ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
dos pés de idosos com diabetes mellitus: estudo descritivo
Leandra de Fátima
Piza*, Bianca Daiane Eleotério**, Lilian Cristiane
Gomes, D.Sc.***
*Graduada
em Enfermagem pelo Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé
(UNIFEG), Pós-graduanda do Curso de Especialização em Enfermagem de UTI /
Urgências e Emergências do UNIFEG, Guaxupé/MG, **Graduada em Enfermagem pelo
Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé (UNIFEG), Enfermeira da
Santa Casa de Misericórdia de Guaxupé, Guaxupé/MG, ***Enfermeira, Docente e
Coordenadora do Curso de Enfermagem do UNIFEG, Guaxupé/MG
Recebido em 11 de
julho de 2017; aceito em 3 de janeiro de 2018.
Endereço
de correspondência:
Lilian Cristiane Gomes, Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé
(UNIFEG) – Coordenação de Enfermagem, Avenida Dona Floriana, 463, Centro,
37800-000 Guaxupé MG, E-mail: liliancristianegomes@yahoo.com.br; Leandra de Fátima
Piza: leandrapiza@gmail.com; Bianca Daiane Eleotério:
biancaeleoterio13_@hotmail.com
Resumo
Objetivo: Avaliar os pés e
calçados de idosos com diabetes mellitus tipo 2 e
identificar o risco para o pé diabético. Métodos:
Estudo transversal e descritivo, com o uso de instrumento estruturado e exame
físico dos pés. A amostra foi constituída de 14 idosos, de ambos os sexos. Resultados: Houve maior frequência de
indivíduos do sexo feminino (78,6%), com tempo médio de diagnóstico de 5,9
anos, não participantes de grupos de orientação sobre a doença (92,9%) e sem
avaliação prévia dos pés por profissional da saúde (85,7%). Referente ao
exame dos pés, os achados mais frequentes foram: higiene adequada
(100%); sensibilidade vibratória preservada (100%); calçados adequados
(92,9%); pulsos palpáveis e cheios (92,9%); presença de sensibilidade
protetora tátil-plantar (71,4%); alteração de espessura das unhas
(64,3%); e ressecamento da pele (42,9%). Conclusão: Apesar de a maioria não participar de grupos
de orientação sobre a doença e de não ter tido os pés avaliados
anteriormente por um profissional da saúde, as condições circulatórias e
neurológicas encontram-se preservadas, as quais podem estar relacionadas ao
curto tempo de doença e, consequentemente, à ausência de comprometimento
sensório-motor e vascular. Ressalta-se a importância de incluir o exame
dos pés nas consultas de rotina para a prevenção do pé diabético.
Palavras-chave: diabetes mellitus,
pé diabético, cuidados de enfermagem.
Abstract
Evaluation of the feet of elderly people with diabetes mellitus:
descriptive study
Objective: To evaluate
the feet and footwear of elderly people with diabetes mellitus and to identify
the risk for the diabetic foot. Methods:
Cross-sectional and descriptive study, using a structured instrument and
physical examination of the feet. The sample consisted of 14 elderly, of both
sexes, without complications in the advanced stage. Results: There was a higher frequency of female subjects (78.6%),
with an average diagnosis time of 5.9 years, who did not participate in
counseling groups on the disease (92.9%) and had no previous evaluation of
health professional (85.7%). Regarding the examination of the feet, the most
frequent findings were: adequate hygiene (100%); preserved vibratory
sensitivity (100%); suitable shoes (92.9%); palpable and full pulses (92.9%);
presence of tactile-plantar protective sensitivity (71.4%); change in nail
thickness (64.3%); and skin dryness (42.9%). Conclusion: Although most do not participate in orientation groups
on the disease and have not had the feet evaluated previously by a health
professional, the circulatory and neurological conditions are preserved, which
may be related to short disease time and, consequently, to the absence of
sensory-motor and vascular impairment. It is important to include examining the
feet in routine visits for the prevention of diabetic foot.
Key-words: diabetes
mellitus, diabetic foot, nursing care.
Resumen
Evaluación de los pies de adultos mayores con diabetes mellitus: estudio descriptivo
Objetivo: Evaluar
los pies y calzados de
adultos mayores con
diabetes mellitus tipo 2 e identificar el riesgo para el pie diabético. Métodos:
Estudio transversal y descriptivo,
con el
uso de instrumento estructurado y examen
físico de los pies. La muestra
fue constituida de 14 ancianos, de ambos sexos. Resultados: Hubo
mayor frecuencia de individuos del
sexo femenino (78,6%), con tiempo promedio de diagnóstico de
5,9 años, no participantes de grupos de orientación sobre la enfermedad (92,9%) y sin evaluación previa de los pies por
profesional de la salud (85,7%). En cuanto al examen
de los pies, los hallazgos más frecuentes fueron: higiene adecuada (100%); sensibilidad vibratoria
preservada (100%); calzados adecuados
(92,9%); pulsos palpables y llenos
(92,9%); presencia de sensibilidad protectora táctil-plantar (71,4%); alteración
del espesor de las uñas (64,3%); y el resecamiento de la piel (42,9%). Conclusión: A
pesar de que la mayoría no participa de grupos de orientación
sobre la enfermedad y de no
haber tenido los pies evaluados anteriormente
por un profesional de la salud, las
condiciones circulatorias y neurológicas se encuentran preservadas, las cuales pueden estar relacionadas
al corto tiempo de enfermedad
y, consecuentemente, a la ausencia de compromiso sensorio-motor y vascular. Se resalta
la importancia
de incluir el examen de los pies en las
consultas de rutina para la prevención
del pie diabético.
Palabras-clave: diabetes mellitus,
pie diabético, cuidados de enfermería.
O diabetes mellitus
(DM) é uma doença crônica que gera muitos outros problemas de saúde, dentre os
quais se destaca o pé diabético, considerado uma das complicações mais
devastadoras e onerosas, uma vez que constitui a principal causa de amputações
não traumáticas, demandando hospitalização prolongada e elevados custos
financeiros e sociais [1-3].
Define-se
pé
diabético como “infecção,
ulceração e/ou destruição dos tecidos
profundos,
associado a anormalidades neurológicas e vários graus de
doença arterial
periférica nos membros inferiores” [2-4]. Em âmbito
mundial, a prevalência
estimada dessa condição é de 15% e estima-se que
12,1% dos acometidos são
pessoas com DM tipo 2 [5-6].
As alterações
fisiopatológicas do pé diabético
incluem as neuropáticas, em especial a sensório-motora; as vasculares (micro e macrovasculopatia) e as biomecânicas, que levam à
deformidade e ao desenvolvimento de lesões ulcerativas e não ulcerativas [1].
A literatura mostra
que as alterações neuropáticas podem se apresentar de três formas: a neuropatia
sensorial, a qual pode levar à perda da sensação de dor, pressão, calor e propiocepção, de forma que traumas menores repetitivos e
até mesmo danos maiores não sejam percebidos; a neuropatia autonômica, que
diminui a sudorese e consequentemente leva ao aumento do ressecamento e à
fissura da pele; e a neuropatia motora que, por favorecer a atrofia muscular,
pode levar a deformidades na arquitetura do pé, desviando os sítios de pressão
plantar e levando a alterações do colágeno, queratina e coxim adiposo
[1,3-5,7-10].
A vasculopatia,
por sua vez, manifesta-se de duas formas: a microangiopatia,
que leva ao espessamento basal da membrana capilar - fato que não tem
relevância na fisiopatologia do pé diabético, pois não leva a redução
significativa do fluxo sanguíneo para as extremidades inferiores - e a macroangiopatia, que afeta vasos sanguíneos de médio e
grosso calibres, levando ao aceleramento do processo de aterosclerose,
favorecendo a obstrução por placas que se aderem às paredes dos vasos [2,4,5,8,9].
Embora a neuropatia e
a vasculopatia sejam consideradas importantes fatores
etiopatogênicos, o comprometimento neural, que
acarreta a perda da sensibilidade protetora, é a principal causa da maioria das
lesões. Em geral, os pacientes procuram os serviços de saúde devido a
ulcerações ou necrose secundária ao trauma trivial não doloroso [1,4,5,11,12].
Devido à perda da
sensibilidade protetora, pequenos traumas repetitivos decorrentes da caminhada
podem não ser percebidos, levando à formação de calos como uma resposta
fisiológica. Estes, por sua vez, agem como um corpo estranho podendo levar ao
aumento da pressão da pele naquele local e desencadear o desenvolvimento de uma
futura úlcera, a qual pode se iniciar como uma lesão pré-ulcerativa:
hemorragia da calosidade, bolha, ou ferimento superficial na pele, progredindo
para uma úlcera com grande risco de infecção, caso o trauma repetitivo perdure
[1,3,5,9,10].
Portanto, o tripé
clássico da ulceração consiste de insensibilidade, deformidade e trauma, além
de outros fatores de risco, tais como a idade avançada, o longo tempo de doença
e a baixa escolaridade [2]. As amputações são comumente precedidas de ulceração
e infecção nos pés [1,5,10,12] e a prevenção das
úlceras pode reduzir a taxas de amputação entre 49% e 85% [1,2,5,10,12,13].
Apesar
de sua
gravidade, é a única complicação do DM
passível de prevenção primária [13]. A
neuropatia diabética geralmente evolui de maneira insidiosa e
pode estar
presente em cerca de 90% das pessoas com DM, especialmente naquelas com
idade
avançada e tempo de doença superior a 10 anos [2,9,14,15].
Dessa forma, torna-se essencial identificar precocemente, a partir do exame
minucioso dos pés, as alterações e os fatores que favorecem direta ou
indiretamente o desenvolvimento de lesões, uma vez que o risco de ulceração é
proporcional ao número de fatores de risco [16].
Embora haja extensa
literatura sobre o tema, o progresso na prevenção das úlceras é incipiente e
estudos com melhor caracterização das pessoas com DM, especialmente quanto às
condições dos pés e calçados, ainda são necessários [17]. No Brasil, as
pesquisas têm sofrido considerável aumento, entretanto são poucos os estudos
desenvolvidos no interior de Minas Gerais [18]. Nessa direção, o presente
estudo teve por objetivo principal avaliar os pés e calçados de idosos com DM e
identificar o risco para o desenvolvimento de complicações nos pés, bem como
promover e/ou reforçar as habilidades para o autocuidado dos pés.
Tratou-se de um
estudo transversal, do tipo descritivo e de abordagem quantitativa, desenvolvido
nas dependências de um centro universitário privado no interior de Minas
Gerais. A população de estudo constituiu-se dos idosos integrantes da Faculdade
Aberta da Terceira Idade (FATI) do referido centro universitário. A FATI é um
projeto institucional, de cunho social, que objetiva congregar os idosos da
comunidade local, oferecendo-lhes de forma gratuita, oficinas de música, dança,
teatro, artesanato, entre outras, com o intuito de promover a qualidade de vida
e a inclusão dos idosos na sociedade.
Como critérios de
inclusão, foram considerados os idosos de ambos os sexos, com diagnóstico de DM
e que tivessem capacidade de dialogar. Excluíram-se os idosos não diabéticos e
aqueles com complicações avançadas desta doença: amaurose,
insuficiência renal crônica em terapia renal substitutiva, sequela de acidente
vascular encefálico e/ou de infarto agudo do miocárdio, úlcera ativa e/ou
amputação em membros inferiores. Dessa forma, a amostra, de conveniência, foi
composta por 14 idosos com DM tipo 2.
A coleta de dados foi
realizada em uma sala privativa no local de estudo, mediante convite. As
pessoas que apresentaram interesse em participar, receberam informações sobre o
propósito e os objetivos do estudo, e foi lido o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE). Após a assinatura do mesmo pelo participante, foram
aplicados os dois instrumentos de coleta de dados pelas próprias pesquisadoras,
em forma de entrevista.
O primeiro
instrumento foi um questionário destinado à coleta de dados sociodemográficos,
clínicos, de tratamento e hábitos de vida, validado em estudos prévios [19-21].
O segundo consistiu de um roteiro para o exame dos pés, fundamentado na
literatura [1,3,10], contendo, também, orientações a
serem fornecidas/ reforçadas para o autocuidado dos pés.
O exame dos pés
compreendeu a inspeção (alteração aparente na marcha; tipo de calçados;
condições de higiene, condições da pele e anexos, das unhas, do arco plantar e
dos espaços interdigitais; presença de deformidades; pontos de pressão - hiperemia);
palpação (avaliação dos pulsos pediosos e tibiais posteriores; avaliação da
temperatura, identificada com o dorso da mão do examinador); testes
neurológicos (aplicação do monofilamento de náilon Semens-Weistein 5.07, de 10 gramas e do diapasão clínico de
128 hertz, sendo estes considerados padrão-ouro) [1-2,9-10]. A incapacidade de
perceber o estímulo do monofilamento de 10 gramas em
quatro ou mais dos dez pontos testados, após três aplicações, caracteriza
ausência de sensibilidade protetora [16,22].
A avaliação dos
calçados incluiu quatro características: modelo, largura, comprimento e
material de fabricação. O modelo considerado apropriado é o do tipo fechado,
que protege todo o pé; o tamanho (comprimento e largura) adequado é aquele que
apresenta um centímetro a mais que a anatomia do pé; o material de fabricação
deve ser o couro macio ou lona/algodão. Foi considerado apropriado o calçado
que apresentou essas quatro características. As meias
consideradas adequadas são as de algodão, cores claras, pouca ou nenhuma
costura interna e punhos frouxos [1,16].
Todos os dados
coletados tiveram dupla digitação e validação, com o uso do aplicativo MS-Excel
2013. Devido à natureza descritiva do estudo, foi utilizada, para a análise dos
dados, a estatística descritiva, por meio de medidas de tendência central
(média e mediana) e de variabilidade (desvio-padrão e amplitude), bem como a
distribuição de frequências (relativa e absoluta).
O presente estudo foi
submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa do UNIFEG, em sua 79ª
Reunião Ordinária, e aprovado sob o protocolo nº 449, de 23 de março de 2016.
O tempo mediano para
a coleta dos dados foi de 45 minutos. Entre as características sociodemográficas, houve predomínio de indivíduos do sexo
feminino (78,6%), da baixa escolaridade (média de 6,9 anos de estudo;
desvio-padrão DP=4,9), de casados/união estável (78,6%) e aposentados/
pensionistas (64,3%) (Tabela I).
Tabela
I – Características sociodemográficas
da amostra estudada. Guaxupé/MG, 2016.
*DP = Desvio-padrão
Referente às
características clínicas, de tratamento e hábitos de vida, destacaram-se o
tempo de diagnóstico (média de 5,9 anos; DP = 5,7); maior número de pessoas que
fazem tratamento medicamentoso somente com ADO (78,6%); grande parte da amostra
estudada (92,9%) não participa de grupo de orientações sobre diabetes; 85,7%
nunca tiveram os pés avaliados
por um profissional da saúde, houve predomínio de ex-tabagistas
(50%); 64,3% referiram não ingerir bebida alcoólica; 100% comparecem aos
retornos agendados pela unidade de saúde; 78,6% praticam atividade física
regularmente (Tabela II).
Tabela
II –
Características clínicas, de tratamento e
hábitos de vida da amostra estudada. Guaxupé/MG, 2016.
*DP = Desvio-padrão
Ao exame dos pés e
calçados, observaram-se no item autocuidado, avaliado de forma concomitante às
condições dermatológicas, o uso de calçados adequados (92,9%), meias adequadas (71,4%), corte correto das unhas (71,4%), e
higiene adequada (100%). Cumpre ressaltar que os calçados identificados como
adequados eram tênis, de tamanho (comprimento e largura)
apropriado aos pés e confeccionados, em sua maioria, com tecido de algodão ou
lona. As meias identificadas como adequadas
eram aquelas de algodão e que não garroteavam a região dos tornozelos.
Dentre as demais
características identificadas, destacam-se as alterações de espessura das unhas
(64,3% pé direito e 57,1% pé esquerdo) e o ressecamento da pele (42,9%); pé
plano (71,4%); alta proporção de sujeitos com até três pontos negativos no
teste do monofilamento em ambos os pés (direito:
71,4%; esquerdo: 92,9%) e sensibilidade vibratória preservada (100%) (Tabela
III).
Tabela
III – Características identificadas nos membros
inferiores, Guaxupé/MG, 2016.
*D = direito; E = esquerdo
Na amostra do estudo,
observou-se uma frequência maior para o sexo feminino (78,6%), idade avançada
(média de idade de 68 anos), e baixa escolaridade (média de 6,9 anos de
estudo). Com exceção da variável sexo, esses resultados se assemelham aos de
outros estudos descritivos que abordaram complicações nos pés das pessoas com
DM [19,20].
A idade e a
escolaridade podem comprometer, de alguma forma, as habilidades para o
autocuidado. O processo de envelhecimento acarreta uma diminuição gradual e
progressiva da capacidade funcional [7,23] que, associada a outros fatores,
tais como a própria doença e a baixa escolaridade, poderão levar a complicações
nos pés, sobretudo pela dificuldade de autocuidado [18,24]. A baixa
escolaridade pode reduzir as oportunidades de acesso à informação e,
consequentemente, ao processo de aprendizagem para os cuidados com os pés [11,20,24], sendo considerada uma variável fundamental na
educação em saúde e no desenvolvimento de habilidades para o autocuidado [24].
Outra característica
presente no grupo estudado foi a maior frequência de indivíduos casados/ em
união estável, semelhantes a outros estudos nacionais [18-20]. O apoio dos
familiares é destacado no cuidado dos pés para prevenção de suas complicações
[19], uma vez que indivíduos idosos que vivem sozinhos, além de poderem
apresentar limitações funcionais para os comportamentos de autocuidado, também
podem não ter a motivação necessária para desempenhá-los [16,24].
Ao serem
questionados sobre o tempo de diagnóstico do DM, a maioria dos participantes do
estudo encontrava-se no início do tratamento; desta forma, esta variável foi
estimada pelo tempo de duração do DM que, quando associado ao mau controle da
glicemia e à alimentação inadequada, favorece a instalação e o desenvolvimento
de complicações [16]. É descrito na literatura que as alterações metabólicas
podem estar presentes anos antes do diagnóstico da doença [9]. O tempo médio de
diagnóstico inferior a 10 anos e o uso de ADO como tratamento medicamentoso
prescrito (78,6%) são achados semelhantes aos de alguns estudos nacionais
envolvendo idosos com DM [8,15,21,25], e divergentes
de outros [11,16, 18].
A amostra estudada
também se destaca pela ausência de participação em grupos de orientações sobre
diabetes, corroborando o estudo previamente citado [25]. Dessa forma, pode ter
sido limitado o acesso a informações sobre os cuidados básicos e de baixo
custo, tais como higiene, secagem interdigital, hidratação da pele, corte
adequado das unhas e inspeção dos calçados, assim como a abordagem sobre a
alimentação balanceada. No entanto, o uso de calçados adequados, encontrado em
92,9% dos participantes, meias adequadas (74,1%) e
corte correto das unhas são um resultado positivo, uma vez que meias e calçados
apropriados, além de prevenir, podem reduzir o desenvolvimento de calosidades,
em razão da diminuição da pressão local [1,16].
Outro aspecto
importante identificado na amostra estudada é o fato de que 85,7% dos
entrevistados relataram que nunca tiveram os pés avaliados previamente por um profissional
da saúde. Esse achado se assemelha aos de outros estudos nacionais e
descritivos que objetivaram avaliar os fatores de risco para o pé diabético em
adultos e idosos [26-27]. A literatura recomenda que todas as pessoas com DM devem ter seus pés avaliados no momento do diagnóstico e
sequencialmente, pelo menos uma vez ao ano [1,4]. Estudo transversal que
objetivou identificar a existência de associação entre amputações e fatores
relacionados às pessoas, à morbidade e à atenção básica recebida, encontrou que
não ter os pés examinados e não receber orientação sobre cuidados com os pés
nas consultas do ano anterior, estiveram associados à ocorrência de amputações
em membros inferiores [27]. Esse dado é preocupante, pois revela a fragilidade
do sistema de saúde brasileiro, especialmente no que se refere à carência de
rastreamento e monitoramento desta complicação pelos serviços de atenção básica
[9,27].
Em relação aos
hábitos de vida, 50% declararam serem ex-tabagistas e
42,9% nunca fumaram, similar a outros estudos [18,26]. Este também é um dado
positivo, visto que o tabagismo é um importante fator de risco para as
complicações circulatórias nos pés [27-28].
Ao exame dos pés,
referente às alterações dermatológicas, houve predomínio das alterações nas
unhas e ressecamento da pele e, quanto às condições estruturais, destacou-se a
presença de pé plano, semelhante a outros estudos nacionais entre pessoas com
DM [3,8,26]. As alterações nas unhas podem ser
decorrentes de infecções fúngicas e de manipulação
inadequada, aumentando o risco de ulcerações nos pés [10]. Na ausência de
aptidão para o corte correto das unhas, este deve ser realizado por familiares
treinados ou por profissionais especializados [4].
Quanto às condições
circulatórias, mais de 90% dos participantes apresentaram pulsos palpáveis e
cheios em ambos os pés. Esse resultado se diverge do estudo que objetivou
analisar as causas referidas para a etiologia das úlceras em pés de pessoas com
DM [16], no qual 53% dos indivíduos avaliados apresentaram pulsos não
palpáveis, o tempo médio de diagnóstico foi de 12,5 anos. No presente estudo, o
curto tempo de doença (menos de 10 anos) e a ausência de tabagismo atual são
fatores que favorecem um menor risco para a ulceração nos pés [9], e podem
estar relacionados às boas condições circulatórias identificadas na maioria dos
sujeitos.
Em relação às
condições neurológicas, ao teste do monofilamento de
10 gramas, mais de 70% dos participantes apresentaram até três pontos negativos
entre os dez pontos testados, e a sensibilidade vibratória se
mostrou preservada em ambos os pés para todos os sujeitos avaliados.
Esses achados se diferem de outros estudos nacionais [16,18]. Pelo fato de a
insensibilidade constituir um dos pilares clássicos da ulceração [2], esses
resultados são considerados desejáveis pelo reduzido número de pontos
insensíveis, o que pode estar relacionado ao curto tempo de doença e,
consequentemente, à ausência de comprometimento sensório-motor e vascular.
Entretanto, pela classificação de risco proposta pelo IDF Clinical Practice Recommendations
on the Diabetic
Foot [10], pode-se afirmar que o grupo estudado
possui grau um de risco para complicações nos pés, o qual corresponde a “perda
da sensibilidade protetora”, sendo este considerado risco moderado [10]. Dessa
forma, esforços necessitam ser envidados para a implantação de programas
educativos, com o foco no autocuidado dos pés, em todos os níveis de atenção à
saúde.
Apesar de a maioria
dos indivíduos não participar de grupos de orientação sobre a doença e de não
ter tido os pés avaliados anteriormente por um profissional da saúde, as
condições circulatórias e neurológicas encontram-se preservadas. No entanto,
faz-se necessário a inclusão do exame dos pés nas consultas de rotina para a
prevenção de complicações nos pés das pessoas com diabetes.
Como limitações,
destacam-se na presente investigação, o delineamento transversal, a amostra de
conveniência e o número reduzido de participantes, o que inviabiliza
generalizações. Entretanto, espera-se que esses resultados possam contribuir
para a busca de estratégias inovadoras no enfrentamento das complicações
crônicas do DM, bem como na educação para o autocuidado com os pés.