ARTIGO ORIGINAL

Os saberes e práticas dos enfermeiros no momento da alta hospitalar ao paciente transplantado renal

 

Livia Borsato, M.Sc.*, Cristina Lavoyer Escudeiro, D.Sc.**

 

*Graduação em Enfermagem pela UFF, Especialização em Métodos Dialíticos e Transplante Renal pela UFF, Mestrado Profissional, MPEA pela Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, **Graduação em Enfermagem e Obstetrícia, Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestrado e doutorado em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

Recebido em 12 de maio de 2017; aceito em 25 de junho de 2017.

Endereço para correspondência: Livia Borsato, Mariz e Barros, 121/801, bl 02, 24220-120

Niterói RJ, E-mail: liviaborsato@yahoo.com.br; Cristina Escudeiro: cristinalescudeiro@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Descrever os saberes e práticas dos enfermeiros no momento da alta hospitalar ao paciente transplantado renal. Método: Estudo de abordagem qualitativa, do tipo descritivo. Cenário: Centro de Diálise e Transplante de um hospital público em Niterói; entrevistas ocorreram em agosto de 2014 com 6 enfermeiros do setor. Resultados: Duas categorias: saberes e práticas dos enfermeiros acerca das orientações para alta hospitalar ao paciente transplantado renal e educação em saúde para alta ao paciente transplantado renal. É necessária a elaboração de um plano visando ao preparo para a alta hospitalar e cuidados para o domicílio. Conclusão: Os enfermeiros possuem o saber necessário relacionado ao transplante renal, porém não conseguem transmiti-lo de maneira satisfatória em virtude de inúmeras razões, tais como falta de tempo, de pessoal e de uma padronização da assistência de enfermagem.

Palavras-chave: transplante de rim, enfermagem, alta do paciente.

 

Abstract

Knowledge and practices of nurses at the time of hospital discharge to the kidney-transplanted patient

Objective: To describe the knowledge and practices of nurses at the time of hospital discharge to the kidney-transplanted patient. Method: This was a qualitative and descriptive study. Background: Dialysis and Transplantation Center of a public hospital in Niterói; interviews took place in August 2014 with the six nurses working in the sector. Results: Two categories: knowledge and practices of nurses about the guidelines for hospital discharge to the kidney-transplanted patient and health education for discharge to the kidney-transplanted patient. There is a need to elaborate a plan aimed at the preparation for hospital discharge and home care. Conclusion: Nurses have the required knowledge in regard to kidney transplantation, but they are not able to transmit it due to many reasons, such as lack of time, staff and standardization of nursing care.

Key-words: kidney transplantation, nursing, patient discharge.

 

Resumen

Los saberes y prácticas de los enfermeros en el momento del alta hospitalaria al paciente renal trasplantado

Objetivo: Describir los saberes y prácticas de los enfermeros en el momento del alta hospitalaria al paciente renal trasplantado. Método: Estudio con planteamiento cualitativo, del tipo descriptivo. Escenario: Centro de Diálisis y Trasplante de un hospital público en Niterói; entrevistas tuvieron lugar en agosto de 2014 con los seis enfermeros del sector. Resultados: Dos categorías: saberes y prácticas de los enfermeros sobre las orientaciones para alta hospitalaria al paciente renal trasplantado y educación en salud para alta al paciente renal trasplantado. Se hace necesaria la elaboración de un plan dirigido a la preparación para el alta hospitalaria y la atención domiciliaria. Conclusión: Los enfermeros tienen el saber necesario relacionado al trasplante renal, pero no logran transmitirlo de manera satisfactoria en virtud de las innumerables razones, tales como falta de tiempo, de personal y de una estandarización de la asistencia de enfermería.

Palabras-clave: trasplante de riñón, Enfermería, alta del paciente.

 

Introdução

 

As doenças crônicas constituem problema de saúde de grande magnitude, correspondendo a 72% das causas de mortes. Hoje, são responsáveis por 60% de todo o ônus decorrente de doenças no mundo. No ano 2020, serão responsáveis por 80% da carga de doença dos países em desenvolvimento [1].

Dados do Ministério da Saúde apontam que 52,6% dos homens e 44,7% das mulheres com mais de 18 anos estão acima do peso ideal. A Organização Mundial da Saúde estimou que o excesso de peso é responsável por 58% da carga de doença relativa ao diabetes tipo II, 39% da doença hipertensiva, 21% do infarto do miocárdio, 12% do câncer de cólon e reto e 8% do câncer de mama e responde diretamente por parcela significativa do custo do sistema de saúde nos países. Diabetes Mellittus (DM) e hipertensão arterial (HA) atingem, respectivamente, 6,3% e 23,3% dos adultos brasileiros. No Brasil, essas doenças representam a primeira causa de mortalidade e de hospitalizações, sendo apontadas como responsáveis por mais da metade dos diagnósticos primários em pessoas com insuficiência renal crônica submetidas à dialise no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro [1].

Atualmente, a doença renal crônica (DRC) tem sido considerada um problema de saúde pública. O desfecho temido da DRC é a perda continuada da função renal, processo patológico conhecido como progressão, que pode levar muitos desses pacientes para a DRC terminal (DRCT), necessitando de algum tipo de terapia renal substitutiva (TRS), sendo as modalidades disponíveis: a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal [2].

O transplante renal é uma alternativa de terapia renal substitutiva (TRS) que, apesar de elevado custo no primeiro ano, parece oferecer melhor custo-benefício em relação à diálise nos anos subsequentes [3:16].

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 40 pacientes/100.000 habitantes/ano necessitam de TRS no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), no Brasil, foram realizados 5.385 transplantes renais em 2012, correspondendo a apenas 47% da demanda [3].

Apesar das dificuldades, o Brasil tem aumentado o seu desempenho progressivamente. Em 2007, foram realizados 3.463 (18.8pmp-por milhão de população) transplantes renais, enquanto, em 2012, esse número subiu para 5.385 (28.2pmp). Esse aumento se deve, principalmente, ao aumento do número de doadores falecidos efetivos que era 18.8 pmp, em 2007, e 28.2 pmp, em 2012 [3].

Para o enfermeiro que atua com transplante, o preparo na aquisição de competências é fundamental, dentre estas, destaca-se a avaliação que consiste no alicerce da prática do enfermeiro que atua em transplante, por exemplo, a capacidade de este profissional avaliar rejeição ou infecção em receptores de transplantes [4].

O sucesso do transplante renal está diretamente correlacionado com uma maior sobrevida desses pacientes, além do aumento da qualidade de vida que um transplante renal bem-sucedido pode proporcionar. Porém, é válido lembrar que o paciente é um sujeito ativo neste processo e que os resultados satisfatórios também dependem dele, visto que estão envolvidos fatores biológicos e psicossociais do ser humano [5].

O enfermeiro pode agir em vários momentos durante o período da internação do paciente, ajudando a pessoa hospitalizada a ter uma visão diferente daquele local, como também esclarecendo dúvidas que podem estar lhe causando transtornos. Além de valorizar sua opinião, sabendo ouvir e aproveitar todo o tempo com o cliente para pôr o Plano de Alta em prática, com base nos ensinamentos sobre o manejo da saúde e da doença [6].

O estudo possui como relevância os benefícios tanto para a instituição quanto para os enfermeiros. Ao revelar como a assistência é realizada por estes profissionais, a instituição poderá traçar planos de melhoria com o intuito de sistematizar e otimizar as ações ao paciente transplantado renal.

Este estudo objetivou descrever os saberes e práticas dos enfermeiros no momento da alta hospitalar ao paciente transplantado renal.

 

Material e métodos

 

Estudo descritivo de natureza qualitativa. Teve como cenário um Centro de Diálise e Transplante de um hospital universitário na cidade de Niterói/RJ.

O artigo em questão é um recorte da Dissertação de Mestrado do MPEA da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa (UFF). A dissertação em questão possuiu dois grupos de sujeitos: os pacientes transplantados renais e os enfermeiros do setor em questão. Para o artigo serão apresentados os resultados do grupo de sujeitos enfermeiros.

Os sujeitos da pesquisa foram os enfermeiros do setor, tanto do serviço diurno quanto noturno, num total de 6. A coleta de dados ocorreu em agosto de 2014 através de entrevista semiestruturada utilizando um roteiro de perguntas e um instrumento de caracterização sociocultural.

Após o esclarecimento dos objetivos da pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os sujeitos foram submetidos às entrevistas que foram gravadas pelo autor e, posteriormente, transcritas. Manteve-se o anonimato dos participantes, sendo atribuídos apelidos aos mesmos. Após transcrição das respostas, as mesmas foram submetidas à análise de conteúdo de Bardin.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da referida instituição em 21 de maio de 2014, sob nº de parecer 655.193, conforme preconizado pela Resolução 466/2012 que regulamenta a pesquisa com seres humanos e Certificado de Apresentação Ética -CAAE nº 24088913.9.0000.5243.

 

Resultados

 

Quanto à caracterização dos sujeitos da pesquisa, o quantitativo de seis entrevistados corresponde ao total de enfermeiros lotados no setor, já que não havia afastamentos ou licenças.

Todos são estatutários e pertencem ao sexo feminino. Uma diarista da CAPD (diálise peritoneal ambulatorial contínua), uma diarista coordenadora, dois plantonistas noturnos e dois plantonistas diurnos. A terceira plantonista diurna é a própria autora, não participando da pesquisa.

Em relação ao tempo de atuação no Centro de Diálise, variou de dois anos e meio a 37 anos. O tempo de atuação no hospital em questão variou de cinco anos a 37 anos. Quanto ao tempo de conclusão da graduação, variou de 10 anos a 37 anos. Somente três relataram trabalhar em outro hospital.

Referente à especialização, todos possuem pós Lato Sensu específica para a área de Nefrologia e Transplante. Somente 3 possuem pós Stricto Sensu, sendo dois com mestrado e um com doutorado.

Dos seis entrevistados, cinco afirmaram ter participado de cursos/palestras acerca do transplante renal, porém nenhum ministrado no hospital em questão.

A análise dos resultados resultou em duas categorias.

 

Categoria 1: saberes e práticas dos enfermeiros acerca das orientações para alta hospitalar ao paciente transplantado renal

 

Os enfermeiros possuem os saberes acerca do transplante renal. Além disso, através do perfil sociocultural traçado dos sujeitos, evidenciou-se que todos possuem pós Lato Sensu específica para a área de Nefrologia e Transplante e três possuem pós-Stricto Sensu, sendo dois com mestrado e um com doutorado.

Os saberes presentes nas falas estão intimamente ligados ao saber biomédico, em que ficou evidente que a preocupação principal do enfermeiro na realização das orientações ao paciente estava relacionada a questões como o correto uso medicamentoso, capacidade de identificar sinais de infecção e rejeição e outros.

 

[...] nós sabemos que a eficiência de um transplante renal ele vai muito e principalmente em relação aos medicamentos então nós temos que estar extremamente focados pra eficiência desse tratamento [...] (Piano).

 

[...] a gente vai esclarecendo alguns pontos pra orientar para a alta hospitalar sobre a dieta, sobre os cuidados com a própria exposição do abdômen, sobre os imunossupressores, sobre as atividades que ele vai poder desenvolver, sobre o uso de máscara, que é uma coisa que eles têm muita dúvida, assim, visita de familiares, do alimento, que é das nutricionistas [...] (Flauta).

 

Foi possível apreender que cada enfermeira se comporta de forma particular na orientação para a alta. Não existe consenso nas falas dos enfermeiros relacionadas ao momento para se iniciar as orientações para alta ao paciente transplantado renal.

 

[...] eu acredito que as orientações para alta devem ser realizadas no mínimo 15 dias de pós-operatório, no tardio, porque é muita informação e a equipe médica só orienta dizendo que o transplante pode dar certo ou não, ponto, eles não falam do esquema medicamentoso, que pode voltar a dialisar, mas não diz que no caminho para dar certo ele pode dialisar, nós que deveríamos dar, então eu acho que deveriam ser feitas orientações para o momento da alta que seria dada em determinada fase do processo cirúrgico, paciente evoluiu bem, tem alta prevista pra daqui 15 dias, então lá pelo décimo dia a gente já começa a conversar, mas o paciente não está evoluindo bem, pra mim não adianta falar com ele de alta porque na minha cabeça vai criar expectativa grande [...] (Violão).

 

Ao invés de fechar um tempo certo pras orientações pode-se fechar momentos, tipo, quando se sabe que o rim já está funcionante. O certo é que tem que ser com antecedência porque a gente não sabe o dia que vai ter alta, né...porque existem as complicações [...] (Violoncelo).

 

Em algumas falas, evidenciou-se a preocupação na realização de orientações individualizadas, na necessidade de conhecer o paciente, seus saberes, suas crenças, sua capacidade de entendimento e em muitos momentos a necessidade de envolver um cuidador.

 

[...] essas orientações têm que ser individualizadas e você só consegue isso no momento em que você vai conhecendo o paciente no decorrer da internação. E eu acho que as orientações devem ser feitas o quanto antes porque dúvidas vão surgindo e ele vai ter pra quem perguntar, se você deixa pra dar muito no finalzinho ele às vezes já está na alta então as dúvidas que ele tem não vai ter com quem tirar [...] (Violino).

 

Ficou evidente a dificuldade na realização das orientações de enfermagem ao paciente transplantado renal.

 

[...] o doente fica sem informação, como ele fica completamente solto, isso serve para o paciente de diálise, que entra em diálise e do transplante [...] (Flauta).

 

[...] nenhuma especificamente......porque a gente não tem um projeto estruturado de alta hospitalar então a gente faz quando dá, quando pode, quando deu tempo no plantão [...] (Flauta).

 

Em algumas falas, constatou-se que orientações são realizadas sim, mas de maneira assistemática, e dependendo até da demanda do paciente, ou seja, quando o paciente solicita a enfermagem com dúvidas, estas são tiradas, não havendo uma programação por parte do enfermeiro para orientar o paciente para a alta.

 

[...] aí a gente vai falando na medida em que vai surgindo, mas eu já passei por alguns doentes que entraram e saíram sem eu fazer nenhuma orientação de alta hospitalar e já passei por doentes que entraram e eu acabei fazendo muita orientação porque eram pacientes que acabavam me perguntando [...] (Flauta).

 

[...] importante porque isso tem que ser sistematizado, poderia ser feito pelo profissional do dia quanto da noite porque haveria toda uma regra, que não existe, haveria, uma forma de orientar. Iria facilitar, como também a adesão de todo o serviço, de todas as pessoas que trabalhariam tanto no diurno quanto no noturno, todas as pessoas estariam prontas para colaborar, corroborar com essa informação dada [...] (Gaita).

 

 

Categoria 2 - Educação em saúde para alta ao paciente transplantado renal: universo multifacetado de práticas

 

A prática de educação em saúde ao paciente transplantado renal, segundo as falas dos enfermeiros entrevistados, apresenta inúmeros empecilhos que contribuem para dificultar a realização das orientações de enfermagem ao paciente transplantado.

Um dos empecilhos foi a falta de tempo. Necessitamos compreender o setor em questão para entendermos que o centro de diálise e transplante possui vários setores dentro de um único setor. O enfermeiro fica responsável pela enfermaria de transplante, sala de hemodiálise, sala de procedimento (onde são instalados cateteres e realizada biópsia renal), diálise externa (realizada no Centro de Terapia Intensiva (CTI) e na Unidade Coronariana (UCO)) e pela diálise peritoneal quando a enfermeira dessa modalidade não está, já que é diarista.

A sala de hemodiálise absorve muito o tempo do enfermeiro, pois o perfil dos pacientes que se submetem à hemodiálise são os internados, os que iniciaram a diálise no hospital em questão e, muitas das vezes, pacientes graves. Essa dificuldade da própria planta física aumenta ainda mais os empecilhos para que um único enfermeiro esteja ciente do que ocorre em todo o setor.

 

[...] não tem muito tempo pra poder atuar junto ao paciente na alta, mas eu acho que isso é importante [...] (Violino).

 

[...] o enfermeiro em si ele atuava muito pouco, quando atuava. O enfermeiro plantonista não atuava porque estava extremamente ocupado lá dentro da sala, nem sempre ele estava livre pra fazer a orientação porque ele não tinha tempo. O centro de diálise é dividido em, agora é transplante, mas era internação, a princípio internava qualquer paciente com problemas dialíticos, tem a hemodiálise e tem a CAPD. Então o enfermeiro não tem como dar conta disso tudo e a sala de diálise ela absorve muito o enfermeiro [...] (Piano).

 

Além da falta de tempo relatada pelos enfermeiros, uma das razões do enfermeiro não conseguir realizar as suas funções específicas é a falta de pessoal, pois o número de técnicos de enfermagem acaba sendo reduzido, levando-se em consideração que o setor não é um só.

Outro relato comum na fala dos enfermeiros está relacionado à ausência de um enfermeiro diarista assistencial que contribuiria para fazer o elo entre todos os plantões e a assistência aos pacientes transplantados.

 

[...] já é uma aspiração nossa de muito tempo a gente ter um enfermeiro diarista, pra fazer o elo todo entre os plantões, os médicos porque tem dia que o médico fulano não vem no dia, não vem no outro. Se tivesse esse enfermeiro diarista seria muito bom pra fazer esse elo e aí ele observaria mais de perto o momento da gente fazer essas orientações [...]. (Violoncelo)

 

O paciente internado para realizar o transplante renal necessita de toda uma infraestrutura e de uma equipe multiprofissional presente para que receba a melhor assistência possível.

A ausência de diálogo entre equipe médica e de enfermagem é uma das dificuldades do planejamento da alta hospitalar relatada pelos enfermeiros entrevistados.

 

[...] a gente não fica sabendo também quando o doente vai ter alta [...] (Flauta).

 

[...] primeiro a falta de comunicação que existe no setor entre a equipe médica e a equipe de enfermagem que é muito grande, eles fazem as determinações, as propedêuticas médicas e eles não passam , desde o momento da admissão até todo o pré, trans e pós-operatório, eles mudam condutas terapêuticas, prescrição, exames, solicitam infinitas coisas, se comunicam às vezes com a equipe técnica mas esquecem que tem um responsável pelo setor que é o enfermeiro. Isso impede que a gente tenha um acompanhamento maior desse paciente, as informações necessárias até mesmo para traçar uma conduta de cuidados e também dificulta no momento da alta porque a enfermagem nunca sabe quando esse doente vai ter alta, a gente somente é informado quando ele está indo ou já foi [...] (Violão).

 

Devido à ausência do enfermeiro nas orientações para alta ao paciente transplantado, outros profissionais acabam por realizá-las, como a secretária do transplante ou o técnico de enfermagem.

 

Discussão

 

Quanto às orientações para alta, o enfermeiro é o profissional de saúde que durante a sua formação profissional é instrumentalizado para realizar ações educativas e de saúde visando ao planejamento de alta hospitalar. Essa realidade exige dos enfermeiros o comprometimento e a preocupação não só com o paciente, mas também com o preparo dos familiares para a alta hospitalar: orientar, ensinar, treinar as técnicas e cuidados necessários que serão dispensados ao paciente em seu domicílio a fim de evitar adoecimento e reinternações [7].

Ficou evidente nas falas dos enfermeiros a dificuldade na realização das orientações de enfermagem ao paciente transplantado renal. É necessária a elaboração de um plano de alta visando ao preparo para a alta hospitalar e cuidados para o domicílio com o intuito de minimizar dúvidas e expectativas do paciente, estimulando também seu autocuidado e autonomia e contribuindo para a melhora na qualidade de vida destes e de seus familiares [8].

Os elementos-chave para a atuação dos enfermeiros incluem: a educação de pacientes; a implementação de intervenções que mantenham ou melhorem a saúde fisiológica, psicológica e social; o uso de intervenções que facilitem e promovam mudanças de comportamento e adesão ao tratamento em relação às complexas e prolongadas terapias; bem como dar suporte aos pacientes e familiares no planejamento, implementação e avaliação do cuidado; e promover sistemas de apoio que visem aos melhores resultados dos transplantes de órgãos [9-11].

O papel do enfermeiro também engloba estratégias para a melhoria dos sistemas em que o cuidado em transplante é realizado. Para tanto, faz-se necessário o controle de qualidade do cuidado ministrado, colaboração entre os profissionais envolvidos, implementação de estratégias voltadas para a educação em saúde, realização de pesquisas oriundas de problemas vivenciados na prática clínica e a organização e registro relacionados ao cuidado prestado [9,10].

O profissional de enfermagem tem papel importante na orientação dos pacientes transplantados quanto à doença, horários, doses, bem como na motivação do paciente em participar como ator responsável no seu autocuidado e tratamento [12]. A variável escolaridade e o número de medicamentos ingeridos diariamente são fatores que influenciam na adesão ao tratamento imunossupressor. A falta de adesão ao tratamento imunossupressor desencadeia vários riscos à saúde do paciente, interfere no processo evolutivo no pós-transplante renal, além de ser um fator causador de complicações e gerar rejeição do enxerto [12].

Em artigo sobre as complicações durante a internação de receptores de transplante renal, evidenciou-se que as principais complicações foram rejeição, infecção, problemas relacionados ao enxerto (necrose tubular aguda, trombose e ruptura de anastomose arterial) e reintervenção cirúrgica (nefrectomia, nefrostomia, ureteroplastia e safenectomia) [13]. A rejeição foi a complicação pós-transplante mais comum neste estudo. O diagnóstico precoce da rejeição aguda é crucial para função e sobrevida do enxerto, o que requer da equipe assistencial, em especial a enfermagem, uma avaliação criteriosa dos pacientes na busca de sinais e sintomas para intervenção de forma rápida e eficiente [13].

Em algumas falas dos enfermeiros, ficou evidenciado a falta de comunicação entre as equipes multiprofissionais, principalmente entre a equipe médica e de enfermagem, dificultando a assistência ao paciente transplantado e a um planejamento de alta por parte dos enfermeiros.

A importância da equipe multiprofissional se traduz em necessidade da integralidade da assistência aos clientes, da necessidade de o usuário ser visto como um todo; com um plano de atenção à saúde individual; da equipe trabalhar de forma articulada; e a necessidade de se criar uma estrutura ampliada de atendimento, incluindo os diversos níveis de complexidade da assistência [14,15].

A provisão de cuidado colaborativo como membro da equipe multidisciplinar de especialistas é um dos papeis dos enfermeiros nos programas de transplantes. Assim, esses profissionais são constantemente desafiados a prover cuidado de qualidade aos pacientes submetidos a transplantes, porém a realidade dos serviços mostra limitação nos recursos humanos, materiais e mesmo financeiro [10,7].

No que se refere ao planejamento da assistência de enfermagem, de acordo com os depoimentos dos enfermeiros, não há uma assistência de enfermagem específica para os pacientes transplantados renais implantada na referida instituição de saúde, conforme previsto na Resolução COFEN – Conselho Federal de Enfermagem 358 de 2009, a qual informa que a Sistematização da Assistência de Enfermagem organiza o trabalho profissional de enfermagem quanto ao método, pessoal e instrumentos, possibilitando a operacionalização do processo de enfermagem, na atenção à saúde dos pacientes [16].

 

Conclusão

 

A investigação do presente estudo permitiu evidenciar que os saberes e práticas dos enfermeiros no momento da alta hospitalar ao paciente transplantado renal são influenciados por inúmeros fatores, alguns inerentes aos próprios enfermeiros e outros devido ao sistema no qual estão inseridos.

Os enfermeiros possuem o saber necessário relacionado ao transplante renal, porém não conseguem transmiti-lo ao paciente de maneira satisfatória em virtude de inúmeras razões, tais como falta de tempo, de pessoal, de uma padronização da assistência de enfermagem e do escasso diálogo entre a equipe médica e de enfermagem.

Observou-se a valorização por parte do enfermeiro do modelo biomédico, em que a prática do cuidado é marcada pela objetivação do outro e fragmentação do corpo humano, esquecendo que cada ser humano é único, com suas crenças, seus valores, seus medos e anseios.

É importante que a enfermagem na prática da educação em saúde considere o modo de vida coletivo e individual dos sujeitos, sem esquecer que estes não são indivíduos passivos, mas, sim, peça chave fundamental no processo de cuidado, priorizando suas necessidades, e não apenas as exigências terapêuticas.

As orientações para alta acabam sendo realizadas de acordo com a demanda do paciente. Quando solicitado, o enfermeiro as realiza, porém, sem uma sistematização e uma padronização relacionada ao melhor momento para sua realização. Cada enfermeiro identifica um momento como ideal: para alguns, assim que o paciente é admitido e para outros, assim que o enxerto passa a funcionar, culminando com a alta hospitalar.

O enfermeiro como educador, juntamente com o resto da equipe multidisciplinar, tem papel fundamental na identificação das necessidades de informação desse paciente no momento da alta e na transmissão desta, de forma que tanto o paciente quanto sua família sejam capazes de compreendê-las e assimilá-las.

 

Referências

 

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes para o cuidado das pessoas com doenças crônicas nas redes de atenção à saúde e nas linhas de cuidado prioritárias. [citado 2014 Nov 20] Brasília: Ministério da Saúde; 2013.
  2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Diretrizes clínicas para o cuidado ao paciente com doença renal crônica – DRC no sistema único de saúde [citado 2014 Jul 3]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
  3. Pestana JOM, Freitas TVS, Silva Jr HT. Transplante renal: manual prático, uso diário ambulatorial e hospitalar. São Paulo: Livraria Balieiro; 2014.
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  9. Tedesco J. Acute care nurse practitioners in transplantation: adding value to your program. Prog Transplant 2011;21(4):278-83.
  10. Swain S. The role of clinical nurse educators in organ procurement organizations. Prog Transplant 2011;21(4):284-7.
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