ARTIGO ORIGINAL

Conhecimento e prática de enfermeiros no controle da dor de pacientes com feridas neoplásicas

 

Glenda Agra, M.Sc.*, Maria Vitória de Souza Medeiros**, Débora Thaíse Freire de Brito**, Edlene Régis Silva Pimentel***, Nilton Soares Formiga, D.Sc.****, Marta Miriam Lopes Costa, D.Sc.*****

 

*Enfermeira, Especialista em Terapia Intensiva e Cuidados Paliativos, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB/PB), Docente do Curso de Bacharelado em Enfermagem, Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba (UFCG/PB), **Enfermeira, Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba (UFCG/PB), ***Enfermeira, Especialista em Enfermagem Oncológica, Docente do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba (UFCG/PB), ****Psicólogo Social, Docente dos cursos de pós-graduação em Psicologia e Administração da Universidade Potiguar, RN, *****Enfermeira, Docente dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB/PB)

 

Recebido em 14 de junho de 2017; aceito em 9 de julho de 2018.

Endereço para correspondência: Glenda Agra, Rua Nicola Porto, 251, Manaíra, 58038-120 João Pessoa PB, E-mail: glendaagra@outlook.com; Maria Vitória de Souza Medeiros: vitoria_junco@hotmail.com; Débora Thaíse Freires de Brito: deborathaise_@hotmail.com; Edlene Régis Silva Pimentel: edleneregis@hotmail.com; Nilton Soares Formiga: nsformiga@yahoo.com; Marta Miriam Lopes Costa: marthamiryam@hotmail.com

 

Resumo

As feridas neoplásicas representam uma angústia para pacientes que enfrentam um prognóstico de doença terminal, uma vez que são lesões que não apresentam possibilidades de cicatrização, desfiguram a aparência física e desenvolvem sintomas de difícil controle. O objetivo deste estudo foi verificar o conhecimento e prática de enfermeiros no controle da dor de pacientes com feridas neoplásicas. Trata-se de um estudo descritivo realizado com 22 enfermeiros de um hospital filantrópico de Campina Grande/PB durante o período de abril a junho de 2016. O instrumento foi um questionário estruturado, contendo questões acerca dos cuidados a pacientes com feridas neoplásicas. Os resultados obtidos nesta pesquisa permitiram, de forma geral, identificar que os enfermeiros apresentam lacunas no conhecimento de conteúdos e técnicas sobre avaliação e tratamento de pacientes com feridas neoplásicas. Além disso, constatou-se que os enfermeiros não executam alguns cuidados pertinentes a essa clientela. Desse modo, a instituição da pesquisa precisa investir em educação permanente, a fim de treinar a equipe de enfermagem para o acompanhamento de pacientes com lesões neoplásicas, adquirir materiais necessários e implantar protocolos assistenciais que norteiem a prática de métodos avaliativos e terapêuticos para o cuidado com pessoas com feridas neoplásicas, familiares e cuidadores.

Palavras-chave: conhecimento, enfermeiros, cuidados de enfermagem, assistência ao paciente, neoplasias cutâneas.

 

Abstract

Knowledge and practice of nurses in the control of pain in patients with malignant wounds

Neoplastic wounds are an anguish for patients facing a prognosis of terminal disease, since they are lesions that do not show healing possibilities, disfigure their physical appearance and develop symptoms that are difficult to control. The objective of this study was to verify the knowledge and practice of nurses in the control of pain in patients with malignant wounds. This is a descriptive study performed with 22 nurses from a philanthropic hospital in Campina Grande/PB during the period from April to June 2016. The instrument was a structured questionnaire, containing questions about care for patients with neoplastic wounds. The results obtained in this research allowed, in a general way, to identify that nurses present gaps in the knowledge of contents and techniques on the evaluation and treatment of patients with malignant wounds. In addition, it was found that nurses do not perform some pertinent care to this clientele. Thus, the research institution must invest in permanent education in order to train the nursing team to follow up patients with theses lesions, acquire necessary materials and implement care protocols that guide the practice of evaluative and therapeutic methods for care with people with malignant wounds, family members and caregivers.

Key-words: knowledge, nurses, nursing care, patient care, cutaneous neoplasm.

 

Resumen

Conocimiento y práctica de enfermeros en el control del dolor de pacientes con heridas neoplásicas

Las heridas neoplásicas representan una angustia para pacientes que se enfrentan a un pronóstico de enfermedad terminal, ya que son lesiones que no presentan posibilidades de cicatrización, desfiguran la apariencia física y desarrollan síntomas de difícil control. El objetivo de este estudio fue verificar el conocimiento y práctica de enfermeros en el control del dolor de pacientes con heridas neoplásicas. Se trata de un estudio descriptivo realizado con 22 enfermeros de un hospital filantrópico de Campina Grande/PB durante el período de abril a junio de 2016. El instrumento fue un cuestionario estructurado, conteniendo preguntas acerca del cuidado a pacientes con heridas neoplásicas. Los resultados obtenidos en esta investigación permitieron, en general, identificar que los enfermeros presentan lagunas en el conocimiento de contenidos y técnicas sobre evaluación y tratamiento de pacientes con heridas neoplásicas. Además, se constató que los enfermeros no realizan algunos cuidados pertinentes a esa clientela. De este modo, la institución de la investigación necesita invertir en educación permanente, a fin de entrenar al equipo de enfermería para el acompañamiento de pacientes con lesiones neoplásicas, adquirir materiales necesarios e implantar protocolos asistenciales que orienten la práctica de métodos evaluativos y terapéuticos para el cuidado con personas con heridas neoplásicas, familiares y cuidadores.

Palabras-clave: conocimiento, enfermeros, cuidados de enfermería, asistencia al paciente, neoplasias cutáneas.

 

Introdução

 

O Brasil vivencia um fenômeno conhecido como transição epidemiológica, cuja característica é a mudança nas causas de mortalidade e morbidade associadas às transformações demográficas sociais e econômicas. Nessa conjuntura, as doenças crônicas não transmissíveis, dentre elas, o câncer, aparecem como uma das doenças responsáveis pela modificação do perfil de adoecimento da população brasileira; e apesar dos avanços em pesquisas e novas modalidades terapêuticas existentes, é considerada a segunda maior causa de mortalidade no país [1-2].

Câncer é uma doença genética caracterizada pelo crescimento e divisão celular desordenados e, por isso, chamado de tumor maligno, que, por usa vez, pode invadir tecidos e órgãos adjacentes e/ou distantes, denominados de metástases [3].

A estimativa de câncer para o Brasil, para o biênio 2016-2017, aponta a ocorrência de cerca de 600 mil casos novos de câncer; destes, 180 mil novos casos, aproximadamente, serão câncer de pele não melanoma. O perfil epidemiológico revela que os cânceres mais frequentes, exceto o de pele não melanoma, serão o câncer de próstata (61 mil) em homens e mama (58 mil) em mulheres. Já os tipos de cânceres mais frequentes em homens serão próstata (28,6%), pulmão (8,1%), intestino (7,8%), estômago (6,0%) e cavidade oral (5,2%) e em mulheres, os cânceres de mama (28,1%), intestino (8,6%), colo do útero (7,9%), pulmão (5,3%) e estômago (3,7%) figurarão entre os principais. Embora haja limitações, acredita-se que as estimativas sejam capazes de descrever padrões atuais de incidência de câncer, possibilitando o dimensionamento da magnitude e do impacto dessa doença no Brasil. Para estes mesmos anos, na região Nordeste, estima-se que ocorram 47.520 casos novos de neoplasia em homens e 51.540 em mulheres [4].

As feridas neoplásicas também denominadas lesões oncológicas, malignas, tumorais ou fungoides (quando apresentam aspecto de cogumelo ou couve-flor) são formadas pela infiltração das células malignas do tumor nas estruturas da pele, levando consequentemente à quebra da sua integridade, com posterior formação de uma ferida evolutivamente exofítica, decorrente da proliferação celular descontrolada que o processo de oncogênese provoca [5].

A prevalência dessas lesões, independente da localização anatômica, não é bem documentada, mas se estima a partir de estudos internacionais que 5 a 10% dos pacientes com câncer desenvolvem feridas malignas [6-7]. Estudo realizado na Suíça, no período de seis meses, verificou que a prevalência de lesões malignas em pacientes com câncer metastático foi de 6,6% [8].

Observa-se uma incipiência de dados epidemiológicos nacionais relacionados às feridas neoplásicas, por isso é difícil encontrar dados fidedignos no tocante à incidência de pessoas que apresentam diagnóstico de câncer e que progridem para o desenvolvimento destas lesões. Contudo, no Brasil, dois estudos quantitativos recentes abordaram dados sobre o acometimento de pessoas com neoplasias malignas, trazendo assim novas informações que evidenciam o perfil, características e tratamento das lesões neoplásicas [9-10].

As feridas neoplásicas que acometem a pele constituem mais um agravo na vida do paciente oncológico, pois, progressivamente, desfiguram o corpo e tornam-se friáveis, dolorosas, exsudativas e liberam odor fétido [11-13]. Ao mesmo tempo, essas lesões podem levar ao desenvolvimento de complicações tais como infecções superficiais e/ou sistêmicas, fístulas e infestação de larvas; outrossim, essas feridas afligem também as dimensões psíquicas, sociais e espirituais do paciente, as quais podem interferir nas relações interpessoais com a equipe médica, com os próprios familiares e até mesmo o social [6,7,14-20].

O tratamento das feridas neoplásicas malignas é complexo, pois exige avaliação de etiologia oncológica, características da ferida, estado físico e emocional do paciente e estadiamento da ferida. Diante disso, faz-se necessário, que o enfermeiro, que habitualmente é responsável pela realização do tratamento de feridas, tenha competência e habilidade para identificar, avaliar e tratar as feridas neoplásicas, proporcionando uma assistência integral ao paciente e sua família [21].

Para proporcionar uma melhor qualidade de vida ao paciente com doença oncológica avançada com ferida neoplásica, o enfermeiro necessita conhecer produtos, substâncias, medicamentos e coberturas específicos para controle dos sinais e sintomas; assim como a realidade econômica do paciente e de seus familiares e da instituição em que está hospitalizado, para assim melhor intervir [22].

Desta forma, cabe ao enfermeiro avaliar e tratar a lesão neoplásica levando em consideração as dimensões física, psíquica, social, espiritual e familiar do paciente, a fim de melhorar sua qualidade de vida durante seus últimos dias de vida, uma vez que o paciente que vive com doença oncológica avançada e apresenta ferida neoplásica possui um alto grau de vulnerabilidade física, psíquica e espiritual [23].

Diante desse contexto, o enfermeiro frente ao paciente com ferida neoplásica, deve considerar durante a avaliação da lesão os seguintes aspectos: tamanho, profundidade, área de envolvimento, coloração, extensão, odor, exsudato, sangramento, dor, prurido, descamação, fístulas, abscessos, limitação física, metástases, adequação de roupas e curativos para o paciente [24-26].

O Instituto Nacional do Câncer (INCA) divulgou, em 2009, um manual de ações de enfermagem para pacientes com doença oncológica avançada que apresentam feridas neoplásicas, com o objetivo de uniformizar as intervenções avaliativas e terapêuticas para melhor cuidar destes pacientes [24].

Diante do exposto, foram selecionadas habilidades para um domínio de conhecimento teórico – o saber - e um de conhecimento prático – o fazer – com que foi possível elaborar uma escala cujo objetivo é verificar, na concepção de enfermeiros responsáveis pelos pacientes com feridas neoplásicas, a existência das dimensões teóricas e práticas. Na Enfermagem, o domínio pode ser compreendido como o âmbito de sua área, ou seja, a abrangência de seu conhecimento, que é um domínio pessoal, uma apropriação e compreensão do saber por uma pessoa, nesse caso, o enfermeiro, que, durante a sua formação, desenvolve em sua prática diária, o saber como (um conhecimento prático). Hipoteticamente, ambos são interdependentes e fazem parte de um conjunto mais amplo da Enfermagem, que inclui aspectos éticos e pessoais percebidos durante a implementação do cuidado [27].

A inquietação em realizar este estudo surgiu mediante visitas técnicas em um hospital filantrópico que atende pacientes com doença oncológica avançada onde foi possível verificar que os enfermeiros desconheciam o manual do INCA e, muitas vezes, utilizavam produtos obsoletos para o tratamento de feridas. É imperioso destacar que se realizou uma busca nas bases de dados nacionais utilizando-se as palavras-chave “feridas oncológicas”, “feridas tumorais”, “feridas neoplásicas”, “feridas malignas”, “conhecimento”, “enfermeiros” e os operadores booleanos “OR” e “AND” e constatou-se uma escassez de artigos publicados que vislumbrassem esta temática.

Com base nesse caminhar, lançou-se a seguinte questão norteadora da pesquisa: qual o conhecimento e prática de enfermeiros no controle da dor de paciente como ferida neoplásica?

Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo foi investigar o conhecimento e prática de enfermeiros no controle da dor de pacientes com feridas neoplásicas.

Esta pesquisa contribuirá na ampliação da produção científica relacionada à temática, disseminando o conhecimento entre os profissionais sobre a existência do manual do INCA e propor, a partir dos dados coletados, um protocolo específico para o cuidado a pacientes com feridas neoplásicas para a instituição locus da pesquisa.

 

Material e métodos

 

Trata-se de uma pesquisa descritiva, realizada em um hospital filantrópico no município de Campina Grande/PB. A população definida para o estudo foi representada por enfermeiros assistenciais. Para selecionar a amostra, utilizaram-se os seguintes critérios de inclusão: enfermeiros assistenciais, que realizassem tratamento de pacientes com feridas neoplásicas e que tivessem, pelo menos seis meses de experiência na área e que estivessem exercendo suas atividades laborais no dia da coleta. E como critérios de exclusão: enfermeiros que estivessem afastados no momento da coleta dos dados (licença saúde, férias, licença maternidade ou afastado para capacitação). Nesse sentido, participaram do estudo 22 enfermeiros da referida instituição de saúde. A amostra foi não probabilística, pois se considerou o sujeito que consultado no local da unidade hospitalar se dispusera em colaborar, respondendo o questionário a ele apresentado pelo responsável da pesquisa.

Para coleta de dados foi elaborado um questionário estruturado, contendo duas seções: a primeira se destinou aos aspectos sociodemográficos e profissionais dos sujeitos da pesquisa, que teve como objetivo fazer uma breve caracterização dos participantes deste estudo. Nele continha informações sobre o sexo, a idade, o estado civil, o tempo de formação acadêmica e o tempo de experiência na área de oncologia e pós-graduação. Na segunda parte do questionário, foi elaborado um instrumento contendo questões acerca dos cuidados para o controle da dor a pacientes com feridas neoplásicas, norteado pelo manual do Ministério da Saúde e Instituto Nacional do Câncer sobre tratamento e controle de feridas tumorais – MS/INCA (2011) [5].

 

Avaliação e cuidados específicos para o controle da dor de pacientes com ferida neoplásica

 

Este instrumento é composto por sete (7) subitens: a) controle da dor, composto por 14 itens. Em todos eles, o respondente indicou, respectivamente, a sua resposta enfatizando o seu saber e fazer acerca dos cuidados específicos para o controle da dor do paciente que apresentava ferida neoplásica; para isso, ele indicou a sua resposta, referente ao saber, numa escala de três pontos (1 = não sei, 2 = sei em parte e 3 = sei). Em relação ao fazer, o mesmo sujeito assinalou as suas respostas numa escala binomial (por exemplo, 1 = sim e 2 = não).

A coleta foi realizada durante o período de maio a junho de 2016 e para a análise dos dados utilizou-se a estatística descritiva (média, desvio padrão e frequências em percentagens) e, para isso, utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences 22.0 (SPSS-22).

No que se refere às considerações éticas, a presente pesquisa foi norteada pelo Código de Ética dos Enfermeiros – Resolução nº 311/2007 do Conselho Federal de Enfermagem, como também pelas Diretrizes e Normas Regulamentadoras para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, no cenário brasileiro, contemplados pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) / Ministério da Saúde (MS) que dispõe sobre pesquisas com seres humanos.

Assim, o projeto de pesquisa foi ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Alcides Carneiro, o qual teve sua aprovação com o parecer nº 1.321.296 e com CAAE nº 50354615.8.0000.5182.

 

Resultados e discussão

 

Participaram do estudo 22 enfermeiros da referida instituição de saúde, os quais, 91% eram do sexo feminino, 68% casados, com idade variando de 24 a 62 anos (Media = 36,6, dp = 9,31), 32% tinham 5 anos de formação acadêmica, no que se refere a experiência na área de oncologia, 54% afirmaram ter de 1 a 2 anos, 14% de 3 a 4 anos e de 5 a 10 anos 32%, 55% tinham pós-graduação lato sensu.

A partir da coleta e formatação do banco de dados dessa pesquisa, realizou-se uma análise de frequência, a qual teve como objetivo avaliar a distribuição das respostas dos sujeitos nos referidos instrumentos sobre o cuidado com o paciente que apresentava ferida neoplásica. Desta forma, visando uma melhor compreensão para o leitor, os resultados serão apresentados por duas seções: a do saber e a do fazer das avaliações específicas destacadas no instrumento, isto é, apresentar-se-á o saber e o fazer dos cuidados específicos para o controle da dor realizados com o paciente com ferida neoplásica, descritos na Tabela I.

 

Tabela IDistribuição das frequências das respostas dos enfermeiros acerca do saber e do fazer sobre os cuidados específicos para o controle da dor realizados com a ferida neoplásica. Campina Grande/ PB, 2016.

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

 

Na Tabela I, em relação à seção do saber, os entrevistados afirmaram conhecer todos os cuidados específicos relacionados ao controle da dor na ferida neoplásica. Nesta seção vale destacar que, “Avaliar a necessidade de analgesia tópica com lidocaína gel a 2%”, o resultado foi igualitário entre não saber e não saber parte originando um dado ambíguo em relação a frequência.

No que se refere à seção do fazer, a maioria dos enfermeiros responderam que não faziam os cuidados específicos relacionados ao controle da dor na ferida neoplásica nos itens: monitorar o nível de dor pela Escala Visual Analógica; considerar o uso de gelo e medicação analgésica; iniciar o curativo após 30 minutos para analgesia via oral, cinco minutos para analgesia subcutânea ou endovenosa e início imediato para via tópica; adequar o horário de troca de curativos após o paciente já estar medicado; aplicar pomada de óxido de zinco nas bordas e ao redor da ferida; observar a necessidade de analgesia após a realização do curativo; de anti-inflamatórios, radioterapia antiálgica ou cirurgia, registrar a avaliação da dor pela Escala Visual Analógica e a analgesia antes e após o curativo e comunicar à equipe médica os casos de sofrimento álgico que fogem ao controle da conduta preconizada. Nesta seção, vale destacar que no item, “Monitorar o nível de dor pela Escala Visual Analógica”, o resultado foi igualitário originando um dado dúbio em relação a frequência.

Considerando os resultados da Tabela I, observou-se que todos os enfermeiros conhecem os cuidados específicos aplicados para o controle da dor ao paciente com ferida neoplásica, contudo a maioria respondeu que não aplicava tais conhecimentos na prática assistencial.

Os objetivos do controle da dor incluem maior sensação de conforto e melhor capacidade de desempenho para atividades diárias. Para isso, é necessária uma abordagem abrangente, uma vez que a dor apresenta múltiplos fatores e requer mais de uma intervenção. Desse modo, episódios de dor devem ser prontamente reavaliados, com ajuste das doses e investigação sobre outras causas adjacentes. A dor persistente relacionada à ferida neoplásica requer avaliação contínua e tratamento com analgésicos regularmente administrados [28].

Nessa conjuntura, o enfermeiro, por permanecer mais tempo próximo ao paciente, é um dos profissionais que está mais apto para proceder com a avaliação e controle da dor, a fim de promover o alívio da dor, contribuindo, assim, para melhorar a qualidade de vida do paciente. Dessa forma, é necessário lançar mão de instrumentos que avaliem a intensidade da dor, levando em consideração alguns aspectos como condição física e cognitiva, idade e formas de comunicação do cliente [29].

A avaliação da dor deve incluir sua etiologia, ou seja, se é nociceptiva, neuropática, disfuncional, miofascial ou mista, bem como suas características, tais como: localização, instalação, tipo, irradiação, sintomas associados, temporalidade, fatores de melhora e de piora, intensidade. Também é fundamental conhecer resposta aos tratamentos vigentes e anteriores, impacto no desempenho de atividades cotidianas e efeito negativo no sono e movimentação [28-30]

Para avaliar a intensidade da dor e verificar o seu efeito na qualidade de vida do paciente, lança-se mão de escalas unidimensionais – Escala Visual Analógica (EVA), Escala Visual Numérica (EVN), Escala de Faces – e as multidimensionais – Questionário McGill de Dor, Questionário Breve de Dor, bem como existem outros métodos que podem ser utilizados em situações especiais, em que se considera a vocalização, padrão respiratório, expressão facial, linguagem corporal e consolabilidade nas pessoas com demência; movimentação superiores e acoplamento com a ventilação para pessoas que estejam internas em Unidades de Terapia Intensiva [30-31].

Vale ressaltar que, desde 2001, o Ministério da Saúde recomenda ações paliativas para o controle da dor, outrora já preconizadas desde 1986 pela Organização Mundial da Saúde, a qual criou a Escada Analgésica da Dor, cujo objetivo é guiar o uso sequencial de drogas, padrão-ouro no tratamento da dor oncológica [28] e no manejo da dor de pacientes com feridas neoplásicas malignas [31-32].

Em se tratando do controle da dor no cuidado com feridas neoplásicas, métodos não farmacológicos são úteis e complementam a terapêutica farmacológica, esses incluem técnicas de limpeza da lesão, coberturas específicas e terapias complementares. Dentre os métodos não farmacológicos recomendados, estão: umedecer abundantemente com solução salina os curativos que estão em contato direto com a ferida antes de proceder com a remoção dos mesmos; utilizar solução salina gelada ou gelo, a fim de diminuir a sensação dolorosa; remover os curativos cautelosamente; irrigar o leito da lesão com soro fisiológico a 0,9% utilizando seringa de 20 mL com agulha 40 x 12 cm; não friccionar o leito da lesão; utilizar coberturas não aderentes como as de silicone e aquelas que facilitam a umidade da lesão [14-15] e preservar a pele perilesional por meio de barreira protetora com uso de pomada à base de óxido de zinco como medida profilática em relação ao extravasamento de secreções e ao trauma relacionado à troca de curativo diário [5,33-34].

Estudo realizado com 32 mulheres com feridas vegetantes mamárias constatou algumas medidas realizadas para redução da dor, dentre elas: analgésicos sistêmicos para dores leves, opioide fracos para dores moderadas e opioide fortes para dores intensas. Se a dor estivesse prevista no momento da troca de curativos, era administrado Entonox (50% de óxido nitroso e 50% de oxigênio) e um anestésico tópico (EMLA ou Xylocaína). Outros tratamentos como a comprimidos macerados de morfina e aplicados diretamente no leito da ferida e anestesia geral também foram realizados, contudo vale ressaltar que aspectos importantes na tomada de decisão clínica em relação ao uso de opioides tópicos para pacientes incluem etiologia e tamanho da ferida, titulação, concentração de dose e formulação do preparo de opioide, presença de inflamação, monitoramento do paciente e sua experiência tratamento [35-36].

Diante do contexto apresentado pelos enfermeiros participantes da pesquisa, acredita-se que o tratamento ineficaz para o controle da dor pode estar relacionado a várias causas, dentre elas avaliação inadequada ou inexistente da dor devido ao acúmulo de atividades administrativas frente à prática assistencial que a Enfermagem requer; prescrição médica insuficiente de analgesia; conhecimento incipiente acerca de métodos sistemáticos de avaliação da dor; inabilidade do uso de produtos e coberturas específicos utilizados para a redução da dor.

 

Conclusão

 

Os resultados obtidos nesta pesquisa permitiram, de forma geral, identificar que os enfermeiros apresentam lacunas no conhecimento de conteúdos e técnicas sobre avaliação e tratamento de pacientes com feridas neoplásicas. Além disso, constatou-se que os enfermeiros não executam alguns cuidados pertinentes a essa clientela.

A análise evidenciou que os enfermeiros apresentam algumas limitações no conhecimento para avaliar e tratar pacientes com feridas neoplásicas, levando em consideração as especificidades da lesão e do paciente, indicação de cobertura, tipo de curativo a serem utilizados no controle da dor. Provavelmente, essas limitações estão relacionadas à ausência de educação permanente no serviço de saúde e educação continuada em áreas afins, tais como Dermatologia, Estomaterapia, Cuidados Paliativos dentre outras.

Outro aspecto preocupante é a omissão da assistência de enfermagem direcionada a estes pacientes. Acredita-se que a falha na realização da avaliação e tratamento de pacientes com feridas neoplásicas esteja relacionada a alguns fatores, dentre eles: déficit do conhecimento relacionado aos conteúdos e técnicas no cuidado às feridas neoplásicas; aumento da carga de trabalho devido às atividades gerenciais; mau planejamento do dimensionamento de pessoal, de insumos e de materiais para a avaliação de feridas, assim como produtos, substâncias e coberturas escassos no serviço de saúde.

Nesse sentido, os resultados deste estudo assinalam a necessidade de educação permanente no serviço de saúde, locus da pesquisa, a fim de treinar a equipe de enfermagem para o acompanhamento de pacientes com lesões neoplásicas, bem como estruturação de unidade de cuidados paliativos, com recursos humanos e materiais necessários, criação e implantação de protocolos assistenciais que norteiem a prática de métodos avaliativos e terapêuticos no cuidado a pessoas com feridas neoplásicas, familiares e cuidadores.

Este estudo apresenta algumas limitações: a amostra foi pequena e apenas enfermeiros de uma mesma instituição foram pesquisados, contudo os objetivos foram respondidos. Por esse motivo, o estudo precisa ser replicado, após refinamento do instrumento, com amostra maior e em outras instituições de saúde, para que se tenha um panorama de como o conhecimento e a prática do cuidado a pacientes com feridas neoplásicas está sendo realizado.

Outra limitação do estudo está relacionada à discussão dos resultados, no que se refere à escassez de dados comparativos com outras pesquisas. Nesse sentido, vale ressaltar que os estudos publicados em âmbito nacional e internacional acerca da temática em tela apresentam, geralmente, delineamento bibliográfico, o que contribui para níveis de evidência baixos, inviabilizando a comparação, considerada condição sine qua non para confirmar ou refutar as hipóteses da pesquisa em tela.

      Embora se reconheça as limitações do estudo, considera-se fundamental tomar os resultados como forma de reflexão sobre a importância da educação em saúde no processo de formação de enfermeiros. Para tanto, a educação necessita ser também integral e interdisciplinar, com bases em referenciais crítico-reflexivos, permitindo a aquisição de competências e habilidades que garantam um agir voltado para a pessoa com ferida neoplásica na sua subjetividade.

 

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