ARTIGO ORIGINAL

Vulnerabilidade à aids entre mulheres de aglomerado subnormal

 

Smalyanna Sgren da Costa Andrade, D.Sc.*, Karen Krystine Gonçalves de Brito, D.Sc.**, Karina Karla de Sá Gomes***, Andreia Sousa Marques de Lucena****, Emanuelle Malzac Freire de Santana*****, Simone Helena dos Santos Oliveira, D.Sc.******

 

*Docente do curso de graduação em enfermagem e do mestrado profissional em saúde da família nas Faculdades de Enfermagem e Medicina Nova Esperança, **Especialista e Qualidade e segurança no cuidado ao paciente pelo instituto Sírio Libanês de ensino, Docente nas Faculdades de Enfermagem Nova Esperança, Enfermeira assistencial no ambulatório de feridas, Bayeux/PB, ***Enfermeira graduada pela Universidade Federal da Paraíba, ****Enfermeira especialista em oncologia e hematologia, Enfermeira no hospital São Vicente de Paulo, *****Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba, docente nas Faculdades de Enfermagem e Medicina Nova Esperança, ******Docente Pós-Doutora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem e da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba

 

Recebido em 5 de setembro de 2017; aceito em 15 de janeiro de 2019.

Endereço para correspondência: Smalyanna Sgren da Costa Andrade, Rua Irani Almeida de Menezes nº 1007, Funcionários II, 58078-010 João Pessoa PB, E-mail dos autores: smalyanna@hotmail.com; Karen Krystine Gonçalves de Brito: karenbrito.enf@gmail.com; Karina Karla de Sá Gomes: karina.karlasg@gmail.com; Andreia Sousa Marques de Lucena: dea-jp@hotmail.com; Emanuelle Malzac Freire de Santana: manumalzac@gmail.com; Simone Helena dos Santos Oliveira: simonehsoliveira@gmail.com

 

Resumo

Objetivou-se identificar as características sociais e o comportamento sexual de mulheres sob a ótica da vulnerabilidade ao HIV/aids, considerando o perfil do cenário nacional. Pesquisa tipo inquérito domiciliar, de corte transversal e abordagem quantitativa, envolvendo 300 mulheres. A coleta de dados ocorreu em um aglomerado subnormal do município de João Pessoa/PB, utilizando como estrutura operacional o Plano de Amostragem Sistemática e para análise estatística o programa SPSS, versão 20.0. A amostra caracteriza-se com perfil entre 30-34 anos, pardas, com pouca escolaridade, renda precária, desempregadas ou exercendo ocupações menos qualificadas. Apresentaram características de vulnerabilidade conducentes ao contexto brasileiro. Precocidade e desproteção na primeira experiência sexual, ocorrência de IST, gestação não planejada, heterossexualidade e parceria fixa se consolidaram como fatores de risco à contaminação pelo HIV. Os achados indicam as dificuldades institucionais e individuais em implementar ações eficazes no controle de problemas de saúde de natureza tão delicada.

Palavras-chave: sorodiagnóstico da AIDS, mulheres, vulnerabilidade em saúde, Enfermagem.

 

Abstract

Vulnerability to aids among women of a crowded subnormal agglomeration

This study aimed to identify the social characteristics and sexual behavior of women from the perspective of vulnerability to HIV/AIDS, considering the profile of the national scenery. Search type household survey, cross-sectional and quantitative approach, involving 300 women. Data collection was carried out in a subnormal agglomeration of a city of João Pessoa/PB, using as operational structure the Systematic Sampling Plan and for statistical analysis using SPSS, version 20.0. The sample profile is composed of women 30-34 years, brown, with little education, low income, unemployed or with low skilled jobs. They showed vulnerability characteristics conducive to the Brazilian context. Precocity and defenselessness in the first sexual experience, occurrence of STIs, unplanned pregnancy, heterosexuality and same sex partners have been established as risk factors for HIV infection. The findings indicate institutional and individual difficulties to implement effective measures to control health problems of delicate nature.

Key-words: AIDS serodiagnosis, women, health vulnerability, Nursing.

 

Resumen

Vulnerabilidad al sida entre mujeres de aglomerado subnormal

Se objetivó identificar las características sociales y el comportamiento sexual de mujeres bajo la óptica de la vulnerabilidad al VIH/sida, considerando el perfil del escenario nacional. Investigación tipo encuesta domiciliar, de corte transversal y abordaje cuantitativo, involucrando a 300 mujeres. La recolección de datos ocurrió en un aglomerado subnormal del municipio de João Pessoa/PB, utilizando como estructura operacional el Plan de Muestreo Sistemático y para análisis estadístico el programa SPSS, versión 20.0. La muestra se caracteriza con perfil entre 30-34 años, pardas, con poca escolaridad, bajos ingresos, desempleadas o ejerciendo empleos poco cualificados. Presentaron características de vulnerabilidad conducentes al contexto brasileño. La precocidad y desprotección en la primera experiencia sexual, ocurrencia de IST, gestación no planificada, heterosexualidad y compañero fijo se consolidaron como factores de riesgo a la contaminación por el VIH. Los hallazgos indican las dificultades institucionales e individuales en implementar acciones eficaces en el control de problemas de salud de naturaleza tan delicada.

Palabras-clave: serodiagnóstico del SIDA, mujeres, vulnerabilidad en salud, Enfermería.

 

Estudo decorrente da Dissertação de Mestrado intitulada: “Mulheres solteiras e casadas e o uso do preservativo: o que sabem, pensam e praticam”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa/PB, 2014.

 

Introdução

 

Em 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou algumas recomendações relacionadas à prevenção do HIV, diagnóstico, tratamento e atenção para as populações-chave. As medidas prioritárias concernentes à doença estavam mais voltadas aos homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis, população prisional e população trans [1].

Mesmo havendo destaque a estas populações-chave no contexto mundial, em âmbito nacional, o último boletim epidemiológico publicado apontou que a quantidade de mulheres infectadas pelo HIV ainda cresce. Foram registrados no Brasil, desde 1980 até junho de 2014, 265.251(35,0%) casos de aids em mulheres. No período de 1980 até 2008, observou-se um aumento da participação feminina nos registros da doença. Em 2009, houve discreta redução na razão de sexos, apesar de ainda ter havido uma quantidade considerável de casos entre as mulheres [2].

A situação da epidemia na população feminina e o perfil geral dos casos notificados de aids é marcado pela desigualdade econômica e baixa escolaridade, perpassando pelo contexto social e cultural, o que implica menor acesso aos bens de consumo, aos serviços e à informação [3]. Conforme a OMS, após a infecção, os esforços devem estar voltados à prevenção do adoecimento pela aids, com o acompanhamento em serviço especializado. A redução dos impactos emocionais e sociais do diagnóstico é apontada como elemento primordial à adesão frente ao futuro plano terapêutico e à convivência com HIV [1].

Em domínio, segundo o relatório da UNAIDS lançado em 2014, o programa brasileiro de combate à aids é reconhecido internacionalmente. O país apresenta ações exitosas através da redução da transmissibilidade da doença, justamente pela adoção de medidas inovadoras de prevenção e da cobertura gratuita no tratamento, garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) [4].

O Brasil é o único país da América Latina a adotar todas as novas tecnologias de prevenção, bem como a ação recente de ampliação do tratamento aos adultos com testes positivos de HIV mesmo sem comprometimento do sistema imunológico. Isso se deve, sobretudo, aos investimentos governamentais em pesquisas científicas e tecnológicas voltadas à epidemia [4].

Considerando o último boletim epidemiológico como o mais atual cenário em que o HIV/aids se sustenta no Brasil, evidencia-se a necessidade de atenção também voltada à saúde da mulher, principalmente àquela que vive em condições de pobreza, por ser bastante afetada pela epidemia, confirmando a vulnerabilidade individual e social.

Não obstante, mulheres que vivem em aglomerados subnormais podem possuir características semelhantes às vítimas da aids, suscitando a necessidade de fortalecimento à prevenção de pessoas não afetadas. Sob esse aspecto, surgiu o interesse em desenvolver o presente estudo, tanto pelo panorama descrito, quanto pela reflexão de que o enfermeiro é um agente responsável pela promoção da saúde e prevenção de agravos no campo da sexualidade.

Assim, percebendo que as mulheres assumiram destaque na epidemia da aids ao longo dos anos, tendo como condicionantes aspectos relacionados ao contexto socioeconômico e cultural, a importância deste estudo reside na identificação de possíveis fatores congruentes com o perfil de vulnerabilidade ao HIV impresso no país, entre mulheres residentes em aglomerado subnormal. Tal investigação pode fornecer subsídios para o desenvolvimento de futuras estratégias que facilitem a abordagem às IST/HIV de forma conveniente às singularidades do grupo em questão.

Este estudo teve como questão: O perfil sociodemográfico e o comportamento sexual das mulheres residentes em aglomerado subnormal se configuram como componentes de vulnerabilidade ao HIV/aids? Para responder a esse questionamento, objetivou-se identificar as características sociais e o comportamento sexual das mulheres da comunidade sob a ótica da vulnerabilidade ao HIV/aids, considerando o perfil de mulheres acometidas no cenário nacional.

 

Material e métodos

 

Trata-se de inquérito domiciliar, de corte transversal e abordagem quantitativa. A população foi constituída por mulheres maiores de 18 anos, que tiveram iniciação sexual, residentes em aglomerado subnormal do município de João Pessoa/PB. O local possui ocupação desordenada, precariedade de moradias, áreas de risco ambiental e apenas uma avenida principal.

A partir dos dados disponibilizados pelo Sistema de Informação Básica (SIAB) da Secretaria Municipal de Saúde, estimou-se estatisticamente que a população-alvo seria de, aproximadamente, 3200 mulheres cadastradas na Unidade Integrada de Saúde da Família local. O tamanho da amostra foi calculado com base em margem de erro de 5% (Erro = 0,05) com α = 0,05 (Z0,025=1,96) e considerando a proporção verdadeira de mulheres que utilizam o preservativo como forma de prevenção como sendo 23% (p = 0,23). Esse último dado remete à enquete realizada pelos pesquisadores. O cálculo utilizou uma amostra de 251 mulheres. Diante da viabilidade de entrevistar um contingente maior, o n-amostral foi ampliado para 300 participantes.

A estrutura operacional utilizada para a coleta de dados foi o Plano de Amostragem Sistemática, que consiste em retirar elementos da população em intervalos regulares, as mulheres entrevistadas foram selecionadas a partir da rua principal. Escolheu-se a primeira casa da avenida (sentido oeste/leste) em que residisse pelo menos uma mulher que atendesse aos critérios de inclusão, para ser o ponto de partida das entrevistas. O inquérito domiciliar ocorreu entre junho e agosto de 2013, com o acompanhamento dos agentes comunitários de saúde (ACS), atendendo a todas as microáreas da Unidade Integrada de Saúde da Família.

O instrumento de coleta de dados aplicado com auxílio dos ACS consistiu em formulário de entrevista contendo caracterização sociodemográfica, hábitos de vida, histórico sexual/reprodutivo, bem como perguntas envolvendo conhecimento, atitude e prática (CAP) acerca do uso do preservativo adaptado dos modelos de inquérito CAP na população brasileira quanto às IST e HIV. Para este estudo, utilizou-se a primeira parte do questionário, englobando os fatores sociodemográficos, sexual e reprodutivo.

Para fins estatísticos, as mulheres solteiras, separadas e viúvas foram agrupadas na categoria ‘sem companheiro’. Já as mulheres em união consensual e casadas foram incorporadas à categoria ‘com companheiro’. A análise descritiva ocorreu com o auxílio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0.

O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Foram realizadas orientações às participantes quanto à finalidade da pesquisa, garantia de sigilo, direito de desistência em qualquer fase do estudo e a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde, sob protocolo nº 0251 e CAAE nº 14726213.3.0000. 5188.

 

Resultados

 

os achados são de abrangência local, nesse sentido, os dados não poderão ser generalizados para outros contextos. Além disso, a intenção não foi procurar na comunidade, mulheres contaminadas pelo HIV, mas investigar mulheres que porventura estivessem em vulnerabilidade, para proceder à comparação entre os perfis, considerando os elementos citados anteriormente.

Adiante é possível visualizar os aspectos sociodemográficos das participantes do estudo (Tabela I).

 

Tabela I - Caracterização sociodemográfica de mulheres residentes em aglomerado subnormal. João Pessoa/PB, 2014.

 

*Foram agrupadas em Parda as mulheres que se caracterizaram como parda, mulata ou morena.

 

Posteriormente realizou-se a caracterização sexual e reprodutiva das participantes (Tabela II).

 

Tabela II - Comportamento sexual e características reprodutivas de mulheres residentes em aglomerado subnormal. João Pessoa/PB, 2014.

 

*Cálculo com 255 episódios de gravidez

 

Discussão

 

Conforme o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), a maior concentração dos casos de aids no Brasil está entre os indivíduos com idade entre 25 e 39 anos, faixa etária correspondente a 50,3% do total de casos em mulheres desde 1980 a junho de 2014. Ainda sobre as mulheres, no ano de 2014, a faixa etária de maior concentração de casos foi de 30-34 anos [2].

Quanto à raça/cor houve proporção de 44,3% dos casos de aids entre os autodeclarados pardos no país, demonstrando aumento significativo nessa população. Quando se observa os casos em mulheres no ano de 2014, a maior proporção ainda se concentrou entre as pardas, totalizando 48,2%. Sobre a escolaridade observou-se concentração maior de casos entre aqueles com ensino médio (22,7%) e fundamental (22,5%) [2]. No período entre 1980-2014, as maiores proporções de casos da doença foram para as mulheres entre 5ª-8ª série incompleta (33,5%).

Sobre este aspecto, pesquisa desenvolvida com 64 indivíduos jovens e adultos, brancos e negros, sexualmente ativos, de ambos os sexos, nas cidades de São Paulo e Recife explicitou menor poder de negociação do uso do preservativo entre as mulheres menos escolarizadas. Isso as deixava mais vulneráveis ao HIV. Esse resultado indicou que ações preventivas e educativas devem focalizar mulheres que não tiveram/têm acesso à escola, atentando para as assimetrias de gênero e especificidades regionais [5].

Neste estudo, a média de idade das participantes foi de 33 anos, encaixando-se tanto na faixa etária de prevalência geral da doença no país, quanto na faixa etária de casos de mulheres do último ano. Além disso, a maioria das participantes é parda e se concentra no ensino fundamental, aproximando-se sobremaneira do retrato de atingidas pela aids no Brasil, demonstrando a semelhança entre os perfis e sustentando a vulnerabilidade destas participantes à epidemia.

Investigação realizada em São Paulo com mulheres que vivem com HIV explicitou que o grau de escolaridade estava diretamente ligado ao vínculo empregatício e ao valor da renda mensal. Portanto, níveis educacionais mais baixos concorrem para trabalhos menos remunerados, reduzindo o poder aquisitivo e situando quem estuda menos na esfera da pobreza [6]. O perfil da mulher que vive com HIV/aids perpassa pela incompletude educacional, não vínculo empregatício (nomeadas do lar) ou emprego em serviços de baixa qualificação [7].

Os resultados apontaram que 46,67% das mulheres não trabalhavam ou referiram ser ‘do lar’ e 64% sobreviviam com rendimento de até 1 salário mínimo. As atividades laborais e ocupacionais realizadas pela maioria das participantes não necessita de maior aperfeiçoamento intelectual, do ponto de vista da escolarização, mas de vigor físico para desempenhar atividades de cunho domiciliar e prestação de serviços.

O último Censo sobre aglomerados subnormais identificou que na Região Nordeste, a Paraíba apresenta a segunda taxa de analfabetismo para maiores de 15 anos e a maioria das mulheres é parda e com rendimento mensal de até um salário mínimo [8]. Considerando o contexto social das mulheres que vivem em aglomerados subnormais, é possível perceber profundas dificuldades do ponto de vista da profissão, renda e situação educacional, revelando um estrato social desfavorecido. Isto sugere que a qualificação educacional pode ficar para segundo plano, ao considerar a força de trabalho como elemento importante à manutenção das necessidades cotidianas, cuja escolaridade elevada não necessariamente se torna relevante para tal finalidade.

Em relação à situação conjugal, 63% possui companheiro. Pesquisa realizada com mulheres casadas soronegativas ou sorodesconhecidas e que moram com o parceiro atual por mais de um ano afirmou que a estabilidade da união está relacionada à vulnerabilidade ao HIV, devido ao não uso do preservativo durante a relação sexual condicionado por diversos aspectos, dentre eles, confiança e fidelidade [9]. Outro fator que pode influenciar a feminização da epidemia da aids é a desigualdade de gênero, que se consolida em âmbito político, cultural e socioeconômico [10].

Logo, relações de gênero aliadas ao menor acesso a bens de consumo e certamente à educação aumentam a vulnerabilidade à doença. Estas são algumas das características estruturantes da pobreza, propondo a concepção de que as pesquisadas novamente se adequam ao perfil feminino da epidemia da aids em nível nacional. O reconhecimento de áreas de risco, principalmente aquelas em franca situação de pauperização, é salutar para o planejamento de ações voltadas à prevenção e controle da doença.

A prevenção é uma ação intersetorial, que deve ser trabalhada em parceria com órgãos relacionados à melhoria das condições sociais de grupos menos favorecidos. A (co) operação de órgãos distintos é iniciativa essencial à construção de uma sociedade mais igualitária e saudável, considerando a pobreza como elemento significante ao aumento dos índices nacionais de infecção pelo HIV.

Neste estudo, 234 (78%) participantes alegaram ter consumido álcool em pelo menos um episódio da vida, o que é uma quantidade consideravelmente elevada. Em relação ao uso de drogas ilícitas, 36 (12%) mulheres já utilizaram algum tipo de substância psicoativa ilegal. Ainda, 263 (87,66%) mulheres concordaram que o uso de álcool ou drogas poderia influenciar na prática do sexo sem preservativo. Destas, 60 (22,81%) afirmaram ter praticado relação sexual após consumo de álcool ou drogas sem a utilização do preservativo.

Corroborando esse achado, pesquisa realizada no Brasil com pessoas entre 15 e 64 anos demonstrou que 7.899 (72,7%) indivíduos acreditavam que o uso de álcool/drogas influenciava na relação sexual sem preservativo, e 1.920 (24%) entrevistados já deixaram de usar preservativos em decorrência desta influência [11]. Logo, consumo de álcool e drogas ilícitas são fatores importantes ao risco de contaminação, já que ambos atuam como substâncias moduladoras de práticas sexuais [12].

Embora neste estudo, a minoria tenha tido algum episódio de sexo desprotegido sob a influência de bebida ou droga, o uso dessas substâncias ainda é considerado elemento importante à vulnerabilidade para o sexo sem proteção e, consequentemente, para a aquisição de doenças transmitidas durante o ato sexual. Nessa esfera, pode-se sugerir que apesar de menos frequente, houve vulnerabilidade ao HIV, ao conceber a relação entre o não uso do preservativo ocasionado pelo efeito de substâncias psicoativas.

A média de idade do início da atividade sexual foi de aproximadamente 16 anos (DP = 3,26%). Observou-se que 170 (56,67%) mulheres tiveram sua sexarca entre 14-18 anos e 219 (73%) não utilizaram preservativo durante a primeira relação sexual (Tabela II). O início da atividade sexual antes da maioridade etária e não uso do preservativo durante a primeira relação pode enquadrar a maioria como pregressas candidatas à aquisição de IST/HIV, demonstrando a vulnerabilidade destas mulheres, quando adolescentes ou jovens iniciantes da atividade sexual precoce e, sobretudo, na desproteção da primeira experiência sexual.

Investigação afirmou que importante fator para adesão ao preservativo é o momento da iniciação sexual, pois quanto mais precoce for, menos maturidade existirá para avaliação do método mais adequado a ser utilizado. A inexperiência, imprevisibilidade do ato, falta de informações, crenças negativas e tipo de vínculo afetivo são fatores que interferem na utilização do preservativo para prevenir doenças e gestações não planejadas [13]. Nesse enfoque, a precocidade da primeira relação sexual se configura como forte elemento ao risco de contaminação no contexto da vulnerabilidade social e cultural [14].

De modo específico, embora em menor frequência, houve casos de ocorrência de IST (11,34%) e considerável ocorrência de gravidez não planejada, atingindo cerca de 40% das mulheres (Tabela II). Estes resultados apontam frágil adesão ao uso de preservativos dentro deste grupo, consolidando a vulnerabilidade à doença. Sobre isto, pesquisa explicitou que aproximadamente um a cada três participantes possuía alto risco de infecção ao HIV ou gravidez não planejada [15]. Existe também relação entre o HIV e a prevalência de história referida de IST por aumentarem a biovulnerabilidade à contaminação [12,16,17].

Nesse escopo, é necessário considerar também as relações de gênero como influenciadoras do aumento da vulnerabilidade das mulheres a essas doenças. Infelizmente, a subordinação feminina promove a exclusão do seu poder de decisão e liberdade sobre a vida sexual, expondo-a cada vez mais, à epidemia da aids e a outras IST [18]. A participação mais efetiva das mulheres na luta a favor da autonomia sobre o seu próprio corpo poderia ser um grande avanço para a resolutividade dos seus problemas de saúde [19].

Ainda na tabela II, 99,67% das mulheres referiram heterossexualidade e 76,67% parceria fixa. Nessa esfera, ao longo da última década, percebe-se que também houve aumento significativo na incidência do HIV entre a população heterossexual [20]. Especificamente em 2012, 86,8% dos casos registrados em mulheres decorreram de relações heterossexuais [20]. Nesse ínterim, a vulnerabilidade ao HIV acompanhou as mulheres em união heterossexual estável/casadas, demonstrando que a heterossexualização e a feminização da epidemia se relacionam, sobretudo, aos aspectos sociais que estimulam o não uso dos preservativos nas relações sexuais matrimoniais [9].

De forma global, os modos mais comuns de transmissão do HIV são descritos em mosaico, ou seja, na África Subsaariana e Caribe prevalece à transmissão heterossexual, no Leste europeu ocorre transição do modo de transmissão por drogas injetáveis para a transmissão heterossexual, na Ásia ainda predomina o uso de drogas injetáveis e o sexo desprotegido através da prostituição, enquanto na América Latina homens que fazem sexo com homens ainda prevalece, embora haja aumento na transmissão heterossexual em alguns países, inclusive no Brasil [10], cujos dados apontam que 97,4% das mulheres com mais de 13 anos se contaminaram por transmissão sexual [2].

Estes achados indicam as dificuldades institucionais e individuais de implementar ações que possam, em médio e longo prazos, mostrar-se eficazes no controle de problemas de saúde de natureza tão delicada, já que envolve questões íntimas e comportamentais lapidadas social e culturalmente, que são confrontadas com o paradoxo de ações preventivas simplórias, como o uso do preservativo.

 

Conclusão

 

Dada a sua representatividade local, os resultados obtidos podem subsidiar o planejamento de intervenções compatíveis com as necessidades inerentes à realidade pesquisada, haja vista retratar aspectos importantes que podem ser alvo de intervenções provindas da equipe de saúde e de docentes que atuam na Unidade Integrada de Saúde da Família. Em particular, os resultados podem subsidiar o desenvolvimento de ações que envolvam a enfermagem, pelo seu importante papel na educação em saúde.

Em relação ao perfil sociodemográfico das atuais vítimas de contaminação pelo HIV, enquadram-se mulheres entre 30-34 anos, pardas, com pouca escolaridade, renda precária, desempregadas ou exercendo ocupações menos qualificadas e remuneradas. Portanto, pode-se afirmar que as participantes do estudo apresentaram características de vulnerabilidade conducentes ao contexto das atingidas pela aids no Brasil.

Além disso, quanto aos aspectos sexuais e reprodutivos, precocidade e desproteção na primeira experiência sexual, ocorrência de IST, gestação não planejada, heterossexualidade e parceria fixa se consolidam como comportamentos e fatores de risco à contaminação por infecções sexuais e HIV, evidenciando também a vulnerabilidade individual do grupo pesquisado, que pode ser decorrente de aspectos culturais, a exemplo das relações de gênero que imprimem à mulher a aceitação de práticas sexuais sem o uso do preservativo. Questões de gênero devem ser incluídas com maior intensidade nas ações voltadas à saúde da mulher.

Desse modo, a aids provoca a mobilização de diversas instâncias no sentido de frear a evolução da epidemia. Entretanto, ainda há muito a fazer neste sentido, já que a vulnerabilidade perpassa por questões que superam o individual, estendendo-se ao sociocultural. Nessa dimensão, residir em um aglomerado subnormal não se constitui escolha, mas questão de necessidade, já que viver em precárias condições de saneamento básico, infraestrutura, exclusão urbanística e social, com riscos ambientais, expõe essas mulheres a uma situação de pobreza que as deixam vulneráveis aos diversos condicionantes da epidemia.

 

Referências

 

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