ARTIGO ORIGINAL

Perfil das urgências onco-hematológicas em crianças e adolescentes atendidos em um hospital público de referência

 

Sonally Emanuele Marinho Silva*, Ivanise Brito da Silva, M.Sc.**

 

*Enfermeira especialista em Oncologia, Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP),**Enfermeira, Mestre em Inovação terapêutica, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

 

Recebido em 25 de julho de 2016; aceito em 14 de agosto de 2017.

Endereço para correspondência: Ivanise Brito da Silva, Rua Laet Lemos, 99/304, Boa Viagem, 51111-090 Recife PE, E-mail: ivanisebrito1@gmail.com; Sonally Emanuele Marinho Silva: sonallymanu@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: Urgência oncológica é definida como uma condição clínica resultante de uma mudança estrutural ou metabólica causada pelo câncer ou pelo seu tratamento, que requer intervenções imediatas. Objetivo: Descrever o perfil clínico epidemiológico das urgências oncológicas nas crianças e adolescentes diagnosticados com câncer hematológico, atendidos em um hospital público de referência do estado de Pernambuco. Métodos: Estudo descritivo, retrospectivo e de abordagem quantitativa. A pesquisa foi executada através de análise de prontuários de crianças e adolescentes atendidas no serviço. Os dados foram processados e analisados através do software EPI-INFO versão 3.3.2. Resultados: Foram analisados 107 prontuários. Os dados sociodemográficos mostraram que a faixa etária predominante foi de 1 a 4 anos (38,4%), sexo masculino (57%), cor da pele parda (46,7%), proveniente do estado de Pernambuco (92,5%) e de zona urbana (87,8%), quanto à escolaridade dos pais, predominou aqueles com ensino médio completo. O diagnóstico oncológico mais prevalente foi a LLA (79,5%). Em relação ao tratamento quimioterápico, o protocolo mais usado foi o LLA-RE (60,7%). A febre foi o sintoma mais comum (68,8%) relatado durante os atendimentos. Conclusão: Evidenciou-se um elevado número de urgências oncológicas no serviço, com predomínio das urgências de caráter infeccioso, sendo a neutropenia febril a urgência mais prevalente.

Palavras-chave: criança, hematologia, oncologia.

 

Abstract

Profile of onco-hematologic emergencies in children and adolescents attended at a public referral hospital

Introduction: Oncologic urgency is defined as a clinical condition resulting from a structural or metabolic change caused by the cancer or its treatment, which requires immediate interventions. Objective: To describe the clinical epidemiological profile of oncological emergencies in children and adolescents diagnosed with hematological cancer, attended at a public reference hospital in the state of Pernambuco. Methods: Descriptive, retrospective and quantitative study. The research was performed through the analysis of medical records of children and adolescents attended at the service. Data were processed and analyzed using EPI-INFO software version 3.3.2. Results: 107 medical records were analyzed. The socio-demographic data showed that the predominant age range was 1 to 4 years (38.4%), male sex (57%), brown skin color (46.7%), from the State of Pernambuco (92.5%) and of urban area (87.8%), and the parents' schooling predominated those with complete secondary education. The most prevalent oncological diagnosis was ALL (79.5%). Regarding chemotherapeutic treatment, the most used protocol was ALL-RE (60.7%). Fever was the most common symptom (68.8%) reported during the visits. Conclusion: There was a high number of oncological emergencies in the service, with the predominance of infectious urgencies, with febrile neutropenia being the most prevalent.

Key-words: child, hematology, medical oncology.

 

Resumen

Perfil de las urgencias onco-hematológicas en niños y adolescentes atendidos en un hospital público de referencia

Introducción: Urgencia oncológica se define como una condición clínica resultante de un cambio estructural o metabólico causado por el cáncer o por su tratamiento, que requiere intervenciones inmediatas. Objetivo: Describir el perfil clínico epidemiológico de las urgencias oncológicas en los niños y adolescentes diagnosticados con cáncer hematológico, atendidos en un hospital público de referencia del estado de Pernambuco. Métodos: Estudio descriptivo, retrospectivo y de enfoque cuantitativo. La investigación fue realizada a través de análisis de prontuarios de niños y adolescentes atendidos en el servicio. Los datos fueron procesados y analizados a través del software EPI-INFO versión 3.3.2. Resultados: Se analizaron 107 registros. Los datos sociodemográficos mostraron que el grupo de edad predominante fue de 1 a 4 años (38,4%), sexo masculino (57%), color de la piel parda (46,7%), proveniente del estado de Pernambuco (92,5% ) y de zona urbana (87,8%), en cuanto a la escolaridad de los padres predominó aquellos con enseñanza media completa. El diagnóstico oncológico más prevalente fue la LLA (79,5%). En cuanto al tratamiento quimioterápico, el protocolo más utilizado fue el LLA-RE (60,7%). La fiebre fue el síntoma más común (68,8%) reportado durante las atenciones. Conclusión: Se evidenció un elevado número de urgencias oncológicas en el servicio, con predominio de las urgencias de carácter infeccioso, siendo la neutropenia febril la urgencia más prevalente.

Palabras-clave: niño, hematología, oncología.

 

Introdução

 

O câncer infanto juvenil, bem como os demais tipos de câncer, corresponde a um grupo de doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais e que pode ocorrer em qualquer local do organismo [1]. Embora tenha uma baixa incidência, o câncer constitui a segunda causa de morte em crianças com mais de cinco anos [2]. Em 2013, no Brasil, ocorreram 2.800 óbitos por câncer em crianças e adolescentes, ocupando a segunda posição de óbitos ocorridos em 2013 para essa população [3].

Entre as crianças, os tipos mais frequentes de neoplasias são as leucemias, representando 25% a 35% dos casos, já os linfomas permanecem em segundo lugar, nos países em desenvolvimento [4]. A leucemia é uma doença caracterizada pela proliferação progressiva e excessiva de formas imaturas dos leucócitos, que alcançam a circulação sistêmica e provocam sinais e sintomas, como febre, palidez e dores ósseas [4].

Os linfomas correspondem à outra categoria de neoplasias hematológicas, sendo denominados como neoplasias linfoides e divididos em linfoma de Hodgkin (LH) e linfoma não-Hodgkin (LNH), juntos eles são responsáveis por 10% a 15% de todos os cânceres em crianças e adolescentes e o número de casos aumenta com a idade [5].

Durante o curso da doença, os pacientes com câncer apresentam frequentemente urgências ou emergências médicas relacionadas diretamente com a sua enfermidade, seu tratamento, ou ainda, a outras comorbidades [6]. As urgências oncológicas são definidas como aqueles processos que exigem intervenção imediata, podendo implicar em risco de morte ou grave deterioração do estado clínico do paciente oncológico [7]. Podem ainda representar a primeira manifestação de uma recidiva [8].

As urgências oncológicas são ocorrências importantes no cenário da oncologia pediátrica, visto que representam a principal causa de mortalidade em crianças com neoplasias e o principal motivo de indicação de terapia intensiva, tanto nas que se curam como nas que falecem da doença [9]. Torna-se relevante conhecer o perfil de tais urgências a fim de alertar os profissionais sobre a gravidade desses eventos, e subsidiar a adoção de medidas de prevenção e manejo.

Diante do exposto, o estudo teve como objetivo descrever o perfil clínico epidemiológico das urgências oncológicas nas crianças e adolescentes diagnosticados com câncer hematológico, atendidos em um hospital público de referência do estado de Pernambuco.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo descritivo, retrospectivo e de abordagem quantitativa. O local escolhido para a pesquisa foi o serviço de Oncologia Pediátrica do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP) em Recife/PE, que funciona como centro de referência para o tratamento do câncer em crianças e adolescentes de 0 a 18 anos.

A pesquisa foi executada por meio da análise dos prontuários de crianças e adolescentes que deram entrada no serviço com intercorrências, ou seja, aqueles que apresentaram ocorrências clínicas antes da próxima consulta agendada. Inicialmente, foi feito um levantamento no sistema eletrônico de registros do setor, a fim de relacionar todos os pacientes que deram entrada no serviço com intercorrências no período de janeiro a junho de 2016. Posteriormente foi realizada a busca do prontuário desses pacientes e, em seguida, feita a coleta de dados com o auxílio de um instrumento previamente elaborado pela pesquisadora.

Foram considerados critérios de inclusão os pacientes com diagnóstico de câncer hematológico e aqueles que deram entrada com intercorrências. Foram excluídos os pacientes que vieram a óbito e aqueles cujos prontuários não foram encontrados.

Os dados coletados foram processados e analisados através do software EPI-INFO versão 3.3.2. Os resultados das variáveis categóricas foram apresentados em forma de tabelas e/ou gráficos com suas respectivas frequências absolutas e relativas.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), com número CAAE: 60371716.3.0000.5201.

 

Resultados

 

Os resultados foram obtidos por meio da análise de 107 prontuários, nos quais foram observadas características sociodemográficas e dados referentes às urgências oncológicas que os pacientes apresentaram durante o período estudado. A tabela I apresenta o perfil sociodemográfico dos pacientes.

 

Tabela I - Perfil sociodemográfico das crianças e adolescentes atendidos na urgência oncológica pediátrica do IMIP (janeiro-junho 2016).

 

Fonte: Elaborada pelos autores, 2017; *Outros: Refere-se às cidades que apresentaram apenas um caso e um percentual de apenas 0,9%. Dentre estas, encontram-se cidades pertencentes ao estado de Pernambuco, bem como pertencentes aos demais estados listados na presente tabela.

 

A análise sociodemográfica revelou que crianças de 1 a 4 anos foram as que mais deram entrada no serviço de saúde com urgências, nesse estudo não foi observada nenhuma urgência oncológica em criança com idade inferior a um ano. O sexo masculino predominou, com 57% (n = 61), a cor parda totalizou 46,7% dos casos vistos (n = 50), seguida da branca com 27,1% (n = 29). Em relação à cidade de origem, verificou-se que a maior parte dos atendimentos foi para pessoas provenientes do município de Recife e região metropolitana. Quanto ao estado de origem, 99 atendimentos foram de pessoas oriundas de Pernambuco, representando 92,5% (n = 99). Houve predomínio de pessoas provenientes da zona urbana (87,8%, n = 94).

Foi analisado o nível de escolaridade dos pais, a fim de identificar a possível relação entre o grau de instrução destes e a ocorrência das urgências oncológicas. O ensino médio completo foi o nível de escolaridade predominante tanto entre os pais (26,2 %) como entre as mães (24,3%).

Os dados referentes ao diagnóstico oncológico estão representados no gráfico 1. A leucemia linfocítica aguda (LLA) foi o diagnóstico mais prevalente com 75,5% (n = 85). O diagnóstico oncológico de leucemia mielóide aguda (LMA) obteve um total de oito casos (7,4%). Em relação às doenças linfoproliferativas, o linfoma não-Hodgkin (LNH) foi o diagnóstico mais prevalente com 5,6% (n = 6), já o linfoma de Hodgkin (LH) obteve uma representação de 3,7% (n = 4) do total de casos. Foi registrado um caso de doença de Castleman (1%).

 

 

Gráfico 1 - Distribuição dos diagnósticos oncológicos das crianças e adolescentes atendidas na urgência oncológica pediátrica do IMIP (janeiro-junho 2016).

 

Avaliando a relação entre as urgências oncológicas e comorbidades, a asma representou a doença mais prevalente, como se pode observar abaixo na tabela II.

 

Tabela II - Número e distribuição percentual das comorbidades associadas em crianças e adolescentes atendidas na urgência oncológica pediátrica do IMIP (janeiro-junho 2016).

 

Fonte: Elaborada pelos autores, 2017.

 

Em relação aos protocolos quimioterápicos em uso, destacou-se o protocolo LLA-RE com n = 65 (60,7%). Esse protocolo é utilizado para tratar as leucemias linfocíticas e alguns tipos de linfomas não-Hodgkin, na instituição onde o presente estudo foi realizado. Na tabela III, encontram-se relacionados os protocolos de tratamento quimioterápico os quais os pacientes dos prontuários analisados faziam uso no período da pesquisa.

 

Tabela III - Número e distribuição percentual dos protocolos de tratamento oncológico atuais das crianças e adolescentes atendidas na urgência oncológica pediátrica do IMIP (janeiro-junho 2016).

 

Fonte: Elaborada pelos autores, 2017.

 

Sobre os pacientes que apresentaram recaídas do câncer em vigência de tratamento ou após o seu término, foram listados sete pacientes, totalizando um percentual de 6,5%.

Os dados coletados mostraram ainda a frequência de intercorrências que os pacientes apresentaram durante o intervalo de tempo estudado, visto que algumas crianças apresentaram mais de uma intercorrência nesse período. As crianças que apresentaram de 1 a 3 ocorrências foram um total de 84 (77,6%), as que apresentaram de 4 a 6 episódios foram em número de 22 (20,6%), e apenas uma criança (0,9%) apresentou de 7 a 10 intercorrências. O total de atendimentos registrados nesse período de seis meses foi de 257.

Dentre os sinais e sintomas apresentados pelos pacientes no momento da intercorrência, observou-se como o mais frequente a febre, com um total de 177 queixas, sendo o sinal mais comum em todos os diagnósticos. A relação de todos os sinais e sintomas encontra-se descrito na tabela IV.

 

Tabela IV - Número e distribuição percentual dos sinais e sintomas relatados no momento do atendimento das urgências oncológicas (janeiro-junho 2016).

 

Fonte: Elaborada pelos autores, 2017.

 

As urgências oncológicas identificadas constituíram um total de 180 ocorrências, descritas no gráfico 2. A neutropenia febril foi a urgência mais prevalente, com 87 casos descritos, dando margem para os 74 casos de infecção relatados.

 

 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2017.

Gráfico 2 - Distribuição das urgências oncológicas diagnosticadas nas crianças e adolescentes atendidas na urgência oncológica pediátrica do IMIP (janeiro-junho 2016).

 

Dentre os casos de infecção, destacam-se as infecções de vias aéreas superiores (IVAS) com 24 casos e a pneumonia com 10 casos, remetendo assim a uma maior susceptibilidade desses pacientes às infecções respiratórias. As infecções estão descritas no gráfico 3.

 

 

 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2017.

Gráfico 3 - Distribuição dos casos de infecção nas crianças e adolescentes atendidas na urgência oncológica pediátrica do IMIP (janeiro-junho 2016).

 

Das 180 urgências oncológicas, 125 necessitaram de internamento. A neutropenia febril foi principal causa de indicação, responsável por 85 casos dos internamentos relatados. A média de dias de internação foi de 6,6 dias, com um intervalo que variou de dois até 47 dias.

 

Discussão

 

Analisando a tabela I, observou-se que a faixa etária que mais apresentou episódios de urgências foram as crianças da fase pré-escolar, entre 1 e 4 anos. Esse achado corrobora os resultados de Pedrosa e colaboradores [10] que, em sua pesquisa com clientes pediátricos oncológicos atendidos em um hospital do Piauí, obteve a maioria da sua população com a mesma faixa etária.

Em relação ao sexo, predominou o masculino. Pesquisa [11] realizada no Hospital das clínicas no Paraná não obteve diferença estatística significativa entre sexo masculino e feminino, entretanto, diversos outros estudos [10,12,13] apoiam os resultados obtidos na nossa pesquisa, na qual o sexo masculino representa a maioria dos atendimentos em oncologia pediátrica. O sexo masculino apresenta maiores taxas de incidência e de mortalidade do que o sexo feminino, na maioria das populações [14]. A cor mais prevalente foi a parda, com quase metade (46,7%) de todos os casos analisados. Outro estudo [10] encontrou resultado semelhante, predominando a cor parda em 58% da casuística analisada.

Dos registros analisados, observou-se que a maioria dos pacientes era proveniente do estado de Pernambuco, com destaque para a cidade do Recife e região metropolitana. O Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira é o hospital público de referência para o tratamento do câncer pediátrico em todo o estado de pernambucano, o que justifica a maior prevalência de crianças provenientes dessa região.

Quanto à escolaridade dos pais e mães, foi visto que a maior parte deles possuía ensino médio completo, ou seja, possuíam potencial para apresentar um bom nível de compreensão sobre a doença e sobre os cuidados com o seu filho. Desse modo, constatou-se que houve pouca relação entre o nível de instrução dos pais com a ocorrência das urgências oncológicas. Tal achado não descarta a importância dos profissionais alertarem os pais quanto aos sinais clínicos de urgência na criança com câncer, para que assim possam ser estabelecidas intervenções precocemente.

No que concerne ao diagnóstico oncológico, as leucemias representam a grande maioria dos casos, com maior evidência para a leucemia linfocítica aguda, corroborando os achados de outro estudo [11], que encontrou resultados semelhantes com pacientes atendidos no serviço de oncologia pediátrica do Hospital das Clínicas da UFPR, no qual, dos 195 casos analisados, 133 possuíam diagnóstico de LLA.

Em relação aos casos de LMA, predominaram os pacientes portadores do tipo M3 ou promielocítica, que apresenta características biológicas e clínicas únicas, podendo desencadear sérias complicações hemorrágicas [7].

Foi descrito, no presente estudo, um caso de leucemia de células dendríticas (1%) que configura uma neoplasia hematológica pouco frequente, caracterizada por comprometimento cutâneo predominante com ou sem comprometimento da medula óssea ou disseminação leucêmica, possuindo comportamento clínico muito agressivo e curta sobrevida [15]. Esse dado representa um achado significativo para esta pesquisa visto que esta doença afeta principalmente homens maiores de 65 anos [15] e no caso identificado nesse estudo, trata-se de um adolescente do sexo masculino de apenas 15 anos de idade.

Sobre as doenças linfoides, observou-se um número de casos consideravelmente menor do que os de leucemia, totalizando apenas 10,3% de todos os casos. Os linfomas constituem um grupo de neoplasias dos linfócitos ou seus precursores, que surgem como consequência de aberrações genéticas, causando alterações na sua proliferação, diferenciação e capacidade de sofrer apoptose e, apesar da significativa melhora na sobrevida global com o tratamento atual, a morbidade ainda é elevada, na qual os pacientes podem apresentar-se com infecção sistêmica, mielossupressão, hospitalização prolongada, além das sequelas em longo prazo, como toxicidade cardíaca, gonadal e neoplasias secundárias [4,7].

Neste estudo, os linfomas não-Hodgkin foram mais prevalentes que a doença de Hodgkin, resultado semelhante foi encontrado em outro estudo [12], no qual os casos de LNH prevaleceram em relação aos de LH. Os LNH representam um heterogêneo grupo de tumores com alto grau de malignidade, além de quadro patológico, imunológico e características clínicas distintas [4].

Houve apenas um registro de Doença de Castleman (1%), a qual é definida como uma doença linfoproliferativa rara, de causa desconhecida, que geralmente afeta compartimentos ganglionares mediastínicos e mais raramente as regiões ganglionares intra-abdominais, e os sintomas sistêmicos como febre e anemia e emagrecimento são comuns [16,17].

Buscou-se investigar a associação entre a ocorrência das urgências oncológicas e as comorbidades presentes nos pacientes no momento do diagnóstico de câncer. Verificou-se que 89,7% das crianças não apresentavam comorbidades, e dos 10,3% restantes, 7,4% apresentaram como comorbidade a asma. Dentre esses pacientes, as urgências mais comuns foram as infecções, com um total de oito casos, sendo seis delas caracterizadas por infecções respiratórias. O sintoma mais comum no momento do atendimento foi a febre com registro de 13 queixas. Contraditoriamente, não foram observados nesse grupo, sintomas clássicos de asma, como sibilância, respiração com uso de musculatura acessória ou até mesmo oxigenação reduzida.

Em relação ao tratamento atual dos pacientes atendidos, o protocolo quimioterápico mais prevalente nos registros foi o LLA-RE, tal protocolo foi elaborado pelo serviço de oncologia pediátrica do IMIP juntamente com a equipe do St. Judes Children’s Research Hospital nos Estados Unidos, e é utilizado para o tratamento das leucemias linfoides agudas e linfomas linfoblásticos, possuindo duração média de 104 semanas.

Analisando os principais sinais e sintomas relatados no momento do atendimento, a febre foi a queixa mais referida entre todos os diagnósticos, representando 177 (68,8%) de todas as queixas relatadas. Os sintomas de dor representaram 17,2% de todos os casos, corroborando um estudo prévio, que encontrou resultado semelhante, também trabalhando com pacientes pediátricos [18]. A dor está entre os sintomas mais frequentes, intensos e angustiantes relatados, especialmente entre a população adolescente [18].

Em um estudo que analisou o perfil de pacientes oncológicos atendidos em uma unidade de emergência [12], alguns pacientes apresentaram mais de um sinal e sintoma no mesmo atendimento, sendo a dor o mais prevalente com 83,1%, náuseas e vômitos com 67,4%, e febre com 26,1%. Sintomas como tosse, diarreia e coriza também tiveram uma expressão significativa no presente estudo, com 9,3%, 18,6% e 8,9%, respectivamente. Os pacientes experimentam uma série de sintomas que podem estar relacionados com doenças infantis de rotina, malignidade ou efeitos secundários de tratamento [18].

No que concerne às urgências oncológicas diagnosticadas, a neutropenia febril foi, sem dúvidas, a mais prevalente, representando 87 dos 180 casos relatados. A neutropenia é uma complicação frequente da quimioterapia antineoplásica e predispõe os pacientes com câncer a infecções potencialmente fatais [19]. Sendo assim, é de fundamental importância que a neutropenia febril seja sempre suspeitada para um paciente na vigência de quimioterapia com queixa de febre e/ou sinais e sintomas infecciosos [20]. A avaliação física imediata desses pacientes é imprescindível para identificar sinais focais de infecção e selecionar os pacientes de acordo com risco da neutropenia, analisando o estado oncológico atual, quimioterapia prévia, exame físico minucioso e solicitação de exames laboratoriais [18,20].

Segundo estudo sobre neutropenia na prática pediátrica [21], a hospitalização é necessária para pacientes com neutropenia, especialmente para aqueles com contagens de neutrófilos inferiores a 500 céls/mm³, neutropenia moderada, grave infecção, ou qualquer nível de neutropenia combinado a mal-estar. Essa indicação corrobora os achados desta pesquisa, na qual 85 dos 87 casos de neutropenia febril foram hospitalizados.

Embora a terapia antineoplásica com frequência desenvolva episódios febris durante os períodos de neutropenia, somente um terço desses tem o sítio de infecção comprovado, deste modo, o risco infeccioso aumenta diretamente com a gravidade da neutropenia, com a velocidade de sua instalação e com sua duração [7]. No presente estudo houve 74 casos de infecção confirmados, com predomínio das infecções respiratórias, sendo as infecções de vias aéreas superiores responsável por 24 casos, e as pneumonias responsáveis por 10 casos. As arboviroses também estiveram em evidência dentre os casos de infecção, correspondendo a 11 casos, e como provável consequência do elevado número de arboviroses detectados no estado de Pernambuco no primeiro semestre do ano de 2016.

As reações anafiláticas aos quimioterápicos também estiveram presentes entre as urgências oncológicas, sendo a alergia ao Elspar a reação mais frequente, com 11 casos. O Elspar é o nome comercial da droga L- asparaginase que está presente na fase de indução dos protocolos terapêuticos da LLA. Sua inclusão nos protocolos aumentou consideravelmente o número de pacientes que entraram em remissão, possui um baixo efeito mielossupressor, entretanto, pode causar muitos efeitos colaterais [22,23]. Os sintomas mais comuns descritos nos casos de alergia à L-asparaginase foram a dor e hiperemia no local da aplicação do medicamento, visto que é utilizada a via intramuscular profunda em glúteo para sua administração. O edema marcado, a vermelhidão no local da injecção e a anafilaxia são definidas como "reações alérgicas graves" devendo ser descontinuado o uso do L-asparaginase [23].

 

Conclusão

 

Evidenciou-se que houve um elevado número de urgências oncológicas no serviço no qual a pesquisa foi realizada com predomínio das urgências de caráter infeccioso. A neutropenia febril foi a urgência mais prevalente e a principal causa das hospitalizações.

Nem todas as crianças e adolescentes que foram atendidas com intercorrência apresentaram de fato alguma urgência oncológica. Observou-se que alguns atendimentos estavam relacionados com algum sintoma isolado, requerendo somente um acompanhamento ambulatorial, ou por outro lado, até apresentou algum evento de maior gravidade, mas que não estava diretamente ligado ao diagnóstico oncológico ou ao tratamento, justificando assim a ocorrência de 257 atendimentos e apenas 180 urgências oncológicas detectadas.

No serviço no qual o estudo foi realizado, os pais são instruídos a levarem os seus filhos ao ambulatório de oncologia pediátrica no caso de apresentarem qualquer sintoma inesperado ou ocorrência de febre, visto que este último é o principal fator indicativo de neutropenia febril. A partir disso, os pacientes recebem atendimento adequado e, quando necessário, encaminhamentos para outros setores do hospital, a exemplo das enfermarias ou unidade de terapia intensiva. Desse modo, o ambulatório de oncologia pediátrica acaba recebendo também casos que não configuram uma urgência oncológica de fato, todavia, isso se faz necessário visto que os pacientes oncológicos possuem particularidades que os serviços de pediatria geral não estão treinados adequadamente para lidar.

A caracterização da ocorrência das urgências oncológicas na população pediátrica com câncer hematológico pode contribuir para a tomada de decisões dos profissionais de saúde no enfrentamento e planejamento da assistência a esse grupo populacional. A existência de subnotificações e de registros incompleto representam um problema que repercute negativamente para o desenvolvimento de pesquisas e tomada de decisões com base em indicadores, necessitando com isso grande cautela na interpretação dos registros. É fundamental que os sinais característicos das urgências oncológicas sejam identificados corretamente pelos genitores e profissionais de saúde. Como a equipe de enfermagem tem contato mais prolongado com os pacientes e seus familiares, esses profissionais precisam ter um olhar diferenciado para reconhecer essas complicações e além de conduzir os cuidados diretos à criança também realizem educação em saúde com os responsáveis pelo menor, oferecendo orientações e tirando dúvidas sobre os cuidados.

 

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