ARTIGO
ORIGINAL
Vivências
de enfermeiras no cuidado de pacientes com feridas neoplásicas
Débora Thaíse Freires
de Brito*, Glenda Agra**, Alana Tamar Oliveira de Sousa, D.Sc.***,
Maria Vitória de Souza Medeiros****, Nilton Soares Formiga, D.Sc.*****, Marta
Miriam Lopes Costa, D.Sc.******
*Enfermeira,
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), campus Cuité, Residente pelo
Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e
Comunidade/PRMSFC, João Pessoa/PB, **Enfermeira, Doutoranda pelo Programa de
Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Docente
do Curso de Graduação em Enfermagem da UFCG, campus Cuité, João Pessoa/PB,
***Enfermeira, Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da UFCG, campus
Cuité, João Pessoa/PB, ****Enfermeira, UFCG, campus Cuité, Junco do Seridó/PB,
*****Psicólogo, Docente no programa de pós-graduação em psicologia
organizacional e comportamento do consumidor na Universidade Potiguar (UNP)/Laureate International Universities João Pessoa (PB),
******Enfermeira, Docente da Pós-Graduação em Enfermagem da UFPB, João
Pessoa/PB
Recebido em 14 de
junho de 2017; aceito em 4 de setembro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Glenda Agra, Rua Nicola Porto, 251, Manaíra 58038-120 João Pessoa PB, E-mail:
glendaagra@outlook.com; Débora Thaise Freires de Brito:
deborathaise_@hotmail.com; Alana Tamar Oliveira de Sousa: alanatamar@gmail.com;
Maria Vitória de Souza Medeiros: vitoria_junco@yahoo.com.br; Nilton Soares
Formiga: nsformiga@yahoo.com; Marta Miriam Lopes Costa: marthamiryam@hotmail.com
Resumo
Objetivo: Compreender as
vivências de enfermeiras no cuidado de pacientes com feridas neoplásicas. Métodos: Trata-se de um estudo
exploratório, de natureza qualitativa, realizado com 20 enfermeiras de um
hospital filantrópico que presta cuidados a pacientes com doença oncológica
avançada. Os dados foram coletados no período de abril a junho de 2016, por
meio de entrevistas norteadas por um roteiro semiestruturado e analisadas pela
Técnica de Análise do Conteúdo de Bardin. Resultados:
Identificaram-se as concepções acerca do cuidar na visão de enfermeiras
assistenciais e observou-se que a oferta do cuidado humanizado obteve o maior
percentual de respostas. As participantes percebem o cuidado como atitudes de
zelo, desvelo, paciência, amor, dedicação e apoio, fazendo parte de uma
assistência humanizada e ética. Conclusão:
Evidenciou-se que as enfermeiras compreendem o cuidar como ciência e arte da
Enfermagem, haja vista que realizam um cuidado humanizado, holístico e
desenvolvem habilidades empáticas diante do sofrimento do paciente, promovendo
ações de solicitude com vistas ao conforto físico e psíquico do paciente,
proporcionando, assim, bem-estar e dignidade no processo de adoecimento e morte
do mesmo.
Palavras-chave: oncologia,
enfermagem oncológica, neoplasias cutâneas, epidemiologia.
Abstract
Experiences of nurses in the care of patients with neoplasic
wounds
Objective: To understand the experiences of nurses in the care of
patients with neoplasic wounds. Methods: This is an
exploratory qualitative study carried out in a philanthropic hospital that provides
care to patients with advanced cancer disease. The data were collected between
2016 April and June
through interviews guided by a semi-structured script and
analyzed by the Bardin Content Analysis Technique. Results: Conceptions related to care were identified and observed
that humanized care have the high rate of answers. The participants perceived
care as attitudes of professional assistance, concern, patience, love, dedication
and support. Conclusion: It was shown
that nurses understand care as science and art of nursing, given that they
perform a humanized, holistic care and develop empathic skills in the face of
patient suffering, promoting care actions with a view to the patient's physical
and psychic comfort, thus providing well-being and dignity in the process of
illness and death.
Key-words: medical
oncology, oncology nursing, skin neoplasms, epidemiology.
Resumen
Vivencias de enfermeras en el
cuidado de pacientes con heridas neoplásicas
Objetivo: Comprender las
vivencias de enfermeras en el cuidado de pacientes con
heridas neoplásicas. Métodos: Se
trata de un estudio exploratorio, de naturaleza cualitativa, realizado con 20
enfermeras de un hospital filantrópico que presta cuidados a pacientes con
enfermedad oncológica avanzada. Los datos fueron recolectados en el período de abril a junio de 2016, por medio de
entrevistas orientadas por un itinerario semiestructurado y analizadas por la
Técnica de Análisis del Contenido de Bardin. Resultados: Se identificaron las concepciones acerca del cuidar en la visión de enfermeras asistenciales y la
oferta del cuidado humanizado obtuvo el mayor porcentaje de respuestas. Las
participantes perciben el cuidado como actitudes de
celo, desvelo, paciencia, amor, dedicación y apoyo, formando parte de una
asistencia humanizada y ética. Conclusión:
Se evidenció que las enfermeras comprenden el cuidar
como ciencia y arte de la enfermería, ya que realizan un cuidado humanizado,
holístico y desarrollan habilidades empáticas ante el sufrimiento del paciente,
promoviendo acciones de solicitud con vistas al confort físico y psíquico del
paciente, proporcionando así bienestar y dignidad en el proceso de enfermedad y
muerte del mismo.
Palabras-clave: oncología médica,
enfermería oncológica, neoplasias cutáneas, epidemiología.
A incidência do
câncer vem aumentando nas últimas décadas e, na atualidade, a doença se
caracteriza como um importante problema de saúde pública no Brasil e no mundo,
constituindo-se como a segunda causa de morte brasileira com 190 mil óbitos por
ano [1-2].
No Brasil, a
estimativa para o biênio 2016/2017 aponta a ocorrência de aproximadamente 600
mil casos novos de câncer, o que reforça a magnitude
do problema do câncer no país. Em relação ao número de casos novos de câncer,
por estado, o câncer de pele do tipo não melanoma (182 mil casos novos) será o
mais incidente na população brasileira, seguido pelos tumores de próstata (61
mil), mama feminina (57 mil), cólon e reto (34 mil), traqueia, brônquio e
pulmão (28 mil), estômago (20 mil), colo do útero (16 mil), cavidade oral (15
mil), entre outros. Para estes mesmos anos, na região Nordeste, estima-se que
ocorram 47.520 casos novos de neoplasia em homens e 51.540 em mulheres [2].
As feridas
neoplásicas, também denominadas de oncológicas, malignas, tumorais ou
fungoides, quando apresentam aspecto de cogumelo ou couve-flor, são formadas
pela infiltração das células malignas do tumor nas estruturas da pele, que
levam, consequentemente, à quebra da sua integridade, com posterior formação de
uma ferida evolutivamente exofítica. Sua prevalência, independente da localização
anatômica, não é bem documentada, mas se estima, a partir de estudos
internacionais, que 5 a 10% das pessoas com câncer as desenvolvem [3-4].
Essas lesões
constituem mais um agravo na vida da pessoa com doença oncológica, porque,
progressivamente, desfiguram o corpo e tornam-se friáveis, dolorosas,
exsudativas e liberam odor fétido. Outrossim, a
deformidade corporal causada por essas feridas pode provocar no paciente
distúrbio da autoimagem e desgaste psicológico, sensação de desamparo, humilhação
e isolamento social. Além disso, remetem a pessoa à constante lembrança visível
da sua enfermidade incurável, do mal prognóstico e, na maioria das vezes, o
paciente traz no seu discurso, durante o entorno relacional do tratamento, a
condição sine qua non da morte que se aproxima. Frente a tal situação, o ser
doente necessita de cuidados específicos das lesões [5-6].
O tratamento e
cuidado das feridas neoplásicas malignas é um assunto complexo, porque exige
avaliação de etiologia oncológica, das características da ferida, do estado
físico e emocional do paciente e do estadiamento da ferida. É nesse contexto
que o enfermeiro oferece o cuidado mais genuíno, que transcende além das
necessidades básicas e desenvolve competências e habilidades que lhes permite
conhecer e identificar características individuais e/ou sociais de pacientes
com feridas neoplásicas, além de implementar ações
específicas às necessidades identificadas.
Nessa perspectiva,
faz-se necessário compreender o processo do cuidado entre enfermeiro e paciente
com feridas neoplásicas, uma vez que o enfermeiro é o profissional integrante
da equipe multi e interdisciplinar que está em maior contato com o paciente, o
qual exerce papel de grande relevância na assistência, pois avalia a lesão,
planeja e coordena os cuidados, acompanha sua evolução, supervisiona e executa
os curativos. Diante disso, realizou-se uma busca nas bases de dados indexadas,
utilizando-se os seguintes descritores “feridasoncológicas”,
“feridas tumorais”, “feridas
neoplásicas”, “feridas malignas”,
“vivências” e “enfermeiros” com os
operadores booleanos “OR” e “AND” e
verificou-se uma escassez de artigos publicados que vislumbrassem a
temática em
bases de dados cientificamente confiáveis [7].
Na intenção de
aprofundar o conhecimento acerca dessa temática, emergiu a seguinte questão
norteadora da pesquisa: Quais as vivências de enfermeiros no cuidado a
pacientes com feridas neoplásicas? Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo
é compreender as vivências de enfermeiras no cuidado a pacientes com feridas
neoplásicas.
Trata-se de uma
pesquisa exploratória, de natureza qualitativa. O cenário da investigação foi as unidades de internação de um hospital filantrópico,
localizado na cidade de Campina Grande (PB), considerado referência nesse
Estado.
A instituição lócus
da pesquisa apresenta um quantitativo de 26 enfermeiros na sua totalidade;
destes, 23 são mulheres e três são homens. Todavia, somente mulheres aceitaram
participar da pesquisa. Nessa perspectiva, as participantes da pesquisa foram
20 enfermeiras assistenciais da instituição, que prestam cuidados direcionados
ao paciente com doença oncológica que apresenta ferida neoplásica, selecionadas
mediante os seguintes critérios: que o profissional atuasse há pelo menos um
ano na referida unidade, estivesse em atividade laboral durante o período de
coleta de dados e tivesse disponibilidade e interesse em participar da
pesquisa, confirmando sua concordância com a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos aqueles que
estivessem afastados (férias, licenças, capacitação).
A coleta do material
empírico ocorreu durante o período de abril a junho de 2016 e somente foi
iniciada após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de
Campina Grande (HUAC/UFCG), sob o CAAE 50354215.9.0000.5182 e parecer
1.320.367. Dessa forma, ressalta-se que o estudo foi realizado considerando as
observâncias éticas contempladas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de
Saúde, no que concerne às normas e às diretrizes regulamentadoras da pesquisa
com seres humanos.
Para a obtenção do
material empírico, foi utilizado um roteiro com questões pertinentes ao
objetivo proposto. As entrevistas foram realizadas em um local específico do
hospital, sem interrupções, gravadas mediante autorização e tiveram duração de
aproximadamente trinta minutos cada. Convém mencionar que, para manter o
anonimato das enfermeiras do estudo, os depoimentos oriundos do referido
formulário foram identificados pela sigla “Enf.”, seguido de números de um a
vinte. Exemplo: a primeira enfermeira entrevistada foi codificada da seguinte
maneira: “E1”; a segunda profissional, “E2” e assim por diante.
Logo após o término
das entrevistas, as falas foram transcritas integralmente e foram submetidas em
conformidade com a Técnica de Análise do Conteúdo de Bardin [8]. A análise e
interpretação dos dados empíricos foram divididas em três etapas: a primeira
foi composta pela pré-análise, que consistiu na leitura flutuante do conjunto
das informações, na constituição do corpus e na formulação de hipóteses e
objetivos; a segunda etapa consistiu na exploração do material, instante em que
as pesquisadoras organizaram os dados a partir das categorias, reduzindo o
texto às expressões significativas; e a terceira etapa englobou o tratamento
dos resultados obtidos e a interpretação, na qual realizaram inferências e
interpretações, correlacionando-as com a literatura pertinente.
Participaram deste
estudo vinte enfermeiras, com idade que variou entre vinte e quatro e sessenta
anos, em que quatorze eram casadas, cinco solteiras e
uma viúva. As características das participantes da pesquisa que atuavam na
instituição lócus da pesquisa revelaram uma diversidade de um a trinta e nove
anos em relação ao tempo de formação; de seis meses a vinte e oitos anos no que
se refere ao tempo de experiência profissional e dois meses a dez anos no que
se concerne ao tempo de experiência na área de Oncologia.
Ademais, quando
indagadas quanto à titulação, treze referiram possuir especialização e sete
mencionaram ter apenas graduação. Cumpre assinalar que entre as que possuíam
especialização, três eram na área de Oncologia, o que representa pouca ou
nenhuma experiência na área.
Nesse sentido, vale
ressaltar que a qualificação e o tempo de experiência profissional, afinidade
pela área, a comunicação, a escuta e a educação permanente em
aspectos específicos sobre lesões oncológicas influenciam no
desenvolvimento do cuidado, do comportamento empático e nas relações
profissionais com os pacientes e familiares; e entre os diferentes
profissionais que atuam nessa área, uma vez que essas lesões apresentam uma
singularidade no que se refere ao manejo clínico.
Nesse ínterim, com
intuito de identificar o cuidado prestado por enfermeiras diante de pacientes
com feridas neoplásicas, solicitou-se que as mesmas respondessem à seguinte
questão: “Fale-me como você cuida do paciente com ferida neoplásica”. Nessa
perspectiva, realizou-se uma análise do conteúdo com as respostas das
enfermeiras participantes da pesquisa, em que os discursos estão descritos logo
abaixo, no Quadro 1.
Quadro
1 – Distribuição das categorias, frequências e
falas das enfermeiras no que se refere à questão “Fale como você cuida do
paciente com ferida neoplásica”. Campina Grande/PB, 2016 (N = 20).
Fonte: Dados da
pesquisa, 2016.
A categoria que
obteve o maior percentual de respostas, de acordo com o Quadro 1 foi “Cuidado humanizado”, seguido das categorias “Cuidado
holístico”, “Cuidado com a ferida”, “Escuta terapêutica”. A categoria “Cuidado
humanizado” destaca que as participantes da pesquisa percebem o cuidado como
atitudes de zelo, desvelo, paciência, amor, dedicação e apoio, fazendo parte de
uma assistência humanizada e ética.
O significado de
humanização inclui, necessariamente, valores, sentimentos e atitudes que
norteiam o modo de ser e agir dos profissionais, no sentido de prestar um
atendimento individualizado e humanizado, a partir da prática comprometida com
a mudança [9]. Ressalta-se que o profissional deve interagir com o outro, no
sentido de relacionar-se com, de estabelecer uma troca, de conhecer, de ser
empático.
O principal aspecto
que envolve a humanização se fundamenta no fortalecimento do comportamento
ético, em articular o cuidado técnico-científico àquele cuidado que incorpora o
acolhimento e o respeito ao outro como ser autônomo e digno. Assim, humanizar o
cuidado não significa somente estar mais próximo ao paciente e conversar; é
perceber as dificuldades não apenas aparentes, mas, sobretudo a sua essência,
para que a assistência possa ser conduzida de forma individual e integral [10].
Vale salientar que a
humanização do cuidado está pautada na Política Nacional de Humanização (PNH),
que, desde 2003, tem o propósito de efetivar os princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS) no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde
pública no Brasil e incentivando trocas solidárias entre gestores,
trabalhadores e usuários [11]. À luz dessa política, percebe-se que a relação
entre humanização, cuidado e enfermagem existe e cabe a cada sujeito dessa
relação fazer com que ela esteja presente na realidade assistencial de saúde,
na qual a enfermagem desempenha um dos mais importantes papéis: o de cuidar
[12].
É primordial que o
cuidado humanizado e singular se faça presente no dia a dia da assistência de
enfermagem a pacientes com feridas neoplásicas, a fim de minimizar desconfortos
biopsicossociais e físicos que podem ser gerados pelo aparecimento da ferida,
com intuito de promover conforto e bem-estar, alívio dos sintomas e melhoria da
qualidade de vida [13].
Em relação à
categoria temática “Cuidado holístico”, as enfermeiras
demonstraram um entendimento de que é preciso um olhar para além da enfermidade
do paciente, visando atendê-lo em suas necessidades totais para alcançar a
qualidade na assistência de enfermagem. Nesse sentido, as enfermeiras percebem
que cuidar é compreender o ser humano em sua totalidade, ou seja, é entender que
o ser humano é biopsicossocial e espiritual, que interage
dentro de um contexto total de seu ambiente e participa como membro de
uma comunidade [14].
A visão holística é
uma maneira de encarar o mundo onde o ser humano e o universo
formam uma entidade única, completa e intimamente associada, de modo que
suas propriedades não podem ser fragmentadas, uma vez que não se pode ter
conhecimento do “todo” por meio de suas partes, pois o todo é maior que a soma
de suas partes [15]. O holismo, como novo paradigma de cuidado, vem emergindo
amplamente dentro do contexto da humanização, e está diretamente relacionado às
diretrizes do SUS, destacando-se aqui a integralidade [16].
A concepção de
integralidade como assistência prestada como um todo inclui as dimensões
biológicas, psicológicas e sociais, que sempre fizeram parte do discurso da
Enfermagem, mas que, contraditoriamente, não se propagam nas práticas devido à
fragmentação e conservação do modelo cartesiano de conhecimento predominante na
área da saúde [17].
A integralidade
apresenta-se num complexo de diversos sentidos envolvidos com as necessidades
do ser humano, expressas com o amparo das tecnologias disponíveis, a partir de
uma atenção à saúde preventiva e assistencial [18].
Nesse contexto, a
Enfermagem deve centrar o foco na pessoa a ser cuidada e em sintonia com o
ambiente que a circunda. Desse modo, o cuidado com qualidade, enquanto essência
do ser e fazer da Enfermagem perpassa desde os pequenos atos/movimentos até a
configuração de um processo de cuidar que envolve tanto o ser cuidado, quanto o
cuidador [19].
Assim, o cuidado
implica em auxiliar as pessoas a buscarem um caminho que lhes deem o sentido do
cuidado de si por meio da compreensão de que a vida é repleta de sentidos, e
que, a partir dessa compreensão, possam transcender dentro de uma concepção
holística de ser-no-mundo-com-o-mundo, cuidando e se cuidando [20].
Cuidar de alguém não
é resolver-lhe de suas experiências dolorosas, mas o ajudar a suportá-las, ou
seja, fazer-se cúmplice da pessoa doente em seus momentos difíceis. O cuidar
não é uma ação protecionista, nem paternalista, como se tem descrito ao longo
da história, mas uma ação de responsabilidade, de resposta às necessidades do
outro. Precisamente por isso consiste, basicamente, em ajudar alguém a superar
suas experiências dolorosas, mas não apenas no sentido físico do termo, mas,
sobretudo no sentido moral, psicológico, social e espiritual. Entretanto,
faz-se necessário também possuir um olhar holístico para a ferida, uma vez que
existem fatores locais que interferem diretamente no tratamento da lesão e
fatores sistêmicos que influenciam diretamente no funcionamento do organismo
humano [14].
No que concerne à categoria “Cuidado com a ferida”, ao analisar os discursos,
percebe-se que algumas enfermeiras enfatizam o cuidado como habilidade técnica.
Na metade do final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, o saber
da enfermagem compreendia a capacidade de desempenhar tarefas e procedimentos,
e o objeto da Enfermagem não estava centrado no cuidado do paciente, mas sim na
maneira de ser executada a tarefa [17]. É importante enfatizar que o cuidado
como atividade meramente tecnicista perde parte de sua essência, uma vez que o
ser humano deve ser visto como um ser único e integral e cuidado de forma
humanizada.
Nesse contexto,
cumpre destacar que a Enfermagem, enquanto atividade humana voltada para o
bem-estar do paciente deve estar em equilíbrio com as dimensões
biopsicossociais e espirituais do paciente, para efetuar com exatidão sua
função e evitar que o cuidado em si seja reduzido somente ao cuidado com a
ferida, executado a partir de um procedimento.
O cuidado vai além
das técnicas e dos procedimentos, pois o mesmo é mais amplo e mais profundo que
se imagina. O profissional deve se preparar para cuidar do outro, pois este é
um ato que requer conhecimentos técnico-científicos,
mas demanda, também, de bom senso, respeito, responsabilidade, criatividade e
paciência. O autor ressalta ainda que o cuidado é um misto de atividades
burocráticas, de resolução de problemas, de conflitos dentro da equipe de
assistência ou até mesmo com o próprio paciente; de relacionamentos
interpessoais e de estar perto do paciente, prestar efetivamente assistência,
ouvi-lo sobre sua saúde (ou doença) e executar técnicas [21].
Vale salientar que o
cuidado prestado ao paciente com ferida neoplásica não está voltado somente
para lesão, mas também ao paciente em si e ao câncer em tratamento. Essa doença
traz tanto alterações físicas quanto psicológicas para o paciente, que
interferem negativamente em suas vidas, devido à mesma remeter a pessoa à
constante lembrança de possuir, na maioria das vezes, uma enfermidade sem
possibilidades terapêuticas de cura [5-6].
Entretanto,
ressalta-se que com o conhecimento científico e técnico, a Enfermagem
sistematiza a assistência, o que permite estabelecer um elo entre o abstrato e
o concreto, descobrindo realidades ainda não visualizadas e encontrando
soluções para problemas relativos ao cuidado na assistência à saúde. Porém,
faz-se necessário explicitar que, apesar do conhecimento técnico ser de suma
importância durante a prestação de serviços, apenas com ele, é impossível a
Enfermagem dar conta da riqueza e da complexidade que é o ser humano.
A ação de cuidar pode
e deve se beneficiar de instrumentos tecnológicos, mas, em si mesmo, trata-se
de uma ação humana, e, portanto, pessoal, o que significa que não pode sob
nenhuma circunstância suprir-se à presença – física – da pessoa que cuida.
Humanizar a tecnologia é uma forma de cuidar do paciente [14].
Frente ao exposto,
faz-se necessário enfatizar que os discursos das entrevistadas apresentaram-se
de modo abrangente, uma vez que envolveu inúmeros aspectos que devem ser
realizados pela Enfermagem, como o cuidado humanizado, holístico e a
competência técnica.
Outro aspecto
observado durante a análise das falas das enfermeiras, que contribui para o
estabelecimento da díade enfermeiro-paciente e proporciona o cuidado humanizado
durante o atendimento ao cliente com ferida neoplásica é a escuta terapêutica.
Um dos elementos
importantes da relação paciente-enfermeiro, além da observação, é a escuta.
Escutar alguém implica, em certo sentido, uma abdicação de si. É importante
perceber que o sentido tem o comunicado para quem o transmite. Acolher a
palavra do outro, desde a mais corpórea até a ainda não pronunciada. Essa
acolhida também é, ao mesmo tempo, física, psicológica e espiritual, para
considerar o homem em sua inteireza [22].
Dessa forma, o
cuidado pressupõe capacidade dialógica, capacidade de articular palavras e de
recebê-las, e, simultaneamente, requer a conversão contínua de emissor em
receptor e de receptor em emissor [14]. Portanto, a escuta é uma estratégia
ativa e dinâmica de comunicação, que envolve relações do tipo diálogo, vínculo
e acolhimento; auxilia no desenvolvimento da autonomia e inclusão social, sendo
essencial para a compreensão do outro [23-25].
No cuidado ao paciente
com ferida oncológica, a escuta é uma ferramenta terapêutica de extrema
importância, uma vez que contribui para a diminuição das angústias e sofrimento
do paciente. O diálogo possibilita ao indivíduo ouvir o que está pronunciando,
fazendo com que o mesmo valorize suas experiências, atente para suas
necessidades e diferentes aspectos que compõem seu cotidiano, induzindo-o a uma
autorreflexão [25-26].
Nesse ínterim, a
escuta é primordial para que o paciente seja atendido na perspectiva do cuidado
como ação integral. Para isso, se faz mister que o
profissional utilize posturas empáticas, com vistas a compreensão das
experiências de vida pronunciadas pelo paciente [27]. Nessa situação de
desamparo em que o paciente com ferida neoplásica se encontra, o mesmo sente
uma especial necessidade de dialogar, de expressar o que sente,
o que vive no seio de sua interioridade [14].
O cuidador deve,
pois, facilitar a narratividade do paciente, deve provocar sua capacidade de
narrar e por meio de seu relato poderá detectar suas necessidades. O ato de
narrar é essencial para o processo de cuidar. Conhecer a história da pessoa
enferma é fundamental para poder atendê-la adequadamente [14]. Nessa
conjuntura, uma das enfermeiras referiu que sempre conversava com o paciente
para compreender a sua história de vida, tendo em vista que a doença oncológica
avançada é considerada um fardo angustiante para o paciente e seus familiares.
O cuidado com o outro
se faz em uma relação de comunhão, antes mesmo de estabelecer a linguagem ou do
agir, mas sim no nível de ser. O fato da pessoa em sofrimento compartilhar o
seu ser-no-mundo é o suficiente para estabelecer uma relação de
ser-com-o-outro, de ser solicitado e solicitar; e é na solicitude que floresce
a essência do cuidado [28].
O processo de cuidar
é um diálogo, mas não só de palavras, e, sim, de presenças, no sentido de
expressão. No diálogo de presenças se produz o encontro entre
esses dois seres humanos que se dispõem a falar, a se mirarem nos olhos, a se
aceitarem e se enriquecerem mutuamente [13]. A partir desse contexto,
uma das enfermeiras mencionou a importância de perceber as expressões do
paciente durante o cuidado com a ferida, tais como a expressão de dor; e,
ainda, ressaltou que esse momento deve ser norteado por uma dimensão humanizada
e não mecânica.
Atentar para a
linguagem não verbal, isto é, gestos, olhares e, sobretudo, o silêncio é
fundamental no cuidado a pacientes com feridas neoplásicas, uma vez que, em
alguns momentos, a pessoa enferma padece de tal estado de vulnerabilidade, que
é incapaz de narrar verbalmente suas experiências e dores [14].
Ressalta-se que o
ambiente físico, os recursos materiais e tecnológicos são importantes para o
cuidado, porém não mais significativos do que a essência humana, que conduz o
pensamento e as ações, assim como permite construir uma realidade mais humana e
menos hostil para os pacientes que vivenciam doenças sem possibilidades
terapêuticas de cura [29].
A realização deste
trabalho possibilitou a compreensão acerca da vivência de enfermeiras no
processo de cuidar de pacientes oncológicos que apresentam feridas neoplásicas,
sendo um estudo de relevância, pois agrega conhecimento sobre a experiência destas
frente à assistência prestada às pessoas que convivem com esse tipo de lesão.
Percebeu-se através
das entrevistas que as participantes compreendem o cuidar como ciência e arte
da Enfermagem, haja vista que demonstraram preocupação por um cuidar
humanizado, holístico e, sobretudo, empático para com o paciente, promovendo
ações de solicitude com vistas ao conforto físico e psíquico do paciente,
proporcionando, assim, bem- estar e dignidade no processo de adoecimento e
morte do mesmo.
As limitações desta
pesquisa relacionam-se ao número de participantes e ao local do estudo, um
único hospital, o que impede a generalização dos achados, porém, estes são
considerados válidos, pois refletem condições semelhantes verificadas em
pesquisas de maior abrangência, destacando-se a necessidade de estudos
complementares que envolvam o tema. Ainda existe uma carência de estudos sobre
a prática de cuidados específicos frente à pessoa com ferida neoplásica, bem
como as atitudes, comportamentos e práticas de enfermeiros frente a essa
condição-limite em que se encontra a pessoa com doença oncológica avançada nas
instituições hospitalares, assim como no ambiente domiciliar, o que
impossibilitou discussões mais aprofundadas.
Outrossim, não se teve a
pretensão, com esta pesquisa, de exaurir a temática em estudo,
sendo considerada essencial a percepção de novos olhares sobre ela. Acredita-se
que a realização deste estudo pode contribuir tanto com a construção do
conhecimento acerca da temática, tendo em vista a incipiente produção
científica relacionada ao cuidado de enfermagem às pessoas com feridas
neoplásicas, como também com a qualificação da prática do cuidado de
enfermagem.
Nessa perspectiva,
salienta-se a importância de estudos futuros, que investiguem novas
possibilidades assistenciais e tecnologias inovadoras de cuidados para as
pessoas com feridas neoplásicas, a fim de melhorar a qualidade e humanização do
processo de cuidar de enfermagem às pessoas com doença oncológica avançada.