ARTIGO
ORIGINAL
Validade
da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão no período pré-operatório de
cirurgia cardíaca
Eduardo Tavares
Gomes, M.Sc.*, Simone Maria
Muniz da Silva Bezerrra, D.Sc.**
*Enfermeiro,
Doutorando em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem em Saúde do
Adulto da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, **Enfermeira, Pós-Doutora em Enfermagem Fundamental pela Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Professora do
Programa Associado de Pós-graduação em Enfermagem UPE/UEPB
Recebido em 23 de
julho de 2017; aceito em 19 de março de 2018.
Endereço
para correspondência:
Eduardo Tavares Gomes, Hospital das Clínicas da Universidade de Federal
Pernambuco, Avenida Profº Moraes Rego, 1235 Cidade
Universitária 50670-901 Recife PE, E-mail: edutgs@hotmail.com; Simone Maria
Muniz da Silva Bezerra: simonemunizm2@gmail.com
Resumo
Objetivo: Avaliar as
propriedades psicométricas da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão
aplicada a pacientes internados no período pré-operatório de cirurgia cardíaca.
Métodos: Trata-se de um estudo
metodológico realizado entre os meses de janeiro e abril de 2017, nas
enfermarias de um hospital universitário especializado em cardiologia,
referência regional em cirurgia cardíaca. A escala foi aplicada a 176 pacientes
internados em período pré-operatório de cirurgia cardíaca de revascularização
miocárdica, troca ou plastia valvar. Os dados foram
analisados com recursos de estatística descritiva e inferencial, utilizando o
software Epi-info 7.0 e SPSS 24.0. Resultados: A confiabilidade da
aplicação na amostra foi considerada alta, tanto para a subescala
Ansiedade (alfa de Cronbach = 0,815), quanto para
Depressão (alfa de Cronbach = 0,845), indicando sua
boa representação da informação desejada. Nenhuma correlação forte foi
observada entre os itens ímpares, referentes à depressão, e aos pares,
referentes à ansiedade. Conclusão: A
Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão, em seus dois domínios, em todos os
itens, apresentou-se válida a ser utilizada para pacientes no período
pré-operatório de cirurgia cardíaca.
Palavras-chave:
ansiedade, depressão, período pré-operatório, cirurgia cardíaca.
Abstract
Validity of the Hospital Anxiety and Depression Scale in the
preoperative period of cardiac surgery
Objective: To evaluate
the psychometric properties of the Hospital Anxiety and Depression Scale
applied to hospitalized patients in the preoperative period of cardiac surgery.
Methods: This is a methodological
study developed between January and April 2017, in the wards of a university
hospital specialized in cardiology, a regional reference in cardiac surgery.
The scale was applied to 176 patients in the preoperative period of myocardial
revascularization or valve surgery. Data were analyzed using descriptive and
inferential statistics using Epi-info 7.0 and SPSS
24.0 software. Results: The
reliability of the application in the sample was considered high, both for the
subscale Anxiety (Cronbach's alpha = 0.815) and for
Depression (Cronbach's alpha = 0.845), indicating its
good representation of the desired information. No strong correlation was
observed between the odd items, referring to depression, and the pairs,
referring to anxiety. Conclusion: The
Hospital Anxiety and Depression Scale, in its two domains, in all items, was valid for use in patients in the preoperative period of
cardiac surgery.
Key-words: anxiety,
depression, preoperative period, cardiac surgery.
Resumen
Validez de la Escala Hospitalaria de Ansiedad y Depresión en el período preoperatorio
de cirugía cardiaca
Objetivo: Evaluar
las propiedades
psicométricas de la Escala
de Ansiedad y Depresión Hospitalaria aplicada a pacientes hospitalizados en el período preoperatorio
de cirugía cardíaca. Métodos: Se trata de un estudio metodológico desarrollado
entre enero y abril de 2017, en
las salas de un hospital universitario especializado en cardiología, referente regional en
cirugía cardíaca. La escala se aplicó
a 176 pacientes en el período preoperatorio de
revascularización miocárdica o cirugía
valvular. Los datos se analizaron
mediante estadísticas descriptivas e inferenciales utilizando el software Epi-info 7.0 y
SPSS 24.0. Resultados: La fiabilidad de la
aplicación en la muestra se consideró
alta, tanto para la subescala
Ansiedad (alfa de Cronbach
= 0,815) como para la depresión
(alfa de Cronbach = 0,845), lo
que indica una buena representación
de la información deseada. No se observó una correlación fuerte entre los elementos impares, que se refieren
a la depresión,
y los pares, en referencia
a la ansiedad. Conclusión: La
Escala de Ansiedad y Depresión
del Hospital, en sus dos dominios, en todos los ítems,
fue válida para el uso en pacientes en el período preoperatorio de cirugía cardíaca.
Palabras-clave: ansiedad, depresión, período preoperatorio, cirugía cardíaca.
A proximidade da
cirurgia cardíaca tem como repercussão significativa a ansiedade e depressão,
envolvendo sentimentos e significados diversos para os pacientes [1,2]. Os
profissionais de saúde devem reconhecer a ocorrência de indicativos para estas
alterações de humor, bem como sua implicação no processo de enfrentamento do
trâmite cirúrgico [3,4].
Ao longo dos anos,
diversas escalas para rastreamento de sinais e sintomas ansiosos foram desenvolvidas. Contudo, sintomas somáticos considerados
foram sendo reconhecidos como possíveis vieses de confusão quando se aplicavam
tais instrumentos a pacientes com comorbidades
clínicas. Neste contexto, foi elaborada a Escala Hospitalar
de Ansiedade e Depressão (HADS), que tem sido utilizada por seu uso rápido e
simples (em até dez minutos), por ter sido demonstrada sua validade e
confiabilidade em vários estudos e por não conter avaliação de sintomas
somáticos [5].
A HADS é composta por
14 questões, sendo sete para avaliar ansiedade e sete para depressão, cada item
é pontuado numa escala de 0 a 3, num total de 21 pontos para cada escala, com
ponto de corte de: sem ansiedade ou depressão de 0 a 8, com ansiedade ou
depressão > 9 em cada subescala, respectivamente
[5,6].
Considerando que esta
escala foi traduzida há mais de 20 anos e ainda não foi validada em suas
propriedades psicométricas para a população específica de pacientes em período
pré-operatório de cirurgia cardíaca, o presente estudo se destinou a avaliar as
propriedades psicométricas da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão
aplicada a este grupo.
Trata-se de um estudo
metodológico para investigar propriedades psicométricas da Escala Hospitalar de
Ansiedade e Depressão. O estudo foi realizado entre os meses de janeiro e abril
de 2017, nas enfermarias de um hospital universitário especializado em
cardiologia, referência regional em cirurgia cardíaca.
Para delimitação da
amostra foi realizado um cálculo através da equação de cálculo do tamanho
amostral para médias, considerando que a variável-desfecho é quantitativa
contínua. Utilizou-se como referência uma publicação internacional que utilizou
da versão em inglês da escala para uma população similar, visto que a HADS, em
sua validação para o português no Brasil e nos artigos com pacientes dessa
população, não teve divulgado o valor do desvio-padrão encontrado [5-7].
Para o cálculo,
utilizou-se um erro a de 5%, que
corresponde à diferença entre o valor estimado pela pesquisa e o verdadeiro
valor; um nível de confiança de 95%, que é a probabilidade de que o erro
amostral efetivo seja menor do que o erro amostral admitido pela pesquisa. O
desvio-padrão adotado com referência foi encontrado em um estudo internacional
que avaliou a ansiedade e a depressão, utilizando-se da mesma escala, em 142
pacientes que se submeteram a cirurgia cardíaca, dois dias antes do evento. O
valor do desvio-padrão encontrado no referido estudo foi de 8,72 [7]. O erro
máximo adotado foi de 1,5 ponto na média. Considerando
a população finita de 200 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, em média,
para um período de cinco meses de coleta, a amostra foi estimada em 130
pacientes. Foi determinada uma meta de coletar, no entanto, 30% (169 pacientes)
a mais, considerando as possíveis perdas, sendo, ao final, coletados um total
de 176 pacientes.
Os dados foram coletados
utilizando-se um instrumento próprio contendo, entre outros: um questionário
elaborado para levantamento sociodemográfico, como
sexo, idade, procedência, renda, escolaridade, afiliação religiosa, tipo de
cirurgia, tempo de internamento, etc.; e também a Escala Hospitalar de
Ansiedade e Depressão.
Foram incluídos
pacientes internados em período pré-operatório de cirurgia cardíaca de
revascularização miocárdica, troca ou plastia valvar
e excluídos os que apresentassem nível de consciência rebaixado, comunicação
verbal prejudicada ou qualquer condição clínica ou psicológica que prejudicasse
a entrevista ou a tornasse desconfortável; uso de antidepressivo; diagnóstico
médico prévio referido de transtornos de humor, de ansiedade ou qualquer outro transtorno
psiquiátrico.
Para cada paciente,
foi aplicado o instrumento de coleta de dados descrito anteriormente, mediante
entrevista. Foram realizadas 15 entrevistas piloto, de forma a familiarizar o
entrevistador com o uso da escala. A coleta de dados aconteceu em duas fases
principais. Na primeira etapa os participantes do estudo foram informados
quanto aos procedimentos e objetivos da pesquisa e convidados à participação
mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Na
segunda etapa foram realizadas as entrevistas e aplicado o instrumento de
coleta.
As entrevistas foram
realizadas à beira-do-leito, com ciência do enfermeiro responsável pelo setor
bem como os acompanhantes, que foram orientados a não intervir em nenhuma
resposta se permanecessem ao lado dos pacientes.
O armazenamento dos
dados primários deu-se através de planilhas do software Microsoft Excel 2013.
Os dados foram analisados com recursos de estatística descritiva e inferencial,
utilizando o software Epi-info 7.0 e SPSS 24.0.
Através do teste de Normalidade Kolmogorov-Smirnov
foram verificados que os desfechos avaliados apresentaram nenhuma distribuição
normal (<p=0,05). A associação entre as escalas e subescalas
utilizadas foram avaliadas através do coeficiente de correlação de Pearson e,
por fim, a consistência interna dos itens das escalas foi avaliada pelo alfa de
Cronbach.
A pesquisa foi
elaborada pautada nos preceitos da Resolução CNS nº466/2012. O início da coleta
de dados deu-se apenas após a apreciação e aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa do Pronto-Socorro Cardiológico Universitário de Pernambuco –
PROCAPE/UPE – Parecer nº.1.915.220, CAAE:
30622414.7.0000.5192.
A Escala Hospitalar
de Ansiedade e Depressão vem sendo traduzida e validada para vários idiomas ao
longo dos anos, consequência de um movimento acadêmico de consideração dos
fatores emocionais na saúde [8]. Estudos vêm mostrando que, para pacientes
internados, a escala pode ser inclusive autoaplicável, com duração de dois a
cinco minutos por paciente [9,10].
Dentre os pacientes
participantes no estudo, 49,1% eram do interior, 17,3% da capital e 33,5% da
região metropolitana. A idade média observada foi de 59,16 ± 13,86 anos e
quando a idade foi agrupada e classificada entre pacientes acima de 60 anos,
notou-se que 55,7% deles pertenciam a essa classe. A distribuição do sexo foi
equilibrada tendo 50,6% de homens e 49,4% de mulheres. A maioria dos pacientes
(54,6%) era casada e 45,4% solteiros ou sem companheiro.
Mais da metade da
amostra foi composta por pacientes sem atividade laboral (66,7%) com apenas um
terço deles ativos no mercado de trabalho (33,3%). A renda média observada
entre eles foi de 1,31 ± 0,96 salários mínimos (SM), 70,7% declararam receber
até 1 SM e apenas 29,3% tinham renda superior a 1 SM.
O número médio de filhos foi de 3,41± 2,48.
Apenas um pouco mais
de um quinto da amostra (22,5%) já havia sido submetida à cirurgia cardíaca
prévia. Em média, os pacientes ficaram internados por 22,06 ± 11,08 dias, 70,7%
mais do que 15 dias; o período médio de pré-operatório igual a 20,95 ± 29,78
com 56,9% dos pacientes em até 15 dias e 43,1% com período superior a 15 dias.
Em 34,5% dos casos houve cancelamento da cirurgia, durante o internamento
atual. Para a grande maioria dos pacientes houve um acompanhante (85,5%) e
visita religiosa (65,7%), porém uma visita diária não foi observada tão
frequentemente (24,9%). Apenas em 6,4% dos casos houve uma solicitação de visita
religiosa.
O valor médio
encontrado para a escala ansiedade foi igual a 5,68 ± 4,79, inferior ao ponto
de corte (8 pontos) que classifica os pacientes como
ansiosos (apenas 27,6%). Para a depressão os valores são ainda melhores, o
valor médio para a escala foi igual a 3,99 ± 4,40 tendo apenas 17,8% dos
pacientes depressivos.
A ansiedade foi
avaliada pela subescala composta pelos sete itens
ímpares da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD), enquanto que a
depressão foi avaliada pelos itens pares. (Tabela I) A confiabilidade da
aplicação na amostra foi considerada alta, tanto para a subescala
Ansiedade (alfa de Cronbach = 0,815) quanto para
Depressão (alfa de Cronbach = 0,845), indicando sua
boa representação da informação desejada. Nenhuma correlação forte foi
observada entre os itens ímpares, nem os pares, apenas uma moderada entre HAD6
e HAD12 (r=0,630).
Tabela
I - Estatísticas descritivas para os itens que
compõe as subescalas de ansiedade e depressão.
Recife/PE, Brasil, 2017.
Os itens da subescala ansiedade apresentaram maiores escores
individuais que os da subescala depressão. (Tabela I)
A correlação moderada ou fraca entre os itens dentro da própria subescala mostram que os itens avaliam um conteúdo
independente do outro, sem sobreporem-se. (Tabela II) A possibilidade de
retirada de um item mostrou-se diminuir a confiabilidade da escala,
justificando a presença dos itens todos para a avaliação de ambos os construtos
ansiedade e depressão. (Tabela III)
Tabela
II -
Matriz de correlação entre itens das subescalas Ansiedade e depressão. Recife/PE, Brasil, 2017.
Para a ansiedade, o iten que teve maior correlação com a subescala
foi o 5 (0,63), seguido do 7 (0,62), que foram também
os que mais contribuíram para a coerência interna. De modo contrário, o item
que teve menos correlação com a subescala foi o 7 (0,47), sendo também o que menos colaborou com a sua
coerência interna. (Tabela III)
Pode-se afirmar ainda
que na subescala depressão, os itens 6 e 4 foram os que mais se correlacionaram com o total,
enquanto que o 6 e 12 foram os que mais contribuíram para a coerência interna
da subescala. (Tabela III)
A validade divergente
das subsescalas foi testada em vários estudos de
validação, comprovando que cada uma se aplica a avaliar o seu construto de
forma independente, contudo, uma revisão sistemática recente vem apontando que
essa avaliação divergente entre ansiedade e depressão não é tão seguramente
comprovada ou ainda não é tão clara, variando com o método estatístico
utilizado e necessitando de mais estudos [8-19].
Em vários idiomas e
populações, incluindo pacientes não-hospitalizados, a
Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão vem sendo testada em todo mundo
[8-19]. Contudo, ainda não havia sido testada para pacientes em período
pré-operatório de cirurgia cardíaca. Na validação para as versões chinesa e
alemã, as populações foram as que mais se aproximaram do presente estudo, ambas
sendo validadas entre pacientes que apresentavam doença arterial coronariana
[18,19].
Um importante estudo
realizado no Brasil, reavaliou a escala em uma população não-clínica
adequada, através de análise fatorial confirmatória, e sugeriu propostas de
mudanças para os parâmetros diagnósticos da ansiedade (≥ 7 pontos) e
depressão (≥ 6 pontos) [17].
Tabela
III
- Estatísticas dos itens de ansiedade e
depressão. Recife/PE, Brasil, 2017.
A Escala Hospitalar
de Ansiedade e Depressão apresentou boa confiabilidade para uso em entrevista
junto a pacientes no período pré-operatório de cirurgia cardíaca. Os itens
foram avaliados com boa relação com a avaliação do construto contemplado em
cada subescala, tendo contribuições independentes uns
dos outros, ou seja, justificando sua presença na escala.
Como limitação do
estudo, vale ressaltar que não houve validação concorrente com outro
instrumento de rastreabilidade de ansiedade e depressão, tampouco não houve
validação de concordância entre juízes.