REVISÃO

Os entraves para o trabalho em equipe na assistência integral à saúde

 

Flávia de Oliveira, D.Sc.*, Marlene das Graças Martins, M.Sc.**, Marcos de Abreu Nery, D.Sc.***, Sueli Leiko Takamatsu Goyata, D.Sc.****

 

*Professora Adjunta da Universidade Federal de São João Del Rei/MG, **Universidade Federal de Alfenas, Alfenas/MG, ***Técnico de Assunto Educacionais da Universidade Federal de Alfenas, Alfenas/MG, ****Professora Titular da Universidade Federal de Alfenas, Alfenas/MG

 

Recebido em 9 de agosto de 2017; aceito em 3 de agosto de 2018.

Endereço de correspondência: Flávia de Oliveira, Universidade Federal de São João Del Rei, Rua Sebastião Gonçalves Coelho, 400, sala 3034, Bloco D, Campus Centro- Oeste Dona Lindu, Chanadour, 35501-296 Divinópolis MG, E-mail: flaviadeoliveira@ufsj.edu.br; Marlene das Graças Martins: marlenemartinspaz@yahoo.com.br; Marcos de Abreu Nery: marcosnery2009@gmail.com; Sueli Leiko Takamatsu Goyata: sueligoyata@yahoo.com.br

 

Resumo

Introdução: O trabalho em equipe é fundamental para a reorganização do processo de trabalho na perspectiva da integralidade, no contexto do Sistema Único de Saúde. Objetivo: Identificar e analisar a produção científica nacional e internacional sobre os entraves para o trabalho em equipe, na perspectiva da assistência integral, na atenção primária à saúde, no período de 2000-2016. Métodos: Revisão integrativa da literatura realizada nas bases de dados eletrônicas Lilacs e Pubmed. Teve como pergunta norteadora: Quais são os entraves para o processo de trabalho em equipe, na perspectiva da integralidade, na atenção primária à saúde? Resultados: Foram selecionados 218 artigos para leitura na íntegra e foram incluídas 29 publicações. A fragmentação do cuidado e a formação em saúde distinta e disciplinar foram os entraves mais citados na literatura. Conclusão: Foi possível identificar os principais entraves para o processo de trabalho na perspectiva da integralidade. A identificação desses entraves pode contribuir para o desenvolvimento de novas práticas por diferentes categorias profissionais e para a busca de superação das dificuldades na atuação das equipes na assistência integral à saúde.

Palavras-chave: atenção primária à saúde, assistência integral à saúde, equipes de saúde.

 

Abstract

The obstacles to team work in integral health assistance

Introduction: Teamwork is fundamental for the reorganization of the work process in the perspective of completeness, in the context of the Unified Health System. Objective: To identify and analyze the national and international scientific production on the obstacles to teamwork, from the perspective of primary health care in the period 2000-2016. Methods: Integrative review of the literature in Lilacs and Pubmed electronic databases. The guiding question was: What are the obstacles to the process of teamwork, from the perspective of integrality, in primary health care? Results: A total of 218 articles were selected for reading and 29 publications were included. The fragmentation of care and distinct and disciplinary health training were the most cited obstacles in the literature. Conclusion: It was possible to identify the main obstacles to the work process from the point of view of completeness. The identification of these obstacles can contribute to the development of new practices by different professional categories and to the search of overcoming the difficulties in the team performance in integral health care.

Key-words: primary healthcare, integral health assistance, patient care team.

 

Resumen

Obstáculos para el trabajo en equipo en la perspectiva de la asistencia integra

Introducción: El trabajo en equipo es fundamental para la reorganización del proceso de trabajo en la perspectiva de la integralidad, en el contexto del Sistema Único de Salud. Objetivo: Identificar y analizar la producción científica nacional e internacional sobre los obstáculos para el trabajo en equipo, desde la perspectiva de la asistencia integral, en la atención primaria a la salud, en el período 2000-2016. Métodos: Revisión integrativa de la literatura realizada en las bases de datos electrónicas Lilacs y Pubmed. Se tuvo como pregunta orientadora: ¿Cuáles son los obstáculos para el proceso de trabajo en equipo, en la perspectiva de la integralidad, en la atención primaria a la salud? Resultados: Se seleccionaron 218 artículos para lectura íntegra y se incluyeron 29 publicaciones. La fragmentación del cuidado y la formación en salud distinta y disciplinaria fueron los obstáculos más citados en la literatura. Conclusión: Fue posible identificar los principales obstáculos para el proceso de trabajo desde la perspectiva de la integralidad. La identificación de estos obstáculos puede contribuir al desarrollo de nuevas prácticas por diferentes categorías profesionales y para la búsqueda de superación de las dificultades en la actuación de los equipos en la asistencia integral a la salud.

Palabras-clave: atención primaria a la salud, asistencia integral a la salud, grupo de atención al paciente.

 

Introdução

 

O Sistema Nacional de Saúde vive nas últimas décadas um intenso processo de reorganização da atenção à saúde. Após conquistas inegáveis relativas aos aspectos jurídico-legais, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), tem-se atualmente a expansão da Estratégia de Saúde da Família no país. Diante disso, a lógica político-institucional tradicional do setor deve ser abandonada, com o objetivo de buscar novas práticas de saúde direcionadas para a qualidade de vida e com isso intensas transformações no mercado de trabalho e na formação profissional. O trabalho em equipe ou trabalho interprofissional é destacado como um dos pressupostos mais importantes para a reorganização do processo de trabalho e enquanto possibilidade de uma abordagem mais integral e resolutiva [1-2]. Reconhece-se que as atuais demandas para a assistência à saúde dificilmente são atendidas pelas competências de um ou outro profissional, mas pelo conjunto de trabalhadores de forma interdependente, de modo a propiciar a integralidade do cuidado [3].

Cada profissional deve ser chamado a desempenhar sua profissão em um processo de trabalho coletivo, havendo necessidade de incorporar conhecimentos e informações [1,4].

Entretanto, a inserção de diferentes profissionais nas equipes de saúde ainda não resultou, de forma significativa, na transformação preconizada pelo SUS. O que se percebe em grande parte das unidades é uma simples justaposição de diferentes profissionais, com hierarquia bem sedimentada e rígida, que manteve a fragmentação do cuidado [5]. Diante disso, há que se desenvolver um trabalho coletivo, reconhecendo-se assim, a integralidade do cuidado às pessoas e às comunidades como essência que condicionam as práticas de saúde, com valores éticos e morais.

A esse respeito, a Portaria 2488, de 21 de outubro de 2011, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, caracteriza a Atenção Básica como um conjunto de ações tanto coletivas quanto individuais, cujo objetivo é desenvolver uma atenção integral, que impacte na situação de saúde das pessoas, na autonomia das pessoas, nos determinantes e nos condicionantes de saúde das coletividades, desenvolvida por práticas de cuidado e gestão democráticas e participativas sob a forma de trabalho em equipe. Sendo assim, prevê que a articulação entre os profissionais é essencial, de tal forma que não só as ações sejam compartilhadas, mas também tenha um processo interdisciplinar, no qual os núcleos de competência profissionais específicos vão enriquecendo o campo comum de competências. Essa organização pressupõe o deslocamento do processo de trabalho centrado em procedimentos para um processo centrado no usuário, no qual o cuidado do usuário é o imperativo ético-político que organiza a intervenção técnico-científica [6].

A revisão de literatura mostra que o processo de reorganização da atenção à saúde do SUS, nos diferentes níveis de assistência à saúde, particularmente na Estratégia de Saúde da Família, vem apresentando entraves que prejudicam a agilidade e a operacionalização do processo de trabalho. A condução das equipes tem levado os trabalhadores a experimentarem um fazer mecânico, resultado das fortes pressões dos poderes, inibindo as ideias, diferenciações e a complementariedade das equipes de trabalho. A centralização das decisões ainda é uma das fortes características vivenciadas pelos profissionais, o que tem impedido o fortalecimento do trabalho interdisciplinar, refletindo uma assistência descontínua, fragmentada e sem vínculos, contrariando as perspectivas do modelo assistencial vigente [7].

 Embora se constate uma ampliação da cobertura da Estratégia de Saúde da Família no país, grande parte dos profissionais não possui conhecimento acerca do processo de trabalho coletivo, possuem dificuldades para a compreensão e reflexão sobre o real sentido da equipe e, ainda, são poucas as literaturas acerca da temática [8].

Nesse sentido, segundo alguns autores, é necessário buscar novas formas de trabalho em equipe, de maneira mais articulada, a fim de torná-lo mais ágil e receptivo às necessidades dos usuários [5]. As equipes devem buscar a superação dos pressupostos do processo de trabalho atual [6,9].

Assim, entre os temas relevantes a serem debatidos no contexto da organização, do funcionamento e da legislação do Sistema Único de Saúde (SUS) está o do trabalho em equipe na perspectiva da assistência integral à saúde. A integralidade é uma diretriz do SUS pouco abordada nas práticas de saúde, embora seja um dos pressupostos mais importantes para a reorganização do processo de trabalho [10].

Enfatiza-se a necessidade das ações inter, multi e transdisciplinares na Atenção Primária à Saúde, bem como nos diversos setores nos quais se estabelecem os diálogos, considerando que passaram a ocupar a agenda de debates de forma oficial desde 1980. Trata-se da busca para a promoção da saúde das pessoas, das comunidades, com maior controle e participação das equipes e da sociedade [11].

Esta pesquisa teve como objetivo identificar e analisar a produção científica nacional e internacional sobre os entraves para o trabalho em equipe, na perspectiva da integralidade, na atenção primária à saúde.

 

Material e métodos

 

Foi realizada uma revisão integrativa da literatura, ferramenta importante para as pesquisas na área de conhecimento da saúde uma vez que permite a síntese de pesquisas sobre determinado tema. Essa metodologia combina dados da literatura teórica e empírica, além de incorporar um vasto leque de propósitos: definição de conceitos, revisão das teorias e evidências, e análise de problemas metodológicos de um tópico particular, para uma compreensão do fenômeno analisado [12-14]. A revisão integrativa pressupõe o uso de uma metodologia própria que assegura o alcance dos objetivos propostos, seleciona e analisa os dados de forma criteriosa, examina as teorias adotadas e estabelece a relação entre o método empregado e os resultados encontrados [15].

Este estudo foi desenvolvido em seis fases: elaboração da pergunta norteadora, busca ou amostragem da literatura, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa [13]. A formulação do problema se caracterizou pela questão norteadora: quais são os entraves para o processo de trabalho em equipe, na perspectiva da integralidade, na atenção primária à saúde?

Para a coleta dos dados utilizaram-se as bases de dados eletrônicas Lilacs e Pubmed. A revisão foi realizada em bases de dados indexadas no âmbito nacional e internacional, utilizando-se dos descritores Decs online e o operador booleano representado pelo termo conector And (atenção primária à saúde and assistência integral à saúde) e as palavras chave: entraves, dificuldades, equipe, trabalho em equipe, atenção básica, cuidado, integralidade, todas combinadas entre si, por meio do conector And, procurando atender à questão norteadora. Assim, foram utilizados descritores DeCs e palavras chave para ampliar a busca das publicações. Por tratar-se de uma revisão integrativa da literatura, o método se ampliou para a amostra do estudo. Tanto os descritores, como as palavras chave foram pesquisadas em português, inglês e espanhol.

Os critérios de inclusão adotados para seleção dos artigos foram: artigos com resumos e textos completos; publicações nacionais e internacionais disponibilizados nos idiomas português, inglês ou espanhol, que continham em seus títulos e/ou resumos indicativos que respondiam à questão norteadora, publicados entre janeiro de 2000 a dezembro de 2016. Os critérios de exclusão foram: publicações sem acesso ao texto completo e as duplicadas.

Por fim, utilizou-se um instrumento para o registro das informações de forma a organizá-las, de acordo com a questão norteadora do estudo, que compreendia dados de identificação dos artigos (título, autores, periódico, ano, volume número, descritores), objetivos, tipo de estudos, resultados e conclusões), para minimizar os erros na transcrição, para garantir a precisão da checagem das informações e para servir como registros [16]. Para a etapa de análise dos dados foi utilizada a análise temática, de acordo com a proposta apresentada por Minayo [17], em que são descobertos os núcleos de sentido, cuja frequência ou presença tiveram significado para o objeto analítico em questão. A análise temática, segundo essa autora, está dividida em três fases: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e interpretação [17].

Na pré-análise os documentos são analisados, segundo os objetivos iniciais da pesquisa. Nessa etapa, são retomados os conceitos de forma categorizada para que direcionem a análise final. Na exploração do material, busca-se alcançar a compreensão do texto por meio das unidades de registro estabelecidas na pré-análise, classificando-as e agregando-as em seguida. Na última fase, os resultados obtidos são submetidos a uma análise temática formal dos discursos, sendo preservada a regularidade. A partir da análise temática, ter-se-á a apreensão da significação e a compreensão do objeto estudado [17].

 

Resultados

 

Foram identificados 1858 artigos, nos quais foram realizadas leituras de títulos e de resumos. Desses, foram selecionados 218 artigos para leitura na íntegra que respondiam à questão norteadora e, finalmente, foram incluídas 29 publicações.

A Tabela I apresenta a distribuição dos estudos, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, segundo o banco de dados.

 

Tabela I - Distribuição dos estudos segundo as bases de dados e critérios de inclusão e exclusão, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2016.

 

Fonte: Bases de dados eletrônicos Lilacs e Pubmed, 2000-2016.

 

A maior parte da inclusão de publicações encontradas se deu a partir da utilização da base de dados eletrônica Lilacs n= 25 (86,21%). Das 232 publicações selecionadas das bases Lilacs e Pubmed, 34 (14,6%) estavam duplicadas. Percebeu-se que as duplicações ocorreram devido à pesquisa nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola.

Em relação ao ano de publicação, 2009 foi o ano em que mais se produziu sobre o tema, compreendendo uma amostra de 6 publicações (20,69%), seguido de 2011 e 2013, totalizando 8 publicações (27,59%).

A revisão integrativa da literatura realizada permitiu a identificação dos entraves para o processo de trabalho em equipe na atenção primária à saúde, na perspectiva da integralidade a partir das contribuições das publicações científicas dos autores pesquisados e das categorias temáticas extraídas das publicações do estudo.

A fragmentação do cuidado (36%), a formação em saúde distinta e disciplinar (28%), conflitos na resolução de problemas nas relações interprofissionais e entre profissionais e usuários (20,02%) e ênfase no trabalho técnico-científico (15,98%) foram os entraves mais citados na literatura. Outros entraves citados pelos autores nas publicações recentes foram: ausência de responsabilidade para o trabalho e para o planejamento coletivo, representações arraigadas sobre hierarquia, individualização no trabalho, dificuldades no fluxo de informações e ausência de compartilhamento de saberes entre o inter e multiprofissional.

 

Discussão

 

A fragmentação do cuidado envolve as práticas assistenciais pautadas no modelo biomédico, a organização do processo de trabalho voltado para o serviço e não para as necessidades dos sujeitos, o processo de trabalho centralizado na doença, com a supervalorização do corpo biológico, a desatenção para as experiências sociais e culturais do adoecer e do cuidado, determinantes sociais desconsiderados na organização, planejamento e execução dos serviços de saúde e centralização das ações de saúde nos atos médicos e medicalizadores.

O trabalho em equipe é extremamente reflexivo, marcado pelo campo das relações interpessoais e dependente do recrutamento de distintos saberes técnico-científicos. Também existe a complexidade que incorpora a diversidade profissional, os interesses, as tecnologias, as organizações heterogêneas em função da variedade dos processos de trabalho coexistentes, e principalmente da fragmentação conceitual, do pensar e do fazer entre as categorias [18].

Considera-se também que o trabalho em equipe pressupõe impactos sobre diferentes fatores que interferem no processo saúde-doença. Desse modo, a assistência à saúde pode ser facilitada pela soma de olhares dos profissionais que compõem as equipes interdisciplinares. Trabalhar na Atenção Primária à Saúde (APS) requer dispositivos que alterem a dinâmica médico-centrada. Para mudar essa lógica, fazem-se necessários dispositivos que alterem a dinâmica do trabalho em saúde, modificando os afazeres dos profissionais para uma nova lógica no agir e no cuidado à saúde [19].

É importante destacar que ao partilhar o modelo biomédico, os profissionais das equipes de saúde deixam de buscar e compartilhar outros projetos assistenciais que levem em consideração a multidimensionalidade das necessidades de saúde dos usuários [20].

A formação distinta e disciplinar, de acordo com os autores, inclui a deficiência na educação permanente, o modelo tradicional do processo ensino-aprendizagem, o processo de trabalho desarticulado, desordenado e sem objetivos comuns, com ênfase no atendimento à demanda espontânea.

No campo da formação profissional tradicional, os profissionais receberam currículos restritos, desconectados entre as disciplinas, sem atenção às reais necessidades da população, baseados em modelos flexnerianos e estáticos e, principalmente, sem espaços para o trabalho em equipe, no qual um futuro profissional possa ser capaz de conceber espaços para a atuação conjunta, ainda no interior das universidades. Essa forma foi reconhecida pelo Departamento de Gestão da Educação na Saúde do próprio Ministério da Saúde (MS), como prejudicial à humanização. Sendo assim, a formação profissional, com base na organização disciplinar e nas especialidades, caracteriza-se como um estudo fragmentado dos problemas de saúde das sociedades, levando à formação de sutis especialistas que não conseguem lidar com as totalidades ou complexidades. Os futuros profissionais deixam as universidades preparados para os mais variados tipos de tecnologias, no entanto são incapazes de lidar com a subjetividade, com a diversidade moral, social e cultural de si mesmos e, principalmente, das pessoas as quais são público-alvo de seus trabalhos [21].

Os conflitos na resolução de problemas nas relações interprofissionais e entre profissionais e usuários envolvem a deficiência nas práticas dialógicas e participativas, a falta de vínculo entre a equipe de saúde e usuários, a centralização na tomada de decisões pela equipe de saúde, a falta de prática psicossocial para o enfrentamento do sofrimento pessoal ou do outro e a falta de comunicação e interação profissional. Essa pressupõe a articulação e a interação no trabalho em equipe por meio do agir comunicativo, que busca o entendimento e o reconhecimento mútuo dos profissionais de saúde [20]. Dessa forma, compreende-se que é imprescindível e emergente trabalhar a subjetividade humana no campo das relações para religar e dar novos sentidos aos saberes uma vez que todos os profissionais da saúde estão inseridos no contexto do sistema de saúde. Os processos de formação em saúde devem contemplar a articulação de ações e de saberes, enxergar a realidade além dos limites dos conhecimentos, trabalhando a interdisciplinaridade para a necessidade do transcender e atravessar conhecimentos fragmentados, buscando a unidade do saber [22].

Ênfase no trabalho técnico-científico inclui a reprodução do modelo taylorista nas práticas assistenciais, o conhecimento especializado e a divisão social do trabalho. O estabelecimento de uma relação dialógica entre os profissionais de saúde pode contribuir para superação de relações hierarquizadas, nas quais o profissional raramente conhece as potencialidades dos outros, produzindo, dessa forma a divisão social do trabalho [23].

Faz- se necessário compreender que o agir ético compreende a experiência humana, o que não significa um espaço físico, mas uma teia de relações interpessoais e interprofissionais de onde emergem as variadas relações. O homem é o único ser que faz tudo ao mesmo tempo, analisa, interpreta, dá significado e racionaliza. Assim, é capaz de relacionar-se com o outro, com o mundo e consigo mesmo. E segundo Kant, é o único ser que pode dispor da vontade, e sabedoria com capacidade para criar, construir e transformar algo a partir da sua realidade, pois deseja o que é bom e belo para a vida em sociedade. O profissional de saúde deve saber se posicionar de acordo com sua consciência, com autonomia para fazer escolhas coerentes segundo os princípios éticos de sua profissão. Nesse sentido, representa a possibilidade de traçar novos caminhos de acordo com a necessidade, propor soluções e superar as limitações que surgem no cotidiano do trabalho interdisciplinar [24].

Ressalta-se que a menor ou maior prática da integralidade é resultado da maneira como se articulam essas ações dos profissionais, assim como os desafios para se ofertar um atendimento integral em um contexto da focalização das políticas. Desse modo, a integralidade aponta para a busca e compreensão das necessidades das pessoas e, ainda, para reconhecer a adequação das ofertas ao contexto específico, o qual é determinado pelo encontro da pessoa com a equipe de saúde. Desse modo, a integralidade passa simultaneamente como efeito e repercussão de interações positivas entre usuários e profissionais para atender as necessidades de saúde [25].

Reconhece-se a necessidade do desenvolvimento efetivo do trabalho em equipe na perspectiva da integralidade, no contexto da APS. A implantação da Estratégia de Saúde da Família como política de reorganização do modelo assistencial, com a ampliação considerável da cobertura no país, mostra a necessidade de uma maior articulação entre os preceitos legais e as concepções teóricas dos conceitos da integralidade e do trabalho em equipe. Trata-se, portanto, de se valorizar o acesso à atenção integral como direito fundamental e de cidadania da população. A integralidade se constrói no cotidiano dos serviços e no diálogo entre os diferentes agentes sociais do Sistema Único de Saúde [5]. O princípio da integralidade talvez seja o menos percebido nessas práticas e as mudanças acontecem de forma sutil [26]. Assim, a preocupação do termo integralidade e de trabalho em equipe é tomá-los mais que conceitos, é tomá-los como algo que se tem a praticar, impossível de ser plenamente atingido, do qual constantemente pode-se aproximar [5].

 

Conclusão

 

Este estudo buscou, por meio da revisão integrativa da literatura, levantar os entraves para o desenvolvimento do trabalho em equipe na perspectiva da integralidade uma vez que aqueles têm sido insuficientemente abordados no interior das práticas assistenciais e da gestão na atenção primária à saúde. Reconhece-se que as equipes de saúde, em especial a Estratégia de Saúde da Família, enfrentam muitas dificuldades para a realização eficaz de um trabalho colaborativo, uma vez que a inserção de novas categorias profissionais ainda não resultou em mudanças significativas nos espaços de formação e nas práticas profissionais.

Assim, a identificação dos entraves para o trabalho em equipe, na perspectiva da integralidade, pode contribuir para o desenvolvimento de novas práticas por diferentes categorias profissionais e para a busca de superação das dificuldades na atuação das equipes na assistência integral à saúde. Essa reflexão também poderá ocorrer nos espaços de formação, nos quais as universidades buscam ainda que, de forma incipiente, o caminho para o saber e o fazer interdisciplinar.

O Trabalho em equipe ou interdisciplinar caracteriza-se, portanto, como uma demanda do Sistema Único de Saúde brasileiro que necessita propiciar, urgentemente, o desenvolvimento de ideias criativas e o compartilhamento do conhecimento para a superação dos entraves dos processos de trabalho.

 

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