ARTIGO ORIGINAL

Aspectos associados ao desfecho do tratamento da coinfecção tuberculose/vírus da imunodeficiência humana

 

Ana Paula de Vechi Corrêa*, Aline Fiori dos Santos Feltrin*, Isabela Cristina Rodrigues, D.Sc.**, Maria Amélia Zanon Ponce***, Maria de Lourdes Sperli Geraldes Santos****, Silvia Helena Figueiredo Vendramini*****

 

*Mestrado em Enfermagem pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Programa de Mestrado em Enfermagem, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, **Doutorado em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Grupo de Vigilância Epidemiológica – GVE XXIX, São José do Rio Preto, ***Doutorado em Ciências da Saúde pelo Programa de Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, Programa de Mestrado em Enfermagem, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, ****Doutorado em Ciências da Saúde pelo Programa de Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, *****Doutorado em Ciências da Saúde pelo Programa de Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, *****Doutorado em Enfermagem pelo Programa de Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

 

Recebido em 29 de agosto de 2018; aceito em 4 de junho de 2019.

Correspondência: Ana Paula de Vechi Corrêa, Rua três de Maio, 26, Jardim do Bosque, 15805-080 Catanduva SP, E-mail: paulavechi@yahoo.com.br, Isabela Cristina Rodrigues: alinefiori@gmail.com; Isabela Cristina Rodrigues: isa_wandinha@yahoo.com.br; Maria Amélia Zanon Ponce: amelinha_famerp@yahoo.com.br; Maria de Lourdes Sperli Geraldes Santos: mlsperli@gmail.com; Silvia Helena Figueiredo Vendramini: silviahve@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Identificar os aspectos associados ao desfecho favorável e desfavorável do tratamento da tuberculose em doentes coinfectados pelo vírus da imunodeficiência humana em uma Regional de Saúde do Estado de São Paulo, notificados entre os anos de 1996 e 2014. Métodos: Estudo epidemiológico descritivo a partir de dados secundários dos casos de tuberculose, notificados no Sistema Estadual de Notificação e Acompanhamento dos Casos de Tuberculose. Os fatores associados ao desfecho do tratamento da tuberculose foram analisados por medidas descritivas, teste qui-quadrado e razão de prevalência. Resultados: Encontrou-se associação estatisticamente significante entre as variáveis: caso novo, classificação, aids, álcool/drogas, tabagismo e internação. Conclusão: Considerando o desfecho do tratamento da tuberculose, ressaltamos a importância da busca ativa de sintomáticos respiratórios para melhorar o diagnóstico precoce, reduzindo assim a incidência de tuberculose, bem como a morbidade e mortalidade. A vigilância do tratamento dos pacientes coinfectados deve ser redobrada, devido a maior chance de desfecho desfavorável.

Palavras-chave: tuberculose, HIV, coinfecção, epidemiologia, resultado de tratamento.

 

Abstract

Issues associated with coinfection treatment outcome tuberculosis/human immunodeficiency virus

Objective: To identify the aspects associated with the favorable and unfavorable outcomes of tuberculosis treatment in patients coinfected with the human immunodeficiency virus notified between 1996 and 2014 in a Directory of Health Region of the State of São Paulo. Methods: A descriptive epidemiological study based on secondary data from cases of tuberculosis that was reported in the State System for Notification and Follow-up of Tuberculosis Cases. The factors associated with the outcome of tuberculosis treatment were analyzed by descriptive measures, chi-square test and prevalence ratio. Results: A statistically significant association was found between the variables: new case, classification, aids, alcohol/drugs, smoking and hospitalization. Conclusion: Considering the outcome of the treatment of tuberculosis, we emphasize the importance of the active search for respiratory symptomatic to improve early diagnosis, thus reducing the incidence of tuberculosis, as well as morbidity and mortality. Surveillance of treatment of coinfected patients should be increased, due to the greater chance of unfavorable outcome.

Key-words: tuberculosis, HIV, coinfection, epidemiology, treatment outcome.

 

Resumen

Aspectos asociados al desenlace del tratamiento de la coinfección tuberculosis / virus de la inmunodeficiencia humana

Objetivo: Identificar los aspectos asociados al desenlace favorable y desfavorable del tratamiento de la tuberculosis en pacientes coinfectados por el virus de la inmunodeficiencia humana en una Regional de Salud del Estado de São Paulo, notificados entre los años 1996 y 2014. Métodos: Estudio epidemiológico descriptivo a partir de datos secundarios de los casos de tuberculosis, notificados en el Sistema Estadual de Notificación y Seguimiento de los Casos de Tuberculosis. Los factores asociados al desenlace del tratamiento de la tuberculosis fueron analizados por medidas descriptivas, prueba qui-cuadrada y razón de prevalencia. Resultados: Se encontró asociación estadísticamente significativa entre las variables: caso nuevo, clasificación, sida, alcohol/drogas, tabaquismo e internación. Conclusión: Considerando el desenlace del tratamiento de la tuberculosis, resaltamos la importancia de la búsqueda activa de sintomáticos respiratorios para mejorar el diagnóstico precoz, reduciendo así la incidencia de tuberculosis, así como la morbilidad y mortalidad. La vigilancia del tratamiento de los pacientes coinfectados debe ser redoblada, debido a la mayor probabilidad de desenlace desfavorable.

Palabras-clave: tuberculosis, VIH, coinfección, epidemiología, resultado de tratamiento.

 

Introdução

 

A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) associada à elevada incidência de tuberculose constitui fator potencializador para que esta se torne uma doença epidêmica em todo o mundo. Um dos principais fatores de risco para que indivíduos infectados por Mycobacterium tuberculosis desenvolvam a doença é a infecção pelo HIV [1]. A coinfecção tuberculose/HIV aumenta a morbidade e mortalidade por tuberculose, modificando as perspectivas de controle da doença no mundo. Devido à supressão imunológica, as pessoas que vivem com HIV apresentam um risco de adoecimento por tuberculose de 21 a 34 vezes maior quando comparado à população geral, sendo esta um dos critérios de definição para aids [2].

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou para o ano de 2015 cerca de 10,4 milhões de casos novos de tuberculose em todo o mundo, desses 56% eram homens, 34% mulheres e 10% crianças. Em relação à coinfecção com o HIV, foi contabilizada em torno de 11% dos casos novos, já no ano de 2016 essa taxa foi de 7% dos casos novos [3].

No Brasil, no ano de 2016, o percentual de coinfecção tuberculose/HIV entre os casos novos foi de 9,4%, e no estado de São Paulo foi de 7,7% [4].

Embora a tuberculose seja uma doença tratável e curável e apesar dos esforços para se alcançar as metas internacionais estabelecidas e pactuadas pelo governo brasileiro de diagnosticar 70% dos casos estimados, desses, 85% obterem a cura, ainda há grandes desafios para obter tais resultados. Em 2016, a média brasileira de cura nos casos novos foi de 73%, variando entre 54,8% e 84,2%. A cura dos casos de coinfecção tuberculose/HIV é praticamente a metade dos casos de tuberculose em pacientes HIV negativos, assim como o abandono é quase o dobro nos coinfectados [5,6]. Já em relação ao coeficiente de mortalidade por tuberculose, embora tenha apresentado uma redução de 2% no período de 2007 a 2016, de 2,6/100.000 habitantes para 2,1/100.000 habitantes, ainda é preocupante entre as pessoas que vivem com HIV, uma vez que 20% dos coinfectados morrem, sendo este desfecho desfavorável o fato que mais repercute na baixa taxa de cura [5,6].

Segundo a OMS, mundialmente no ano de 2015, 11% dos coinfectados por tuberculose/HIV morreram durante o tratamento. As causas que contribuíram para esse desfecho desfavorável do tratamento estão relacionadas ao diagnóstico tardio do HIV associado à tuberculose e o início tardio da terapia antirretroviral para o HIV [3].

O Ministério da Saúde preconiza que todos os pacientes com tuberculose realizem a testagem para o HIV, já que, frequentemente, o diagnóstico do HIV é realizado no curso da tuberculose, além do rastreamento da tuberculose nas pessoas vivendo com HIV/aids. Para tanto, estratégias para o diagnóstico precoce da tuberculose têm sido implementadas nos serviços públicos de saúde, como, por exemplo, o Teste Rápido Molecular para diagnóstico de tuberculose [7]. No entanto, ainda há que avançar para a incorporação dessas ações na rotina do serviço, uma vez que em 2016, no Brasil, a testagem para o HIV em pacientes com tuberculose foi realizada em 76,3% dos casos novos. Essa porcentagem não foi homogênea em todos os estados, variando entre 62,4% na Bahia e 94,4% no Acre. No estado de São Paulo a testagem foi realizada em 86,6% dos casos novos [5].

Concomitante ao tratamento, devem ser estabelecidas políticas públicas de saúde que visem o bem-estar emocional e social do doente, uma assistência interdisciplinar com foco na promoção à saúde de forma a promover a mudança de comportamento e assim reduzir a transmissão da tuberculose e do HIV [8].

Diante deste fato, o objetivo do estudo foi identificar os aspectos associados ao desfecho favorável e desfavorável do tratamento da tuberculose em doentes coinfectados pelo HIV em uma Regional de Saúde do Estado de São Paulo, notificados entre os anos de 1996 e 2014.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo, realizado a partir de dados secundários dos casos de tuberculose notificados no Sistema Estadual de Notificação e Acompanhamento dos Casos de Tuberculose (TBWEB), residentes na área de atuação da Diretoria Regional de Saúde de São José do Rio Preto (DRS XV) que é composta por 102 municípios, com uma população aproximada de 1.472.771 habitantes.

A Diretoria Regional de Saúde de São José do Rio Preto (DRS XV) de São José do Rio Preto é dividido em sete regiões, denominadas como Regiões de Saúde: José Bonifácio, Catanduva, Fernandópolis, Jales, São José do Rio Preto, Santa Fé do Sul e Votuporanga, contemplando 102 municípios nestas sete microrregiões. O município de São José do Rio Preto/SP é o mais populoso da Diretoria Regional de Saúde de São José do Rio Preto (DRS XV), com uma população de 442.870 habitantes, local onde foi realizada a coleta de dados. O controle da tuberculose é realizado pelos municípios e os registros das informações são disponibilizadas através do Sistema Estadual de Notificação e Acompanhamento dos Casos de Tuberculose (TBWEB), sistema gratuito e restrito aos gestores, que visa monitorar os casos da doença no Estado de São Paulo, através de dados do paciente, do diagnóstico ao encerramento do caso, em comunicação com o Sistema de Notificação de Agravos de Notificação Compulsória (SINAN) [9,10].

Foram selecionados para este estudo os casos de coinfecção tuberculose/HIV notificados desde o início da informatização das notificações até o ano da coleta de dados, sendo este período de 1996 a 2014. Os critérios de exclusão estão relacionados às informações em relação ao desfecho do tratamento da tuberculose e o resultado da sorologia para HIV. Em relação ao desfecho do tratamento da tuberculose foram excluídos os casos que apresentaram mudança de diagnóstico, transferência para municípios não pertencentes à Diretoria Regional de Saúde de São José do Rio Preto (DRS XV), em tratamento ambulatorial e sem informação sobre o encerramento do caso. Quanto ao resultado da sorologia para HIV foram excluídos os que não realizaram o exame, exames em andamento, e sem informação sobre a realização da sorologia.

Elegeu-se como variável dependente do estudo o tipo de encerramento do caso de tuberculose, o qual foi classificado como desfecho favorável (cura) e desfecho desfavorável (óbito, abandono e falência do tratamento).

As variáveis independentes escolhidas para a análise dos fatores associados desfecho do tratamento da tuberculose foram estratificadas em duas dimensões sociodemográficas (sexo e faixa etária) e relacionadas à clínica (forma clínica, critérios de confirmação do diagnóstico, agravos associados, hospitalização, classificação do caso). Ressalta-se que a escolha das variáveis ocorreu mediante a completude dos dados, considerando o parâmetro estabelecido nacionalmente de incompletude do Sistema de Notificação de Agravos de Notificação Compulsória (SINAN), o qual classifica como excelente (menor 5%), boa (5% a 10%), regular (10% a 20%), ruim (20% a 50%), muito ruim (50% ou mais). Desta forma foram incluídas as variáveis que apresentaram uma completude satisfatória (regular, boa ou excelente) [11].

A coleta de dados foi realizada em abril de 2015 a partir do sistema de informação estadual TBWEB, posteriormente foram exportados para o software Microsoft Office Excel 2007, selecionadas as variáveis de acordo com a completude e critérios de exclusão, e analisadas através do programa Statistica, versão 10.0 da Statsoft. A análise dos dados foi realizada por meio de medidas descritivas (frequências relativas e absolutas), teste qui-quadrado e razões de prevalência para avaliar o desfecho do tratamento da tuberculose e as variáveis independentes. Foram construídos intervalos de confiança (IC95%), adotando-se como nível de significância o valor de p menor que 0,05.

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) e aprovado sob o parecer nº 354.965, atendendo às recomendações contidas na resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Resultados

 

No período selecionado para a coleta de dados (1996 a 2014) encontraram-se 5.395 notificações de tuberculose registradas no sistema de informação TBWEB. Destes registros, 1.695 foram excluídos, 803 por não apresentarem o encerramento do caso e 892 por não terem resultado final da sorologia de HIV, totalizando 3700 casos, dos quais 945 possuíam resultado positivo para HIV, representando a amostra final deste estudo.

Em relação ao desfecho do tratamento nos coinfectados, 59,5% apresentaram cura, 27,8% óbito não tuberculose, 11,4% abandono, 1,3% óbito por tuberculose e 0,1% falência do tratamento.

O sexo masculino foi predominante nos doentes coinfectados com 75,3%, a faixa etária prevalente foi de 20 a 59 anos (94,8%), 83,7% eram casos novos. A forma pulmonar da doença foi a mais encontrada em 57,3% dos doentes, 55% tiveram o diagnóstico confirmado através de exame bacteriológico e 47,2% foram hospitalizados em algum momento do tratamento. Em relação às doenças e condições associadas, 93,1% eram doentes de aids, 0,7% eram diabéticos, 18,9% faziam uso de álcool e/ou outras drogas e 3,7% eram tabagistas (Tabela I).

 

Tabela I - Caracterização dos casos de tuberculose e HIV de acordo com variáveis demográficas, clínicas, necessidade de hospitalização e doenças associadas, DRS XV, 1996 - 2014.

 

 

Em relação ao desfecho favorável do tratamento da tuberculose, 51,1% eram casos novos, 32% apresentaram a forma pulmonar da doença, 50,8% referiram não fazer uso de álcool/drogas, 58,3% referiram não ser tabagistas, 54,3% já eram doentes de aids, 35,6% não precisaram de hospitalização durante o período de tratamento (Tabela II).

Encontrou-se associação estatisticamente significante entre o desfecho do tratamento e as seguintes variáveis: faixa etária, tipo de caso, forma clínica da tuberculose, as comorbidades associadas, hábitos de vida e hospitalização (Tabela II).

Dessa forma, os doentes coinfectados acima de 60 anos tiveram quase duas vezes mais possibilidade de ter um desfecho desfavorável do que os doentes na faixa etária de 20-59 anos. Aqueles que já estavam doentes de aids ou que apresentavam diabetes apresentaram, respectivamente 1,81 (IC95% 1,15;2,84) e 1,78 (IC95% 1,10;2,86) vezes mais ocorrência de desfecho desfavorável do que os doentes que não apresenta essas comorbidades associadas.

Os doentes que consumiam álcool/drogas e os tabagistas tiveram, respectivamente 1,43 (IC95% 1,21;1,68) e 1,57 (IC95% 1,34;1,84) mais ocorrência de desfecho desfavorável do que os que não possuíam estes hábitos de vida. A necessidade de internação foi um fator significativo para o desfecho da tuberculose, doentes que foram internados apresentaram 1,67 (IC95% 1,29;2,14) maior possibilidade de terem um desfecho desfavorável (Tabela II).

Os doentes não classificados como caso novo de tuberculose (RP = 0,81; IC95% 0,67;0,97) e aqueles cuja a tuberculose foi disseminada (RP = 0,63; IC95% 0,47;0,85) apresentaram menor ocorrência de desfecho desfavorável (Tabela II).

 

Tabela II - Distribuição dos aspectos relacionados ao desfecho do tratamento em doentes de tuberculose e HIV positivo, de acordo com variáveis demográficas, clínicas, necessidade de internação e doenças associadas.

 

 

Discussão

 

A taxa da coinfecção tuberculose/HIV, no Brasil em 2014, foi de 10,4%, já na área de abrangência da Diretoria Regional de Saúde de São José do Rio Preto (DRS XV), neste mesmo ano, essa taxa foi de 25,54%, situação que pode ser justificada pela alta oferta e realização do teste sorológico anti-HIV, o qual deve ser oferecido para todos os doentes com tuberculose ativa, conforme recomendação do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT). Durante a coleta de dados, observou-se que 83,5% dos casos notificados tinham realizado testagem para HIV [11].

São José do Rio Preto constitui um dos principais municípios da Diretoria Regional de Saúde de São José do Rio Preto (DRS XV) no que diz respeito aos casos de tuberculose e HIV, apresentando uma taxa de coinfecção de 16,58% [9]. Em 2014, 91,03% dos indivíduos com tuberculose foram testados para HIV [13]. A baixa solicitação e realização da sorologia aumenta a incerteza sobre a real magnitude da associação TB/HIV. Áreas com pior estruturação dos serviços de saúde podem subestimar os consideráveis índices de coinfecção, fator agravante para o tratamento da TB [14].

O plano emergencial para controle da tuberculose no Brasil preconiza um desfecho de 85% de cura da doença. Quando considerados os casos novos, espera-se que esta meta chegue próxima a 100%, desde que o bacilo seja sensível a medicação, além da dose, tempo de utilização e a adesão do paciente ao tratamento [14]. Considerando as especificidades da coinfecção tuberculose /HIV, esta meta se torna mais difícil de ser alcançada, como constatado neste estudo e em estudo realizado em outro município no Brasil que apresentaram em torno de 55% de cura [15].

Apesar de a tuberculose acometer mais a faixa etária de adulto/jovem, com o envelhecimento da população tem aumento o número de casos em maiores de 60 anos. Estudos sobre o retardo do diagnóstico de tuberculose têm mostrado demora nesta faixa etária. Isso mostra que familiares e cuidadores não estão aptos para identificar sinais e sintomas da doença e profissionais de saúde não estão preparados para identificar sintomáticos respiratórios em idosos. Além disso, muitas vezes, o idoso apresenta um comportamento passivo sobre as decisões dos serviços de saúde, e os serviços de saúde espera que seus usuários ajam como sujeitos ativos e protagonistas da sua saúde [16,17].

O fato de ser caso novo pode influenciar positivamente no desfecho do tratamento da tuberculose, levando-se em conta a ausência de experiência prévia com o tratamento, conforme encontrado neste estudo, apesar do resultado estar longe da meta preconizada. O abandono do tratamento e óbito para coinfectados tuberculose/HIV refletem, além da gravidade da comorbidade e da complexidade dos tratamentos, a existência de dificuldades operacionais dos serviços de saúde no que diz respeito ao manejo da doença, interferindo na adesão aos tratamentos, levando muitas vezes à falência terapêutica, facilitando a emergência de multirresistência aos medicamentos existentes, elevando, assim, os indicadores de morbimortalidade [18,19].

Em estudo realizado em Fortaleza, evidenciou-se que a coinfecção pode acelerar o curso do desenvolvimento do HIV, tornando o diagnóstico mais difícil, por isso fica evidente a importância do diagnóstico precoce e do manejo adequado destes casos. Esse mesmo estudo demonstra que a baixa qualidade de vida afeta aspectos do bem-estar físico, social e psicológico desses doentes, aumentando potencialmente o risco de insucesso no tratamento [8,18,19].

Neste contexto, a adesão ao tratamento da tuberculose concomitante com a terapia antirretroviral torna-se um desafio, apesar da gratuidade dos dois tratamentos [19]. O elevado número de comprimidos a serem ingeridos e os efeitos colaterais, maiores nas primeiras semanas, contribuem ainda mais para a desistência do tratamento. Além disso, deve-se levar em conta o medo diante da intensificação dos efeitos colaterais. Assim, recomenda-se que para a escolha do esquema da terapia antirretroviral sejam avaliados a toxicidade, o risco de intolerância, a capacidade de adesão e nos casos menos graves, a possibilidade de adiar o seu início [20].

O Ministério da Saúde preconiza que a terapia antirretroviral seja iniciada entre a segunda e a oitava semana após o início do tratamento da tuberculose. Existem alternativas terapêuticas com a utilização de doses fixas combinadas, contendo os fármacos em uma só cápsula, que facilitam a ingestão dos medicamentos, entretanto, em estudo realizado em Goiânia (GO), a taxa de curarem esquemas com doses fixas combinadas foi semelhante àquelas do tratamento com comprimidos separados, mostrando que ações, como tratamento supervisionado, devem ser implementadas para garantir a adesão ao tratamento e consequente sucesso no desfecho [2,21]. A terapia antirretroviral diminui a incidência da tuberculose em pessoas vivendo com HIV, principalmente nos casos de imunossupressão grave. Evidências apontam para a melhora significativa do desfecho clínico para a tuberculose em pessoas em uso da terapia antirretroviral [22].

Em relação à forma clínica da tuberculose, neste estudo, a forma pulmonar foi a mais frequente seguida da extrapulmonar, resultado semelhante com estudo realizado na Região Nordeste e em outro estudo realizado em São José do Rio Preto [17,20]. Embora o desfecho tenha sido favorável nas duas formas, a alta taxa de tuberculose extrapulmonar é preocupante, indicando diminuição da resposta imune celular, facilitando a disseminação da tuberculose para outros órgãos. Situação que, na vigência de diagnóstico precoce da tuberculose e tratamento adequado para o HIV, poderia ser evitada [16,19].

A presença de doenças associadas como aids e diabetes mostrou maior ocorrência para desfecho desfavorável, ambas doenças alteram o sistema imunológico do indivíduo. O diabetes tem se mostrado um importante fator de risco para a TB, agravando a condição clínica do doente e influenciando no desfecho do tratamento pelo fato do portador de DM possuir uma deficiência da imunidade celular e humoral. Estudo de revisão bibliográfica apresentou aumento significativo dos casos de tuberculose em diabéticos [23].

Encontrou-se neste estudo um baixo percentual de doentes que fazem uso de tabaco, álcool e outras drogas, no entanto, dos que fazem uso das drogas lícitas e ilícitas, a maioria obteve desfecho desfavorável. O uso de álcool e outras drogas em pessoas que vivem com HIV têm sido citados como fatores de risco para desenvolver tuberculose, além disso, são aspectos que dificultam a adesão ao tratamento em indivíduos coinfectados [18].

O hábito de fumar por um período maior que 10 anos apresenta-se como fator de risco para o desenvolvimento de tuberculose pulmonar tanto na população coinfectada tuberculose/HIV, como na população não coinfectada. O tabagismo mostra-se fator de risco para o abandono do tratamento da tuberculose, além de estar associado a um maior risco de ser infectado pelo mycobacterium tuberculosis, desenvolvimento de formas graves da doença, e risco de morrer por tuberculose [14,18]. Devido à grande influência do tabagismo no desenvolvimento da tuberculose, faz-se necessário que os programas de controle da tuberculose invistam em ações que visem racionalizar o uso do tabaco.

Com relação à hospitalização, embora menos frequente, foi importante entre os coinfectados e o desfecho foi desfavorável para metade dos internados. Este resultado pode aventar que a tuberculose em pessoas que vivem com HIV colabora para a hospitalização nas diferentes fases do desenvolvimento da tuberculose e que a principal causa de hospitalização reside na elucidação de diagnóstico, mostrando a falha na rede de atendimento ambulatorial [14,16].

Foram limitações encontradas neste estudo as dificuldades relacionadas à completude dos dados, já que foram utilizados dados secundários. Muitas variáveis apresentaram-se incompletas, e a avaliação destas seria de extrema importância, como, por exemplo, escolaridade e o tipo de tratamento. Destaca-se que a utilização de dados secundários é importante na avaliação dos problemas de saúde e planejamento de políticas e ações de saúde mais próximas das necessidades reais da população, entretanto o preenchimento das fichas de notificação para alimentação dos bancos de dados deve ser realizado de maneira completa pelos profissionais que a executam, possibilitando a interpretação de forma apropriada [24].

 

Conclusão

 

Neste estudo as variáveis que apresentaram associação estatisticamente significante com o desfecho de tuberculose foram caso novo, classificação, aids, álcool/drogas, tabagismo e internação. Os resultados demostram quais fatores podem influenciar no tratamento da tuberculose e apesar de ser realizado em uma regional de saúde reflete a realidade de outras regiões do nosso país.

Considerando o desfecho do tratamento da tuberculose, ressaltamos a importância da busca ativa de sintomáticos respiratórios para melhorar o diagnóstico precoce, principalmente nos serviços de referência de tratamento de HIV/aids, reduzindo assim a incidência de tuberculose, bem como a morbidade e mortalidade. A vigilância do tratamento dos pacientes coinfectados deve ser redobrada, pois a chance do desfecho desfavorável é maior. Ações devem ser planejadas e executadas em parceria por ambos os programas, melhorando assim o diagnóstico precoce, reduzindo situações de vulnerabilidade, qualificando os serviços de forma a prevenir, tratar e abrandar ambas as doenças.

Destaca-se o importante papel do enfermeiro neste processo, uma vez que é o profissional que participa de todas as etapas dessas doenças e realiza o acompanhamento efetivo do doente. Ressalta-se a importância de processos de capacitação da enfermagem, bem como da equipe de saúde que extrapolem a dimensão biológica dessas patologias, a fim de rever o paradigma de cuidado e educação adotados, desenvolvendo intervenções diferenciadas, direcionadas a incrementar a adesão do doente ao tratamento da tuberculose.

 

Referências

 

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