REVISÃO

Obstáculos à integração dos cuidados paliativos por enfermeiros na unidade de terapia intensiva

 

Fernanda da Mata Vasconcelos Silva, M.Sc.*, Edizangella Shirley Maria de Santana**, Tatiane Simonica da Silva***

 

*Enfermeira, Professora do Departamento de Pós-graduação em Saúde do Instituto Nacional de Ensino, Sociedade e Pesquisa, **Enfermeira, Especialista em urgência, emergência e UTI, Secretaria de Saúde do Município de Chã Grande PE, ***Enfermeira, Especialista em urgência, emergência e UTI

 

Recebido em 3 de junho de 2017; aceito em 5 de setembro de 2017.

Endereço de correspondência: Fernanda da Mata Vasconcelos Silva, Rua Vicente do Rego Monteiro 292 Cordeiro, 50630-710 Recife PE, E-mail: nandadamata34@gmail.com; Edizangella Shirley Maria Santana:angella_shirley@hotmail.com; Tatiane Simonica Silva: tatysimoni@hotmail.com

 

Resumo

Objetivo: Desvelar os obstáculos da enfermagem na realização de cuidados paliativos em Unidade de Terapia Intensiva. Métodologia: Revisão integrativa da literatura realizada em abril de 2017 nas bases de dados da Bedenf, Lilacs e Medline por meio dos cruzamentos dos descritores “Cuidados Paliativos”, “Enfermagem” e “Unidade de Terapia Intensiva” para responder a questão norteadora: “Quais os obstáculos encontrados por enfermeiros na realização de cuidados paliativos em UTI?”. Definiram-se os critérios de inclusão: ser artigo original, ter sido publicado no período de 2012-2017, nos idiomas inglês, português e espanhol e estar disponível na íntegra. Foram utilizados os critérios de exclusão: teses, dissertações, monografias, editoriais e artigos de revisão. Resultados: A amostra final foi constituída de 08 artigos (04 em português, 03 em inglês e 01 em espanhol). Emergiu da análise de conteúdo a modalidade temática "Obstáculos na realização de cuidados paliativos em UTI", e dois tópicos articulados com o tema central: I – Sentimentos negativos e conflitantes ao lidar com a morte; II –Capacitação em cuidados paliativos. Conclusão: A amostra revelou o despreparo técnico e emocional dos profissionais de enfermagem para realizar o cuidado paliativo ao paciente em Unidade de Terapia Intensiva, mesmo que ele aperfeiçoe o estabelecimento das relações interpessoais nos estágios finais da vida.

Palavras-chave: cuidados paliativos, Enfermagem, unidade de terapia intensiva.

 

Abstract

Obstacles to the integration of palliative care by nurses in the intensive therapy unit

Objective: To reveal the obstacles of nursing in palliative care in the Intensive Care Unit. Methods: Integrative review of the literature performed in April 2017 in the databases of Bedenf, Lilacs and Medline through the crossings of the descriptors "Palliative Care", "Nursing" and "Intensive Care Unit" to answer the guiding question: "What are the obstacle encountered by nurses in performing palliative care in ICU? " The inclusion criteria were as follows: to be an original article, have been published from 2012 to 2017 in English, Portuguese and Spanish and be available in full. Exclusion criteria were: theses, dissertations, monographs, editorials and review articles. Results: The final sample consisted of 08 articles (04 in Portuguese, 03 in English and 01 in Spanish). After content analysis, emerged the thematic modality "Obstacles to the delivery of palliative care in ICU", and two topics articulated with the central theme: I - Negative feelings and conflicts in dealing with death; II - Palliative Care Training. Conclusion: The sample reveals that nursing professionals lack both technical and emotional preparation for delivering care to patient in the ICU, even if they improve interpersonal relationships in the final stages of life.

Key-words: palliative care, Nursing, intensive care unit .

 

Resumen

Los obstáculos a la integración de los cuidados paliativos por enfermeros en la unidad de cuidados intensivos

Objetivo: Develar los obstáculos de la enfermería en la realización de los cuidados paliativos en la Unidad de Cuidados Intensivos. Método: Revisión de la literatura integrativa realizada en abril de 2017 en las bases de datos de la BDENF, Lilacs y Medline a través de estrategia del cruce de los descriptores "Cuidados paliativos", "Enfermería" y "Unidad de Cuidados Intensivos" para responder a la pregunta: "¿Cuáles son los obstáculos encontrados por los enfermeros de cuidados paliativos en la UCI?". Fueron definidos los criterios de inclusión: ser artículo original, haber sido publicado en el período 2012-2017, en inglés, portugués y español y estar disponible en su totalidad. Se utilizaron los siguientes criterios de exclusión: tesis, disertaciones, ensayos, editoriales y artículos de revisión. Resultados: La muestra final estuvo compuesta de 08 artículos (04 en portugués, 03 en inglés y 01 en español). Surgió a partir del análisis del contenido la modalidad temática “Obstáculos en la aplicación de cuidados paliativos en la UCI”; y dos temas vinculados al tema central: I - Sentimientos negativos y contradictorios al lidiar con la muerte; II - Capacitación en Cuidados Paliativos; Conclusión: La muestra reveló la falta de preparación técnica y emocional de los profesionales de enfermería para realizar cuidados paliativos a los pacientes en la Unidad de Cuidados Intensivos, mismo cuando mejoran el establecimiento de relaciones interpersonales en las etapas finales de la vida.

Palabras-clave: cuidados paliativos, Enfermería, unidad de cuidados intensivos.

 

Introdução

 

A finitude humana e o evento da morte têm sido alvo de profundas reflexões por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabeleceu, na década de 90, uma nova modalidade assistencial intitulada Cuidados Paliativos 1]. A assistência paliativa objetiva melhorar a qualidade da vida de pacientes e familiares, que enfrentam uma condição clínica que ameaça a continuidade da existência, por meio da prevenção, da avaliação e do tratamento da dor e do apoio psicossocial e espiritual [1-2].

A morte é um fenômeno natural inerente à existência humana. As construções sobre a morte e o processo de morrer sofreram variações ao longo do tempo influenciadas por variações históricas e socioculturais. A finitude existencial mantinha relação direta com a religião na época antecedente à ciência moderna e à medicina. Acreditava-se que para ter uma morte digna era preciso estar em paz com Deus, em meio aos familiares e no ambiente residencial. Os cuidados médicos eram secundários, serviam para minimizar as dores e estas eram aceitas no papel de sacrifícios necessários para obter a salvação. Com o evoluir das ciências médicas e a implantação das tecnologias voltadas à assistência à saúde, a morte ganhou outra significação, ela deixa de ser considerada um fenômeno natural e passa a ser concebida enquanto falha terapêutica. O fim da vida não era mais presenciado nos lares ao lado da família e, sim, em ambientes hospitalares com tecnologia avançada cujo objetivo era puramente curativo [3].

Atualmente, uma visão mais holística, sobre a morte e o morrer, destaca a valorização do controle da morte pela pessoa em processo de terminalidade [2]. Tal fato deve-se a influência dos cuidados paliativos no campo das ciências da saúde. Foram inicialmente prescritos para pacientes oncológicos em estágio terminal por decorrência das fortes dores atribuídas ao processo patológico, e, a posteriori, recomendados para todo e qualquer paciente agudo ou crônico que não respondesse ao tratamento curativo, e ainda se necessitasse de assistência para o controle de sinais e sintomas da doença [1,4].

No Brasil, estima-se atualmente que 75% dos óbitos ocorram em hospitais, especificamente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) [5]. A assistência intervencionista e curativa desenvolvida nas UTI destaca-se pela complexidade do cuidado prestado e pela utilização de tecnologias, que muitas vezes contribuem para retardar o processo de morte fisiológica [5-6]. Sabe-se que os leitos de UTI são destinados a pacientes críticos com estado de saúde recuperável, entretanto, não se exclui, assim, admissões de pacientes em estágio terminal, sem possibilidades terapêuticas, pois, os cuidados paliativos também preconizam assistência intensiva para alívio de sofrimentos e dores ao fim da vida [6]. Para se promover dignidade também frente à morte, é preciso repensar as práticas assistenciais mesmo para aqueles pacientes sem possibilidades de cura, inclusive, diante dos desafios encontrados no cuidado domiciliar que são inúmeros e contribuem para a institucionalização da morte.

O cuidado direciona a práxis da enfermagem. Neste sentido, o enfermeiro que atua em cuidados paliativos, na UTI, busca amenizar ou sanar qualquer tipo de desconforto que o paciente e/ou família apresente. Destaca-se a importante atuação do profissional em questão, na avaliação da dor, seguimento da terapêutica prescrita e auxílio na avaliação da eficácia da mesma, ao apoiar também o indivíduo e a família durante todo o processo da doença [4].

O conceito de cuidado absolvido durante a graduação em enfermagem, no entanto, vai de encontro à visão holística atribuída à assistência em cuidados paliativos [4]. No confronto com a terminalidade e, no exercício dos cuidados paliativos, os enfermeiros enfrentam dilemas éticos relacionados ao sentido existencial do adoecimento e do processo de morrer, surgem, portanto, angústias, medos e insegurança referentes à assistência paliativa integral [1-2,4].

Destarte, pretende-se com o presente estudo desvelar os obstáculos da enfermagem na realização de cuidados paliativos em Unidade de Terapia Intensiva. Para este fim, estudo será norteado pela seguinte questão: “Quais os obstáculos encontrados por enfermeiros na realização de cuidados paliativos em UTI?”.

 

Métodologia

 

Trata-se de um estudo que utiliza por método a revisão integrativa da literatura, a qual objetiva alcançar novos conhecimentos a partir de uma área de interesse. Para subsidiar a operacionalização do estudo, foram seguidas as seguintes etapas: elaboração da questão norteadora e objetivo do estudo; definição dos critérios de inclusão e exclusão das produções científicas; busca dos estudos nas bases de dados; análise e categorização dos estudos; resultados e discussão dos achados para a presente pesquisa [7].

Elaborada a questão norteadora e o objetivo da pesquisa, prosseguiu-se à fase de levantamento dos dados, que ocorreu em abril de 2017, nas bases de dados: BDENF, Lilacs e Medline. Optou-se por estas bases de dados e biblioteca por entender que atingem a literatura publicada nos países da América Latina e Caribe, mas também referências técnico-científicas brasileiras em enfermagem que incluem periódicos conceituados da área da saúde. Foram realizados os cruzamentos dos descritores “Cuidados Paliativos”, “Enfermagem” e “Unidade de Terapia Intensiva”, oriundos da base de Descritores em Ciências da Saúde (DecS). Destaca-se que foi utilizado o boleando “and” entre os descritores.

Para seleção dos artigos, definiu-se como critérios de inclusão: ser artigo original, ter sido publicado no período de 2012-2017, nos idiomas inglês, português e espanhol e estar disponível na íntegra. O recorte temporal justifica-se pela criação da Lei de base nº 52/2012 do Ministério da Saúde que estabelece e regulamenta os cuidados paliativos no Brasil. Como critérios de exclusão: foram desconsideradas as teses, as dissertações e as monografias, os editoriais, estudos de caso, as revisões integrativas, sistemáticas e conceituais, bem como a repetição de publicação de estudos em mais de uma base de dados e os artigos que não responderam à questão norteadora do estudo. Ao iniciar o rastreamento dos artigos que fariam parte da amostra, cada base de dados foi explorada separadamente pelo cruzamento dos descritores e somados ao período de 2012-2017. A partir da leitura exploratória dos resumos, foram selecionados oito artigos que se enquadravam nos critérios de inclusão e objetivo do estudo, e responderam à questão norteadora, conforme detalhado no fluxograma da figura 1.

 

 

Figura 1 - Fluxograma de seleção das publicações.

 

Após leitura e releitura dos artigos, pôde-se categorizar o estudo em recortes temáticos, com o intuito de descrever e classificar os resultados e evidenciou-se o conhecimento produzido sobre o tema proposto, ao se realizar a análise, categorização e síntese dos conteúdos, com seguimento de discussão sustentada a partir da literatura pertinente.

 

Resultados e discussão

 

Foram encontrados 123 estudos, dos quais 116 apresentaram-se escritos nos idiomas português, inglês e espanhol. Destes artigos, 51 estavam disponíveis na íntegra e enquadravam-se no recorte temporal estabelecido. Assim, das publicações elencadas, 08 abordavam o tema proposto e foram selecionadas para compor o estudo. A seguir as publicações foram sumarizadas no quadro 1, que apresenta: título, autores e ano, objetivo e resultados.

 

Quadro 1 - Descrição dos estudos para revisão integrativa (ver anexo em PDF)


A partir dos dados apresentados no quadro 1, evidencia-se que os estudos foram conduzidos para identificar as barreiras existentes na realização de cuidados paliativos em UTI. Emergiu da análise, a modalidade temática "Obstáculos na realização de cuidados paliativos em UTI", e dois tópicos articulados com o tema central: I – Sentimentos negativos e conflitantes ao lidar com a morte; II – Capacitação em Cuidados Paliativos;

 

Sentimentos negativos e conflitantes ao lidar com a morte

 

A assistência paliativa constitui, no Brasil, uma modalidade de cuidado emergente para pacientes fora de possibilidades terapêuticas [1]. A paliação trabalha com o sofrimento, a dignidade, o cuidado integral às necessidades humanas e na promoção de qualidade na fase final da vida de pacientes e familiares que sofrem por uma doença terminal [2,15].

O profissional de enfermagem assume posição privilegiada no referido processo de cuidar por assistir de forma integral o paciente durante as 24h do dia. Por meio de conhecimentos específicos e criatividade, e baseados nos princípios de veracidade, respeito e solidariedade, direciona ações para amenizar o desconforto e o sofrimento de pacientes e familiares.

O processo de morrer e a morte sofreram ressignificações influenciadas por construções históricas, sociais e culturais [4]. Todos os seres humanos são condicionados para vida, e a morte vai de encontro com tal condição primordial. Neste sentido, o processo de cuidar, principalmente na modalidade paliativa, sofre influência de crenças, valores e aspectos culturais que estão arraigados a cada ser-que-cuida, o profissional de enfermagem [4-5].

Sentimentos negativos, conflitantes e a dificuldade ao lidar com a morte influenciam de forma direta a assistência de enfermagem que será dispensada ao paciente e familiares. Faz-se necessário compreender que a morte é o estágio final da existência humana e que merece ser repensada para proporcionar ao paciente uma morte digna.

No presente estudo, o despreparo emocional, a insegurança e os sentimentos de impotência e frustação ao lidar com a morte foram evidenciados pelos enfermeiros enquanto obstáculos à assistência paliativa integral. Acredita-se que ações institucionais a exemplo de atividades reflexivas sobre o processo de morrer, técnicas eficientes de comunicação, palestras multiprofissionais sobre cuidados paliativos seriam eficazes, ao enfermeiro, na diminuição da insegurança ao prestar o cuidado paliativo na Unidade Intensiva.

No âmbito supracitado, percebe-se a importância em educar de forma continuada o profissional de UTI para garantir mudança no paradigma do enfrentamento da morte a fim de realizar uma assistência paliativa integral. As práticas paliativas de cuidado devem ser orientadas para o alívio dos sofrimentos, ao centrarem-se no paciente e não na patologia que o acomete, e colocar cuidador e assistido em condições de compaixão recíprocas, o que resulta em experiências plenas de significação existencial [3].

 

Capacitação em cuidados paliativos

 

Toda complexidade e tecnologia em tratamento intensivo aplicado no sentido curativo podem não ser suficientes para pacientes no estágio final da vida [5]. Após uma década de rápida expansão, os cuidados paliativos assumem importante função como modalidade assistencial nas UTI [6]. O repensar sobre a morte e o processo de morrer configura-se um desafio à prática profissional intensivista.

Ancorados na formação biologicista e curativa, os profissionais de enfermagem atrelam a prática à necessidade de salvar vidas, rejeitam a morte enquanto realidade que demanda cuidados [4-5]. Enfermeiros de UTI elencaram em dados coletados no presente estudo a necessidade de uma capacitação em cuidados paliativos para que a assistência ao paciente terminal fosse repensada.

Estudo, realizado em 2010, demonstra que não há instrumentos específicos para avaliação dos cuidados paliativos realizados nas UTI [2]. Dados encontrados nos formulários da Sistematização da Assistência de Enfermagem são pouco abrangentes e não apresentam instrumento eficaz na avaliação da dor. A assistência de enfermagem atua de forma individualizada e assistemática e maneja o paciente conforme as próprias crenças, valores e conhecimentos. Evidenciam ainda o esforço realizado pelos enfermeiros em proporcionar um cuidado paliativo de forma comprometida como alívio das dores e dos sofrimentos vivenciados pelos pacientes e familiares em Unidade de Terapia Intensiva [2].

Pesquisas recentes corroboram os achados do estudo ao evidenciar urgência de treinamento especializado em Cuidados Paliativos para a equipe multiprofissional das Unidades Intensivas. A criação de momentos discursivos e reflexivos converge para uma prática voltada ao cuidado integral [2]. As medidas educativas são orientadas para cuidadores que vivenciam a necessidade de paliação na rotina diária [3]. Cursos sobre educação para a morte, gerenciamento das perdas, ressignificação de conflitos e entraves emocionais, além de incentivo para participações profissionais em congressos, simpósios e cursos de pós-graduação são estratégias que devem ser utilizadas pelos hospitais para tornar o enfermeiro e a equipe multiprofissional aptos a desenvolverem as atividades cabíveis [12].

 

Conclusão

 

No confronto com a terminalidade e no exercício dos cuidados paliativos, o profissional de enfermagem depara-se com inúmeros obstáculos para realizar paliação, de forma holística e integral em doentes fora de possibilidade terapêutica internados em UTI e aos familiares.

Motivados por realizar uma assistência que “salva vidas”, o cuidado com a finitude existencial faz emergir no profissional um sentimento de impotência, insegurança e despreparo diante da morte. Sentimentos negativos e conflitantes na administração dos cuidados paliativos refletem na prática assistencial desenvolvidas em UTI.

A falta de capacitação especializada em cuidados paliativos reflete em uma assistência individualizada e assistemática guiada por valores, crenças e conhecimentos adquiridos durante a graduação.

Evidencia-se a necessidade urgente de suporte institucional para realização de treinamentos e capacitação na área paliativa. Ao educar no trabalho, possibilita-se ao profissional de UTI o resgate da sua capacidade crítica e reflexiva a partir do seu fazer e de sua realidade de trabalho, pois ressignifica a própria prática profissional.

 

Referências

 

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