ARTIGO
ORIGINAL
Características
sociodemográficas e clínicas da hanseníase: um estudo
populacional
Emanuelle Malzac Freire de Santana*, Karen Krystine
Gonçalves de Brito*, Ester Missias Villaverde Antas**, Smalyanna Sgren da Costa Andrade*, Irkatania
Vitorino Diniz*, Siméia de Macêdo Lima***, Mirian
Alves da Silva, D.Sc.****
*Doutoranda,
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal da Paraíba, João
Pessoa/PB, **Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, ***Graduanda em Enfermagem, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, ****Professora Departamento de Enfermagem
Clínica, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB
Recebido em 11 de
julho de 2017; aceito em 26 de dezembro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Emanuelle Malzac Freire de Santana, Rua Julieta
Marinho Marsicano, 109/204, 58035-310 João Pessoa PB,
E-mail: manumalzac@gmail.com; Karen Krystine
Gonçalves de Brito: karen_enf@yahoo.com.br; Ester Missias
Villaverde Antas: ester_villaverde@yahoo.com.br; Smalyanna Sgren da Costa Andrade:
nana_sgren@hotmail.com; Irkatania Vitorino Diniz:
iraktania@hotmail.com; Siméia de Macêdo Lima:
simeiamacedo@windowslive.com; Mirian Alves da Silva: miads.enf@gmail.com
Resumo
Introdução: Apesar da redução
nos coeficientes de prevalência e de detecção de casos novos, a hanseníase ainda
se configura como problema de saúde pública no Brasil. Objetivo: Descrever o perfil sociodemográfico
e clínico de pacientes com hanseníase; e verificar a associação entre suas
características clínicas segundo os anos de 2009 a 2014. Material e métodos: Estudo descritivo, retrospectivo, populacional
e documental, com delineamento quantitativo desenvolvido de 2009 a 2014 em
centro de referência em João Pessoa/PB. Envolveu 414 prontuários, utilizando-se
formulário estruturado para coleta de dados contemplando variáveis sociodemográficas, clínicas e da avaliação neurológica
simplificada no diagnóstico e na alta. Resultados:
Observou-se predominância de homens (58,7%), faixa etária de 31 a 45 anos
(27,8%), baixa escolaridade (65,9%), tipo multibacilar
(60,6%), forma dimorfa (35%), grau 0
de incapacidade (59,4%), pés comprometidos (37,2%) e sem nervos afetados
(52,4%). Entre 2009-2014 constatou-se diferença significativa para o grau de
incapacidade (p=0,038), com aumento do número de casos diagnosticados com grau 0; para o sítio corporal olho (p=0,004) e mão (p=0,003) com
diminuição de seu acometimento; e para os nervos (p=0,020) com aumento de
indivíduos sem nervos afetados. Conclusão:
Os resultados indicam que apesar da hanseníase permanecer ativa na região estudada,
a assistência tem se mostrado satisfatória.
Palavras-chave: hanseníase,
epidemiologia, prevenção e controle, atenção secundária à saúde.
Abstract
Sociodemographic and clinical characteristics of leprosy: a population study
Introduction: Despite the reduction in the prevalence and detection coefficients of
new cases, leprosy is still public health problem in Brazil. Aim: To describe the sociodemographic
and clinical profile of patients with leprosy; and to verify the association
between its clinical characteristics according to the years 2009 to 2014. Methods: Descriptive, retrospective,
population and documentary study, with a quantitative delineation developed
from 2009 to 2014 in reference center in João
Pessoa/PB. This study involved 414 medical records, using structured form for
data collection contemplating sociodemographic and
clinical variables and simplified neurological evaluation in diagnosis and
discharge. Results: We observed a
predominance of men (58.7%), age group 31-45 years (27.8%), low schooling
(65.9%), multibacillary type (60.6%), dimorphous 35%), degree of disability (59.4%), impaired
feet (37.2%) and no affected nerves (52.4%). From 2009 to 2014, there was
significant difference for the degree of disability (p = 0.038), with an increase
of cases diagnosed with grade 0; to the body eye site (p = 0.004) and hand (p =
0.003) with decrease of its involvement; and for the nerves (p = 0.020) with
increase of individuals without affected nerves. Conclusion: The results indicate that although leprosy remains
active in the studied region, care strategy has been satisfactory.
Key-words: leprosy,
epidemiology, prevention and control, secondary care.
Resumen
Características sociodemográficas
y clínicas de la lepra: un estudio poblacional
Introducción: A pesar de la reducción en los coeficientes de prevalencia y de detección de
casos nuevos, la lepra aún se configura como problema de salud
pública en Brasil. Objetivo: Describir el
perfil sociodemográfico y clínico de pacientes con lepra; y verificar la asociación entre sus características clínicas según los años
2009 al 2014. Material y métodos: Estudio descriptivo,
retrospectivo, poblacional y documental, con delineamiento cuantitativo desarrollado entre
2009 y 2014 en centro de referencia en João Pessoa/PB. Se evaluaron
414 historias clínicas, utilizando formulario estructurado para colección de datos contemplando variables sociodemográficas, clínicas y de evaluación
neurológica simplificada en el diagnóstico y en el alta hospitalaria. Resultados: Se observó
predominancia de hombres
(58,7%), grupo de edad 31-45 años
(27,8%), baja escolaridad (65,9%), tipo multibacilar (60,6%), forma dimorfa
(35%), grado 0 de incapacidad
(59,4%), pies comprometidos (37,2%) y sin nervios afectados (52,4%). Entre
2009-2014 se constató una diferencia significativa
para el grado de incapacidad (p = 0,038), con
aumento del número de casos diagnosticados con grado 0; para el sitio
corporal ojo (p = 0,004) y mano (p = 0,003) con disminución de su afectación; y para los nervios (p = 0,020) con aumento de individuos sin nervios afectados.
Conclusión:
Los resultados indican que a pesar de la lepra permanecer activa en la
región estudiada, la asistencia se ha mostrado satisfactoria.
Palabras-clave: lepra, epidemiología, prevención y control, atención secundaria de salud.
Nas últimas décadas,
ocorreu redução global da prevalência da hanseníase de mais de 5 milhões de casos em 1980 para menos de 200 mil em 2015.
Todavia, apesar dos avanços para o controle da endemia, a hanseníase ainda se
mantém como relevante problema de saúde pública no Brasil [1], ocupando a
segunda colocação em número de notificações no ranking mundial, atrás apenas da
Índia. Em 2015, foram notificados 26.395 novos casos representando 13% de todas
as notificações da doença no mundo [2].
Apesar da redução
contínua nos coeficientes de prevalência e de detecção de casos novos ao longo
dos anos, o país ainda não atingiu a meta de eliminação proposta pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), representada pela redução do coeficiente de
prevalência a menos de um caso em cada dez mil habitantes. Em 2012, a
prevalência no país foi de 1,51/10.000 habitantes [3].
No Brasil, a
distribuição dos casos de hanseníase não é homogênea [4] e existem regiões que
ainda possuem alto padrão de endemicidade, sendo
consideradas áreas importantes na manutenção da sua transmissão.
Dentre os Estados
brasileiros, a região Nordeste aglomera uma das maiores endemias da doença,
sendo responsável por coeficiente de detecção de casos de 22,56/100.000
habitantes em 2015 [5]. Integrante deste cluster, a Paraíba apresenta tendência
de queda para o coeficiente desde 2006, com projeções de 18,8/100.000
habitantes para os anos de 2012-2014 [6]. Em 2015, o coeficiente de detecção de
casos foi de 13,17/100.000 habitantes, o que representa estabilização e melhora
deste indicador epidemiológico [7].
O município de João
Pessoa, capital do Estado da Paraíba, é considerado prioritário e estratégico
para eliminação da hanseníase de acordo com o “Plano integrado de ações
estratégicas de eliminação da hanseníase, filariose,
esquistossomose e oncocercose como problema de saúde
pública, tracoma como causa de cegueira e controle das geohelmintíases:
plano de ação 2011-2015”, lançado com o propósito de erradicar ou reduzir de
forma drástica a carga desses agravos e, se tratando da hanseníase, enfatiza o
aumento da detecção precoce e da cura dos casos diagnosticados [8].
Sabe-se que os
serviços de saúde desempenham papel fundamental no diagnóstico da patologia em
sua fase inicial e no tratamento oportuno, responsáveis por contribuir para
redução da sua prevalência [9]. Desta forma, estudos de descrição
epidemiológica da hanseníase em seus diferentes aspectos tornam-se relevantes
para subsidiar os gestores e profissionais de saúde no planejamento e
desenvolvimento de ações voltadas para o controle da doença, além de contribuir
para seu monitoramento. O conhecimento do comportamento epidemiológico também
permite identificar as áreas de maior gravidade da doença facilitando o
planejamento das intervenções.
É papel da Enfermagem incentivar os indivíduos acometidos pela
hanseníase sobre a importância da adesão ao tratamento, além de orientá-los
sobre os cuidados a serem realizados para evitar possíveis complicações devido
ao acometimento nervoso resultante da evolução da doença.
Diante do exposto, o
presente estudo tem como questões norteadoras: Qual o perfil sociodemográfico e clínico apresentado pelos pacientes com
hanseníase entre os anos de 2009 a 2014? Quais associações existem entre suas
características clínicas segundo os anos de 2009 a 2014?
Portanto, o objetivo
deste estudo foi descrever o perfil sociodemográfico
e clínico de pacientes com hanseníase; e verificar a associação entre suas
características clínicas segundo os anos de 2009 a 2014.
Trata-se de um estudo
de caráter descritivo, retrospectivo, base populacional e fonte documental com
delineamento quantitativo realizado entre 2009 e 2014 com prontuários de
pacientes com diagnóstico de hanseníase que foram atendidos em um centro de
referência especializado para o tratamento da doença no Estado da Paraíba,
localizado na cidade de João Pessoa.
A população do estudo
foi composta por 485 pacientes da região metropolitana de João Pessoa da qual
fazem parte 12 municípios, a saber: Alhandra, Bayeux, Caaporã, Cabedelo, Conde,
Cruz do Espírito Santo, João Pessoa, Lucena, Pedras de Fogo, Pitimbu, Rio Tinto
e Santa Rita.
Como critérios de
inclusão, foram instituídos: prontuários de pacientes da região metropolitana
de João Pessoa que iniciaram e concluíram o tratamento para hanseníase no
centro de referência e que possuíam preenchida a ficha de avaliação
simplificada das funções neurais e complicações tanto no diagnóstico quanto na
alta por cura. Estabeleceu-se como critérios de exclusão: prontuários de
pacientes com comprometimento cognitivo (n = 4); prontuários com informações
incompletas (n = 61); e prontuários de pacientes que não realizaram o
tratamento no tempo preconizado pelo MS (n = 6). Desta forma, a população do
estudo foi composta por 414 prontuários.
Os dados foram
coletados de janeiro a abril de 2016 por meio de um instrumento estruturado a
partir dos prontuários dos pacientes, dos quais foram extraídas variáveis sociodemográficas (sexo, idade, grau de escolaridade e
ocupação) e clínico epidemiológicas (classificação
operacional e forma clínica).
O instrumento também
foi composto por informações referentes ao momento do diagnóstico e da alta por
cura provenientes da ficha de avaliação simplificada das
funções neurais e complicações. A utilização desta ficha é preconizada
pelo MS e baseia-se em uma avaliação neurológica simplificada para identificar
a gravidade das lesões presentes nos olhos, nariz, mãos e pés [10], sendo parte
integrante da avaliação realizada no serviço.
Em cada ficha, foi
considerado o grau máximo de incapacidades físicas variando de 0 até 2. A graduação 0 é utilizada
quando não há nenhum dano presente nos olhos, mãos e pés, o grau 1 corresponde
a diminuição ou perda da sensibilidade e o grau 2 quando há presença de
deformidades visíveis devido a hanseníase [11].
Os procedimentos para
a coleta de dados incluíram a requisição da lista de prontuários de clientes
atendidos no período do estudo ao setor de Vigilância Epidemiológica do Centro
de Referência para posterior solicitação destes no Serviço de Arquivo Médico e
Estatística, setor responsável por organizar e fornecer os prontuários. Em
seguida, foi realizado o preenchimento das informações no instrumento.
Os dados obtidos
foram codificados para tabulação no aplicativo Microsoft Excel e em seguida
exportados para o software Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 20.0, onde foram
analisados através de estatística descritiva (frequência absoluta e
percentagem) e inferencial (teste de associação de Qui-Quadrado),
utilizando-se nível de significância de 5% (p < 0,05).
No processo de
investigação foram adotadas as observâncias éticas contempladas pela Resolução
466/12 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba sob
protocolo 443/14, CAAE 34284414.3.0000.5188.
A população do estudo
foi composta por 414 prontuários de pacientes com hanseníase
distribuídos entre ambos os sexos e média de idade de 42,5 anos. A
Tabela I demonstra o perfil sociodemográfico desta
população, com predominância do sexo masculino (58,7%), faixa etária de 31 a 45
anos (27,8%), baixa escolaridade (65,9%) e procedentes do município de João
Pessoa (55,3%).
Tabela
I – Perfil sociodemográfico
de pacientes com hanseníase entre os anos de 2009 a 2014 na região
metropolitana de João Pessoa (n =414). João Pessoa, 2016.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2016; *Refere-se as cidades de Cruz do
Espírito Santo, Alhandra, Rio Tinto, Caaporã e Pedras de Fogo.
Na tabela II está
descrito o perfil clínico dos participantes, com destaque para a maior
concentração da classificação operacional multibacilar
(60,6%), forma clínica dimorfa (35%), GIF 0 (59,4%), pé como o sítio corporal mais comprometido
(37,2%) e sem nervos afetados (52,4%).
Tabela
II -
Perfil clínico de pacientes com
hanseníase entre os anos de 2009 a 2014 na região metropolitana de João Pessoa
(n = 414). João Pessoa, 2016.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2016.
Ao verificar a
associação entre o perfil clínico segundo os anos de 2009 a 2014 (Tabela III),
constata-se diferença estatisticamente significativa para o GIF (p=0,038) com
aumento do número de casos diagnosticados com GIF 0 e
redução expressiva do GIF 2 ao longo dos anos. Para os sítios corporais, foi
encontrada diferença estatística significativa para os olhos (p = 0,004), com
aumento do número de indivíduos sem nenhum comprometimento e para as mãos (p =
0,003), com diminuição considerável de acometimento, embora no período estudado
tenham ocorrido oscilações.
Também se observa
diferença estatisticamente significativa (p = 0,020) para o acometimento dos
troncos nervosos com aumento gradativo de indivíduos sem nenhum nervo afetado
no período de tempo estudado e redução daqueles com 2
ou mais nervos afetados (Tabela III).
Tabela
III
– Associação das características clínicas
de pacientes com hanseníase segundo os anos de 2009 a 2014 na região metropolitana
de João Pessoa (n =414). João Pessoa, 2016.
(a)Teste de associação de Qui-Quadrado; Resultado significativo: (*) p-valor <
0.05; Fonte: Dados da pesquisa, 2016.
O presente estudo
permitiu identificar o comportamento sociodemográfico
e clínico de pacientes acometidos pela hanseníase na região metropolitana de
João Pessoa/PB, sendo este agravo predominante em homens [12-13], faixa etária
economicamente ativa [13], baixa escolaridade [13], classificação operacional multibacilar [15], forma clínica dimorfa
[15], GIF 0 [16], os pés como o sítio corporal mais
comprometido [17] e sem nervos afetados [18]. Estes achados também foram
relatados em outros estudos.
O maior percentual de
acometimento da doença encontrado no sexo masculino reflete o estilo de vida
adotado por essa população que possui frequente exposição a
ambientes de risco, o que pode contribuir para elevar o número de casos
[19]. Dados da Organização Mundial de Saúde mostram que na maior parte do mundo
os homens são afetados mais frequentemente que as mulheres, muitas vezes na
proporção de 2:12 [20].
O comprometimento de
indivíduos na faixa etária economicamente ativa pode interferir na realização
das atividades diárias e ocasionar perdas financeiras e sociais, com impacto
sobre a dinâmica econômica familiar devido ao alto poder incapacitante da
doença [19,21]. Esses dados são indicadores preocupantes não apenas concernente
à saúde pública brasileira, mas também as questões políticas e previdenciárias.
No que diz respeito a escolaridade, o baixo nível de instrução dos pacientes
pode contribuir para a difusão da doença devido a possibilidade de
interferência na compreensão das informações veiculadas sobre a mesma [21],
além de retardar a busca pelos serviços de saúde [22], tornando esta população
mais vulnerável ao desenvolvimento de complicações.
Nesta perspectiva,
ratifica-se a importância da educação em saúde para sensibilizar as pessoas
sobre os primeiros sinais da doença, o diagnóstico precoce e a prevenção de
incapacidades [23], posto que indivíduos informados estarão
mais propensos a buscarem os serviços de saúde (detecção passiva de casos),
aumentando a probabilidade de diagnóstico precoce.
No que tange as
características clínicas, estudo realizado em cidade endêmica do norte de Minas
Gerais aponta que o indivíduo multibacilar possui
chance nove vezes maior em desenvolver algum GIF quando comparado ao paucibacilar [24], o que pode ser justificado pela maior
carga bacilar e dano neural presente nesses pacientes [25], influenciando na
evolução mais rápida da doença [26].
Considerando que o
aparecimento de incapacidades está relacionado ao tempo de evolução da doença
[27], os elevados percentuais de casos apresentando as formas clínicas dimorfa e virchowiana, sugerem
que o diagnóstico da hanseníase está ocorrendo de forma tardia, o que pode
predispor a maior transmissibilidade e consequente instalação de sequelas
físicas.
Entretanto, apesar da
população ter sido predominantemente multibacilar e,
portanto, apresentar maior probabilidade para o desenvolvimento de
incapacidades, os achados não foram proporcionais. De acordo com os dados,
60,6% dos indivíduos foram classificados como multibacilares,
todavia 47,6% apresentaram um ou mais nervos afetados.
Este achado aponta a
possibilidade da ocorrência de neurite silenciosa, posto que o comprometimento
nervoso pode se desencadear sem dor ou hipersensibilidade a palpação, mesmo na
ocorrência de alterações sensitivas e motoras [28], concordando com a
observância de outros autores que não detectaram alterações durante a palpação
dos nervos dos membros superiores e inferiores na maioria dos pacientes
investigados [18].
Tendo em vista que o
dano neural é considerado decisivo para o desencadeamento das incapacidades,
sendo responsável pelas alterações na função sensitiva e/ou motora e estando
subjacente a todas as formas da hanseníase [29], atenta-se também para a
hipótese de falhas na qualificação profissional para a avaliação diagnóstica.
A baixa qualificação
para identificar os sinais e sintomas da doença oportuniza o surgimento de
sequelas. Neste sentido, destaca-se a necessidade de incentivar a implementação de políticas públicas, com o propósito de
obter melhores resultados na qualidade da assistência [30] com ênfase para a
realização do diagnóstico precoce e tratamento adequado dos doentes,
consideradas melhores estratégias para prevenir a evolução da doença [31].
A baixa qualificação
profissional é reflexo da falta de incentivos
governamentais para o controle da hanseníase e para prevenção de incapacidades,
que se revela esparsa no cenário atual [32]. Salienta-se ainda que não foram encontrados nos prontuários registros de algumas
avaliações de rotina preconizadas pela OMS, em virtude da falta de materiais de
baixo custo destinados a este fim.
Na análise do período
de 2009 a 2014, a diferença encontrada para o GIF (p=0,038) justifica-se pela
significativa diminuição da quantidade de pacientes diagnosticados com incapacidades
de grau 2 (IG2) (2009: 23,2% e 2014: 3,6%) e aumento
daqueles sem nenhum comprometimento nos sítios corporais (2009: 43,5% e 2014:
63,6%), o que sugere representar uma redução da magnitude da endemia.
A IG2 é um relevante
indicador epidemiológico de avaliação do Programa Nacional de Controle da
Hanseníase, visto que é utilizado na mensuração da força de morbidade,
magnitude e perfil epidemiológico da doença, além de avaliar a qualidade dos
serviços de saúde prestados. É preconizado pelo MS que na avaliação clínica, em
caso de identificação de GIF diferentes nos sítios corporais, seja considerado
o grau máximo, que varia de 0 a 2 [33].
Em comparação aos
países asiáticos, o Brasil possui menores proporções de IG2 [2], o que pode ser
justificado pela ampliação da assistência na atenção primária em saúde
proporcionando melhora dos serviços relacionados ao controle da doença [31].
Em estudo realizado
em São Luís/MA entre os anos de 2008-2009, verificou-se porcentagem de 42,1% de
indivíduos apresentando incapacidades físicas já no momento do diagnóstico (GIF
1=29,82% e GIF 2=12,28%), sugerindo-se a necessidade de abordagens mais
específicas no tocante a medidas de tratamento e reabilitação para evitar o
agravamento da enfermidade e propiciar o controle das sequelas [34]. Esses
valores foram inferiores aos encontrados por nosso estudo para o mesmo ano.
No tocante aos sítios
corporais, ocorreu aumento da quantidade de indivíduos sem comprometimentos de
forma significativa apenas para as mãos e os olhos. Uma das premissas para o
maior cuidado nestes sítios está pautada na facilidade de visualização destas
áreas tanto pelo paciente quanto pelos demais indivíduos, tornando precoce a
percepção de alterações na sensibilidade e/ou funcionalidade [14],
diferentemente do que acontece com os pés.
De maneira geral,
entre os anos avaliados ocorreu significativa melhora no GIF, menor
acometimento dos olhos, mãos e nervos, embora o número de pacientes
diagnosticados entre as formas brandas da doença não tenha aumentado. Sob este
prisma, hipotetiza-se que apesar da hanseníase
permanecer ativa na região metropolitana de João Pessoa/PB, a assistência
realizada na atenção secundária à saúde tem se mostrado satisfatória, no que
tange a minimização dos agravos e prevenção de incapacidades.
O perfil sociodemográfico e clínico de pacientes acometidos pela
hanseníase na região metropolitana de João Pessoa/PB foi caracterizado pelo
sexo masculino, faixa etária economicamente ativa, baixa escolaridade,
classificação multibacilar, forma clínica dimorfa, GIF 0, pés como o sítio
corporal mais comprometido e sem nervos afetados.
A análise indica
redução da magnitude da endemia entre os anos de 2009 a 2014, apoiada pela
redução de pacientes diagnosticados com IG2 e aumento daqueles sem
comprometimentos na face, mãos e pés ou nervos afetados, evidenciando também a
efetividade da assistência realizada no cenário da pesquisa, serviço de atenção
secundária à saúde.
A assistência
ofertada no serviço de atenção especializada proporciona aos indivíduos maiores
oportunidades de tratamento e distância do seu local de moradia, tendo em vista
o estigma e o preconceito associado a doença. Estes
fatores contribuem para a manutenção destes no centro de referência, mesmo
quando a indicação sugere sejam contra referenciados.
Essa premissa atua
aumentando a carga de trabalho e contraria a orientação de descentralização
preconizada para a assistência ao paciente acometido pela hanseníase, superlota
o serviço, e inviabiliza que mais indivíduos com maiores necessidades sejam
atendidos devidamente.
Salienta-se ainda que
o nível de atenção secundária não responde pela busca
ativa de casos, assim sendo, atende aos pacientes de demanda espontânea ou
referenciados pela atenção primária. É compreensível, portanto, que muitos
indivíduos sejam diagnosticados com algum acometimento tardio da doença,
embora, no presente estudo, casos com incapacidades físicas tenham apresentado
tendência de declínio entre os anos avaliados.
A coleta de dados foi
realizada em fonte secundária de informação. Em vista disso, atentou-se para a
existência de lacunas no preenchimento de informações e divergências entre os
achados da avaliação clínica e classificação do grau de incapacidade, fatores
limitantes ao estudo.
A relevância dos
achados encontrados neste estudo, para a saúde pública e para a enfermagem,
está pautada no conhecimento do comportamento sociodemográfico
e clínico de pacientes acometidos pela hanseníase na região metropolitana de
João Pessoa/PB para que ações possam ser realizadas de forma direcionada a
esses grupos de indivíduos, visando a prevenção,
diagnóstico, tratamento e reabilitação das sequelas físicas ocasionadas pela
doença.
Sugere-se ainda a
ampliação do escopo metodológico deste estudo, bem como a sua realização em
outros estados e municípios, com vistas a proporcionar um monitoramento dos
progressos alcançados no processo de erradicação da doença no país.