ARTIGO
ORIGINAL
Vulnerabilidade
à aids entre mulheres de aglomerado subnormal
Smalyanna Sgren da Costa Andrade, D.Sc.*,
Karen Krystine Gonçalves de Brito, D.Sc.**, Karina Karla de Sá Gomes***, Andreia Sousa Marques
de Lucena****, Emanuelle Malzac Freire de
Santana*****, Simone Helena dos Santos Oliveira, D.Sc.******
*Docente
do curso de graduação em enfermagem e do mestrado profissional em saúde da
família nas Faculdades de Enfermagem e Medicina Nova Esperança, **Especialista
e Qualidade e segurança no cuidado ao paciente pelo instituto Sírio Libanês de
ensino, Docente nas Faculdades de Enfermagem Nova Esperança, Enfermeira
assistencial no ambulatório de feridas, Bayeux/PB, ***Enfermeira graduada pela
Universidade Federal da Paraíba, ****Enfermeira especialista em oncologia e
hematologia, Enfermeira no hospital São Vicente de Paulo, *****Doutoranda pelo
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba,
docente nas Faculdades de Enfermagem e Medicina Nova Esperança, ******Docente Pós-Doutora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem e da
Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal da Paraíba
Recebido em 5 de setembro de 2017; aceito
em 15 de janeiro de 2019.
Endereço
para correspondência: Smalyanna Sgren da Costa Andrade, Rua Irani Almeida de Menezes nº
1007, Funcionários II, 58078-010 João Pessoa PB, E-mail dos autores:
smalyanna@hotmail.com; Karen Krystine Gonçalves de
Brito: karenbrito.enf@gmail.com; Karina Karla de Sá Gomes:
karina.karlasg@gmail.com; Andreia Sousa Marques de Lucena: dea-jp@hotmail.com;
Emanuelle Malzac Freire de Santana: manumalzac@gmail.com;
Simone Helena dos Santos Oliveira: simonehsoliveira@gmail.com
Resumo
Objetivou-se identificar as
características sociais e o comportamento sexual de mulheres sob a ótica da
vulnerabilidade ao HIV/aids, considerando o perfil do cenário nacional. Pesquisa
tipo inquérito domiciliar, de corte transversal e abordagem quantitativa,
envolvendo 300 mulheres. A coleta de dados ocorreu em um aglomerado subnormal
do município de João Pessoa/PB, utilizando como estrutura operacional o Plano
de Amostragem Sistemática e para análise estatística o programa SPSS, versão
20.0. A amostra caracteriza-se com perfil entre 30-34 anos, pardas, com pouca
escolaridade, renda precária, desempregadas ou exercendo ocupações menos
qualificadas. Apresentaram características de vulnerabilidade conducentes ao
contexto brasileiro. Precocidade e desproteção na primeira experiência sexual,
ocorrência de IST, gestação não planejada, heterossexualidade e parceria fixa
se consolidaram como fatores de risco à contaminação pelo HIV. Os achados
indicam as dificuldades institucionais e individuais em implementar ações
eficazes no controle de problemas de saúde de natureza tão delicada.
Palavras-chave:
sorodiagnóstico da AIDS, mulheres, vulnerabilidade em saúde, Enfermagem.
Abstract
Vulnerability
to aids among women of a crowded subnormal agglomeration
This
study aimed to identify the social characteristics and sexual behavior of women
from the perspective of vulnerability to HIV/AIDS, considering the profile of
the national scenery. Search type household survey, cross-sectional and
quantitative approach, involving 300 women. Data collection was carried out in
a subnormal agglomeration of a city of João Pessoa/PB, using as operational
structure the Systematic Sampling Plan and for statistical analysis using SPSS,
version 20.0. The sample profile is composed of women 30-34 years, brown, with
little education, low income, unemployed or with low skilled jobs. They showed
vulnerability characteristics conducive to the Brazilian context. Precocity and
defenselessness in the first sexual experience, occurrence of STIs, unplanned
pregnancy, heterosexuality and same sex partners have been established as risk
factors for HIV infection. The findings indicate institutional and individual
difficulties to implement effective measures to control health problems of
delicate nature.
Key-words:
AIDS serodiagnosis, women, health vulnerability,
Nursing.
Resumen
Vulnerabilidad al
sida entre mujeres de aglomerado subnormal
Se objetivó
identificar las características sociales
y el comportamiento sexual
de mujeres bajo la óptica
de la vulnerabilidad al
VIH/sida, considerando el perfil del
escenario nacional. Investigación
tipo encuesta domiciliar, de corte transversal y abordaje cuantitativo,
involucrando a 300 mujeres. La recolección
de datos ocurrió en un aglomerado subnormal del municipio de João Pessoa/PB,
utilizando como estructura operacional el Plan de Muestreo
Sistemático y para análisis estadístico el programa SPSS, versión 20.0.
La muestra se caracteriza con
perfil entre 30-34 años, pardas, con
poca escolaridad, bajos ingresos, desempleadas o ejerciendo empleos poco cualificados.
Presentaron características de vulnerabilidad
conducentes al contexto brasileño. La precocidad y desprotección en la primera
experiencia sexual, ocurrencia de IST, gestación no planificada, heterosexualidad
y compañero fijo se consolidaron como factores de riesgo a la contaminación
por el VIH. Los hallazgos indican las dificultades
institucionales e individuales
en implementar acciones eficaces en el
control de problemas de salud
de naturaleza tan delicada.
Palabras-clave: serodiagnóstico
del SIDA, mujeres, vulnerabilidad en salud, Enfermería.
Estudo decorrente da Dissertação de
Mestrado intitulada: “Mulheres solteiras e casadas e o uso do preservativo: o
que sabem, pensam e praticam”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa/PB, 2014.
Em
2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou algumas recomendações
relacionadas à prevenção do HIV, diagnóstico, tratamento e atenção para as
populações-chave. As medidas prioritárias concernentes à doença estavam mais
voltadas aos homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, usuários
de drogas injetáveis, população prisional e população trans
[1].
Mesmo
havendo destaque a estas populações-chave no contexto mundial, em âmbito
nacional, o último boletim epidemiológico publicado apontou que a quantidade de
mulheres infectadas pelo HIV ainda cresce. Foram registrados no Brasil, desde
1980 até junho de 2014, 265.251(35,0%) casos de aids em mulheres. No período de
1980 até 2008, observou-se um aumento da participação feminina nos registros da
doença. Em 2009, houve discreta redução na razão de sexos, apesar de ainda ter
havido uma quantidade considerável de casos entre as mulheres [2].
A
situação da epidemia na população feminina e o perfil geral dos casos
notificados de aids é marcado pela desigualdade econômica e baixa escolaridade,
perpassando pelo contexto social e cultural, o que implica menor acesso aos
bens de consumo, aos serviços e à informação [3]. Conforme a OMS, após a
infecção, os esforços devem estar voltados à prevenção do adoecimento pela
aids, com o acompanhamento em serviço especializado. A redução dos impactos
emocionais e sociais do diagnóstico é apontada como elemento primordial à
adesão frente ao futuro plano terapêutico e à convivência com HIV [1].
Em
domínio, segundo o relatório da UNAIDS lançado em 2014, o programa brasileiro
de combate à aids é reconhecido internacionalmente. O país apresenta ações exitosas
através da redução da transmissibilidade da doença, justamente pela adoção de
medidas inovadoras de prevenção e da cobertura gratuita no tratamento,
garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) [4].
O
Brasil é o único país da América Latina a adotar todas as novas tecnologias de
prevenção, bem como a ação recente de ampliação do tratamento aos adultos com
testes positivos de HIV mesmo sem comprometimento do sistema imunológico. Isso
se deve, sobretudo, aos investimentos governamentais em pesquisas científicas e
tecnológicas voltadas à epidemia [4].
Considerando
o último boletim epidemiológico como o mais atual cenário em que o HIV/aids se
sustenta no Brasil, evidencia-se a necessidade de atenção também voltada à
saúde da mulher, principalmente àquela que vive em condições de pobreza, por
ser bastante afetada pela epidemia, confirmando a vulnerabilidade individual e
social.
Não
obstante, mulheres que vivem em aglomerados subnormais podem possuir
características semelhantes às vítimas da aids, suscitando a necessidade de
fortalecimento à prevenção de pessoas não afetadas. Sob esse aspecto, surgiu o
interesse em desenvolver o presente estudo, tanto pelo panorama descrito,
quanto pela reflexão de que o enfermeiro é um agente responsável pela promoção
da saúde e prevenção de agravos no campo da sexualidade.
Assim,
percebendo que as mulheres assumiram destaque na epidemia da aids ao longo dos
anos, tendo como condicionantes aspectos relacionados ao contexto
socioeconômico e cultural, a importância deste estudo reside na identificação
de possíveis fatores congruentes com o perfil de vulnerabilidade ao HIV
impresso no país, entre mulheres residentes em aglomerado subnormal. Tal
investigação pode fornecer subsídios para o desenvolvimento de futuras
estratégias que facilitem a abordagem às IST/HIV de forma conveniente às
singularidades do grupo em questão.
Este
estudo teve como questão: O perfil sociodemográfico e o comportamento sexual
das mulheres residentes em aglomerado subnormal se configuram como componentes
de vulnerabilidade ao HIV/aids? Para responder a esse questionamento,
objetivou-se identificar as características sociais e o comportamento sexual
das mulheres da comunidade sob a ótica da vulnerabilidade ao HIV/aids,
considerando o perfil de mulheres acometidas no cenário nacional.
Trata-se
de inquérito domiciliar, de corte transversal e abordagem quantitativa. A
população foi constituída por mulheres maiores de 18 anos, que tiveram
iniciação sexual, residentes em aglomerado subnormal do município de João
Pessoa/PB. O local possui ocupação desordenada, precariedade de moradias, áreas
de risco ambiental e apenas uma avenida principal.
A
partir dos dados disponibilizados pelo Sistema de Informação Básica (SIAB) da
Secretaria Municipal de Saúde, estimou-se estatisticamente que a população-alvo
seria de, aproximadamente, 3200 mulheres cadastradas na Unidade Integrada de
Saúde da Família local. O tamanho da amostra foi calculado com base em margem de
erro de 5% (Erro = 0,05) com α = 0,05 (Z0,025=1,96) e
considerando a proporção verdadeira de mulheres que utilizam o preservativo
como forma de prevenção como sendo 23% (p = 0,23). Esse último dado remete à
enquete realizada pelos pesquisadores. O cálculo utilizou uma amostra de 251
mulheres. Diante da viabilidade de entrevistar um contingente maior, o n-amostral foi ampliado para 300
participantes.
A
estrutura operacional utilizada para a coleta de dados foi o Plano de Amostragem Sistemática, que consiste
em retirar elementos da população em intervalos regulares, as mulheres
entrevistadas foram selecionadas a partir da rua principal. Escolheu-se a
primeira casa da avenida (sentido oeste/leste) em que residisse pelo menos uma
mulher que atendesse aos critérios de inclusão, para ser o ponto de partida das
entrevistas. O inquérito domiciliar ocorreu entre junho e agosto de 2013, com o
acompanhamento dos agentes comunitários de saúde (ACS), atendendo a todas as microáreas da Unidade Integrada de Saúde da Família.
O
instrumento de coleta de dados aplicado com auxílio dos ACS consistiu em
formulário de entrevista contendo caracterização sociodemográfica, hábitos de
vida, histórico sexual/reprodutivo, bem como perguntas envolvendo conhecimento,
atitude e prática (CAP) acerca do uso do preservativo adaptado dos modelos de
inquérito CAP na população brasileira quanto às IST e HIV. Para este estudo,
utilizou-se a primeira parte do questionário, englobando os fatores
sociodemográficos, sexual e reprodutivo.
Para
fins estatísticos, as mulheres solteiras, separadas e viúvas foram agrupadas na
categoria ‘sem companheiro’. Já as mulheres em união consensual e casadas foram
incorporadas à categoria ‘com companheiro’. A análise descritiva ocorreu com o
auxílio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0.
O
desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética
em pesquisa envolvendo seres humanos. Foram realizadas orientações às participantes
quanto à finalidade da pesquisa, garantia de sigilo, direito de desistência em
qualquer fase do estudo e a leitura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro
de Ciências da Saúde, sob protocolo nº 0251 e CAAE nº 14726213.3.0000. 5188.
os
achados são de abrangência local, nesse sentido, os dados não poderão ser
generalizados para outros contextos. Além disso, a intenção não foi procurar na
comunidade, mulheres contaminadas pelo HIV, mas investigar mulheres que
porventura estivessem em vulnerabilidade, para proceder à comparação entre os
perfis, considerando os elementos citados anteriormente.
Adiante
é possível visualizar os aspectos sociodemográficos das participantes do estudo
(Tabela I).
Tabela
I
- Caracterização sociodemográfica de
mulheres residentes em aglomerado subnormal. João Pessoa/PB, 2014.
*Foram agrupadas em Parda as mulheres que
se caracterizaram como parda, mulata ou morena.
Posteriormente
realizou-se a caracterização sexual e reprodutiva das participantes (Tabela
II).
Tabela
II
- Comportamento sexual e características
reprodutivas de mulheres residentes em aglomerado subnormal. João Pessoa/PB,
2014.
*Cálculo com 255 episódios de gravidez
Conforme
o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), a maior concentração
dos casos de aids no Brasil está entre os indivíduos com idade entre 25 e 39
anos, faixa etária correspondente a 50,3% do total de casos em mulheres desde
1980 a junho de 2014. Ainda sobre as mulheres, no ano de 2014, a faixa etária
de maior concentração de casos foi de 30-34 anos [2].
Quanto
à raça/cor houve proporção de 44,3% dos casos de aids entre os autodeclarados
pardos no país, demonstrando aumento significativo nessa população. Quando se
observa os casos em mulheres no ano de 2014, a maior proporção ainda se
concentrou entre as pardas, totalizando 48,2%. Sobre a escolaridade observou-se
concentração maior de casos entre aqueles com ensino médio (22,7%) e
fundamental (22,5%) [2]. No período entre 1980-2014, as maiores proporções de
casos da doença foram para as mulheres entre 5ª-8ª série incompleta (33,5%).
Sobre
este aspecto, pesquisa desenvolvida com 64 indivíduos jovens e adultos, brancos
e negros, sexualmente ativos, de ambos os sexos, nas cidades de São Paulo e
Recife explicitou menor poder de negociação do uso do preservativo entre as
mulheres menos escolarizadas. Isso as deixava mais vulneráveis ao HIV. Esse
resultado indicou que ações preventivas e educativas devem focalizar mulheres
que não tiveram/têm acesso à escola, atentando para as assimetrias de gênero e
especificidades regionais [5].
Neste
estudo, a média de idade das participantes foi de 33 anos, encaixando-se tanto
na faixa etária de prevalência geral da doença no país, quanto na faixa etária
de casos de mulheres do último ano. Além disso, a maioria das participantes é
parda e se concentra no ensino fundamental, aproximando-se sobremaneira do
retrato de atingidas pela aids no Brasil, demonstrando a semelhança entre os
perfis e sustentando a vulnerabilidade destas participantes à epidemia.
Investigação
realizada em São Paulo com mulheres que vivem com HIV explicitou que o grau de
escolaridade estava diretamente ligado ao vínculo empregatício e ao valor da
renda mensal. Portanto, níveis educacionais mais baixos concorrem para
trabalhos menos remunerados, reduzindo o poder aquisitivo e situando quem
estuda menos na esfera da pobreza [6]. O perfil da mulher que vive com HIV/aids
perpassa pela incompletude educacional, não vínculo empregatício (nomeadas do
lar) ou emprego em serviços de baixa qualificação [7].
Os
resultados apontaram que 46,67% das mulheres não trabalhavam ou referiram ser
‘do lar’ e 64% sobreviviam com rendimento de até 1 salário mínimo. As
atividades laborais e ocupacionais realizadas pela maioria das participantes
não necessita de maior aperfeiçoamento intelectual, do ponto de vista da
escolarização, mas de vigor físico para desempenhar atividades de cunho
domiciliar e prestação de serviços.
O
último Censo sobre aglomerados subnormais identificou que na Região Nordeste, a
Paraíba apresenta a segunda taxa de analfabetismo para maiores de 15 anos e a
maioria das mulheres é parda e com rendimento mensal de até um salário mínimo
[8]. Considerando o contexto social das mulheres que vivem em aglomerados
subnormais, é possível perceber profundas dificuldades do ponto de vista da
profissão, renda e situação educacional, revelando um estrato social
desfavorecido. Isto sugere que a qualificação educacional pode ficar para
segundo plano, ao considerar a força de trabalho como elemento importante à
manutenção das necessidades cotidianas, cuja escolaridade elevada não
necessariamente se torna relevante para tal finalidade.
Em
relação à situação conjugal, 63% possui companheiro. Pesquisa realizada com
mulheres casadas soronegativas ou sorodesconhecidas e
que moram com o parceiro atual por mais de um ano afirmou que a estabilidade da
união está relacionada à vulnerabilidade ao HIV, devido ao não uso do
preservativo durante a relação sexual condicionado por diversos aspectos,
dentre eles, confiança e fidelidade [9]. Outro fator que pode influenciar a feminização
da epidemia da aids é a desigualdade de gênero, que se consolida em âmbito
político, cultural e socioeconômico [10].
Logo,
relações de gênero aliadas ao menor acesso a bens de consumo e certamente à
educação aumentam a vulnerabilidade à doença. Estas são algumas das
características estruturantes da pobreza, propondo a concepção de que as
pesquisadas novamente se adequam ao perfil feminino da epidemia da aids em
nível nacional. O reconhecimento de áreas de risco, principalmente aquelas em
franca situação de pauperização, é salutar para o planejamento de ações
voltadas à prevenção e controle da doença.
A
prevenção é uma ação intersetorial, que deve ser trabalhada em parceria com
órgãos relacionados à melhoria das condições sociais de grupos menos
favorecidos. A (co) operação de órgãos distintos é
iniciativa essencial à construção de uma sociedade mais igualitária e saudável,
considerando a pobreza como elemento significante ao aumento dos índices
nacionais de infecção pelo HIV.
Neste
estudo, 234 (78%) participantes alegaram ter consumido álcool em pelo menos um
episódio da vida, o que é uma quantidade consideravelmente elevada. Em relação
ao uso de drogas ilícitas, 36 (12%) mulheres já utilizaram algum tipo de
substância psicoativa ilegal. Ainda, 263 (87,66%) mulheres concordaram que o
uso de álcool ou drogas poderia influenciar na prática do sexo sem
preservativo. Destas, 60 (22,81%) afirmaram ter praticado relação sexual após
consumo de álcool ou drogas sem a utilização do preservativo.
Corroborando
esse achado, pesquisa realizada no Brasil com pessoas entre 15 e 64 anos
demonstrou que 7.899 (72,7%) indivíduos acreditavam que o uso de álcool/drogas
influenciava na relação sexual sem preservativo, e 1.920 (24%) entrevistados já
deixaram de usar preservativos em decorrência desta influência [11]. Logo,
consumo de álcool e drogas ilícitas são fatores importantes ao risco de
contaminação, já que ambos atuam como substâncias moduladoras de práticas
sexuais [12].
Embora
neste estudo, a minoria tenha tido algum episódio de sexo desprotegido sob a
influência de bebida ou droga, o uso dessas substâncias ainda é considerado
elemento importante à vulnerabilidade para o sexo sem proteção e,
consequentemente, para a aquisição de doenças transmitidas durante o ato
sexual. Nessa esfera, pode-se sugerir que apesar de menos frequente, houve
vulnerabilidade ao HIV, ao conceber a relação entre o não uso do preservativo
ocasionado pelo efeito de substâncias psicoativas.
A
média de idade do início da atividade sexual foi de aproximadamente 16 anos (DP
= 3,26%). Observou-se que 170 (56,67%) mulheres tiveram sua sexarca
entre 14-18 anos e 219 (73%) não utilizaram preservativo durante a primeira
relação sexual (Tabela II). O início da atividade sexual antes da maioridade
etária e não uso do preservativo durante a primeira relação pode enquadrar a
maioria como pregressas candidatas à aquisição de IST/HIV, demonstrando a
vulnerabilidade destas mulheres, quando adolescentes ou jovens iniciantes da atividade
sexual precoce e, sobretudo, na desproteção da primeira experiência sexual.
Investigação
afirmou que importante fator para adesão ao preservativo é o momento da
iniciação sexual, pois quanto mais precoce for, menos maturidade existirá para
avaliação do método mais adequado a ser utilizado. A inexperiência,
imprevisibilidade do ato, falta de informações, crenças negativas e tipo de
vínculo afetivo são fatores que interferem na utilização do preservativo para
prevenir doenças e gestações não planejadas [13]. Nesse enfoque, a precocidade
da primeira relação sexual se configura como forte elemento ao risco de
contaminação no contexto da vulnerabilidade social e cultural [14].
De
modo específico, embora em menor frequência, houve casos de ocorrência de IST
(11,34%) e considerável ocorrência de gravidez não planejada, atingindo cerca
de 40% das mulheres (Tabela II). Estes resultados apontam frágil adesão ao uso
de preservativos dentro deste grupo, consolidando a vulnerabilidade à doença.
Sobre isto, pesquisa explicitou que aproximadamente um a cada três
participantes possuía alto risco de infecção ao HIV ou gravidez não planejada
[15]. Existe também relação entre o HIV e a prevalência de história referida de
IST por aumentarem a biovulnerabilidade à
contaminação [12,16,17].
Nesse
escopo, é necessário considerar também as relações de gênero como
influenciadoras do aumento da vulnerabilidade das mulheres a essas doenças.
Infelizmente, a subordinação feminina promove a exclusão do seu poder de decisão
e liberdade sobre a vida sexual, expondo-a cada vez mais, à epidemia da aids e
a outras IST [18]. A participação mais efetiva das mulheres na luta a favor da
autonomia sobre o seu próprio corpo poderia ser um grande avanço para a
resolutividade dos seus problemas de saúde [19].
Ainda
na tabela II, 99,67% das mulheres referiram heterossexualidade e 76,67%
parceria fixa. Nessa esfera, ao longo da última década, percebe-se que também
houve aumento significativo na incidência do HIV entre a população
heterossexual [20]. Especificamente em 2012, 86,8% dos casos registrados em
mulheres decorreram de relações heterossexuais [20]. Nesse ínterim, a
vulnerabilidade ao HIV acompanhou as mulheres em união heterossexual
estável/casadas, demonstrando que a heterossexualização e a feminização da
epidemia se relacionam, sobretudo, aos aspectos sociais que estimulam o não uso
dos preservativos nas relações sexuais matrimoniais [9].
De
forma global, os modos mais comuns de transmissão do HIV são descritos em
mosaico, ou seja, na África Subsaariana e Caribe prevalece à transmissão
heterossexual, no Leste europeu ocorre transição do modo de transmissão por
drogas injetáveis para a transmissão heterossexual, na Ásia ainda predomina o
uso de drogas injetáveis e o sexo desprotegido através da prostituição,
enquanto na América Latina homens que fazem sexo com homens ainda prevalece,
embora haja aumento na transmissão heterossexual em alguns países, inclusive no
Brasil [10], cujos dados apontam que 97,4% das mulheres com mais de 13 anos se
contaminaram por transmissão sexual [2].
Estes
achados indicam as dificuldades institucionais e individuais de implementar
ações que possam, em médio e longo prazos, mostrar-se eficazes no controle de
problemas de saúde de natureza tão delicada, já que envolve questões íntimas e
comportamentais lapidadas social e culturalmente, que são confrontadas com o
paradoxo de ações preventivas simplórias, como o uso do preservativo.
Dada a
sua representatividade local, os resultados obtidos podem subsidiar o
planejamento de intervenções compatíveis com as necessidades inerentes à
realidade pesquisada, haja vista retratar aspectos importantes que podem ser
alvo de intervenções provindas da equipe de saúde e de docentes que atuam na
Unidade Integrada de Saúde da Família. Em particular, os resultados podem
subsidiar o desenvolvimento de ações que envolvam a enfermagem, pelo seu
importante papel na educação em saúde.
Em
relação ao perfil sociodemográfico das atuais vítimas de contaminação pelo HIV,
enquadram-se mulheres entre 30-34 anos, pardas, com pouca escolaridade, renda
precária, desempregadas ou exercendo ocupações menos qualificadas e
remuneradas. Portanto, pode-se afirmar que as participantes do estudo apresentaram
características de vulnerabilidade conducentes ao contexto das atingidas pela
aids no Brasil.
Além
disso, quanto aos aspectos sexuais e reprodutivos, precocidade e desproteção na
primeira experiência sexual, ocorrência de IST, gestação não planejada,
heterossexualidade e parceria fixa se consolidam como comportamentos e fatores
de risco à contaminação por infecções sexuais e HIV, evidenciando também a
vulnerabilidade individual do grupo pesquisado, que pode ser decorrente de
aspectos culturais, a exemplo das relações de gênero que imprimem à mulher a
aceitação de práticas sexuais sem o uso do preservativo. Questões de gênero
devem ser incluídas com maior intensidade nas ações voltadas à saúde da mulher.
Desse
modo, a aids provoca a mobilização de diversas instâncias no sentido de frear a
evolução da epidemia. Entretanto, ainda há muito a fazer neste sentido, já que
a vulnerabilidade perpassa por questões que superam o individual, estendendo-se
ao sociocultural. Nessa dimensão, residir em um aglomerado subnormal não se
constitui escolha, mas questão de necessidade, já que viver em precárias
condições de saneamento básico, infraestrutura, exclusão urbanística e social,
com riscos ambientais, expõe essas mulheres a uma situação de pobreza que as
deixam vulneráveis aos diversos condicionantes da epidemia.