ARTIGO ORIGINAL

Fatores de risco na construção da resiliência de profissionais de enfermagem em saúde mental

 

Gabriela Jorge de Novaes*, Juliana Burgo Godoi Alves, M.Sc.**, Vagner Ferreira do Nascimento***, Thalise Yuri Hattori****, Melissa Carvalho Martins*****

 

*Enfermeira, graduada pela Universidade Federal de Goiás, **Enfermeira, Docente Assistente da Universidade Federal de Goiás (UFG), ***Enfermeiro, Docente Assistente da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Campus Universitário de Tangará da Serra, Departamento de Enfermagem, Coordenador do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Política, Planejamento, Organização e Práticas (individual e coletiva) em Saúde (NPEPS), Conselheiro do COREN MT, ****Enfermeira, Docente Assistente da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Campus Universitário de Tangará da Serra, Departamento de Enfermagem, Membro do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Política, Planejamento, Organização e Práticas (individual e coletiva) em Saúde (NPEPS),*****Médica, Especialista em Medicina do Trabalho, Coordenadora do Curso de Medicina da UniFIMES

 

Recebido em 28 de maio de 2017; aceito em 28 de junho de 2017.

Endereço para correspondência: Juliana Burgo Godoi Alves, Universidade Federal de Goiás, Avenida Esperança s/n, Campus Samambaia - Prédio da Reitoria, 74690-900 Goiânia GO, E-mail: burgogodoi@gmail.com; Gabriela Jorge de Novaes: bi.jorge@yahoo.com.br; Vagner Ferreira do Nascimento: vagnerschon@hotmail.com; Thalise Yuri Hattori: thalisehattori@gmail.com; Melissa Carvalho Martins: dramelissa@fimes.edu.br

 

Resumo

Objetivo: Apresentar os fatores de risco na construção da resiliência de profissionais de enfermagem atuantes em unidades de atenção em saúde mental. Material e métodos: Estudo descritivo, de abordagem qualitativa que abordou, a partir de entrevistas semiestruturadas, técnicos de enfermagem atuantes em instituições de atenção em saúde mental. Resultados: Diante da atuação profissional foram caracterizados como fatores de risco o estigma da área de saúde mental presente na sociedade e entre profissionais de saúde, a qualidade da capacitação e remuneração profissional, além das relações constituídas pelo trabalhador com a equipe de trabalho, com os usuários dos serviços e seus familiares. Conclusão: Observou-se que os fatores de risco descritos abrangem múltiplos âmbitos na prática profissional. É preciso atentar nas causas a fim de propor métodos que auxiliem o profissional a garantir melhores condições de trabalho e minimizar possíveis prejuízos para a qualidade de vida profissional e pessoal desse indivíduo.

Palavras-chave: saúde mental, saúde do trabalhador, equipe de enfermagem, resiliência psicológica.

 

Abstract

Risk factors in building the resilience of nursing professionals in mental health

Objective: To present the risk factors in the construction of the resilience of nursing professionals working in mental health care units. Methods: A descriptive, qualitative study that approached, from semi-structured interviews, nursing technicians working in mental health care institutions. Results: During professionals action the following risk factors were characterized: the stigma of the mental health area present in society and among health professionals, the quality of training and professional remuneration, as well as the relationships constituted by the worker with the work team, the service users and their families. Conclusion: It was observed that the described risk factors cover multiple scopes in professional practice. It is necessary to look at the causes in order to suggest methods that help the professional to guarantee better working conditions and to minimize possible damages to the quality of professional and personal life of this individual.

Key-words: mental health, occupational health, team nursing, psychological resilience.

 

Resumen

Factores de riesgo en la construcción de la resiliencia de profesionales de enfermería en salud mental

Objetivo: Presentar los factores de riesgo en la construcción de la resiliencia de profesionales de enfermería actuantes en unidades de atención en salud mental. Material y métodos: Estudio descriptivo, de abordaje cualitativo que abordó, a partir de entrevistas semiestructuradas, técnicos de enfermería actuantes en instituciones de atención en salud mental. Resultados: Ante la actuación profesional se caracterizaron como factores de riesgo el estigma del área de salud mental presente en la sociedad y entre profesionales de la salud, la calidad de la capacitación y remuneración profesional, además de las relaciones constituidas por el trabajador con el equipo de trabajo, con los usuarios de los servicios y sus familiares. Conclusión: Se observó que los factores de riesgo descritos abarca múltiples ámbitos en la práctica profesional. Es necesario tener en cuenta las causas para proponer métodos que ayuden al profesional a garantizar mejores condiciones de trabajo y minimizar posibles perjuicios para la calidad de vida profesional y personal de ese individuo.

Palabras-clave: salud mental, salud laboral, grupo de enfermería, resiliencia psicológica.

 

Introdução

 

As doenças mentais estão associadas às principais cargas de doença da população na esfera nacional [1] e internacional [2]. Na saúde pública, observa-se que as práticas direcionadas ao atendimento de pessoas portadoras desse grupo de doenças sofreram diversos reajustes ao longo dos anos e são constantemente aprimoradas com o propósito de alcançar uma melhor assistência aos acometidos [3,4].

Entre os profissionais de saúde atuantes na saúde mental, a equipe de enfermagem geralmente possui considerável envolvimento nos cuidados prestados nessa especialidade [5]. Desse conjunto de trabalhadores pode-se destacar a atuação dos trabalhadores de nível médio, devido ao seu maior quantitativo de profissionais da categoria e conforme alguns autores, possivelmente estão expostos a situações mais intensas no desempenho de suas funções [3].

Nos ambientes de trabalho em saúde, principalmente no contexto da enfermagem, o profissional é exposto diariamente a desafios em sua prática que influenciam sua qualidade de vida, e nesse sentido, pesquisas buscam descobrir as relações entre as condições laborais e a saúde do trabalhador, baseados normalmente nos riscos para o adoecimento e no aprender da superação dos problemas vivenciados, a resiliência [6-9].

Na saúde mental especificamente, cabe destacar que há a necessidade de adequação da atuação profissional em conformidade com os princípios do atendimento psicossocial, que se abdica do modelo biomédico não correspondente mais à assistência ideal. Porém, às vezes, esse profissional conflitua-se no exercício desse cuidado por ter conhecido na formação apenas a internação psiquiátrica como recurso terapêutico, por deparar com outros profissionais e familiares defensores da privação de liberdade do sujeito com transtorno mental ou ainda por vivenciar ambientes inapropriados para o acolhimento e assistência, além de vislumbrar sujeitos em sofrimento psíquico padecendo de cuidados e isso intensificar seus próprios sofrimentos [10].

Assim, diante da importância da atuação do profissional de enfermagem em saúde mental e da necessidade de um melhor entendimento da relação entre as condições de trabalho e a saúde, o objetivo deste estudo é apresentar fatores de risco na construção da resiliência dos profissionais de enfermagem atuantes nas unidades de atenção em saúde mental. Para o alcance desse objetivo, utilizou-se como questão norteadora: “Quais são os desafios encontrados no trabalho de enfermagem no campo de saúde mental?”.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, junto a técnicos de enfermagem atuantes em instituições de atenção em saúde mental no município de Jataí, localizado na região sudoeste do estado de Goiás. Foram incluídos no estudo, profissionais de enfermagem com idade maior que dezoito anos, de ambos os sexos, atuantes em unidade de atenção em saúde mental há no mínimo seis meses, por considerar este período necessário para uma aquisição de maiores vivências no ambiente laboral. Considerou-se como critério de exclusão: não se encontrar no local de trabalho no período de coleta de dados, entre os meses de junho e julho de 2016, por motivos como licença, férias ou afastamentos.

Foram realizadas entrevistas individuais utilizando um roteiro semiestruturado, em espaços reservados disponibilizados pelas unidades de saúde. Cada entrevista teve duração média de 30 minutos. O número de participantes foi estabelecido a partir da saturação dos dados, totalizando oito profissionais.

As entrevistas foram transcritas e, após uma leitura exaustiva do material transcrito, as informações foram analisadas pela Análise de Conteúdo, método descrito por Bardin [11], na modalidade temática. Os resultados foram organizados em três categorias temáticas: “O estigma da saúde mental e a enfermagem”, “Condições de trabalho na práxis de enfermagem em saúde mental” e “Relacionamentos estabelecidos na prática profissional em saúde mental”.

O estudo respeitou todos os aspectos éticos em pesquisa, de acordo com a resolução 466/12, sendo submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal de Goiás (UFG) com CAAE: 54266016.8.0000.5083 e parecer n: 1.551.564. A fim de preservar e proteger o anonimato dos participantes, foram atribuídos nomes de planetas.

 

Resultados e discussão

 

Os participantes em sua maioria eram do sexo feminino, com idade entre 28 e 48 anos, possuíam até três filhos e tinham apenas o ensino médio como maior escolaridade. Quanto à atuação em saúde mental, o tempo médio foi de 5,2 anos, todos os entrevistados permanecem na mesma instituição em que iniciaram o trabalho nessa especialidade. A maior parte possui único vínculo empregatício, prevalecendo o turno de trabalho integral, com carga horária semanal de 40 horas.

 

O estigma da saúde mental e a enfermagem

 

Para os participantes do estudo, a saúde mental é rodeada por pré-julgamentos no meio social, sendo geralmente não condizentes com a realidade que vivenciam em seu trabalho.

 

[...] têm pessoas que não querem nem passar na porta do hospital psiquiátrico, quer nem saber. Às vezes escuta um barulho dentro do hospital e já fica apavorado (Mercúrio).

 

[...] todo mundo fala: “Ah, é doido, doida!”. Não sabem o que é que estão falando! Que doida!?! Tem problema de saúde! (Júpiter).

 

[...] as pessoas, veem os usuários como pessoas que realmente, é... são passíveis de ficar excluídos, eles não são gente, muitas vezes isso acontece (Saturno). 

 

Os entrevistados descrevem haver discriminação por parte da comunidade com os usuários dos serviços de saúde mental e em extensão para essas instituições pelo desconhecimento a respeito da área, do desenvolvimento das patologias e cuidados ofertados aos indivíduos acometidos pelas mesmas.

Em pesquisa realizada na Bahia, identificaram a presença do preconceito e da discriminação ocorrer tanto antes como após o usuário passar a frequentar o serviço de saúde mental [12]. Na Austrália, foram encontrados resultados semelhantes em estudo no qual cerca de 80% dos portadores de doenças mentais afirmaram haver sofrido formas negativas de discriminação, sendo envolvidos nesses casos agentes como a família, vizinhos, amigos, profissionais de saúde, dentre outros [13].

Observa-se dessa forma que os estigmas pejorativos e o preconceito ainda são perpetuados pela sociedade que insiste em excluir e marginalizar o portador de transtorno mental. A enfermagem enquanto profissão que está inserida nessa área, tem como desafio sensibilizar e conscientizar a população quanto à importância da reinserção a partir de sua reabilitação nos espaços sociais que incluem o convívio com os familiares, amigos estendendo-se aos demais membros da sociedade [12].

Além da sociedade, os entrevistados referiram que o trabalho em saúde mental na visão dos profissionais de enfermagem não atuantes na especialidade é percebido com restrições. A disponibilidade de uma oportunidade de emprego pode ser uma boa razão para o ingresso do técnico de enfermagem nessa área, apesar da escolha pessoal refletir em uma menor motivação [14]. 

No presente estudo, alguns mencionaram que antes de desenvolverem o trabalho nesse campo possuíam receio ou até desconsideravam a possibilidade de sua atuação nessa área.

 

Eu mesmo tenho colegas aqui que hoje são profissionais, técnicos de enfermagem, mas outrora eles eram estagiários, quando eles vieram, fizeram estágio aqui [unidade de atenção em saúde mental] morriam de medo (Saturno).

 

[...] eu pensava: “Nossa, eu não venho trabalhar aqui [unidade de atenção em saúde mental], não. Nunca vou trabalhar aqui [unidade de atenção em saúde mental]. (Vênus).

Eu tinha um medo tão grande quando falava saúde mental: Pessoas doidas! Meu Deus! (Júpiter)

 

Apesar de descreverem a desconfiança sentida antes de atuarem em serviços da área, os profissionais relataram a desconstrução dessas ideias anteriormente formadas no transcorrer de suas atuações nesse campo. A baixa procura por parte dos enfermeiros na área da saúde mental está relacionada principalmente ao estigma ainda centrado no modelo tradicional e segregante da psiquiatria, além da pouca aproximação com os serviços extra-hospitalares e dos baixos salários [15]. Trabalhadores da equipe de saúde mental geralmente são fonte de um importante apoio para os portadores de doenças mentais [13]. No entanto, os profissionais de serviços de saúde de outras áreas continuam a ser citados como propagadores do estigma [14,16] e da discriminação em saúde mental mesmo ainda diante de todo o conhecimento desenvolvido nesta especialidade [13,16].

Percebe-se a necessidade de uma reformulação nos projetos pedagógicos dos cursos quanto a essa área, uma vez que essa medida buscará reorientar o processo de formação voltado ao desenvolvimento de competências para o direcionamento de práticas e saberes capazes de responder ao que está proposto pela Reforma Psiquiátrica [17].

Desse modo, para atuar em serviços específicos de atenção em saúde mental, a capacitação da equipe de enfermagem, seja em sua formação profissional ou posterior a ela, pode não ser suficiente para o enfrentamento de determinadas circunstâncias no cotidiano laboral, como descrito por alguns participantes:

 

[...] você mexe com muito tipo de gente, com coisas que a gente nem sabe [...] (Urano).

[...] a gente não aprende no curso como a abordagem deles, pouquíssimo sobre a saúde mental a gente aprende. É trabalhando que a gente vai aprendendo, vai no dia a dia que a gente vai encontrando isso (Netuno).

Às vezes a gente ainda tem dificuldade, né, por mais experiência que tenha, você esbarra em algumas coisas [...]. Então eu acho que a gente tinha que ser um pouco mais capacitado [...] (Terra).

 

Como verificado, a necessidade de capacitação para o trabalho nesse campo pode ser expressa até pelos enfermeiros, profissionais que comumente lideram as equipes de enfermagem, referindo deficiências na formação e na educação continuada para especialização na área [18]. Para os técnicos de enfermagem, as atividades de educação permanente podem servir como uma importante ferramenta para sanar dúvidas na execução do trabalho e contribuir para uma melhoria salarial [14].

Observa-se assim que uma maior qualificação possibilita uma interação e compreensão da particularidade desse grupo que, por consequência, melhora a qualidade da assistência e minimiza possíveis estigmas já pré-concebidos.

 

Condições de trabalho na práxis de enfermagem em saúde mental

 

A respeito das condições para a práxis de enfermagem, uma parcela dos entrevistados mencionou a estrutura física dos ambientes como passível de aprimoramentos com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de suas funções, além de fornecer uma melhor acomodação dos usuários dos serviços.

 

[...] o ambiente assim [...] poderia melhorar, [...] é um conforto a mais não só para o profissional, mas para o usuário, né, nessa parte aí (Saturno).

 [...] pra gente falta muito espaço. Pros pacientes mesmo, aqui falta espaço (Netuno).

 

[...] a estrutura física eu acho ela um pouco desproporcional à demanda (Terra).

 

Além da condição supracitada, diversos relatos se referiram à remuneração do trabalhador assinalada como inferior diante do papel que desempenham profissionalmente:

 

[...] o técnico tinha que ser mais valorizado, [...] acho que ele trabalha muito, muito mesmo, eu acho que deveria ser um pouco mais remunerado (Netuno).

 

Pelo tanto que a gente assim, peleja com, assim, tenta fazer um trabalho bom, sabe, eu acho que o salário ele é bem fraco, bem defasado (Júpiter).

 

Se a gente for analisar pelo lado do salário você não trabalha, não. Porque realmente é muito trabalho, pra muito pouco que a gente ganha (Urano).

 

Um estudo brasileiro com trabalhadores de instituições de atenção em saúde mental no estado do Ceará apontou resultado semelhante sobre o descontentamento dos profissionais com o espaço físico em que realizavam suas práticas laborais e a remuneração recebida. A maior parcela expressou a necessidade de melhoramento dos espaços para desempenho de suas funções e atendimento aos usuários, evitando possíveis prejuízos nos serviços prestados. Em adição, além das consequências diretas para a assistência oferecida, em longo prazo estes indivíduos podem desenvolver um sentimento de sofrimento intenso diante das condições laborais insatisfatórias [4].

Outro ponto importante a ser lembrado consiste na efetuação do trabalho na área de saúde mental que é caracterizada como desafiadora [4], grande parte em virtude da necessidade do conhecimento de como lidar com as diversas particularidades dos pacientes e situações que podem surgir no cotidiano.

 

Na verdade, a saúde mental é um desafio, a qualquer instante ela é um desafio [...] são problemas diferentes, são situações diferentes, então você tem que aprender a lidar com qualquer um, a dificuldade de cada um (Urano).

 

[...] trabalhar com pacientes mentais ou mesmo depressivo não é fácil, né, você tem que ter assim uma cabeça muito boa (Vênus).

 

Dentre as vivências retratadas como difíceis no trabalho realizado, as abordagens em quadros de surtos psicóticos e de agressividade se destacaram, visto sua complexidade, imprevisibilidade e especialmente os possíveis riscos relacionados à integridade física do cuidador e cliente.

 

O surto mesmo é complicado pra gente [...] (Netuno).

 

Ah, a pessoa pode estar bem e de repente pode já surtar, né. Então isso é imprevisto (Marte).

 

[...] porque aqui a gente corre risco de apanhar, tem paciente muito surtado. Paciente que às vezes ele sai de si, ele não tá nem aí, ele vai batendo em quem tá na frente, né (Terra).

 

Em estudo realizado na Finlândia, enfermeiros atuantes em unidades psiquiátricas apresentaram situações de alto risco para o desencadeamento de ocorrências de violência geradas pelo paciente. As principais envolviam a imposição de restrições ou negações de pedidos, a permanência na unidade de saúde ou administração de medicação contra vontade. Dentre as modalidades de agressões sofridas, os profissionais listaram as de caráter verbal, incluindo ameaças de morte, além de outras físicas. A violência contra pacientes e objetos também foram relatadas, todavia acrescentam que esses quadros geralmente são precedidos por sinais de alerta, como alterações no tom de voz, gestos, expressões faciais e movimentos específicos, sendo estes mais perceptíveis quando a equipe já possui maior conhecimento sobre o paciente atendido [19].

Para enfrentar melhor as demandas existentes no desenvolvimento de sua função, o integrante da equipe de enfermagem pode vir a expressar a necessidade de apoio.

 

[...] o profissional [...] está no ambiente tão agitado, tão conturbado, [...] eu acho assim muito falta de apoio a esse profissional na saúde mental. [...]  a gente sai como ... sabe, como uma esponja que foi espremida, suas forças foram sugadas ali [...]  às vezes você não tem um lugar de referência para você ir. [...] até quando a gente estudou, fazia parte do estudo que o profissional tem que ter seu acompanhamento, mas a gente nunca tem (Mercúrio).

 

Como citado por uma das entrevistadas, é preciso que o profissional preserve seu próprio bem-estar para que possa desempenhar seu papel com qualidade. Nessa perspectiva, é fundamental que as instituições de saúde busquem conhecer o cotidiano e oferecer o apoio necessário para a atuação desse sujeito [16].

Assim, uma forma de melhor adaptação para essas situações consiste em um trabalho de maior vigilância dos espaços no local de trabalho, pois antes mesmo de pensar na saúde dos usuários da saúde mental, é necessário ter um olhar para a saúde dos profissionais que lidam diretamente com esse público. A partir do momento que os profissionais conhecem e sabem que possuem um apoio nos momentos de desequilíbrio seja por desgaste físico ou mental, viabiliza maior segurança no próprio ambiente de trabalho.

 

Relacionamentos estabelecidos na prática profissional em saúde mental

 

Diante dos relacionamentos instituídos na práxis de enfermagem, o primeiro a ser exposto são aqueles desenvolvidos na vivência do trabalho em equipe, seja dentro da categoria de enfermagem ou na área multiprofissional. 

 

Eu acho que como em todo o lugar, você tem sempre uma dificuldade (Terra).

 

[...] a gente tem assim uns contratempos, mas não tenho o que reclamar da equipe não (Netuno).

 

[...] geralmente sempre a gente tem problemas com, com a equipe. A gente tem que saber lidar com qualquer tipo, né, tem umas que dá problema, às vezes (Júpiter).

 

É o que a gente mais assim às vezes sofre [...], por exemplo, eu faço a minha parte, eu organizo o que tá ao meu alcance e deixo minha colega, mas assim a gente encontra colega que às vezes não tem, você entendeu, essa preocupação não (Mercúrio).

 

[...] a dificuldade, às vezes é o relacionamento com outros setores [...]  (Saturno).

 

Oposto a esses resultados, outros estudos específicos na área de saúde mental identificaram como pontos facilitadores a parte de relacionamento interpessoal equipe-equipe, equipe-usuário, ambiente de trabalho satisfatório, apoio e respeito da coordenação [15,21].

Na atenção em saúde, o trabalho em equipe deve associar características particulares de seus integrantes construindo, dessa forma, um serviço de qualidade e integral [18]. Nota-se, entretanto que as adversidades no relacionamento em equipe podem afetar expressivamente o trabalho a ser efetuado, sendo possivelmente oriundas de fatores como: incompatibilidade de ideais de seus componentes [4]; diferenças individuais (temperamento, caráter e personalidade); falta de tolerância, falhas na comunicação e resistência a mudanças [18]. Especificamente na área da saúde mental, com o seu processo de reorganização desencadeou como consequência, mudanças na lógica da organização do trabalho nos espaços de atuação dos profissionais que passaram a trabalhar em uma perspectiva interdisciplinar [21]. Trata-se dessa forma, de um grande desafio uma vez que o trabalho interdisciplinar necessita do engajamento no compromisso coletivo que será realizado a partir da inter-relação, comunicação, empatia, troca de experiência e o conhecimento multiprofissional voltado para o usuário da rede de atenção [15].

Diferentemente, os usuários dos serviços de saúde podem estabelecer relações de confiança com o técnico de enfermagem, considerando-o como um familiar e até direcionando a este as funções de outros profissionais.

 

[...] eles desabafam, chamam a gente de mãe (Netuno).

 

Eles acabam se apegando a você, um exemplo, muitas vezes eles não me chamam de técnico de enfermagem, eles me chamam assim de “ô pai, ô tio, ô meu primo” tal até como se fosse alguém da família, eles internalizam dentro da mente deles que nós já fazemos parte da família [...] (Saturno).

 

[...] o paciente eles vê tudo em você, eles espelha na gente. Então a gente tem que se virar em 10 mil, né, ser tudo num só. O psicólogo, o psiquiatra, o ouvinte, o terapeuta, tudo você tem que ser. [...] Quando ele pega confiança numa pessoa, ele, ele acha que ele tem que ser tudo, né, tem que resolver tudo, tem que ser o milagre (risos) (Marte).

 

(...) a gente é um pouco de tudo. Você é secretária, você é psicóloga, você é médica, não, é tudo (Vênus).

 

[...] é uma dificuldade porque a gente também não pode querer entrar muito nessa área [campo de atuação de outros profissionais] porque às vezes são questões que só o profissional da outra área ele também pode dar um diagnóstico mais apurado (Saturno).

 

A aproximação entre o usuário e o profissional no atendimento à saúde contribui para o estabelecimento de vínculo entre ambos; para o primeiro, esta situação pode proporcionar a sensação de se sentir bem cuidado pelo trabalhador e, por conseguinte pelo serviço de saúde; já para o segundo, favorece na qualidade de assistência prestada, pois por meio dele obtém informações importantes sobre o usuário e auxilia na permanência deste no tratamento [22].

Por outro lado, quando não estabelecido de forma adequada pode implicar em condições consideradas delicadas para os integrantes da equipe de enfermagem.

 

[...] porque querendo ou não a gente se envolve muito com o paciente que trazem problemas, querendo ou não você acaba absorvendo os problemas dele, você, querendo ou não você é sentimental também [...] (Saturno).

 

[...] além de carregar os problemas da gente, a gente tem que carregar o problema dele também. É isso que é mais complicado (Marte).

 

Inclusive, até uma colega nossa que estava fazendo tratamento porque ela se apega demais com os problemas do povo, fica com dó demais, sabe (Júpiter).

 

[...] você tem que ter uma destreza, porque é um ambiente que às vezes é muito confundido [...] (Mercúrio).

 

Nesse aspecto, o envolvimento emocional dos profissionais com o paciente em determinadas circunstâncias pode ser relacionado ao sofrimento do trabalhador, não caracterizando, portanto, o ideal envolvimento terapêutico [23]. A prática assistencial no campo da saúde mental é complexa, que vai além da habilidade técnica, necessita de destreza para lidar com as relações humanas e ressocialização do indivíduo portador de transtorno mental ou em sofrimento psíquico. Observa-se, portanto, a urgência que as universidades e os cursos de capacitação consideram a abordagem qualificada centrada no cliente e suas necessidades, na perspectiva da reabilitação e reinserção e social [15].

Na perspectiva do relacionamento com os familiares dos usuários, para os entrevistados trata-se de um assunto complicado especialmente pelo desconhecimento, seja da doença desenvolvida pelo familiar, da terapêutica aplicada ou da importância dos laços familiares. Além disso, o enfrentamento inadequado do tratamento da doença mental e sua influência no tratamento do usuário também são identificados.

 

[...] é muito difícil também e assim pra nós o profissional lidar também [...] às vezes eles vêm e descarrega muita coisa em cima da gente, outra hora vem e te xinga... tem família de todo jeito[...] (Mercúrio).

 

[...] muitas vezes a família traz e esquece-se de vir fazer uma visita então eles ficam muito tristes [...]. (Vênus).

 

[...] você enfrenta às vezes muito problema com o familiar [...] às vezes a família interfere e muito e de forma negativa, né [...] (Terra).

 

Semelhante aos achados deste estudo, uma pesquisa com técnicos e auxiliares de enfermagem destacou que a falta de apoio da família do usuário refletiu negativamente na manutenção do tratamento proposto e, em adição, na percepção do significado do trabalho efetuado pelo profissional, como se este não tivesse nenhum resultado para a terapêutica do usuário [3].

Na Turquia, estudo com familiares de portadores de doenças mentais demonstrou a relação entre o conhecimento parcial sobre o acometimento apresentado pelo familiar e as dificuldades relatadas no ato de cuidar. Os familiares descreveram como os principais obstáculos encontrados nessa função: a falta de experiência em cuidar; a incapacidade na administração regular de medicação; a comunicação; a abordagem de quadros de agressividade ou em que o familiar provoque lesão em si mesmo e em outros, expresse pensamentos suicidas e relatos de “ouvir vozes”; e dentre as necessidades de informação para cuidarem citaram em grande parte questões voltadas ao manejo de sintomas [24].

A família consiste como a primeira rede social do indivíduo, devendo ser considerada como a base do cuidado em saúde que possibilite resolver os problemas cotidianos [25]. Desse modo, existe a necessidade de um trabalho aprofundado quanto às novas possibilidades de tratamento e manejo dos sintomas desencadeados nas pessoas com transtornos mentais que seria uma reinvenção de novas formas de se ver, tratar aproximar, colocar limites, ajudar, se afastar, enfim, de lidar diariamente com essa população em um processo dialético de exclusão e inclusão social. Geralmente os serviços de saúde mental podem ajudar os familiares por meio de programas específicos e condutas direcionadas ao acolhimento [26].

No Brasil, as ações e atividades realizadas no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ajudam nessa reinserção, contudo carece ainda de uma maior participação da família [26]. Nos países como Inglaterra e Austrália utilizam o peer support que é quando uma pessoa com histórico de transtorno mental que tenham vivenciado avanço significativo em como lidar com a sua doença auxilia outro com transtorno mental em seu processo de reabilitação [27].

Como descrito por um profissional, o ambiente familiar do paciente pode se encontrar perturbado e consequentemente desfavorável para garantir um apoio adequado para o mesmo, sendo necessária ajuda frente esta condição.

 

[...] geralmente o paciente vem para tratar, mas a família que ficou lá de fora também está doente. Ela também precisa de um apoio. E aí ele traz o ente dele pra cá, mas o problema continua lá. (...) A família muito perturbada, assim, coloca coisa demais na cabeça da pessoa e se ela não tiver um certo equilíbrio decai mesmo [...] (Terra).

 

Deve-se ressaltar que os familiares que ficam responsáveis pelo cuidado podem se sentir sobrecarregados, necessitando de redes de apoio social para melhor conviver com essa condição [28]. Nesse sentido, a enfermagem precisa surgir como suporte para atender as necessidades destes familiares [21] que devem desempenhar um fundamental papel no cuidado do portador de doença mental [24,28,29].

 

Conclusão

 

Para o profissional da equipe de enfermagem, o desenvolvimento do trabalho em saúde mental está atrelado às situações descritas como “desafios” em múltiplos âmbitos. A percepção destas experiências como adversidades no ambiente laboral pode caracterizar as mesmas como fatores de risco no desenvolvimento da resiliência dos trabalhadores nesses espaços.

A busca pelo entendimento dos fatores de risco no cotidiano desses profissionais, proposta por este estudo, proporcionou o fornecimento inicial de informações que conduzem a uma visão das condições mínimas necessárias para a concretização de um trabalho produtivo em instituições direcionadas ao cuidado em saúde mental. Desse modo, é preciso atentar para a relação de tais circunstâncias a fim de propor métodos que auxiliem o profissional no desempenho de sua função, garantindo melhores condições de trabalho e, em consequência, resulte na minimização de prejuízos para a qualidade de vida profissional e pessoal desse indivíduo.

Como limitações, destaca-se que o resultado deste estudo reflete a vivência de um grupo de profissionais de apenas um município, expondo, portanto, a possibilidade de realização de outras investigações semelhantes com grupos de profissionais em outras unidades de saúde mental para ampliação de informações a respeito deste conteúdo abordado.

 

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