EDITORIAL
Fotoproteção
na gestação: um cuidado muitas vezes negligenciado
Camila Garcel
Pancote, D.Sc.*, Natália Sperli Geraldes Marin dos
Santos Sasaki**,
Luciana Crivelin***
*Graduada
em Farmácia, doutora em Fármaco e Medicamentos pela Faculdade de Ciências
Farmacêutica de São Paulo (USP), Docente do curso de Medicina da União das
Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago), **Graduada em
enfermagem, enfermeira obstetra e doutora pela Faculdade de Medicina de São
José do Rio Preto (FAMERP), Professora e coordenadora do curso de enfermagem da
União das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago), ***Médica Dermatologista com
Título de Especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Membro
Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatólogica (SBCD), Membro
Titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Docente de Medicina da
Faculdade de Medicina dos Grandes Lagos (UNILAGO)
Correspondência: Camila Garcel
Pancote: camilapancote@hotmail.com; Natália Sperli Geraldes Marin dos Santos
Sasaki: nsperli@gmail.com; Luciana Crivelin: llcrivelin@hotmail.com
O período gestacional
é marcado por alterações imunológicas, endócrinas, metabólicas, vasculares,
entre outras, ficando a grávida vulnerável a problemas de ordem física e
psicológica. Também a pele pode ser afetada por modificações fisiológicas e
dermatoses específicas ou alteradas pela gestação. As alterações cutâneas
incomodam a gestante principalmente no aspecto estético e devem ser
rigorosamente acompanhadas no decorrer da assistência pré-natal, com vistas a
promover orientações que previnam agravos e instituir intervenções
especializadas, quando for o caso.
Os achados
dermatológicos mais frequentes em gestantes são as alterações pigmentares,
incluindo as mutações dos nevos melanocíticos, caracterizados por tumores
benignos formados por melanócitos, que podem ser congênitos ou adquiridos. Os
estudos epidemiológicos revelam maior ocorrência desses nevos em grávidas e em
mulheres que fazem uso de contraceptivos, o que deve ter relação com o aumento
no número de receptores de estrógeno e progesterona. Os profissionais da saúde
envolvidos na assistência pré-natal devem ter ciência que tais alterações podem
estar associadas à transformação em melanoma, um tipo de câncer de pele
agressivo e com maior incidência de metástase da placenta para o feto.
O melanoma é
responsável por 8% do total dos cânceres na gestação, sendo uma das principais
causas de morte por câncer entre mulheres em idade fértil. Estudos recentes
apontaram o melanoma associado à gestação como sendo o responsável por um
aumento de 56% no risco de morte. Em 30% dos casos, esse tipo de tumor tem
início a partir de uma lesão benigna pré-existente (nevo melanocítico), que
sofreu mutação e malignização e 60% dos casos aparece como uma lesão nova.
Devido à redução na imunidade antitumoral, as gestantes são mais suscetíveis ao
desenvolvimento de tumores.
Os efeitos adversos
provocados pela radiação ultravioleta (UVA e UVB), que acontecem devido à
exposição solar e luzes artificiais são foto envelhecimento, reações alérgicas
e câncer de pele tipo não-melanoma (carcinoma
basocelular e carcinoma espinocelular) e melanoma, além de exercer maior influência
na alteração dos nevos melanocíticos, aumentando a possibilidade de
desenvolvimento de melanoma durante a gestação.
A exposição solar
intermitente e contínua é um dos principais fatores de risco relacionados ao
desenvolvimento do melanoma. Nesse sentido, a adoção de medidas relativamente
simples, tais como mudança de hábito e a efetiva proteção solar, pode
contribuir para a saúde e bem estar da gestante. O uso tópico de filtros
solares físicos ou químicos acima de FPS 30, diariamente e de forma correta, é
a estratégia mais recomendada pelos dermatologistas. O uso dos acessórios como
chapéu de abas longas, óculos com filtro solar, roupas para proteger o corpo, evitar a exposição diretamente ao sol, principalmente no
horário de pico (das 10h às 16h) e sempre procurar a sombra são medidas que
auxiliam na prevenção do câncer de pele e de todas as outras alterações
pigmentares na gestação.
Na contramão do
mundo, o Brasil tornou a assistência ao nascimento um processo medicalizado,
tecnocrático, hospitalocêntrico, com altos índices de intervenções no corpo das
mulheres, o que resultou em índices abusivos de cesarianas. De certa forma
apenas o parto é valorizado, esquecendo-se que o nascimento envolve a fase
gestacional, o parto, o puerpério e o recém-nascido. Seja no âmbito público ou
privado, a assistência pré-natal em regra tem por foco medidas de avaliação do
crescimento e desenvolvimento fetal, negligenciando-se os sentimentos, as
necessidades, as inquietações e as alterações físicas e psicológicas
manifestadas em sinais e sintomas das gestantes.
Somos “peritos” em
elaborar manuais, diretrizes e programas que não são cumpridos ou são mal
gerenciados e acompanhados, no contexto da saúde coletiva, comprometendo a
qualidade de vida de usuários da saúde, nas diferentes fases do ciclo de vida.
No que se refere à assistência e preparo na gestação, além do médico, outros
profissionais de saúde podem atuar, de forma autônoma ou compartilhada, cada
qual respeitando os preceitos éticos e legais de sua profissão. Tratando-se de
alterações cutâneas gestacionais, o médico, o enfermeiro e o farmacêutico têm
muito a contribuir quanto a orientações sobre a fotoexposição ou riscos da
exposição solar inadequada e sobre práticas saudáveis de cuidados com a pele.
Não conseguimos
resolver ainda como diminuir a violência obstétrica relacionada ao parto, que
coloca o Brasil na vergonhosa posição de “campeão” ou entre os primeiros em
índices de cesáreas eletivas. Podemos (re)começar
promovendo melhor assistência gestacional, inclusive no foco da avaliação
dermatológica. Para tanto a gestante precisa ser avaliada e ouvida, para ser
orientada quanto a medidas protetivas e também ter possibilidade de
encaminhamento adequado em situações peculiares, permitindo diagnóstico precoce
e intervenção adequada, considerando o risco de malignização de algumas
alterações cutâneas.
Assistir em saúde
está explicitado em todas as profissões quanto a desenvolver e aprimorar
continuamente as competências (conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e
emoções), atuando com compromisso, equidade, resolutividade, dignidade e
justiça, assegurando ao cliente/paciente uma assistência livre de danos
decorrentes de imperícia, imprudência e negligência. Infelizmente, estamos
longe de conhecer, respeitar e cumprir os atos normativos éticos e legais
profissionais que permitiriam promover saúde e não apenas atender doenças.
Sempre é tempo de (re)começar.
Parafraseando
Sócrates: ....procura a saúde ...se está disposto a evitar
no futuro as causas da doença...