ARTIGO ORIGINAL

Representando as ações preventivas das IST/Aids realizadas por enfermeiros na atenção básica

 

Angélica Aparecida Amarante Terra, M.Sc.*, Girlene Alves da Silva, D.Sc.**

 

*Doutoranda em Saúde Coletiva, Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais – campus São João Del-Rei, **Docente do Departamento de Enfermagem Aplicada da Universidade Federal de Juiz de Fora

 

Recebido em 12 de junho de 2017; aceito em 12 de setembro de 2017.

Endereço para correspondência: Angélica Aparecida Amarante Terra, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais – campus São João Del-Rei, Rua Américo Davim Filho, s/nº, Vila São Paulo 36301-358 São João Del Rei MG, E-mail: angelica.terra@ifsudestemg.edu.br, Girlene Alves da Silva: girlas@terra.com.br

 

Resumo

Para elucidar a discussão das práticas preventivas sobre as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e a Aids, realizadas por enfermeiros, na atenção básica em saúde, o presente estudo buscou caracterizar as representações sociais dos enfermeiros sobre as práticas preventivas das IST/Aids e analisar as relações entre estas e as estratégias desenvolvidas para reduzir a vulnerabilidade às IST/Aids. De abordagem qualitativa, o trabalho orientou-se pelo referencial das Representações Sociais. Participaram 32 enfermeiros da rede de atenção básica em saúde do município de Juiz de Fora, Minas Gerais. Os discursos foram explorados à luz da análise temática de conteúdo proposta por Bardin. Os resultados evidenciaram a necessidade de garantir o desenvolvimento de atividades que favoreçam ações mais resolutivas, com a mobilização dos profissionais e seus gestores, no sentido de integrar ações para direcionar as práticas embasadas no modelo de promoção da saúde, com a finalidade de redução da vulnerabilidade dessas doenças.

Palavras-chave: doenças sexualmente transmissíveis, prática profissional, Enfermagem.

 

Abstract

Representing the STI/Aids preventive actions performed by nurses in health care centers

In order to enlighten the discussions on preventive actions concerning Sexually Transmitted Infections (STI) and Aids adopted by nurses in health care centers, this study aimed to characterize the nurses’ social representations regarding the STI/Aids prevention and to analyze their relations with the strategies developed to reduce the vulnerability to the STI/AIDS. Using a qualitative approach, this paper was based on the Social Representation framework. Thirty-two nurses from the municipal health care centers from Juiz de Fora, Minas Gerais State participated in the research. The discourses were analyzed from Bardin’s content propose. The results prove the necessity to ensure the development of activities that promote more resolutive actions, with the mobilization of professionals and managers in order to integrate actions directed to a model of health promotion, aiming to reduce the vulnerability of those diseases.

Key-words: sexually transmitted diseases, professional practice, Nursing.

 

Resumen

Representando las acciones preventivas de las IST/Sida realizadas por enfermeros en la atención básica

Para dilucidar la discusión de las prácticas preventivas sobre las Infecciones Sexualmente Transmisibles y el Sida, realizadas por enfermeros, en la atención básica en salud, el presente estudio buscó caracterizar las representaciones sociales de los enfermeros sobre las prácticas preventivas de las IST/Sida y analizar las relaciones entre estas y las estrategias desarrolladas para reducir la vulnerabilidad a las IST/Sida. De enfoque cualitativo, el trabajo se orientó por el referencial de las Representaciones Sociales. Participaron 32 enfermeros de la red de atención básica en salud del municipio de Juiz de Fora, Minas Gerais. Los discursos fueron explorados a la luz del análisis temático de contenido propuesto por Bardin. Los resultados evidenciaron la necesidad de garantizar el desarrollo de actividades que favorezcan acciones más resolutivas, con la movilización de los profesionales y sus gestores, en el sentido de integrar acciones para dirigir las prácticas basadas en el modelo de promoción de la salud, con la finalidad de reducción de la vulnerabilidad de estas enfermedades.

Palabras-clave: enfermedades sexualmente transmisibles, práctica profesional, enfermería.

 

Introdução

 

Os serviços de atenção básica à saúde são responsáveis pela implementação de ações preventivas e assistenciais nas áreas de abrangência das Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS), atendendo a população adstrita e gerando impacto na situação de saúde, na autonomia das pessoas e nos determinantes de saúde da coletividade [1]. Os profissionais da atenção básica desenvolvem ações que priorizam a identificação de situações de risco, avaliando as necessidades e a vulnerabilidade de seus usuários.

Diversas políticas de saúde são desenvolvidas na atenção básica, devido ao aspecto de maior proximidade com a população, possibilitando uma análise permanente da situação de saúde, com a facilidade de identificação e intervenção no processo saúde-doença. Dentre essas políticas, destaca-se a Política Brasileira de Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). A terminologia Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) passa a ser adotada em substituição à expressão Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), uma vez que há possibilidade de existir portador assintomático de uma infecção e transmiti-la [2].

As diretrizes brasileiras da política de atenção às IST focalizam ações de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento imediato. Os profissionais de saúde que lidam com essa temática têm o papel de reforçar a mudança na percepção da população sobre o foco de ação, centrado na doença, em detrimento das medidas preventivas, uma vez que as IST ainda são consideradas um dos problemas que impactam os sistemas de saúde mundial. Para além da cura de uma IST, o atendimento imediato é uma estratégia de mudança de hábitos para evitar o aumento da vulnerabilidade e às complicações potenciais. O diagnóstico e o tratamento devem ser realizados o mais breve possível, podendo ser implementadas ações de informação/educação em saúde individual e coletiva.

Conhecer sobre as causas e consequências das IST/Aids na população permite a elaboração de um diagnóstico situacional, favorecendo o planejamento de ações que atenda as necessidades da população assistida. É mister considerar que grande parcela da população não está infectada por uma IST, no entanto, isso é condição de alerta para intervenções de prevenção que podem reduzir a incidência desses agravos [2].

No contexto da atenção integral à saúde, faz-se necessário não perder oportunidades de práticas que viabilizem a educação preventiva, pela atuação de profissionais com habilidades técnicas e pedagógicas para acolher, identificar as necessidades de saúde e analisar a vulnerabilidade da população. Como a maioria das pessoas com IST são assintomáticas ou têm sintomatologia tênue, acabam não reconhecendo suas alterações, propiciando que apenas uma parcela da população alcance a cura e interrompa a transmissão. No manejo das IST, o enfermeiro detém um papel de destaque. Em consonância com a Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011, que aprova a Política Nacional da Atenção Básica, este profissional possui atribuições específicas, como a realização da consulta de enfermagem, procedimentos, atividades em grupos e, conforme protocolos e disposições legais da profissão, solicita exames complementares, prescreve medicações e encaminha, quando necessário, usuários para outros serviços [1,3]. É importante destacar que o trabalho desenvolvido pelo enfermeiro, direcionado para as práticas preventivas das IST/Aids, tem como propósito gerar impacto no contexto epidemiológico dessas moléstias.

O cenário das ações e atividades desenvolvidas pelos enfermeiros na atenção básica, direcionadas para a questão das IST/Aids, volta-se para práticas de prevenção do HIV/Aids, promoção da saúde dos portadores de HIV/Aids e acompanhamento dos portadores de HIV/Aids [4]. Nessa perspectiva, a necessidade de identificar as práticas preventivas realizadas pelos enfermeiros na atenção básica, para IST/Aids possibilita compreender como as mesmas são articuladas e implementadas, visando a quebra da cadeia de transmissão, além de garantir, o mais breve possível, o acolhimento adequado com privacidade.

Diante do exposto, nos questionamos: o que sabem os enfermeiros sobre as práticas preventivas das IST/Aids? Como eles caracterizam essas práticas em suas atividades diárias? As representações que eles têm em relação às IST/Aids corroboram as preconizadas pelas políticas de saúde?

Pelas indagações supracitadas, o objeto de investigação foi as representações sociais dos enfermeiros da atenção básica sobre as práticas preventivas na abordagem das IST/Aids. Pelo cenário proposto, delineamos os seguintes objetivos: caracterizar as representações sociais dos enfermeiros da atenção básica sobre as práticas preventivas na abordagem das IST/Aids e analisar as relações entre as representações e as estratégias desenvolvidas por esses profissionais, para reduzir a vulnerabilidade às IST/Aids.

 

Material e métodos

 

O estudo constituiu-se de uma abordagem descritiva qualitativa, que tem como premissa o ato de observar, registrar, analisar e correlacionar fatos ou fenômenos do mundo físico e, especialmente, do mundo humano, sem manipulá-los e sem a interferência do pesquisador [5].

Foi desenvolvido nas UAPS que contemplavam a Estratégia Saúde da Família (ESF) do município de Juiz de Fora/MG. Foram entrevistados 32 enfermeiros, sendo considerados como critérios de elegibilidade para a investigação: enfermeiros que trabalhavam nas UAPS com ESF, que estavam há pelo menos seis meses atuando no nível da atenção básica e que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa.

Optou-se por definir o quantitativo de sujeitos por inclusão progressiva, que é interrompida pelo critério de reincidência, ou seja, quando as concepções, explicações e sentidos atribuídos pelos sujeitos começaram a ter uma regularidade, não definindo novas categorias ou representações [6].

Para preservar o anonimato dos participantes, os mesmos foram identificados pela sigla “ENF” referente à inicial da palavra “enfermeiro(a)” e pela sequência em que foram entrevistados.

A rede de serviços de atenção básica em Juiz de Fora está constituída por 63 UAPS distribuídas em sete regiões administrativas e 12 sanitárias. Existem 89 equipes da ESF, alocadas em 39 unidades. A cobertura total dos serviços e ações na atenção primária corresponde a aproximadamente 81%, estando cerca de 20% da população descoberta de serviços e ações da atenção primária.

Os critérios de seleção das UAPS foram: facilidade de acesso e disponibilidade dos profissionais para o agendamento das entrevistas.

Posterior à leitura e o aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, durante as visitas agendadas em campo. Este tipo de formulário de coleta permite ao entrevistado responder de forma livre e ao pesquisador inserir conteúdos relevantes durante a coleta de dados [7].

As entrevistas foram gravadas, assegurando ao participante seu anonimato. Para a análise das entrevistas coletadas, optamos pela técnica de análise de conteúdo temática. Essa técnica visa selecionar, de forma objetiva os significados temáticos pela simples análise dos elementos de um texto [8].

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob parecer nº 103.640, atendendo à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta a pesquisa com seres humanos [9].

 

Resultados e discussão

 

A maioria dos participantes do estudo foi do gênero feminino, com idade mínima de 27 e máxima de 59 anos, e média de 45 anos. O tempo de formação variou de seis meses a trinta anos, estando a maioria com tempo médio de 17 anos formados, sendo todos egressos de instituições públicas. Considerando o tempo de serviço na ESF, a média foi de 16 anos, com o maior tempo de 20 anos e o menor menos de um ano.

Após análise dos relatos, pudemos explorar questões que envolvem o processo de trabalho nas UAPS, sendo possível elencar ações que vão desde práticas preventivas e promocionais da saúde até ações curativas, de cunho meramente biomédico. Considerando a temática das IST/Aids, as práticas realizadas nas UAPS se direcionam para o repasse de informações preventivas e focalizadas. Tais atitudes são corroboradas por normativas do Ministério da Saúde que, através de suas políticas públicas, inserem conteúdos, muitas vezes indutivos, para serem trabalhados com uma população-alvo [2,10].

Em uma análise geral, foi possível identificar representações que sinalizam ações de educação em saúde direcionadas, muitas vezes, para grupos específicos, por meio de métodos educativos com abordagens meramente informativas. Nessa perspectiva, os depoentes trazem as seguintes falas:

 

“A atenção primária é conhecida como um passo muito importante, até porque nós fazemos palestras, grupos diversos, a gente passa muita informação, então pra prevenção é importante” (ENF 03)

 

“Pra mim é a gente tá fazendo as palestras, os grupos educativos com a comunidade, tá orientando eles né sobre alguns métodos que eles podem tá usando pra evitar as doenças transmitidas pelo sexo, [...] porque são doenças sérias que tem que ser falada, tem que fazer bastante propaganda em cima disso, fazer bastante grupo educativo porque são conversas sérias né?” (ENF 07)

 

“Significa informação, significa a gente proporcionar as pessoas o máximo de informação de várias formas porque às vezes você fala as pessoas estão careca de saber, [...] nós da atenção primária temos que procurar falar a mesma coisa de forma diferente pra ver se alguma vez estas falas, né, essa orientação atingem as pessoas.”(ENF 14).

 

A educação em saúde perpassa todos os níveis de atenção à saúde. Contudo, ela é mais evidenciada no campo da atenção básica, concretizada pela ESF, uma vez que segue o modelo de promoção social da saúde [1,11]. Quando identificamos que as representações que os enfermeiros têm sobre as abordagens preventivas das IST/Aids são limitadas em atividades educativas, deparamo-nos com a forma que essas ações estão sendo realizadas, pois requerem o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e técnicas específicas para o fortalecimento dos processos educativos, a fim de criar um cenário privilegiado, com vistas a contribuir para o entendimento da população. Transcendendo as normatizações e conteúdos explicitatórios, as práticas educativas devem destoar de uma metodologia de deposição de informações, unidirecional e imposta ao sujeito, principalmente quando referente às IST/Aids [12].

E, por conseguinte, olhar para a atenção básica como o único nível responsável pelo desenvolvimento de práticas preventivas é desconsiderar a ação dos profissionais de níveis mais complexos de assistência à saúde, no qual também se realizam educação em saúde, mesmo que tenham focos e/ou metodologias diferenciadas. No âmbito da ESF, o controle da disseminação das IST/Aids se concentram nos riscos inerentes aos comportamentos inadequados de vida, sendo válido refletir sobre a mudança na metodologia de transmissão das informações e (re)pensar o sentido de adotar estratégias que viabilizem o ensino e a utilização desse recurso como fator de mudança nos hábitos, favorecendo a redução da vulnerabilidade social.

O estudo ainda apontou que as práticas preventivas das IST/Aids representadas pelos enfermeiros eram direcionadas para grupos específicos, como as mulheres, dado que essas ações eram realizadas, muitas vezes, nos Grupos de Direitos Reprodutivos (GDR) e em consultas ginecológicas. Nesse sentido, foi observado que as abordagens preventivas eram desenvolvidas em grupos que elencam características peculiares, conforme mostram os depoimentos a seguir:

 

“Elas ocorrem não só individualmente, né, enquanto você tá fazendo um preventivo você pode abordar essas questões, conversar com a mulher, levantar como é a questão da vida sexual dela e saber como ela tá se prevenindo, e também coletivamente, você pode lançar mão das reuniões que você tem, da sala de espera, na questão dos grupos de direitos reprodutivos que é um momento bastante rico pra gente discutir” (ENF 06).

 

“então, assim, é de grande importância que a gente faça a prevenção nas consultas” (ENF 07).

 

“Também nesses grupos de direitos reprodutivos, principalmente, a gente aproveita os momentos pra tá falando sobre as doenças sexualmente transmissíveis, grupo de gestante é que a gente tem mais chances de tá fazendo essa abordagem” (ENF 10).

 

“A outra é quando a mulher faz o preventivo, que a gente tem uma mini abordagem também em relação a isso, a gente pergunta a questão do parceiro, né, da atividade sexual” (ENF 13).

 

“Deixa pra falar isso no grupo de direitos reprodutivos, porque daí, como a gente vai lidar com a sexualidade, vai falar de anatomia do homem, da mulher, e ali a gente vai ter a fala sobre as DST que envolve o tema e depois entra nos direitos reprodutivos” (ENF 27).

 

Fica evidente que as práticas para a prevenção das IST/Aids desenvolvidas pelos enfermeiros na ESF se direcionam às mulheres. Como muitas dessas abordagens são realizadas durante as consultas ginecológicas, em grupos de Direitos Reprodutivos e/ou por demanda espontânea, a adoção dessas ações para um público restrito desfavorece uma parcela da população, que não é captada, contribuindo para o aumento da vulnerabilidade social. Ancoradas nas representações levantadas pelo estudo, identificamos que as práticas preventivas são direcionadas às orientações com abordagens focalizadas, como a investigação do comportamento sexual feminino, os grupos de educação sexual e reprodutiva, e os aconselhamentos individuais. Essa peculiaridade, principalmente relacionada à prevenção das IST/Aids, reflete ações centralizadas, desvinculando as necessidades da população como um todo.

Como identificado pelo estudo, sendo as mulheres a maioria participativa nas abordagens de prevenção das IST/Aids, desconsidera-se a relação de gênero e salienta-se apenas a participação feminina na prevenção. Mesmo diante da crescente incidência do número de mulheres no contexto da epidemia, é imprescindível considerar a participação masculina, pois este também tem um papel relevante na transmissibilidade dessas doenças [13].

A transmissão sexual ainda é a de maior porcentagem no aumento dos casos de HIV/Aids no Brasil [14]. A baixa frequência dos homens aos serviços de saúde relaciona-se ao fato de os mesmos não se preocuparem com os problemas decorrentes de seus hábitos inadequados de vida ou porque, na maioria dos casos, as UAPS funcionam em horário comercial, momento que o público masculino encontra-se trabalhando [15].

É importante considerar todas as vertentes que impedem o homem de participar dos cuidados de saúde inerentes às IST/Aids, a fim de permitir que obtenha uma saúde sexual saudável e que contribua para a redução da vulnerabilidade, interrompendo a cadeia de transmissão, a partir da investigação dos contatos sexuais das pessoas infectadas. Cumpre destacar a valorização da participação masculina nos grupos de planejamento familiar, uma vez que o homem também deve ser reconhecido como sujeito de direitos sexuais e reprodutivos. Quando nos deparamos com práticas preventivas que não promovem a inclusão masculina, por meio da busca ativa e/ou desenvolvimento de atividades que acolhem esses indivíduos, favorecemos o aumento da vulnerabilidade individual.

Durante as consultas ginecológicas realizadas pelos enfermeiros nas UAPS, o manejo clínico torna-se fator intrínseco para o controle das IST/Aids. Uma ferramenta que auxilia na conduta do profissional diante de casos de doenças transmitidas pelo sexo são os fluxogramas para atendimento das IST, que favorecem a identificação de casos suspeitos de IST e a instalação do tratamento imediato, sendo dispensável, muitas vezes, a confirmação de exames laboratoriais [2].

Em substituição ao que foi recomendado pelo Manual de Controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis de 2006, a abordagem sindrômica apresentava-se específica e sensível para algumas vaginites e para a doença inflamatória pélvica (DIP), mas não atendia o manejo das cervicites, por questões ligadas ao tratamento e à etiologia das doenças [2,10]. Além disso, o manejo clínico das infecções assintomáticas foi favorecido pelo desenvolvimento de novas tecnologias diagnósticas, que possibilitaram a identificação precoce das infecções subclínicas [2].

É preciso colocar em prática o que foi instituído no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Atenção Integral às Pessoas com IST, desenvolvido pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, com o objetivo de ampliar a cobertura e interromper a cadeia de transmissão dessas doenças [2]. Salientamos que, sendo parte da estratégia direcionada para a redução da vulnerabilidade às IST/Aids, nem todos os profissionais que participaram do estudo o utilizam como critério para o manejo de suas práticas, o que favorece o aumento da vulnerabilidade programática, devido ao descomprometimento com ações de enfrentamento desse problema.

Outro aspecto destacado foi a realização das práticas preventivas nos grupos de direitos reprodutivos. As abordagens eram realizadas de forma limitada e, geralmente, no último dia de encontro. É mister considerar que o planejamento familiar realizado por meio do GDR é uma prática inerente ao enfermeiro e que o mesmo inclui nesta atividade educativa a prevenção das IST/Aids, como elucidado nas falas a seguir:

 

“porque eu começo o grupo de direitos reprodutivos falando muito sobre DST” (ENF 08)

 

“está incluída junto com os direitos reprodutivos, é corrido, rápido, são três reuniões, e às vezes não dá tempo de você falar tudo” (ENF 26)

 

“Em relação ao grupo de direitos reprodutivos são três dias, primeiro fala no geral dos contraceptivos, cada profissional tem uma forma de fazer, aí no segundo encontro vai falando sobre cada método, aí nós temos um álbum seriado, onde a gente mostra as DST [...]” (ENF 30)

 

Complementam relatando em seus depoimentos que a população não está empenhada na prevenção de uma doença de transmissão sexual, mas, sim, na busca por um método contraceptivo que evite a gravidez indesejada:

 

“É... infelizmente é mais para conseguir o... método que eles querem optar, o método contraceptivo, entendeu? [...] quando o usuário quer alguma coisa em troca ou fazer uma laqueadura ou outro método contraceptivo, aí sim ele aparece porque ele se interessa”(ENF 04)

 

“Infelizmente a gente não tem muita adesão da comunidade, o que vem pra gente pro grupo é só quem quer fazer laqueadura, vasectomia, ninguém tá interessado em DST/Aids, ninguém interessado no assunto”(ENF 05)

 

É importante considerar que o direito sexual e reprodutivo engloba questões de decisão pessoal, de forma livre e responsável, sobre o desejo de ter ou não filhos e o seu quantitativo, além de viver e expressar a sexualidade sem violência, discriminação e imposições, incluindo o direito ao sexo seguro, para prevenção de gravidez indesejada e das IST/Aids, concretizado por ações dos serviços públicos de saúde, pela garantia do sigilo e privacidade [16].

Quanto às práticas preventivas desenvolvidas nos grupos de planejamento familiar pelos participantes do estudo, as iniciativas previstas pelo Ministério da Saúde são consolidadas e estão relacionadas às atividades de prevenção das IST/Aids e da gravidez indesejada. O desenvolvimento dessas práticas redireciona as ações para a redução da vulnerabilidade programática. Associado a essa questão, perdura entre esses profissionais a identificação do preservativo, como método preventivo mais eficaz tanto relacionado à gravidez não planejada quanto às IST/Aids:

 

“a gente orienta o uso do preservativo, porque muitos fazem a opção pela pílula e então a gente fala, sempre o preservativo é importante” (ENF 03)

 

“a gente orienta que, além do método contraceptivo pra ela escolher, é importante também o uso da camisinha, do preservativo masculino ou feminino [...], principalmente o preservativo, que além da gravidez, ele previne as doenças sexualmente transmissíveis” (ENF 10)

 

“a gente já trabalha muito a importância do preservativo, principalmente o preservativo masculino, né, que é barato, de fácil acesso, que as pessoas conseguem adquirir até na unidade através da distribuição do Ministério da Saúde” (ENF 18)

 

“reforço que o único método de evitar as doenças é o preservativo, né, que a gravidez tem outros métodos, mas a doença é só com o preservativo” (ENF 25)

 

Sabe-se que a medida centralizada na prevenção do risco de transmissão das IST/Aids e da gravidez não planejada é o preservativo, masculino ou feminino. Cumpre destacar que os depoentes representam o preservativo como a principal alternativa de interrupção da transmissibilidade dessas doenças. Contudo, não podemos deixar de considerar a eficácia de outras medidas, como a redução do número de parceiros, que favorecem a diminuição da vulnerabilidade individual. Como prática preventiva, cabe estimular o empoderamento da população para a aquisição de comportamentos sexuais seguros.

Ainda que o preservativo masculino seja considerado mais acessível à população, os enfermeiros mencionam o feminino durante a realização de suas práticas preventivas. Apesar disso, muitas mulheres ignoram seu uso, seja por desconhecimento ou pela indisponibilidade desse insumo nos serviços de saúde. É salutar evidenciar as conquistas das mulheres com a ampliação do acesso aos recursos preventivos, em especial o preservativo feminino. Esse método de prevenção ampliou o controle feminino, propiciando maior autonomia sobre seu corpo e sua prática sexual. Permitiu colocar a mulher no posto de decisão sobre seu uso e que a mesma não dependerá da vontade de seu parceiro, além de ser constituído de um material mais resistente e menos alergênico [17].

Observamos que, diante das representações, os participantes do estudo possuem dificuldade de atuar com um conceito ampliado de saúde, não atingindo os problemas reais de sua população, com ações que não se adequam ao contexto social do indivíduo. As práticas educativas, como cuidado de saúde pública, devem se fundamentar em princípios como a dialogicidade, o conhecimento prévio do sujeito como ponto chave de partida e a troca de saberes e experiências. Ainda, a prática educativa centralizada na dialogicidade e na troca de experiências entre os sujeitos rompe com o modelo normatizador de repasse de informações [18].

Diante do cenário apresentado pelo estudo podemos destacar que a abordagem de prevenção para as IST/Aids desenvolvida pelos enfermeiros da atenção básica corrobora as premissas das políticas públicas. No entanto, ainda é preciso refletir sobre como essas ações estão sendo desenvolvidas, para que ocorra a redução das vulnerabilidades social, programática e individual.

 

Conclusão

 

Das representações reveladas surgiram situações que elucidaram a ação do enfermeiro(a) na atenção básica em saúde. Podemos perceber que a prevenção das IST/Aids está centrada nas práticas educativas, reconhecidas como práticas sociais de informação, educação e comunicação.

Notamos ações desarticuladas, com foco no individual e uso de estratégias que se apresentam ineficazes para redução da vulnerabilidade às IST/Aids. Muitos locais ainda desenvolvem ações pautadas no modelo centrado de doença, sustentando o aspecto curativista, que impossibilita a transformação de ações orientadas nas necessidades de saúde dos usuários, desfavorecendo a promoção da saúde, dentro da perspectiva da integralidade da assistência.

Sabe-se que, no Brasil, o contexto das IST passa por uma transformação, pleiteando estratégias de prevenção e intervenção terapêutica imediatas, além da disponibilização de insumos e a não discriminação dos portadores. Nesse tocante, cabe aos profissionais da atenção básica a compreensão da responsabilidade no controle da epidemia, planejando ações na direção das necessidades identificadas da população.

 

Referências

 

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