento das principais infecções que podem acometer a gestação, dentre as quais se encontra o HTLV.

É necessário que os profissionais de saúde possuam conhecimento científico suficiente para o trabalho junto à temática HTLV a fim de embasar sua prática assistencial [13]. Há necessidade de formulação de políticas públicas que permitam maior visibilidade ao HTLV na busca pelo preenchimento das principais lacunas na formação dos profissionais de saúde para atuarem frente a este público [18].

A respeito das principais fontes de informação sobre o vírus utilizadas pelas participantes, foram citadas:

 

Através de materiais médicos, manuais do MS, em manuais de gestação, artigo científico, às vezes entrevistas de médicos né, em programas no site, então busca mesmo é variar. (E3)

Internet é dado que eu busco pra obter mais conhecimento. (E5)

O Centro de Testagem e Aconselhamento, que é o CTA do município, que é a coordenação de DST/Aids. (E2)

 

Em se tratando de materiais referentes ao HTLV, a produção disponível na literatura é incipiente, o que gera dificuldades na aquisição de informações sobre o vírus. Para além das fontes literárias, o Centro de Aaconselhamento e Testagem (CTA) do município é também utilizado como fonte de informação pelas enfermeiras. Vale destacar que deve ser garantida a referência e contra referência entre este serviço e as USF, no intuito de garantir que o indivíduo uma vez encaminhado mantenha seu acompanhamento na unidade de origem.

Nesse sentido, mostra-se de grande importância o papel desempenhado pelo CTA, que devido as suas características e funções pré-estabelecidas, se configura num espaço onde estas profissionais adquirem suporte, tanto informativo, quanto de encaminhamento de casos.

 

O que se sabe sobre o HTLV

 

Em relação ao que as enfermeiras sabem a respeito do ‘que é HTLV’, as narrativas evidenciam que as participantes o classificam como um vírus linfotrópico de células T, traduzindo que existe algum conhecimento, mesmo que incipiente em relação ao vírus.

 

É um vírus linfotrópico humano do linfócito T, e assim pouco a gente, na verdade, trabalha com esse tipo de vírus. (E2)

[...] tem dois tipos o HTLV 1 e o HTLV 2; ele é um vírus que tem tropismo por células T, linfócitos T. (E3)

[...] é um vírus linfotrópico que ele atua normalmente nas células T que são as que ele procura atingir, são conhecidos dois tipos o HTLV 1 e o HTLV 2. (E11)

 

O primeiro relato evidência que o HTLV é pouco trabalhado na rotina da USF. No entanto algumas situações pontuais fazem com que essas profissionais desenvolvam ações relacionadas ao vírus, nessa ótica pode-se mencionar a sorologia para o HTLV na triagem pré-natal.

Outro aspecto levantado nas falas anteriores foi o reconhecimento de dois subtipos de HTLV, o subtipo 1 e 2. Foram identificados na década de 1980 os dois tipos de HTLV, sendo o primeiro retrovírus humano, o vírus possui tropismo por células T e tem transmissão intracelular [19].

Ao se tratar do modo de transmissão do HTLV, os relatos evidenciam as principais vias de transmissão do vírus:

 

O HTLV é um vírus, uma doença sexualmente transmissível. (E9)

[...] que também é transmitido pela relação sexual, (desprevenida) ou... desprotegida, pode ter também a transmissão vertical mãe/bebe através da amamentação que tem que ser suspendida na detecção do HTLV na mãe. (E7)

Eu sei que é um vírus é... muita gente confunde com o HIV mas é um vírus que é transmitido sexualmente, por objetos, seringas. (E10)

 

A principal via de transmissão vertical do HTLV é a amamentação, devendo ser considerada a duração prolongada da amamentação e a quantidade de anticorpos anti-HTLV maternos. Mas a transmissão transplacentária e a contaminação pelo canal de parto também ocorrem, ainda que seja rara [2].

Em estudo realizado no estado do Pará, Brasil, encontrou-se um significativo número de gestantes infectadas com o vírus; esse fato chama a atenção para a importância da identificação/triagem de todas as gestantes durante o pré-natal e do desenvolvimento de ações para a prevenção da transmissão vertical como a orientação para a não amamentação e disponibilização de fórmula infantil para alimentar a criança, ações estas que foram implementadas com as participantes do estudo [20].

Por ser uma decisão complexa, que envolve fatores emocionais da mulher, é fundamental o preparo antecipado da gestante e parturiente ajudando-a a tornarem-se protagonistas do processo; o diagnóstico precoce durante o pré-natal visa garantir condutas adequadas na prevenção da transmissão vertical do vírus [18].

Apesar da ocorrência de outras vias de transmissão vertical, a transmissão através do leite materno ainda é a via sabidamente mais eficaz [7], pois se mostra mais efetiva devido à quantidade de células infectadas presentes no leite materno, em comparação a quantidade presente no sangue periférico.

Devido ao risco de transmissão pela amamentação, o Ministério da Saúde orienta evitar o aleitamento materno, buscando garantir a nutrição do lactente através de aleitamento artificial [21]. Porém ainda não se criou uma política específica para essas mulheres, que garanta o acesso gratuito ao leite artificial para seus filhos, dificultando assim o enfrentamento da doença [7].

O HTLV é classificado como uma doença sexualmente transmissível, e consequentemente apresenta formas de transmissão semelhante às de outras doenças deste grupo, dentre elas o HIV. O Ministério da Saúde [21] afirma que os dois tipos de vírus possuem os mesmos mecanismos de transmissão, os quais podem ocorrer tanto por via vertical como horizontal.

Apesar da semelhança nas formas de transmissão, o HTLV não deve ser lembrado simplesmente comparando-se ao HIV, uma vez que ambas as patologias possuem particularidades que as diferenciam uma da outra. Assim é necessária uma diferenciação entre estas, especialmente em seus graus de morbidade e letalidade [22,23]. Comparando-se a infecção pelo HIV, a infecção pelo HTLV apresenta menor infectividade e período de incubação mais prolongado [21].

O HTLV comumente é confundido com o HIV, possivelmente por sua semelhança semântica ou na tentativa de aproximá-lo a um vírus que é mais conhecido mundialmente. Em conformidade com este achado, alguns profissionais da área da saúde na tentativa de tornar mais rápida à compreensão sobre o HTLV acabam se valendo de expressões como “vírus parentes”, ou ainda “o HTLV é primo do HIV” [23].

Essa realidade não difere dos resultados obtidos neste estudo, no qual a grande maioria das enfermeiras se reporta a estas expressões na tentativa de definir HTLV. Dessa maneira, informações correlacionando o HTLV ao HIV são também passadas ao indivíduo diante do resultado de soropositividade para o vírus.

 

O HTLV é um vírus né, da mesma família do HIV, que é um vírus humano. (E7)

Eu sei que o HTLV é uma doença retroviral da família do vírus que é o subtipo que algumas pessoas conhecem da família do HIV. (E6)

[...] é da família do HIV, mas até a gente pra orientar esse paciente quando reagente eles ficam assim ai meu deus é HIV ou não é? Então assim o que eu sei é que ele é um retrovírus. (E1)

 

Considerando que informações científicas sobre o vírus são reduzidas e geralmente de difícil acesso, a insegurança e o medo são sentimentos destacados nas falas das enfermeiras no momento de oferecer esclarecimentos sobre a infecção a um soropositivo.

O aconselhamento configura-se como um momento que se destina no estabelecimento de um diálogo com o usuário para fornecer-lhe informações sobre a doença e realizar a escuta ativa, buscando sempre o esclarecimento de cada dúvida. Transmitir informações incompletas e não dominadas pelo emissor gera dificuldades no entendimento individual da doença [15].

Diante da não qualificação de todos os profissionais de saúde, uma das medidas inicialmente realizada, diante de um diagnóstico da infecção pelo HTLV, é o encaminhamento desse paciente para o aconselhamento clínico especializado em serviço de referência, para que estes possam ser esclarecidos sobre as diferenças entre esse agente e outros retrovírus como o HIV [24]. Desse modo, prolonga-se o tempo, após o diagnóstico, para uma explicação mais concreta sobre a infecção, seus sinais e sintomas e as doenças que dele pode originar.

Apesar da gravidade das doenças associadas ao HTLV, sua notificação não é feita no Brasil. Por conseguinte, não há dados nacionais disponíveis sobre a sua ocorrência, impossibilitando o desenvolvimento de recomendações de saúde pública para médicos e outros profissionais de saúde [25].

As narrativas destacam a falta de tratamento para esse vírus. Desta maneira a forma de prevenção mais eficaz se configura em medidas preventivas, vejamos:

 

[...] não tem vacina preventiva pra nenhum dos tipos. (E3)

[...] e não tem tratamento específico para HTLV, além da prevenção que é o melhor remédio. (E7)

 

O Ministério da Saúde não recomenda qualquer intervenção terapêutica rotineira, uma vez que a maioria dos infectados são assintomáticos; orienta que, para as pessoas que já apresentam alguma sintomatologia clínica, o tratamento deve ser de acordo com o grau de acometimento, utilizando as opções terapêuticas específicas para o tipo de complicação apresentada [21].

Quanto aos métodos disponíveis para o diagnóstico da infecção pelo HTLV, apenas nove enfermeiras identificaram o método de triagem ELISA. Quanto ao método de diferenciação dos subtipos virais, somente três entrevistadas citaram o Western Blot.

Apesar de essas profissionais solicitarem a sorologia na rotina de pré-natal, a maioria desconhece informações relativas ao teste e interpretação dos resultados no que diz respeito ao diagnóstico da infecção pelo HTLV.

Para o diagnóstico laboratorial do HTLV no Brasil há predominância dos testes de imunoensaio, sendo o principal utilizado para triagem o ELISA, estes fazem o rastreio para ambos os vírus (HTLV 1 e 2); para confirmação da infecção os principais são Western blot, imunofluorescência indireta (IFA) e radioimunoprecipitação (RIPA), estes também fazem a diferenciação dos subtipos em HTLV 1 ou 2 [14].

 

Conclusão

 

O conhecimento constitui-se uma ferramenta essencial no âmbito da saúde, dentre outra coisas, é o alicerce para o entendimento da sintomatologia da doença, bem como dos meios necessários para sua prevenção e combate.

Apesar de o HTLV ser o primeiro retrovírus humano identificado, o mesmo é pouco abordado nos cursos da área de saúde, além de ser baixa a produção científica sobre esse vírus. Tal fato acaba gerando dificuldades na aquisição de conhecimentos por parte dos profissionais de saúde.

O estudo permitiu verificar que o conhecimento das enfermeiras em relação ao HTLV ainda é incipiente, sendo o medo e a insegurança os sentimentos destacados pelas mesmas.

Sugere-se a inclusão de conteúdos sobre o HTLV nos cursos de graduação em enfermagem; o desenvolvimento de políticas públicas para as pessoas acometidas pelo vírus; a realização de cursos de qualificação sobre o tema; além do desenvolvimento de outros estudos, com vistas a levantar as reais carências dos profissionais, em se tratando da abordagem sobre o HTLV.

 

Referências

 

  1. Kroon EG, Proietti ABFC. HTLV-1/2 – O vírus, sua multiplicação e estrutura genômica. In.: Proietti ABFC (Org.). In.: HTLV. 6 ed. Belo Horizonte: Fundação Hemominas; 2015. P.15-27.
  2. Rivemales MCC. Vivência da sexualidade: representações das pessoas soropositivas para o HTLV [Tese]. Salvador: Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia; 2013.
  3. Castro Filho BG, Alcantara LCJ, Grassi MFR, Miranda ACAM, Queiroz ATL, Rego FFA et al. Epidemiologia e origem do HTLV-I em Salvador Estado da Bahia: a cidade com a mais elevada prevalência desta infecção no Brasil. Gazeta Médica da Bahia 2009;79:3-10.
  4. Carneiro-Proietti ABF, Ribas JGR, Catalan-Soares BC, Martins ML, Melo GEAB, Martins-Filho OA et al. Infecção e doença pelos vírus linfotrópicos humanos de células T (HTLV-I/II) no Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 2002;35(5):499-508. doi: 10.1590/S0037-86822002000500013.
  5. Santos MM, Pinto MG, Pereira NBU et al. Aspectos epidemiológicos da infecção por HTLV-1 e HTLV-2. In.: HTLV. 6.ed. Belo Horizonte: Fundação Hemominas; 2015. p.117-39.
  6. Proietti ABFC. Aconselhamento do paciente e prevenção da infecção por HTLV. In.: HTLV. 6 ed. Belo Horizonte: Fundação Hemominas; 2015. p.460-69.
  7. Teixeira MA. Soropositividade de mulheres para os vírus HIV e HTLV: significados do contágio do leite materno [Tese]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2009.
  8. Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Manual de Bolso das Doenças Sexualmente Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
  9. Paranhos RFB. Vivenciando a sexualidade e a incontinência urinária: histórias de mulheres HTLV positivas [Dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia; 2011.
  10. Neves JL. Pesquisa Qualitativa – características, usos e possibilidades. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo;1(3):1996.
  11. Ministério da Saúde (Brasil), Departamento da Atenção Básica. [citado 2014 Feb 10]. Disponível em: http://189.28.128.178/sage/sistemas/relatorio/relnovo.php
  12. Silva VO, Santana PMMA. Conteúdos curriculares e o Sistema Único de Saúde (SUS): categorias analíticas, lacunas e desafios. Interface 2015;19(52):121-32. doi: 10.1590/1807-57622014.0017.
  13. Pereira WA; Mesquita EM. Vírus linfotrópico de células T humana (HTLV): doenças associadas e dificuldades no diagnóstico e tratamento. Revista de Ciências da Saúde 2015;17(1):40-6.
  14. Barmpas DBS, Monteiro DLM, Taquete SR, Tarjano AJB, Roupp RM, Miranda FRD et al. Infecção pelo HTLV-1/2 em gestantes brasileiras. Rev HUPE 2014;13(3):81-8.
  15. Santos VS, Rivemales MCC. Facilidades e dificuldades encontradas na realização do aconselhamento às pessoas que vivem com HTLV. Ciência, Cuidado e Saúde 2012;11(03):542-8. http//doi: 10.4025/cienccuidsaude.v11i3.20262
  16. Santos ACC, Soares DJ, Rivemales MCC. (Des) conhecimento, adoecimento e limitações impostas pelo HTLV: Experiências de mulheres soropositivas. Cad Saúde Coletiva 2017;25(1):45-50. doi:10.1590/1414-462x201700010186.
  17. Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Área Técnica de Saúde da Mulher. Pré-natal e Puerpério: atenção qualificada e humanizada - manual técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.
  18. Zihlmann KF, Mazzaia AT. Sentidos da interrupção da amamentação devido infecção pelo vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (HTLV-1). Acta Paul Enferm 2017;30(1):80-6. doi:10.1590/1982-0194201700012
  19. Gessain A, Cassar O. Epidemiologial aspects and world distribution of HTLV-1 infection. Front Microbiol 2012;3:388. http//doi: 10.3389/fmicb.2012.00388. eCollection.
  20. Sequeira CG, Tamegão-Lopes BP, Santos EJM, Ventura AMR, Moraes-Pinto MJ, Succi RC. Descriptive study of HTLV infection in a population of pregnant women from the State of Pará, Northern Brazil. Rev Soc Bras Trop 2012;45(4):453-6. doi:10.1590/S0037-86822012005000007
  21. Ministério da Saúde (Brasil), Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids. Guia do manejo clínico do HTLV. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.
  22. Barbosa BLFA, Guimarães JV, Salge AKM, Fávaro LC. O conhecimento dos profissionais de saúde na profilaxia da transmissão vertical do HIV em uma maternidade pública brasileira. Enfermería Global 2015;14(39).
  23. Zihlmann KF. Da invisibilidade à visibilidade do sujeito vivendo com a infecção/doença do vírus linfotrópico de células T humanas do tipo 1 (HTLV-1) e o lugar das decisões reprodutivas nas tramas do saber e do cuidar [Tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2009.
  24. Moreira CFC. Aconselhamento clínico de indivíduos infectados pelo HTLV. [Monografia]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2010.
  25. Araújo SCM. A atenção à saúde aos portadores de HTLV: um olhar sobre um serviço de referência. 2012. [Dissertação]. Recife: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2012.