ARTIGO
ORIGINAL
Os
saberes e práticas dos enfermeiros no momento da alta hospitalar ao paciente
transplantado renal
Livia Borsato, M.Sc.*, Cristina Lavoyer Escudeiro, D.Sc.**
*Graduação em Enfermagem pela UFF, Especialização em Métodos Dialíticos
e Transplante Renal pela UFF, Mestrado Profissional, MPEA pela Escola de
Enfermagem Aurora de Afonso Costa, **Graduação em Enfermagem e Obstetrícia,
Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestrado e doutorado em Enfermagem pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Recebido em 12 de
maio de 2017; aceito em 25 de junho de 2017.
Endereço
para correspondência:
Livia Borsato, Mariz e Barros, 121/801, bl 02, 24220-120
Niterói RJ, E-mail:
liviaborsato@yahoo.com.br; Cristina Escudeiro: cristinalescudeiro@gmail.com
Resumo
Objetivo: Descrever os
saberes e práticas dos enfermeiros no momento da alta hospitalar ao paciente
transplantado renal. Método: Estudo
de abordagem qualitativa, do tipo descritivo. Cenário: Centro de Diálise e Transplante de um hospital público em
Niterói; entrevistas ocorreram em agosto de 2014 com 6
enfermeiros do setor. Resultados:
Duas categorias: saberes e práticas dos enfermeiros acerca das orientações para
alta hospitalar ao paciente transplantado renal e educação em saúde para alta
ao paciente transplantado renal. É necessária a elaboração de um plano visando
ao preparo para a alta hospitalar e cuidados para o domicílio. Conclusão: Os enfermeiros possuem o saber
necessário relacionado ao transplante renal, porém não
conseguem transmiti-lo de maneira satisfatória em virtude de inúmeras razões,
tais como falta de tempo, de pessoal e de uma padronização da assistência de
enfermagem.
Palavras-chave: transplante de rim,
enfermagem, alta do paciente.
Abstract
Knowledge and practices of nurses at the time of hospital discharge to
the kidney-transplanted patient
Objective: To describe
the knowledge and practices of nurses at the time of hospital discharge to the
kidney-transplanted patient. Method:
This was a qualitative and descriptive study. Background: Dialysis and Transplantation Center of a public
hospital in Niterói; interviews took place in August
2014 with the six nurses working in the sector. Results: Two categories: knowledge and practices of nurses about
the guidelines for hospital discharge to the kidney-transplanted patient and
health education for discharge to the kidney-transplanted patient. There is a
need to elaborate a plan aimed at the preparation for hospital discharge and
home care. Conclusion: Nurses have
the required knowledge in regard to kidney transplantation, but they are not
able to transmit it due to many reasons, such as lack of time, staff and
standardization of nursing care.
Key-words: kidney
transplantation, nursing, patient discharge.
Resumen
Los saberes y prácticas de los enfermeros en el momento del alta hospitalaria al paciente renal
trasplantado
Objetivo: Describir los
saberes y prácticas de los enfermeros en el momento
del alta hospitalaria al paciente renal trasplantado. Método: Estudio con
planteamiento cualitativo, del tipo descriptivo. Escenario: Centro de Diálisis y
Trasplante de un hospital público en Niterói; entrevistas tuvieron lugar en
agosto de 2014 con los seis enfermeros del sector. Resultados: Dos categorías: saberes y
prácticas de los enfermeros sobre las orientaciones para alta hospitalaria al paciente renal trasplantado y educación en salud para
alta al paciente renal trasplantado. Se hace necesaria la
elaboración de un plan dirigido a la preparación para el alta hospitalaria y la
atención domiciliaria. Conclusión:
Los enfermeros tienen el saber necesario relacionado
al trasplante renal, pero no logran transmitirlo de manera satisfactoria en
virtud de las innumerables razones, tales como falta de tiempo, de personal y
de una estandarización de la asistencia de enfermería.
Palabras-clave: trasplante de
riñón, Enfermería, alta del paciente.
As doenças crônicas
constituem problema de saúde de grande magnitude, correspondendo a 72% das
causas de mortes. Hoje, são responsáveis por 60% de todo o ônus decorrente de
doenças no mundo. No ano 2020, serão responsáveis por 80% da carga de doença
dos países em desenvolvimento [1].
Dados do Ministério
da Saúde apontam que 52,6% dos homens e 44,7% das mulheres com mais de 18 anos
estão acima do peso ideal. A Organização Mundial da Saúde estimou que o excesso
de peso é responsável por 58% da carga de doença
relativa ao diabetes tipo II, 39% da doença hipertensiva, 21% do infarto do
miocárdio, 12% do câncer de cólon e reto e 8% do câncer de mama e responde
diretamente por parcela significativa do custo do sistema de saúde nos países.
Diabetes Mellittus (DM) e hipertensão arterial (HA) atingem, respectivamente,
6,3% e 23,3% dos adultos brasileiros. No Brasil, essas doenças representam a
primeira causa de mortalidade e de hospitalizações, sendo apontadas como
responsáveis por mais da metade dos diagnósticos primários em pessoas com
insuficiência renal crônica submetidas à dialise no
Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro [1].
Atualmente, a doença
renal crônica (DRC) tem sido considerada um problema de saúde pública. O
desfecho temido da DRC é a perda continuada da função renal, processo patológico
conhecido como progressão, que pode levar muitos desses pacientes para a DRC
terminal (DRCT), necessitando de algum tipo de terapia renal substitutiva
(TRS), sendo as modalidades disponíveis: a hemodiálise, a diálise peritoneal e
o transplante renal [2].
O transplante renal é
uma alternativa de terapia renal substitutiva (TRS) que, apesar de elevado
custo no primeiro ano, parece oferecer melhor custo-benefício em relação à
diálise nos anos subsequentes [3:16].
A Organização Mundial
de Saúde (OMS) estima que 40 pacientes/100.000 habitantes/ano necessitam de TRS
no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), no
Brasil, foram realizados 5.385 transplantes renais em 2012, correspondendo a
apenas 47% da demanda [3].
Apesar das
dificuldades, o Brasil tem aumentado o seu desempenho progressivamente. Em
2007, foram realizados 3.463 (18.8pmp-por milhão de população) transplantes
renais, enquanto, em 2012, esse número subiu para 5.385 (28.2pmp). Esse aumento
se deve, principalmente, ao aumento do número de doadores falecidos efetivos
que era 18.8 pmp, em 2007, e 28.2 pmp, em 2012 [3].
Para o enfermeiro que
atua com transplante, o preparo na aquisição de competências é fundamental,
dentre estas, destaca-se a avaliação que consiste no alicerce da prática do
enfermeiro que atua em transplante, por exemplo, a capacidade de este
profissional avaliar rejeição ou infecção em receptores de transplantes [4].
O sucesso do
transplante renal está diretamente correlacionado com uma maior sobrevida
desses pacientes, além do aumento da qualidade de vida que um transplante renal
bem-sucedido pode proporcionar. Porém, é válido lembrar que o paciente é um
sujeito ativo neste processo e que os resultados satisfatórios também dependem
dele, visto que estão envolvidos fatores biológicos e psicossociais do ser
humano [5].
O enfermeiro pode
agir em vários momentos durante o período da internação do paciente, ajudando a
pessoa hospitalizada a ter uma visão diferente daquele local, como também
esclarecendo dúvidas que podem estar lhe causando transtornos. Além de
valorizar sua opinião, sabendo ouvir e aproveitar todo o tempo com o cliente
para pôr o Plano de Alta em prática, com base nos ensinamentos sobre o manejo
da saúde e da doença [6].
O estudo possui como
relevância os benefícios tanto para a instituição quanto para os enfermeiros.
Ao revelar como a assistência é realizada por estes profissionais, a
instituição poderá traçar planos de melhoria com o intuito de sistematizar e otimizar as ações ao paciente transplantado renal.
Este estudo objetivou
descrever os saberes e práticas dos enfermeiros no momento da alta hospitalar
ao paciente transplantado renal.
Estudo descritivo de
natureza qualitativa. Teve como cenário um Centro de Diálise e Transplante de
um hospital universitário na cidade de Niterói/RJ.
O artigo em questão é
um recorte da Dissertação de Mestrado do MPEA da Escola de Enfermagem Aurora de
Afonso Costa (UFF). A dissertação em questão possuiu dois grupos de sujeitos:
os pacientes transplantados renais e os enfermeiros do setor em questão. Para o
artigo serão apresentados os resultados do grupo de sujeitos enfermeiros.
Os sujeitos da
pesquisa foram os enfermeiros do setor, tanto do serviço diurno quanto noturno,
num total de 6. A coleta de dados ocorreu em agosto de
2014 através de entrevista semiestruturada utilizando um roteiro de perguntas e
um instrumento de caracterização sociocultural.
Após o esclarecimento
dos objetivos da pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), os sujeitos foram submetidos às entrevistas que foram
gravadas pelo autor e, posteriormente, transcritas. Manteve-se o anonimato dos
participantes, sendo atribuídos apelidos aos mesmos. Após transcrição das
respostas, as mesmas foram submetidas à análise de conteúdo de Bardin.
O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da referida instituição em 21 de maio de
2014, sob nº de parecer 655.193, conforme preconizado pela Resolução 466/2012
que regulamenta a pesquisa com seres humanos e Certificado de Apresentação Ética -CAAE nº 24088913.9.0000.5243.
Quanto à
caracterização dos sujeitos da pesquisa, o quantitativo de seis entrevistados
corresponde ao total de enfermeiros lotados no setor, já que não havia
afastamentos ou licenças.
Todos são
estatutários e pertencem ao sexo feminino. Uma diarista da CAPD (diálise
peritoneal ambulatorial contínua), uma diarista coordenadora, dois plantonistas
noturnos e dois plantonistas diurnos. A terceira plantonista diurna é a própria
autora, não participando da pesquisa.
Em relação ao tempo
de atuação no Centro de Diálise, variou de dois anos e meio a 37 anos. O tempo
de atuação no hospital em questão variou de cinco anos a 37 anos. Quanto ao
tempo de conclusão da graduação, variou de 10 anos a 37 anos. Somente três
relataram trabalhar em outro hospital.
Referente
à especialização, todos possuem pós Lato Sensu específica para a área de
Nefrologia e Transplante. Somente 3 possuem pós
Stricto Sensu, sendo dois com mestrado e um com doutorado.
Dos seis
entrevistados, cinco afirmaram ter participado de cursos/palestras acerca do
transplante renal, porém nenhum ministrado no hospital em questão.
A análise dos
resultados resultou em duas categorias.
Categoria
1: saberes e práticas dos enfermeiros acerca das
orientações para alta hospitalar ao paciente transplantado renal
Os enfermeiros
possuem os saberes acerca do transplante renal. Além disso, através do perfil
sociocultural traçado dos sujeitos, evidenciou-se que todos possuem pós Lato
Sensu específica para a área de Nefrologia e Transplante e três possuem
pós-Stricto Sensu, sendo dois com mestrado e um com doutorado.
Os saberes presentes
nas falas estão intimamente ligados ao saber biomédico, em que ficou evidente
que a preocupação principal do enfermeiro na realização das orientações ao
paciente estava relacionada a questões como o correto uso medicamentoso, capacidade
de identificar sinais de infecção e rejeição e outros.
[...]
nós sabemos que a eficiência de um transplante renal ele vai muito e
principalmente em relação aos medicamentos então nós temos que estar
extremamente focados pra eficiência desse tratamento [...] (Piano).
[...]
a gente vai esclarecendo alguns pontos pra orientar para a alta hospitalar
sobre a dieta, sobre os cuidados com a própria exposição do abdômen, sobre os
imunossupressores, sobre as atividades que ele vai poder desenvolver, sobre o
uso de máscara, que é uma coisa que eles têm muita dúvida, assim, visita de
familiares, do alimento, que é das nutricionistas [...] (Flauta).
Foi possível
apreender que cada enfermeira se comporta de forma particular na orientação
para a alta. Não existe consenso nas falas dos enfermeiros relacionadas ao
momento para se iniciar as orientações para alta ao paciente transplantado
renal.
[...]
eu acredito que as orientações para alta devem ser realizadas no mínimo 15 dias
de pós-operatório, no tardio, porque é muita informação e a equipe médica só
orienta dizendo que o transplante pode dar certo ou não, ponto, eles não falam
do esquema medicamentoso, que pode voltar a dialisar, mas não diz que no
caminho para dar certo ele pode dialisar, nós que deveríamos dar, então eu acho
que deveriam ser feitas orientações para o momento da alta que seria dada em
determinada fase do processo cirúrgico, paciente evoluiu bem, tem alta prevista
pra daqui há 15 dias, então lá pelo décimo dia a gente
já começa a conversar, mas o paciente não está evoluindo bem, pra mim não
adianta falar com ele de alta porque na minha cabeça vai criar expectativa
grande [...] (Violão).
Ao
invés de fechar um tempo certo pras orientações pode-se
fechar momentos, tipo, quando se sabe que o rim já está funcionante. O certo é
que tem que ser com antecedência porque a gente não sabe o dia que vai ter
alta, né...porque existem as complicações [...]
(Violoncelo).
Em algumas falas,
evidenciou-se a preocupação na realização de orientações individualizadas, na
necessidade de conhecer o paciente, seus saberes, suas crenças, sua capacidade
de entendimento e em muitos momentos a necessidade de envolver um cuidador.
[...]
essas orientações têm que ser individualizadas e você só consegue isso no
momento em que você vai conhecendo o paciente no decorrer da internação. E eu
acho que as orientações devem ser feitas o quanto antes porque dúvidas vão
surgindo e ele vai ter pra quem perguntar, se você deixa pra dar muito no
finalzinho ele às vezes já está na alta então as dúvidas que ele tem não vai
ter com quem tirar [...] (Violino).
Ficou evidente a
dificuldade na realização das orientações de enfermagem ao paciente
transplantado renal.
[...]
o doente fica sem informação, como ele fica completamente solto, isso serve
para o paciente de diálise, que entra em diálise e do transplante [...]
(Flauta).
[...]
nenhuma especificamente......porque a gente não tem um
projeto estruturado de alta hospitalar então a gente faz quando dá, quando
pode, quando deu tempo no plantão [...] (Flauta).
Em algumas falas,
constatou-se que orientações são realizadas sim, mas de maneira assistemática,
e dependendo até da demanda do paciente, ou seja, quando o paciente solicita a
enfermagem com dúvidas, estas são tiradas, não havendo uma programação por
parte do enfermeiro para orientar o paciente para a alta.
[...]
aí a gente vai falando na medida em que vai surgindo, mas eu já passei por
alguns doentes que entraram e saíram sem eu fazer nenhuma orientação de alta
hospitalar e já passei por doentes que entraram e eu acabei fazendo muita
orientação porque eram pacientes que acabavam me perguntando [...] (Flauta).
[...]
importante porque isso tem que ser sistematizado, poderia ser feito pelo
profissional do dia quanto da noite porque haveria toda uma regra, que não
existe, haveria, uma forma de orientar. Iria facilitar, como também a adesão de todo o serviço, de todas
as pessoas que trabalhariam tanto no diurno quanto no noturno, todas as pessoas
estariam prontas para colaborar, corroborar com essa informação dada [...]
(Gaita).
Categoria
2 - Educação em saúde para alta ao paciente transplantado renal: universo
multifacetado de práticas
A prática de educação
em saúde ao paciente transplantado renal, segundo as falas dos enfermeiros
entrevistados, apresenta inúmeros empecilhos que contribuem para dificultar a
realização das orientações de enfermagem ao paciente transplantado.
Um dos empecilhos foi
a falta de tempo. Necessitamos compreender o setor em
questão para entendermos que o centro de diálise e transplante possui vários
setores dentro de um único setor. O enfermeiro fica responsável pela enfermaria
de transplante, sala de hemodiálise, sala de procedimento (onde são instalados
cateteres e realizada biópsia renal), diálise externa (realizada no Centro de
Terapia Intensiva (CTI) e na Unidade Coronariana (UCO)) e pela diálise
peritoneal quando a enfermeira dessa modalidade não está, já que é diarista.
A sala de hemodiálise
absorve muito o tempo do enfermeiro, pois o perfil dos pacientes que se
submetem à hemodiálise são os internados, os que iniciaram a diálise no
hospital em questão e, muitas das vezes, pacientes graves. Essa dificuldade da
própria planta física aumenta ainda mais os empecilhos para que um único
enfermeiro esteja ciente do que ocorre em todo o setor.
[...]
não tem muito tempo pra poder atuar junto ao paciente na alta, mas eu acho que
isso é importante [...] (Violino).
[...]
o enfermeiro em si ele atuava muito pouco, quando atuava. O enfermeiro
plantonista não atuava porque estava extremamente ocupado lá dentro da sala,
nem sempre ele estava livre pra fazer a orientação porque ele não tinha tempo.
O centro de diálise é dividido em, agora é transplante, mas era internação, a
princípio internava qualquer paciente com problemas dialíticos, tem a
hemodiálise e tem a CAPD. Então o enfermeiro não tem como dar conta disso tudo
e a sala de diálise ela absorve muito o enfermeiro [...] (Piano).
Além da falta de
tempo relatada pelos enfermeiros, uma das razões do enfermeiro não conseguir
realizar as suas funções específicas é a falta de pessoal, pois o número de
técnicos de enfermagem acaba sendo reduzido, levando-se em consideração que o
setor não é um só.
Outro relato comum na
fala dos enfermeiros está relacionado à ausência de um enfermeiro diarista
assistencial que contribuiria para fazer o elo entre todos os plantões e a
assistência aos pacientes transplantados.
[...]
já é uma aspiração nossa de muito tempo a gente ter um
enfermeiro diarista, pra fazer o elo todo entre os plantões, os médicos porque
tem dia que o médico fulano não vem no dia, não vem no outro. Se tivesse esse
enfermeiro diarista seria muito bom pra fazer esse elo e aí ele observaria mais
de perto o momento da gente fazer essas orientações [...]. (Violoncelo)
O paciente internado
para realizar o transplante renal necessita de toda uma infraestrutura e de uma
equipe multiprofissional presente para que receba a melhor assistência
possível.
A ausência de diálogo
entre equipe médica e de enfermagem é uma das dificuldades do planejamento da
alta hospitalar relatada pelos enfermeiros entrevistados.
[...]
a gente não fica sabendo também quando o doente vai ter alta [...] (Flauta).
[...]
primeiro a falta de comunicação que existe no setor entre a equipe médica e a
equipe de enfermagem que é muito grande, eles fazem as determinações, as
propedêuticas médicas e eles não passam , desde o
momento da admissão até todo o pré, trans e pós-operatório, eles mudam condutas
terapêuticas, prescrição, exames, solicitam infinitas coisas, se comunicam às
vezes com a equipe técnica mas esquecem que tem um responsável pelo setor que é
o enfermeiro. Isso impede que a gente tenha um acompanhamento maior desse
paciente, as informações necessárias até mesmo para traçar uma conduta de
cuidados e também dificulta no momento da alta porque a enfermagem nunca sabe
quando esse doente vai ter alta, a gente somente é informado
quando ele está indo ou já foi [...] (Violão).
Devido à ausência do
enfermeiro nas orientações para alta ao paciente transplantado, outros
profissionais acabam por realizá-las, como a secretária do transplante ou o técnico
de enfermagem.
Quanto às orientações
para alta, o enfermeiro é o profissional de saúde que durante a sua formação
profissional é instrumentalizado para realizar ações educativas e de saúde
visando ao planejamento de alta hospitalar. Essa realidade exige dos
enfermeiros o comprometimento e a preocupação não só com o paciente, mas também
com o preparo dos familiares para a alta hospitalar: orientar, ensinar, treinar
as técnicas e cuidados necessários que serão dispensados ao paciente em seu
domicílio a fim de evitar adoecimento e reinternações [7].
Ficou evidente nas
falas dos enfermeiros a dificuldade na realização das orientações de enfermagem
ao paciente transplantado renal. É necessária a elaboração de um plano de alta
visando ao preparo para a alta hospitalar e cuidados para o domicílio com o
intuito de minimizar dúvidas e expectativas do paciente, estimulando também seu
autocuidado e autonomia e contribuindo para a melhora na qualidade de vida
destes e de seus familiares [8].
Os elementos-chave
para a atuação dos enfermeiros incluem: a educação de pacientes; a implementação de intervenções que mantenham ou melhorem a
saúde fisiológica, psicológica e social; o uso de intervenções que facilitem e
promovam mudanças de comportamento e adesão ao tratamento em relação às
complexas e prolongadas terapias; bem como dar suporte aos pacientes e
familiares no planejamento, implementação e avaliação do cuidado; e promover
sistemas de apoio que visem aos melhores resultados dos transplantes de órgãos
[9-11].
O papel do enfermeiro
também engloba estratégias para a melhoria dos sistemas em que o cuidado em
transplante é realizado. Para tanto, faz-se necessário o controle de qualidade
do cuidado ministrado, colaboração entre os profissionais envolvidos, implementação de estratégias voltadas para a educação em
saúde, realização de pesquisas oriundas de problemas vivenciados na prática
clínica e a organização e registro relacionados ao cuidado prestado [9,10].
O profissional de
enfermagem tem papel importante na orientação dos pacientes transplantados
quanto à doença, horários, doses, bem como na motivação do paciente em
participar como ator responsável no seu autocuidado e tratamento [12]. A
variável escolaridade e o número de medicamentos ingeridos diariamente são
fatores que influenciam na adesão ao tratamento imunossupressor. A falta de
adesão ao tratamento imunossupressor desencadeia vários riscos à saúde do
paciente, interfere no processo evolutivo no pós-transplante renal, além de ser
um fator causador de complicações e gerar rejeição do enxerto [12].
Em artigo sobre as
complicações durante a internação de receptores de transplante renal,
evidenciou-se que as principais complicações foram rejeição, infecção,
problemas relacionados ao enxerto (necrose tubular aguda, trombose e ruptura de
anastomose arterial) e reintervenção cirúrgica (nefrectomia, nefrostomia,
ureteroplastia e safenectomia) [13]. A rejeição foi a
complicação pós-transplante mais comum neste estudo. O diagnóstico precoce da
rejeição aguda é crucial para função e sobrevida do enxerto, o que requer da
equipe assistencial, em especial a enfermagem, uma avaliação criteriosa dos
pacientes na busca de sinais e sintomas para intervenção de forma rápida e
eficiente [13].
Em algumas falas dos
enfermeiros, ficou evidenciado a falta de comunicação entre as equipes
multiprofissionais, principalmente entre a equipe médica e de enfermagem,
dificultando a assistência ao paciente transplantado e a um planejamento de
alta por parte dos enfermeiros.
A importância da
equipe multiprofissional se traduz em necessidade da integralidade da
assistência aos clientes, da necessidade de o usuário ser visto como um todo;
com um plano de atenção à saúde individual; da equipe trabalhar de forma articulada;
e a necessidade de se criar uma estrutura ampliada de atendimento, incluindo os
diversos níveis de complexidade da assistência [14,15].
A provisão de cuidado
colaborativo como membro da equipe multidisciplinar de especialistas é um dos
papeis dos enfermeiros nos programas de transplantes. Assim, esses
profissionais são constantemente desafiados a prover cuidado de qualidade aos
pacientes submetidos a transplantes, porém a realidade dos serviços mostra
limitação nos recursos humanos, materiais e mesmo financeiro [10,7].
No que se refere ao
planejamento da assistência de enfermagem, de acordo com os depoimentos dos
enfermeiros, não há uma assistência de enfermagem específica para os pacientes
transplantados renais implantada na referida instituição de saúde, conforme
previsto na Resolução COFEN – Conselho Federal de Enfermagem 358 de 2009, a
qual informa que a Sistematização da Assistência de Enfermagem organiza o
trabalho profissional de enfermagem quanto ao método, pessoal e instrumentos, possibilitando
a operacionalização do processo de enfermagem, na atenção à saúde dos pacientes
[16].
A investigação do
presente estudo permitiu evidenciar que os saberes e práticas dos enfermeiros
no momento da alta hospitalar ao paciente transplantado renal são influenciados
por inúmeros fatores, alguns inerentes aos próprios enfermeiros e outros devido
ao sistema no qual estão inseridos.
Os enfermeiros
possuem o saber necessário relacionado ao transplante
renal, porém não conseguem transmiti-lo ao paciente de maneira satisfatória em
virtude de inúmeras razões, tais como falta de tempo, de pessoal, de uma
padronização da assistência de enfermagem e do escasso diálogo entre a equipe
médica e de enfermagem.
Observou-se a
valorização por parte do enfermeiro do modelo biomédico, em que a prática do
cuidado é marcada pela objetivação do outro e fragmentação do corpo humano,
esquecendo que cada ser humano é único, com suas crenças, seus valores, seus
medos e anseios.
É importante que a
enfermagem na prática da educação em saúde considere o modo de vida coletivo e
individual dos sujeitos, sem esquecer que estes não são indivíduos passivos,
mas, sim, peça chave fundamental no processo de cuidado, priorizando suas
necessidades, e não apenas as exigências terapêuticas.
As orientações para
alta acabam sendo realizadas de acordo com a demanda do paciente. Quando
solicitado, o enfermeiro as realiza, porém, sem uma sistematização e uma
padronização relacionada ao melhor momento para sua realização. Cada enfermeiro
identifica um momento como ideal: para alguns, assim que o paciente é admitido
e para outros, assim que o enxerto passa a funcionar, culminando com a alta
hospitalar.
O enfermeiro como
educador, juntamente com o resto da equipe multidisciplinar, tem papel
fundamental na identificação das necessidades de informação desse paciente no
momento da alta e na transmissão desta, de forma que tanto o paciente quanto
sua família sejam capazes de compreendê-las e
assimilá-las.