ARTIGO ORIGINAL

Percepção de enfermeiros sobre o atendimento à pessoa idosa em contexto de atenção primária

 

Ana Rafaela Souza Rodrigues*, Kézia Maués Crichi**, Sandra Helena Isse Polaro, D.Sc.***, Lucia Hisako Takase Gonçalves, D.Sc.****

 

*Enfermeira, Licenciada e Bacharel em Enfermagem pela Universidade Federal do Pará, Mestranda em Enfermagem pela UFPA, Membro do grupo de pesquisa EDUGESPEN/FAENF/UFPA, **Enfermeira, Licenciatura e Bacharel em Enfermagem pela Universidade Federal do Pará, ***Enfermeira, Professora Adjunta da Universidade Federal do Pará, Coordenadora do Programa de Pós-graduação de Enfermagem - PPGENF/UFPA, ****Enfermeira, Professora Titular aposentada da UFSC, Profa. Visitante Sênior CAPES no PPGENF/UFPA

 

Recebido em 3 de setembro de 2017; aceito em 23 de novembro de 2017.

Endereço para correspondência: Ana Rafaela Souza Rodrigues, Rua Curuçá, 614, 66050-080 Belém PA, E-mail: anarafaela_portugal@hotmail.com, Kézia Maués Crichi: kezia_crichi@hotmail.com; Sandra Helena Isse Polaro: shpolaro@hotmail.com; Lucia Hisako Takase Gonçalves: lhtakase@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Compreender a percepção dos enfermeiros sobre o atendimento ao usuário idoso na Unidade Básica de Saúde. Métodos: Estudo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa realizado com nove enfermeiros de UBS de um distrito de Belém/PA, de janeiro a maio de 2013. Resultados: Emergiram as seguintes categorias: a) consulta de enfermagem aos idosos; b) atendimento preferencial e humanizado ao idoso; c) sexualidade do idoso – tema constrangedor para a enfermeira; d) educação para a saúde e dificuldades no atendimento aos idosos. Conclusão: É necessário capacitar a equipe de enfermagem para prestar atenção especializada ao idoso que privilegie vínculos dele com seus familiares e comunidade.

Palavras-chave: atenção primária à saúde, idoso, enfermagem geriátrica.

 

Abstract

Perception of nurses about the care of the elderly person in primary attention context

Objective: To understand the perception of nurses about the attendance to the elderly user in the Basic Health Unit. Methods: This is an exploratory descriptive study of a qualitative approach performed with nine nurses from the Basic Health Unit of a district of Belém/PA from January to May 2013. Results: The following categories emerged: a) nursing consultation for the elderly; b) preferential and humanized care for the elderly; c) sexuality of the elderly - an embarrassing theme for nurses; d) health education and difficulties in the care of the elderly. Conclusion: It is necessary the training of the nursing team to provide specialized care to the elderly that privileges ties between the elderly, their families and the community.

Key-words: primary health care, aged, geriatric nursing.

 

Resumen

Percepción de los enfermeros respecto a la atención al adulto mayor en el contexto de la atención primaria

Objetivo: Comprender la percepción de los enfermeros respecto a la atención al usuario adulto mayor en la Unidad Básica de Salud. Métodos: Estudio exploratorio-descriptivo de abordaje cualitativo realizado con nueve enfermeros de las Unidades Básicas de Salud de un distrito de Belém/PA entre Enero y Mayo del 2013. Resultados: Surgieron las siguientes categorías: a) consulta de enfermería para adultos mayores; b) atención preferencial y humanizada para el adulto mayor; c) sexualidad del adulto mayor – tema constrictivo para la enfermera; d) educación para la salud y dificultades en la atención a los ancianos. Conclusión: Es necesario capacitar al personal de enfermería para brindar una atención especializada al adulto mayor que privilegie vínculos entre el adulto mayor, familiares y la comunidad.

Palabras-clave: atención primaria de salud, anciano, familia, enfermería geriátrica.

 

Introdução

 

O processo de envelhecimento humano ocorre de forma natural, como uma etapa da vida em que mudanças biológicas, físicas e psicossociais se sucedem de forma particular. O aumento da população idosa é visível no Brasil e ocorre de forma acelerada e radical, impondo a necessidade de rever e atualizar políticas sociais e de saúde das populações para atender indivíduos em processo de envelhecimento. Para a saúde pública, é um desafio atender essa demanda [1-2]

De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE [3], é explicitado modificações na composição populacional por grupos de idade, destacando principalmente a tendência do envelhecimento demográfico, na qual é caracterizado pela diminuição dos demais grupos etários e o aumento da população idosa. Destacou-se uma queda expressiva da participação das pessoas de 0 a 14 anos na população passando 26,5% (2005) para 21% (2015), assim como a queda nos grupos de 15 a 29 anos de idade 27,4% para 23,6% no mesmo período. Em contrapartida a proporção de adultos de 30 a 59 anos de idade teve aumento no período, passando de 36,2% para 41,0%, assim como a participação dos idosos de 60 anos ou mais de idade, de 9,8% para 14,3%.

Este crescimento de indivíduos idosos no Brasil, em 14,3% entre 2005 e 2015, deu-se em todos os grupos etários de idosos que são de: 60 a 64 anos, 65 a 69 anos, 70 a 74 anos, 75 a 79 anos e de 80 anos ou mais. A maior porcentagem de idosos foi encontrada nas Regiões Sul e Sudeste, com 15,9% e 15,6%, respectivamente, e a menor na Região Norte, com 10,1% da população composta por pessoas com 60 anos ou mais de idade. Ainda estima-se que em 2039 a proporção de pessoas de 60 anos ou mais de idade na população total para o Brasil seja de 23,5% [3].

As ações na Atenção Primária em Saúde são realizadas principalmente pela Unidade Básica de Saúde (UBS) e Estratégia Saúde da Família (ESF), sendo importante que o idoso realize as consultas periódicas com os diversos profissionais da saúde, inclusive com o enfermeiro responsável pelo cuidado. Nesse âmbito da atenção primária também estão incluídos os cuidados domiciliares continuados aos idosos quando dependentes ou semidependentes, como cuidados de atenção integral visando ao envelhecimento ativo e saudável do idoso em convívio na unidade familiar [4-5].

Na atenção primária, enfermeiros são recrutados para trabalhar com a população de modo geral, visando à saúde coletiva, sem requerer experiência específica em atendimento da população idosa, estrato etário de grande demanda em atendimento nas UBSs e PSFs. Por esses motivos, é essencial a enfermagem gerontogeriátrica, já que os desafios residem principalmente nas competências e habilidades que guardam especificidades no cuidado da vida e saúde do idoso, ao longo de seu ciclo vital até o fim da vida terrena [4,6].

Nessas circunstâncias, é necessário conhecer como é a atuação dos enfermeiros com a população idosa adscrita às UBSs e ESFs, visando à qualificação específica no atendimento dos idosos e suas famílias. Definiu-se assim a questão de pesquisa: Como enfermeiros atendem os usuários idosos na Atenção Básica de Saúde? E, como objetivo: Compreender a percepção dos enfermeiros sobre o atendimento ao usuário idoso na Unidade Básica de Saúde (UBS),

 

Material e métodos

 

Estudo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa. A pesquisa foi realizada com nove enfermeiros no Distrito Administrativo D’Água, no município de Belém/PA. Optou-se por esse distrito porque suas unidades atendem uma demanda significativa de idosos.

As entrevistas foram realizadas no período de janeiro a maio de 2013, gravadas em MP4 e guiadas por questões norteadoras, como: a) Conte, em detalhes, um dia comum de seu trabalho no atendimento de usuário idoso; b) Que ações você acrescenta de especial ao cuidar do usuário idoso no programa HIPERDIA (Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos do Ministério da Saúde)?; c) Fale sobre as facilidades e dificuldades que você encontra na rotina de seu trabalho ao atender o usuário idoso na atenção básica.

Os dados foram analisados à luz de Bardin, [7] seguindo as fases: a) de pré-exploração do material ou leitura flutuante do corpus das entrevistas; b) de seleção das unidades de análise ou unidade de significados; c) de processo de categorização e subcategorização.

Com relação aos critérios éticos, todos os participantes foram previamente convidados e aceitaram participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa seguiu as recomendações da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que dispõe sobre as normas éticas que regulamentam pesquisas envolvendo seres humanos. Submetido ao CEP/UFSC em 30/03/2009, o projeto foi aprovado em parecer exarado no documento protocolado sob número 036/09. A identidade das entrevistadas foi preservada, garantindo seu anonimato.

 

Resultado e discussão

 

Os nove enfermeiros pesquisados (Quadro 1) variavam significativamente em idade: a mais jovem com 26 anos e a mais velha com 58 anos. Quanto à formação, quatro fizeram especialização na área da saúde coletiva e apenas um enfermeiro recebeu capacitação em serviço relacionado ao cuidado do usuário idoso. Quanto ao tempo de trabalho na atenção básica, havia enfermeiras com até 10 anos, embora houvessem sido recém-admitidas na Unidade.

 

Quadro 1 - Caracterização e nível de formação de nove enfermeiras atuantes em quatro Unidades Básicas de Saúde do distrito D’Água, Belém/PA, 2013.

 

 

Da análise dos dados obtidos por meio das entrevistas emergiram quatro categorias temáticas que expressam diferentes modos de assistir o idoso, em face da diversidade de demandas de cuidado presentes no cotidiano das UBSs, tanto na prática individual quanto em equipe. As categorias encontradas foram: Consulta de enfermagem aos usuários idosos; Atendimento preferencial e humanizado ao usuário idoso; Sexualidade do idoso – tema constrangedor para a enfermeira; Educação em saúde e dificuldades no atendimento ao usuário idoso.

 

Consulta de enfermagem aos usuários idosos

 

Os enfermeiros relataram que aplicam a consulta de enfermagem na prática diária, demonstrando que a sistematização da enfermagem é uma prática diária, em consonância com as determinações do Conselho Federal de Enfermagem – Resolução 159/93 sobre as funções privativas do enfermeiro. Os enfermeiros afirmaram que durante a consulta indagavam sobre o estado geral e queixas do idoso entrevistado, observavam suas condições físicas e seu relacionamento com a família. Ressaltaram ainda a necessidade de um familiar acompanhar o idoso à consulta para receber as orientações devidas, como se vê nas falas a seguir.

 

Quando o usuário é idoso, pergunto a vida dele em casa, se mora com alguém, se tem esposa, filhos, se consegue se locomover sem ajuda [...]”. (E1)

É sempre importante na consulta saber como ele se encontra [...] e a partir daí a gente vai identificando as possíveis necessidades [...], ver se estão estabilizadas ou mais próximas do fisiológico [...] as intervenções necessárias vão para as queixas que ele apresenta e as que nós podemos identificar [...].(E3)

É realizado exame físico: observa-se a questão das manchas. Foram encontrados, na hora do exame físico, sinais de maus tratos [...] que não querem falar. (E2)

[...] o certo seria ele vir acompanhado; a maioria vem só, seria interessante um familiar vir para a gente poder dar orientações que às vezes fogem ao entendimento do idoso. (E3)

[...] falamos das orientações específicas a cada paciente na consulta de enfermagem para hipertensos e diabéticos: principalmente sobre alimentação com controle de açúcar, de excesso de sal, de gordura na comida, como também a importância de exercícios, os perigos da automedicação [...].(E4).

Verificar se ele tem risco dentro de casa, como de queda [...].(E5)       

[...] e a gente vai estimulando pra conseguir um controle bom [...] se houver falha no controle ele vai ter complicações, como: renal, visual, cardíaca, enfim [...].(E5)

[...] é uma consulta de enfermagem comum, como em todos os outros pacientes [...], a única diferença é que orientamos a prevenção de acidentes[...]. (E6)

 

Os relatos das enfermeiras acima são corroborados por um estudo no qual houve também ênfase do fator biológico: no controle de doenças crônicas não transmissíveis e na prevenção de agravos e de quedas [8]. Ademais, tais falas revelaram que os enfermeiros valorizavam o apoio da família, e idosos desacompanhados os preocupavam em relação à segurança, especialmente dos mais frágeis, e sentiam a necessidade de orientar o familiar acompanhante sobre cuidados ao idoso em casa [9].

Os escritos da Organização Mundial de Saúde [10] apontam a necessidade do profissional de saúde, inclusive do enfermeiro, de buscar, em sua prática de diversidade de cuidado, enfatizar o aspecto psicossocial do idoso, devendo ser identificadas e fortalecidas as redes de apoio social das famílias para que juntos possam alcançar melhor condição de vida e convivência na comunidade e na unidade familiar. Contudo, esses ditames não têm chegado ainda à concepção de cuidados ao idoso dos enfermeiros pesquisados, pois a única menção nesse sentido em seus relatos foi a importância do apoio familiar, enquanto cuidador, sem mencionar a necessidade de cuidado para cada familiar em abordagem holística de uma unidade que necessita de cuidados [4,6].

A consulta de enfermagem como prática já integralizada no cotidiano de trabalho dos enfermeiros na atenção básica proporciona o desenvolvimento de práticas de cuidados que envolvem o fortalecimento de vínculos, a educação em saúde, a avaliação e controle de doenças crônicas não transmissíveis, entre outras. Contudo, as falas dos enfermeiros revelam que lhes faltam conhecimentos e habilidades qualificadas em enfermagem gerontológica [11], como já observado em estudo semelhante com enfermeiras de unidades de PSF: consulta de enfermagem de usuários idosos, infelizmente, ainda é vista como uma consulta comum a qualquer usuário, sem a especificidade de abordagem do binômio usuário idoso e família [6].

Tal constatação é esperada considerando o perfil desses enfermeiros (Quadro1), pois nenhuma das participantes tem especialização em enfermagem gerontológica ou em gerontologia; apenas uma relatou haver recebido capacitação em cuidado do idoso na Unidade onde atua. Isso demonstra carência de capacitação específica, uma preocupação da Associação Brasileira de Enfermagem, que recentemente criou o departamento científico que se ocupa do desenvolvimento da especialidade em favor da atenção de enfermagem a pessoas idosas [12].

 

Atendimento preferencial e humanizado ao usuário idoso

 

Condutas humanísticas das enfermeiras são demonstradas em suas falas quando citam preocupação com o usuário idoso, não apenas na consulta, mas quando procuram saber como vive no ambiente familiar. Seus relatos refletem sentimentos de empatia, carinho e respeito, além de sua preocupação em comunicar-se com linguagem acessível ao idoso e dar-lhe primazia no atendimento. Em casos de dificuldade de locomoção, os enfermeiros vão à casa dos idosos com as assistentes sociais, privilegiando o atendimento preferencial.

 

A atenção para o idoso se torna mais cuidadosa, pelas próprias limitações, [...] ficamos preocupadas com a família, com o modo como ele é cuidado e tratado. É primordial identificar as limitações que os idosos apresentam. (E3)

Procuramos esclarecer as dúvidas da melhor maneira possível e usar linguagem que eles entendam. (E7)

No centro de saúde, quando há uma fila de jovens e idosos, sempre atendo primeiro o idoso, porque somos nós que decidimos e priorizamos. (E5)

Por ser idoso, já tenho olhar mais meigo com ele, [...] retiro da fila, acalmo quando está estressado, enfim [...] tenho todo cuidado com ele. (E5).

Atendo mesmo que venha à consulta só para conversar. (E4)

Quando iniciei no HIPERDIA, queria chamar a família, mas não consegui, desisti. Hoje converso com o idoso sozinho e o incentivo a tomar cuidado no caminho [...]. (E5)

[...] A enfermagem e o serviço social decidem juntos quando o idoso precisa de assistência domiciliar, e fazemos tudo lá na residência. (E2)

Eu gosto de trabalhar com idoso [...]. (E8)

 

Tais relatos reforçam a ideia defendida em pesquisas sobre a importância do atendimento prioritário e individualizado ao idoso pautado no bom relacionamento entre cliente e profissional, permitindo que este se sinta seguro em discutir suas condições de vida e saúde [9]. Referiam-se também à importância de os familiares acompanharem os idosos na consulta de enfermagem, enfatizando a necessária relação do idoso/familiar e família cuidadora/enfermeira. Contudo, nos relatos, em geral a família mostra-se ausente no cotidiano do seu ente idoso, motivo pelo qual o enfermeiro deve redobrar a atenção para tentar detectar conflitos familiares e agir para minorá-los [13].

As ações das enfermeiras estão em consonância com o que preconiza a OMS: [10] reforço à preservação da independência e autossuficiência do idoso, ambas relacionadas às escolhas pessoais de comportamento, durante o processo de envelhecimento, como se evidencia na atitude do idoso de comparecer mesmo desacompanhado à unidade, a fim de cuidar de sua própria saúde, fator que indica certa independência e um envelhecer saudável.

A atenção domiciliária torna-se referência para o atendimento dos idosos incapacitados de se locomover até a UBS. Os enfermeiros que trabalham na UBS são os profissionais que melhor abordam o idoso, considerando o vínculo existente durante os atendimentos e sua visão holística no atendimento da unidade familiar. Além disso, também tem a vantagem de estabelecer laços entre a equipe de saúde e o usuário em seu contexto doméstico [14].

A facilidade dos enfermeiros em atender o usuário idoso se coaduna com o que é próprio da sua atitude profissional no exercício do cuidado, tratando-os com consideração e afeto, de forma verbal ou não verbal. Assim, alguns autores têm salientado a relevância das ações efetivas/afetivas como prática natural no cotidiano profissional [15].

 

Sexualidade do idoso – tema constrangedor para a enfermeira

 

Atualmente, discutir sexualidade tornou-se comum na sociedade, especialmente na educação de crianças e adolescentes, com adultos e na família. Todavia, quando se refere à sexualidade na velhice, pouco se aborda e quase não se discute; muitas vezes o assunto é omitido pelos profissionais da saúde, pela sociedade e pela família [16].

No presente estudo, apenas um enfermeiro que os atendia tornou explícita sua posição nas questões da sexualidade entre usuários idosos de ambos os sexos.

 

Realizo orientações também sobre cuidados na questão sexual, de modo como foi introduzido o Viagra. Abordo o uso do preservativo que não é hábito do idoso, pois na sua época não se usava [...] Atualmente não é raro os idosos virem buscar preservativos, tanto as senhoras como os senhores. Fazemos também a orientação do uso de camisinha. (E2)

 

Profissionais de saúde na rotina do serviço não têm incluído sistematicamente aspectos ligados à sexualidade e à prática sexual dos clientes em suas consultas, sobretudo quando o usuário é idoso. Isso decorre possivelmente por se tratar de tema delicado e de difícil abordagem; e, dependendo do cliente, constrangedor. Em consequência, os profissionais não costumam abordar o idoso em questões como: o uso de preservativos para ambos os sexos, medidas com relação a medicamentos que envolvam disfunção erétil, perigos e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, entre outros [16].

É necessário discuti-la no envelhecimento, pois a sexualidade representa parte da saúde geral da pessoa idosa, por estar ligado ao bem-estar, autoimagem e autoestima. A falta de familiaridade dos profissionais com questões de sexualidade de seus clientes é influenciada pela existência de um imaginário cultural acerca da dimensão sexual dos idosos, considerando que a libido diminui com o envelhecimento. Tal pensamento errôneo induz a subestimar ou ignorar as potencialidades sexuais na terceira idade [16-17].

As dificuldades em abordar sexualidade se devem ao fato de o assunto ser pouco trabalhado entre os profissionais da saúde, devido às dificuldades óbvias que envolvem tabus culturais, preconceitos relacionados à idade, diferenças de gênero e preferências individuais. É extremamente importante discutir a sexualidade e incluí-la como elemento de avaliação de saúde, pois não considerá-las entre os usuários idosos revela não apenas omissão, mas também subestimação dos ensinamentos sobre sexo seguro e prazeres da sexualidade na velhice. É recomendável que os profissionais de saúde, dentre os quais os enfermeiros, se preparem para abordar a sexualidade com os clientes/usuários, em qualquer idade e em quaisquer circunstâncias, como parte da qualidade de vida humana [18-19].

 

Educação em saúde e dificuldades no atendimento ao usuário idoso

 

Os enfermeiros entrevistados mostraram as diferentes ações de educação em saúde que adotam para oferecer orientações especiais quando se trata de um idoso que faz acompanhamento ou não no Programa HIPERDIA. Algumas dessas ações são: escutar atentamente o usuário sobre o seu cotidiano, realizar rodas de conversa que possibilitam educação por meio de troca de experiências e palestras sobre diversos temas de cuidado de saúde, entre outros. Apesar do esforço demonstrado para realizar educação em saúde, as enfermeiras descreveram as dificuldades que enfrentam no exercício de seu trabalho na unidade, principalmente pela sobrecarga no serviço e ainda por lidar com carências administrativas e operacionais da unidade de saúde, como demonstram as falas a seguir.

 

Sempre oriento sobre quedas, cuidados com o fogo, problemas visuais e no geral a alimentação. (E1)

No HIPERDIA, dou orientação sobre alimentação, diminuir sal, açúcar, menos gorduras e mais frutas e legumes [...] Verifico e oriento segundo a realidade financeira do idoso[...]. (E2)

Promovemos roda de conversa, com troca de experiências entre pacientes hipertensos e diabéticos, envolvendo toda a equipe multidisciplinar. (E3)

Às sextas-feiras fazemos palestras com temas específicos: sobre alimentação, diabetes, HA e tentamos trazê-los para a unidade [...]. (E4)

[...] somos muito cobrados para fazer educação em saúde, mas não há infraestrutura nem recursos materiais. Quando fazemos [alguma atividade diferente, como palestra com lanche] é por nossa conta [...] tiramos do próprio bolso. (E1)

O local para educação e atendimento é precário, corredor estreito, dificuldade de acesso e locomoção dos usuários; essa unidade básica possui dois andares, e alguns setores, como farmácia e marcação de consulta, ficam no segundo andar, dificultando o acesso dos idosos. (E8).

 

As orientações atuais da gerontogeriatria caminham na direção da política do envelhecimento ativo e saudável, que envolve a manutenção da saúde, prevenção de agravos e estímulo à segurança e participação social. Nas atividades na unidade, os enfermeiros também revelaram que transmitem algumas orientações para os idosos direcionadas a um envelhecimento com qualidade. Mencionaram a educação em saúde especificamente para idosos com o objetivo de desenvolver ações cuidativo-educacionais sobre questões como: alimentação, estilo de vida saudável, o uso correto de medicamentos, riscos da polifarmácia não controlada, sobretudo de idosos que fazem parte do HIPERDIA [20].

Cuidados específicos na promoção do envelhecimento ativo e saudável e na prevenção de agravos comuns na velhice apropriam-se de diferentes estratégias educacionais grupais ou individuais que visam a estimular idosos ao autocuidado e a empoderar-se como agentes protagonistas do próprio envelhecer [21-23]. Contudo, geralmente essas idealizações não se realizam em razão das dificuldades de trabalho em UBSs, conforme se observou aqui, parecendo ser uma questão generalizada [24].

Por ter sido realizado em um único contexto geográfico, o estudo tem limitações que impossibilitam a transferência de seus resultados a contexto mais amplo, embora se possa inferir como usuários idosos de Unidades Básicas de Saúde são atendidos e/ou como necessitam de atendimento de enfermagem especializada. Mesmo com as limitações do estudo, percebem-se subsídios relevantes no que concerne a ações do enfermeiro com o usuário idoso na atenção primária.

 

Conclusão

 

De acordo com a pesquisa realizada, observa-se que esses enfermeiros carecem de conhecimentos específicos gerontogeriátricos, o que pode ser explicado pela falta de formação especializada em enfermagem gerontológica, habilitação não exigida na admissão desses profissionais para trabalhar em atenção primária de saúde em nosso meio.

Notou-se que ainda não é comum o enfermeiro abordar cuidados relativos à sexualidade no atendimento ao idoso, possivelmente por receio ou constrangimento devido à influência de preconceitos, tabus e heranças culturais. Para superar tal dificuldade é necessário capacitar os enfermeiros para que possam dar atenção à saúde sexual dos idosos.

Apesar de todas as dificuldades e limitações de trabalho nas unidades básicas de saúde, os enfermeiros prestam cuidado com calor humano, amor, respeito, solidariedade e carinho, sobretudo aos usuários idosos, dando-lhes atendimento preferencial sempre que possível.

Em face de tais achados, os enfermeiros e demais profissionais da saúde devem encaminhar proposta político-reivindicacional fundamentada às autoridades de gestão de saúde de todos os níveis, com vistas a receber capacitação mínima para atendimento de saúde das populações adscritas às Unidades de Saúde. Urge também capacitar a equipe de enfermagem para prestar atenção especializada ao idoso que privilegie vínculos dele com seus familiares e comunidade, adotando ações especializadas cuidativo-educacionais a favor do estrato idoso na população.

 

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