ARTIGO ORIGINAL

Percepção da insuficiência renal crônica e enfrentamento de pacientes jovens em tratamento hemodialítico

 

Jennifer Jullie Pichinelli*, Clarice Santana Milagres, D.Sc.**

 

*Enfermeira pela Fundação Hermínio Ometto (FHO) Uniararas, **Enfermeira, Professora titular do curso de graduação em Enfermagem da Fundação Hermínio Ometto (FHO), Uniararas

 

Recebido em 12 de agosto de 2017; aceito em 15 de janeiro de 2018.

Endereço para correspondência: Jennifer Jullie Pichinelli, Av. Maximiliano Baruto, 500. Jd Universitário, 13607-339 Araras SP, E-mail: jennifer_pichinelli@hotmail.com; Clarice Santana Milagres: claricemilagres01@gmail.com

 

Resumo

A Insuficiência renal crônica é uma deterioração progressiva e irreversível da função renal, que provoca a incapacidade do organismo em manter o equilíbrio hidroeletrolítico e metabólico, o que leva, quando não realizado o tratamento, à morte. Existem diversas formas de tratamento para substituição da função renal, e neste estudo abordaremos a hemodiálise. Atualmente, verifica-se o crescente número de indivíduos jovens que realizam a Terapia de Substituição Renal do tipo hemodiálise e para tal este trabalho tem como foco os pacientes jovens com insuficiência renal crônica que realizam hemodiálise, buscando conhecer o enfrentamento destes jovens perante a doença e sua visão acerca da importância da equipe de enfermagem na realização do cuidado individualizado. Ao pesquisar estes sujeitos, esperamos encontrar formas para realizar um cuidado de enfermagem humanizado, ampliado para necessidades específicas do jovem, uma vez que se trata de uma patologia que exige um tratamento intenso, afetando o cotidiano de vida do paciente. O objetivo é conhecer a percepção da doença renal crônica e o enfrentamento desta doença por pacientes jovens que realizam hemodiálise, assim como verificar a visão destes pacientes frente à contribuição do enfermeiro no processo relacionado à condução do cuidado individualizado e integrado junto à equipe enfermagem. Trata-se de um estudo observacional descritivo, exploratório, transversal com abordagem qualitativa por meio de entrevistas semiestruturadas. A pesquisa foi realizada em uma clínica de hemodiálise localizada no interior do Estado de São Paulo. Os resultados deste trabalho sugerem encontrar os sentimentos comuns nos jovens submetidos em hemodiálise, suas percepções diante do tratamento e da equipe de enfermagem responsável pelos cuidados.

Palavras-chave: adolescentes, hemodiálise, insuficiência renal crônica, enfermagem.

 

Abstract

Perception of chronic renal failure and confrontation of young patients in hemodialytic treatment

Chronic renal failure is a progressive and irreversible deterioration of renal function, which causes the inability of the organism to maintain hydroelectrolytic and metabolic balance, which leads, when not treated, to death. There are several forms of treatment for renal function replacement, and in this study we will discuss hemodialysis. There is now a growing number of young individuals undergoing Renal Substitution Therapy of the hemodialysis type, and for this work the focus is on young patients with chronic renal failure who undergo hemodialysis, seeking to know the confrontation of these youngsters the disease and their view about the importance of the nursing team in the implementation of individualized care. In researching these subjects, we hope to find ways to perform a humanized nursing care, extended to the specific needs of the young, since it is a pathology that requires intense treatment, affecting the daily life of the patient. The aim of this study was to know the perception of chronic kidney disease and the coping of this disease by young patients who undergo hemodialysis, as well as to verify the vision of these patients in front of the contribution of the nurse in the process related to the conduction of the individualized and integrated care with the nursing team. This was an observational, descriptive, exploratory, cross-sectional study with a qualitative approach through semi-structured interviews. The research was performed in a hemodialysis clinic located in the interior of the State of São Paulo. The results of this study suggest to find the common feelings in young people submitted to hemodialysis, their perceptions regarding the treatment and the nursing team responsible for care.

Key-words: adolescent, hemodialysis, renal insufficiency chronic, nursing.

 

Resumen

Percepción de la insuficiencia renal crónica y enfrentamiento de pacientes jóvenes en tratamientohemodialítico

La insuficiencia renal crónica es un deterioro progresivo e irreversible de la función renal, que provoca la incapacidad del organismo para mantener el equilibrio hidroelectrolítico y metabólico, lo que lleva, cuando no se realiza el tratamiento, a la muerte. Hay varias formas de tratamiento para la sustitución de la función renal, y en este estudio abordaremos la hemodiálisis. En la actualidad, se observa el creciente número de individuos jóvenes que realizan la Terapia de Sustitución Renal del tipo hemodiálisis y para tal este trabajo tiene como foco a los pacientes jóvenes con insuficiencia renal crónica que realizan hemodiálisis, buscando conocer el enfrentamiento de estos jóvenes ante la enfermedad y su visión acerca de la importancia del equipo de enfermería en la realización del cuidado individualizado. Al investigar estos sujetos, esperamos encontrar formas para realizar un cuidado de enfermería humanizado, ampliado para necesidades específicas del joven, ya que se trata de una patología que exige un tratamiento intenso, afectando el cotidiano de vida del paciente. El objetivo es conocer la percepción de la enfermedad renal crónica y el enfrentamiento de esta enfermedad por pacientes jóvenes que realizan hemodiálisis, así como verificar la visión de estos pacientes frente a la contribución del enfermero en el proceso relacionado a la conducción del cuidado individualizado e integrado junto al equipo enfermería. Se trata de un estudio observacional descriptivo, exploratorio, transversal con abordaje cualitativo por medio de entrevistas semi estructuradas. La investigación fue realizada en una clínica de hemodiálisis localizada en el interior del estado de São Paulo. Los resultados de este trabajo sugieren encontrar los sentimientos comunes en los jóvenes sometidos en hemodiálisis, sus percepciones ante el tratamiento y el equipo de enfermería responsable del cuidado.

Palabras-clave: adolescentes, hemodiálisis, insuficiencia renal crónica, enfermería.

 

Introdução

 

A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma deterioração progressiva e irreversível da função renal que provoca a incapacidade do organismo em manter o equilíbrio hidroeletrolítico e metabólico. Quando não tratada, leva o indivíduo à morte. Existem diversas formas de tratamento para substituição da função renal, como a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal [1-3].

Em relação à epidemiologia dessa comorbidade, a IRC acomete em especial a população adulta e idosa [4]. No entanto, para surpresa dos estudiosos, verifica-se atualmente o crescente número de indivíduos jovens que realizam a Terapia de Substituição Renal (TSR) do tipo hemodiálise [4-6].

O censo realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia em 2011 totalizava 67,7% de pacientes que realizam tratamento dialítico na faixa etária entre 18 e 64 anos [4]. Vale ressaltar que, segundo a Lei n°18.852/2013 que trata sobre o Estatuto da Juventude, é considerado jovem as pessoas com idade entre 15 e 29 anos completos [6].

Quanto ao tratamento de alta complexidade denominado hemodiálise e entre as amostras compostas por pacientes jovens que realizam essa TSR, observa-se uma escassez na literatura, em especial, na nacional. Desta forma, há obstáculos a serem superados para se alcançar maiores informações sobre esta população, percebendo-se na prática atual que esta faixa etária, em particular, apresenta crescente prevalência entre o grupo submetido à hemodiálise no país, segundo informações da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) [4,5]. Com isso, justifica-se a necessidade de investigar a percepção destes jovens, exigindo por parte do enfermeiro nefrologista, assiduidade, comprometimento e a disponibilização de tempo para conhecer estes pacientes. No mais, o jovem encontra-se no ciclo de vida em que deve dispensar tempo especial à formação acadêmica, profissional, mantendo suas atividades rotineiras [7].

O enfermeiro em seu processo de trabalho, não está restrito à execução de técnicas e procedimentos realizados de forma eficiente, mas deve estar apto a realizar um cuidado holístico e singular ao paciente portador de doença renal crônica e para tal, são necessárias habilidades como a capacidade de comunicar-se com o outro. Se a comunicação entre enfermeiro e paciente não for recíproca, o significado do cuidado prestado pode ser afetado profundamente [8,9].

Este estudo busca conhecer a percepção da doença renal crônica e o enfrentamento desta doença por pacientes jovens que realizam hemodiálise, assim como verificar a visão destes pacientes frente à contribuição do enfermeiro no processo relacionado à condução do cuidado individualizado e integrado junto à equipe enfermagem.

 

Material e métodos

 

Tipo de estudo

 

Estudo descritivo exploratório, com abordagem quantiqualitativa, explorando e utilizando o método investigativo por meio de entrevistas semiestruturadas com pacientes jovens, acometidos por IRC e submetidos ao tratamento de hemodiálise.

 

Campo de estudo e procedimentos éticos

 

Foi realizada coleta de dados no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Pirassununga – Clínica de Hemodiálise (SENEPI - Serviço de Nefrologia de Pirassununga). Esse município com 74.587 habitantes (IBGE, 2015) possui 1 Hospital médio porte e 1 clínica de nefrologia. A equipe da clínica de nefrologia é composta por 30 profissionais que compõem a equipe multidisciplinar, dentre médicos nefrologistas, enfermeiros nefrologistas, técnicos de enfermagem, nutricionista, assistente social, psicólogo e outros profissionais responsáveis pela gestão de pessoas e setor administrativo.

Esta pesquisa foi submetida à Plataforma Brasil e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Hermínio Ometto – UNIARARAS sob protocolo CAEE - 61995216.6.0000.5385.

 

Coleta de dados

 

A coleta de dados ocorreu de setembro de 2016 a março de 2017, em uma sessão única com 15 minutos de duração, a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Seguiam-se os questionários de identificação e questões semiestruturadas relativas ao tratamento hemodialítico.

A opção pelo questionário se deu, dada à possibilidade de atingir um maior número de pacientes, através da obtenção de respostas rápidas e precisas. Também há maior segurança para responder e minimização de riscos, pois não haveria identificação das respostas dos respectivos sujeitos que aceitaram participar da pesquisa, além de não haver interferência do pesquisador durante a condução da aplicação do questionário. A coleta de dados foi realizada no período de outubro e novembro de 2016.

 

População alvo

 

A população alvo deste estudo foi constituída por 2 pacientes, os quais realizavam tratamento hemodialítico há mais de 2 anos, e que se encaixaram na faixa etária pré-estabelecida. A amostra foi composta por 1 mulher e 1 homem.

      Os critérios de inclusão foram pacientes jovens, de ambos os sexos, com idade de 15 a 29 anos, com Insuficiência Renal Crônica que realizavam tratamento hemodialítico na instituição escolhida pela pesquisa e que aceitaram participar da mesma, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE. Quanto aos critérios de exclusão, também puderam ocorrer aqueles que por ventura retiraram a autorização, não queriam mais participar dessa pesquisa ou estiveram afastados por motivos que os impedissem de participação no momento da coleta de dados.

 

Análise, tratamento e interpretação dos dados

 

A metodologia aqui empregada fez uso da análise de conteúdo, através da regra da representatividade. Posteriormente, os resultados obtidos dessas amostras, chamadas de categorias, foram generalizados para o todo através dos processos de transcrição, textualização e novamente a transcrição. Esta última trazendo as categorizações encontradas no presente estudo.

Após a coleta de dados e de posse de material de investigação, deu-se o tratamento das falas e das etapas por meio de análise de conteúdo, que teve como ponto de partida a busca pelo sentido, percepção e significação, que ao ser realizado seu ambiente natural engloba e preserva as características e as relações do sujeito que foi o alvo de nosso estudo [10].

A transcrição ocorre pela escrita rigorosa da entrevista, enquanto na textualização a narrativa foi reorganizada para ser clara e objetiva, alcançando o proposto pelo tema do trabalho. A transcrição final, na qual a entrevista é colocada de forma ampla, sem ordem nos parágrafos, foi retirada ou acrescentada palavras ou frases para a criação de um entendimento melhor das falas que foram feitas.

A leitura minuciosa das entrevistas teve como objetivo analisar a existência de pontos comuns que podem ser agrupados e discutidos por meio da análise do sujeito coletivo. Com isso, a interpretação das falas dos sujeitos possibilitou transitar entre os pontos gerais e específicos evidenciados na entrevista, compreendendo assim as diferentes opiniões/visões sobre como cada indivíduo enfrenta o tratamento da insuficiência renal crônica. Além disso, contribui para mostrar como estes jovens apresentam suas percepções acerca desta doença e como a enfrentam ao utilizar a terapia de substituição renal (hemodiálise). Vale ressaltar que o enfermeiro nefrologista e a equipe de enfermagem responsável pela diálise destes sujeitos são agentes que podem contribuir no processo relacionado à condução do cuidado individualizado e integrado deste sujeito portador de IRC e como tal, são percebidos por estes.

 

Resultados e discussão

 

Participaram deste estudo 2 pacientes, os quais realizavam tratamento hemodialítico há mais de 2 anos, e que se encaixavam na faixa etária estabelecida. A amostra foi composta por 1 mulher e 1 homem, a primeira com 25 anos e o segundo com 27 anos.

      Em relação ao tempo de tratamento hemodialítico já realizado até o momento, eles se diferenciaram. O tempo de tratamento da paciente do sexo feminino era de 12 anos, com início aos 14 anos, e o do paciente do sexo masculino, 3 anos, com início aos 26 anos. Ambos apresentaram diagnósticos de base diferentes que levaram a IRC e, consequentemente, ao tratamento do tipo hemodiálise. Dentre eles estão, Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e nefrite. Segundo a SBN 2016, o diagnóstico de base de pacientes em diálise teve um aumento de 9% em glomerulonefrite e 12% em outros casos, assim como pode ser visto nos dois pacientes participantes desta pesquisa [5].

Os resultados deste estudo corroboram junto à literatura, perante a Sociedade Brasileira de Nefrologia, de acordo com o Censo de 2016, o aumento da faixa etária de pacientes jovens em 22,1%, e que destes estão em diálise 43% do sexo feminino e 57% do sexo masculino [5].

Este estudo pôde averiguar as seguintes categorias de acordo com a metodologia proposta:

 

Reações dos pacientes diante do tratamento de hemodiálise

 

Os resultados obtidos das entrevistas mostraram que os pacientes jovens lidam com a situação de ter que realizar o tratamento por hemodiálise como um acontecimento difícil e ao mesmo tempo aceitável. Também pôde ser observado pelos entrevistados que a vontade de viver é maior do que a vontade de desistir do tratamento e até mesmo da vida, o que torna o dia a dia no tratamento mais fácil, porém inevitável deixar de ser difícil.

 

.... Não tenho raiva não, tem gente que reclama muito de vir, eu não, pelo contrário, não vejo a hora de me livrar, para me sentir melhor... A hemodiálise tem o significado de viver, se não tivesse eu não estaria aqui hoje.” E1

 

“...é uma nova vida, no momento ela é sobrevivência... eu procuro pensar na hemodiálise da melhor forma.” E2

 

Ainda nos dias atuais, encontram-se, na literatura, que a descoberta da insuficiência renal crônica e a necessidade do tratamento hemodialítico podem inicialmente ser encaradas como uma dificuldade, ocasionando sofrimento físico e psíquico. Entretanto, percebeu-se que este processo de sentimentos se modificam durante o conhecimento acerca da hemodiálise, podendo desaparecer ao longo do tratamento, tornando as sessões menos dolorosas e aceitáveis como um processo fundamental para a vida destes pacientes [11].

Também se pode verificar que por se tratar de uma doença com curso crônico e suas diferentes fases, como negação, raiva, negociação, depressão e, por fim a aceitação, os sujeitos entrevistados estão na última fase, no qual percebem e apresentam um otimismo em relação à vida e sua continuidade.

 

“A maior dificuldade que encontrei foi aceitar o tratamento. Hoje eu aceitei, é mais tranquilo, não fico pensando mais.” E2

 

“Eu me sinto angustiada pouquíssimos dias, fora esses dias, não, não sinto nada, igual qualquer rotina, não tem diferença nenhuma... Quando eu comecei, quando eu perdi o rim, eu pus o CAPD, e com o CAPD você pode viver à vontade, por que eu fazia quatro vezes por dia”. E1

 

Segundo Waldow, é a partir da aceitação que a pessoa portadora de doença crônica consegue ter o impulso para reagir e trazer mudanças positivas para sua vida [12]. Coutinho e Costa corroboram junto a essa discussão ao estudarem pacientes portadores de IRC e a devida aceitação dos mesmos quando são amparados e acolhidos por familiares e pessoas próximas para enfrentarem o tratamento dialítico. Além disso, as fases advindas da doença crônica estão associadas ao recebimento do diagnóstico da IRC e o desconhecimento desta, mostrando ser uma das experiências mais difíceis para estes pacientes. Frente à hemodiálise, sentimentos como medo e desespero diante do desconhecido e a possibilidade da morte representam um fator positivo para que se alcance de forma progressiva a aceitação da doença e a terapia de substituição renal [13].

 

As mudanças ocorridas no cotidiano dos pacientes submetidos ao tratamento hemodialítico

 

A IRC e a necessidade de realizar tratamento hemodialítico trazem mudanças na vida dos pacientes, tanto física quanto psicológicas e sociais. Há necessidade de modificar os hábitos alimentares, a ingestão de líquidos, as atividades rotineiras diárias e o trabalho, conforme evidenciadas pelas falas a seguir:

 

“A maior dificuldade foi a comida, eu como muito, e tenho muita fome... foi difícil acostumar, a primeira vez eu lembro que eu almocei na minha casa, depois que eu voltei da internação, e eu não podia beber muito, aí eu falei: gente como eu vou conseguir tomar 3 remédios com um pouquinho de água, foi aí eu acho que comecei a ver que é muito difícil.” E1

 

Segundo estudos, as mudanças nos hábitos de vida não se restringem a alimentação e hidratação. Quando se apresenta uma doença crônica, a necessidade de mudanças pode se estender aos hábitos relacionados com a atividade física, lazer e trabalho. Contudo o paciente permanece dependente de tecnologias e medicações, familiares e profissionais da saúde, tornando, assim, um desafio de vida [11,13].

Em relação aos hábitos alimentares, em alguns trabalhos, pode-se verificar que a atividade de comer está relacionada a um sistema de valores que, quando alterado, tem repercussão na vida social do indivíduo portador de IRC, uma vez que alimentar-se, muitas vezes é associado à privação [13,14].

 

“Hoje eu sinto falta de trabalhar, e praticar alguns esportes, gostava de jogar bola, andar de bicicleta, agora tudo é mais limitado, mas não deixa de ser uma vida normal... a gente não se sente tão disposto para fazer as coisas né, mais limitado mesmo, mal-estar, dor de cabeça.” E2

 

Um desses sinais é a baixa capacidade de praticar exercício físico pelo portador de IRC pode ser explicada pela atrofia, fraqueza e câimbras musculares, assim como pela redução aeróbica e anemia advinda pela própria DRC destes pacientes. O exercício físico pode amenizar muitas consequências da IRC, proporcionando benefícios como a melhora do controle pressórico, da capacidade funcional, da função muscular e por fim, melhora da qualidade de vida destes portadores [15,16]. Apesar da literatura evidenciar os benefícios que o exercício físico pode trazer para pacientes em hemodiálise, poucos são os estudos de intervenção nacionais e poucas são as unidades de hemodiálise que oferecem essa prática ao paciente [15,17].

Estudo verificou que existe uma grande diversidade em relação aos protocolos de exercícios físicos utilizados para os portadores de IRC, principalmente em relação à intensidade, frequência e duração. Os autores demonstraram que estes parâmetros devem se adequar às características físicas e condições clínicas de cada paciente. Entretanto, segundo eles, obter amostras significativas com sujeitos portadores de IRC, envolvendo um grupo homogêneo de característica (como idade e características clínicas) é fundamental para o êxito de pesquisas relacionadas ao tema [17].

 

Perspectivas em relação à possibilidade de realizar transplante

 

As percepções dos pacientes em realizar transplante renal são permeadas pelo sentimento de esperança, medo e ansiedade, além de associados à forma de como o transplante renal poderia modificar suas vidas.

 

“Eu não fico pensando em transplante não, sabe por quê? Sabe aqui eu sei que eu vou vir fazer hemodiálise e vou para minha casa, quem faz transplante não tem essa, não sabe como vai ser o outro dia... aí eu penso, pode ser que não aconteça comigo, pode ser que eu faça e fique tudo bem, ou pode ser que não, o dia que eu tiver que fazer eu quero fazer com a certeza que vai dar certo... não tenho medo de fazer e parar, eu tenho medo de ficar tomando aqueles remédios, tenho medo de sei lá, de ficar internada direto…” E1

 

“Eu penso em melhorar só, deixar de fazer hemodiálise... Tenho um pouco de medo, mas eu tenho esperança, lógico que eu quero... Eu tenho medo de não dar certo, e transplantar e depois perder, e da cirurgia também, é uma cirurgia grave né” E2

 

O transplante renal é considerado uma das melhores modalidades de tratamento para o paciente com IRC. Tanto o tratamento dialítico, como o tratamento do transplante renal geram profundas transformações no cotidiano do paciente, na sua autoimagem, autovalorização e no sentido de sua vida [18].

A esperança e o medo permeiam por várias vezes o discurso dos entrevistados, no entanto também foi evidenciado esperança de uma vida melhor, de começar uma nova etapa. A espera pelo transplante renal acaba gerando ansiedade, pois não se tem certeza de quando o mesmo poderá aacontecer. Além dos fatores citados, o procedimento cirúrgico e as possíveis complicações, também são vistos como gerador de medo, que é um dos sentimentos observados acima [18].

A possibilidade de desempenhar atividades que antes eram restritas, de retomar atividades que antes não eram possíveis traz a sensação de satisfação e autonomia, que, mesmo considerando os cuidados em relação ao corpo, à alimentação e ao tratamento imunossupressor, percebe-se que as condições de vida e saúde melhoraram expressivamente quando ocorre o transplante renal [18].

 

Contribuição do profissional enfermeiro para a adaptação do tratamento

 

O profissional de enfermagem contribui da melhor maneira para que os pacientes se sintam mais seguros, e que possam encara a vida de uma forma mais positiva e confiante, contribuindo para uma melhor adaptação. Desta forma, foram encontrados relatos que evidenciam a importância deste profissional para uma adaptação menos lesiva. Entre as mais expressas pelos pacientes estão a amizade, a confiança e o conhecimento do profissional enfermeiro para o esclarecimento de dúvidas.

 

“O enfermeiro tem total importância, uma nova família, praticamente quase junto, a rotina, as conversas... cria uma amizade, um vínculo mesmo... eles fazem total diferença, se tornam mais que enfermeiros, mas uma família, seria muito mais difícil sem eles.” E2

 

“100% de importância, os profissionais são todos, como posso dizer, humanos, não só ali trabalhando, fazendo o que tem que fazer, tratam as pessoas como seres humanos também, todos são amigos da gente... eu acho que se não tivesse vocês aqui para me acalmar eu não sei se tinha conseguido fazer hemodiálise... a gente tem confiança, eu tenho confiança, me sinto segura com o enfermeiro por perto.” E1

 

A enfermagem através dos tempos conquista seu espaço com a assistência e reponsabilidades, no cuidado ao ser humano, adquirindo respeito como profissão, respeitando o limite dos pacientes e o direito à vida [19]. O cuidado do paciente renal crônico em tratamento hemodialítico envolve o incentivo ao autocuidado, prevenção de infecções, fornecimento de informações ao paciente e família em relação ao seu tratamento e complicações, como também prover um local seguro e confortável para a realização do tratamento [20]. Milagres e Santos corroboram as funções apresentadas ao pesquisarem o universo de trabalho do enfermeiro nefrologista, no qual este profissional desempenha atividades assistenciais e gerenciais nas unidades de diálise, destacando a convergência entre cuidar e gerenciar [8].

Vale ressaltar que a equipe de enfermagem também está diretamente envolvida na assistência ao paciente em tratamento hemodialítico, incentivando o desenvolvimento da capacidade de autocuidado deste portador de IRC por meio do conhecimento atualizado. Empoderados pela aquisição de habilidades relacionadas ao cuidado com a doença estes portadores de IRC podem atuar em situações de complicações iminentes ao tratamento, assim como auxiliar demais portadores dessa doença em alcançar melhores resultados em seus tratamentos [21].

Nessa perspectiva, verifica-se que a equipe de enfermagem e o enfermeiro necessitam cuidar deste paciente de forma individualizada, contribuindo para a manutenção deste tratamento de qualidade e melhor qualidade de vida para este portador de IRC [21,22]. Para que o cuidado de si seja incorporado no contexto de vida do paciente renal crônico, é imprescindível estimular suas capacidades, habilidades e potencial de reação humana, propiciando que ele se adapte de maneira positiva a este estilo de vida e assuma o controle de seu tratamento. Essa adaptação pode ser facilitada pelo enfermeiro que, por meio do cuidado, planeja intervenções educativas, visando ajudá-los a reaprender a viver com a nova realidade e a sobreviver com a doença renal crônica [22].

 

Conclusão

 

Conhecer a percepção da doença renal crônica e o enfrentamento desta doença por pacientes jovens que realizam hemodiálise constituiu o foco principal desta investigação. A análise de como estes portadores reconhece a contribuição do enfermeiro no processo relacionado à condução do cuidado individualizado e integrado junto à equipe enfermagem também foi verificado neste estudo. O material das entrevistas forneceu conteúdo relevante acerca da temática, propiciando reflexões sobre o conteúdo encontrado.

Identificou-se a partir das entrevistas que o tratamento de hemodiálise significa para o paciente com IRC uma nova maneira de viver, com modificações necessárias que acarretam alterações no cotidiano, como alimentação, limitações físicas, necessidades e carências.

Após entender as dificuldades enfrentadas por estes pacientes, é possível compreender a importância do profissional enfermeiro neste processo de enfrentamento, para que possa realizar assistência e cuidado integral ao portador de IRC. Para que o cuidado de enfermagem possa ser incorporado na rotina do portador de IRC, é necessário estimular suas capacidades de enfretamento e aceitação da doença, propiciando, assim, uma adaptação de maneira positiva a este estilo de vida.

As limitações do estudo referem-se à especificidade e complexidade da temática, e a escassez de pesquisas com esta população, remetendo assim a necessidade de novas pesquisas com pacientes nessas condições, a fim de complementar e orientar a atuação da equipe de enfermagem no processo advindo pela terapia de substituição renal em jovens. Sugere-se que em novos estudos se amplie a discussão sobre as percepções destes pacientes e a interação com a equipe de saúde responsáveis por seus cuidados rotineiros em diálise, contribuindo assim para a constante construção do conhecimento da enfermagem.

 

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