ARTIGO ORIGINAL

Perfil sociodemográfico, clínico e terapêutico de pacientes com câncer em uso de opioides e com constipação intestinal

 

Glenda Agra, M.Sc.*, Ana Ester Dantas Lopes**, Ana Paula Mendonça Falcone***, Egberto Santos Carmo****, Leonardo Lima Nascimento Silva Filho*****, Janislei Soares Dantas******

 

*Enfermeira, Especialista em Terapia Intensiva e Cuidados Paliativos, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB/PB), Docente do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba (UFCG/PB), **Enfermeira, Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba (UFCG/PB), ***Nutricionista, Docente da Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba (UFCG/PB), ****Docente do Curso de Graduação em Farmácia da Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité, Paraíba (UFCG/PB), *****Enfermeiro, Especialista em Enfermagem em Nefrologia, ******Enfermeira, Especialista em Enfermagem Dermatológica

 

Recebido em 8 de setembro de 2018; aceito em 8 de fevereiro de 2018.

Endereço para correspondência: Glenda Agra, Rua Nicola Porto, 251, 58038-120 João Pessoa PB, E-mail: glendaagra@outlook.com; Ana Ester Dantas Lopes: anaesterdlopes@hotmail.com; Ana Paula Mendonça Falcone: ana_paulamendonca@hotmail.com; Egberto Santos Carmo: egberto_santos@yahoo.com.br; Leonardo Lima Nascimento Silva Filho: leo-lima-filho@bol.com.br; Janislei Soares Dantas: janisleid@hotmail.com

 

Resumo

O objetivo deste estudo foi descrever o perfil sociodemográfico, clínico e terapêutico de pacientes oncológicos em uso de opioides com constipação intestinal. Trata-se de uma pesquisa descritiva, transversal realizada em um hospital filantrópico da Paraíba em 2015, com 20 pacientes oncológicos em uso de opioides apresentando constipação intestinal. A pesquisa foi realizada a partir de um questionário semiestruturado, contendo questões objetivas e subjetivas baseadas nos Critérios de Roma III e Escala de Bristol. Para a análise dos dados foi adotada a estatística descritiva, cujos dados foram discutidos à luz da literatura. Os resultados revelam uma ocorrência da constipação intestinal maior em mulheres e está relacionada ao uso frequente de opioides, sobretudo de morfina. Portanto, vê-se a importância da constipação intestinal ser abordada pela equipe multiprofissional de forma a realizar ações sistematizadas e inter-relacionadas, visando à prevenção e ao tratamento, haja vista ser um sintoma que está relacionado aos fármacos prescritos, à dieta e aos hábitos de vida.

Palavras-chave: neoplasia, analgésicos opioides, constipação intestinal.

 

Abstract

Sociodemographic, clinical and therapeutic profile of opioid cancer patients with intestinal constipation

The objective of this study was to describe the sociodemographic, clinical and therapeutic profile of oncologic patients using opioids with intestinal constipation. This is a descriptive, cross-sectional study conducted at a philanthropic hospital in Paraíba in 2015, with 20 cancer patients on opioids with intestinal constipation. The research was carried out from a semi-structured questionnaire, containing objective and subjective questions based on the criteria of Rome III and Bristol Scale. For the analysis of the data the descriptive statistics were adopted, whose data were discussed in light of the literature. The results reveal the occurrence of greater intestinal constipation in women related to frequent use of opioids, especially morphine. Therefore, the importance of intestinal constipation is addressed by the multiprofessional team in order to carry out systematized and interrelated actions aimed at prevention and treatment, since it is a symptom that is related to the prescribed drugs, diet and habits of life.

Key-words: neoplasm, opioid analgesics, intestinal constipation.

 

Resumen

Perfil sociodemográfico, clínico y terapéutico de pacientes con cáncer en uso de opioides y con constipación intestinal

El objetivo de este estudio fue describir el perfil sociodemográfico, clínico y terapéutico de pacientes oncológicos en uso de opioides con constipación intestinal. Se trata de una investigación descriptiva, transversal realizada en un hospital filantrópico de Paraíba en 2015, con 20 pacientes oncológicos en uso de opioides presentando constipación intestinal. La investigación fue realizada a partir de un cuestionario semiestructurado, conteniendo cuestiones objetivas y subjetivas basadas en los Criterios de Roma III y Escala de Bristol. Para el análisis de los datos se adoptó la estadística descriptiva, cuyos datos fueron discutidos a la luz de la literatura. Los resultados revelan una aparición del estreñimiento intestinal mayor en las mujeres y está relacionada con el uso frecuente de opioides, sobre todo de morfina. Por lo tanto, se ve la importancia del estreñimiento intestinal ser abordada por el equipo multiprofesional de forma a realizar acciones sistematizadas e interrelacionadas, visando la prevención y el tratamiento, ya que es un síntoma que está relacionado a los fármacos prescritos, a la dieta y a los hábitos de vida.

Palabras-clave: neoplasia, analgésicos opioides, constipación intestinal.

 

Introdução

 

A constipação intestinal é classificada como um distúrbio relacionado à dificuldade na eliminação das fezes, que ocorre geralmente de três a quatro dias, causando a sensação de evacuação incompleta, desconforto abdominal ou dor como também há a necessidade de manobras que facilitem o trânsito do bolo fecal. Nesse caso, as fezes apresentam-se com volume reduzido e de forma endurecida. Esse distúrbio pode ser identificado por queixas relacionadas à anorexia, vômitos, náuseas, diarreia paradoxal, incontinência urinária, tenesmo e obstrução intestinal, além de ocasionar delírio em idosos [1].

Em pacientes hospitalizados para receber tratamento antineoplásico, a prevalência de constipação varia de 70% a 100%. Estudos em pacientes com neoplasias avançadas e que recebem cuidados em hospices mostraram que 23% a 84% dos pacientes apresentavam constipação [2].

Uma análise do hábito intestinal em pacientes oncológicos atendidos em um programa de dor e cuidados paliativos mostrou que a dor é o sintoma mais frequente e a constipação é o sintoma de maior incidência e que está associado ao uso de morfina [3].

Os sintomas da constipação intestinal podem variar de leves até graves. Quando leve, não causa grande impacto na qualidade de vida do paciente, mas quando grave há um enorme comprometimento da capacidade funcional, levando os pacientes a considerar esse sintoma algo ainda mais angustiante do que a dor. Nesse caso, alguns tentam até desistir ou diminuir o uso de opioides com o intuito de minimizar os sintomas da constipação [1,4-5].

As consequências da constipação intestinal crônica incluem complexos hemorroidários, impactação fecal, prurido anal, diarreia paradoxal ou diarreia por transbordamento. Faz-se mister enfatizar que tais sintomas nos pacientes com nível de consciência rebaixado e em cuidados ao fim de vida podem induzir ou agravar um quadro de agitação psicomotora e delirium [1,5-6].

O diagnóstico da constipação intestinal é realizado por meio de uma anamnese e exame físico, no entanto deve estar fundamentado na avaliação criteriosa de parâmetros que levem em consideração a frequência das evacuações e as características das fezes produzidas [1,5-6].

Nesse ínterim, no manejo da constipação intestinal relacionada ao uso de opioides, medidas medicamentosas constituem a primeira escolha com ênfase em abordagem dietética e modificações de hábitos de vida. Os medicamentos laxativos estão indicados quando as primeiras alternativas falham, não demonstrando diferença significativa de eficácia entre eles, sobretudo por longo prazo. Quando usados em esquemas recomendados, sua segurança se equivale [1,4-5,7].

Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo descrever o perfil sociodemográfico, clínico e terapêutico de pacientes com câncer em uso de opioides e que apresentam constipação intestinal.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo transversal realizado na Fundação Assistencial da Paraíba, localizada no município de Campina Grande na Paraíba, que atende a pacientes com câncer.

O universo estudado foi composto por pacientes com câncer assistidos no local selecionado para o estudo. Para composição da amostra, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: pacientes com idade igual ou superior a 18 anos; que estivessem fazendo uso de fármacos opioides; que apresentassem constipação intestinal; e como critérios de exclusão: pacientes que não estivessem em condições físicas e mentais para responder à entrevista.

Os dados foram coletados a partir de um questionário semiestruturado, elaborado pelos pesquisadores, contendo questões objetivas norteadas pelos Critérios de Roma III e Escala de Bristol [2], que enfatizam aspectos relacionados à frequência do hábito intestinal, características dos excrementos e sintomas associados à constipação intestinal. A coleta de dados realizou-se nos meses de fevereiro e março de 2015, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, sob o no. CAAE 10005812.6.0000.5188.

Inicialmente, os pesquisadores dirigiam-se ao setor de Oncologia Clínica da instituição para verificação dos prontuários dos pacientes internados, sendo identificados no período da coleta de dados 64 prontuários. Porém, apenas 20 pacientes atenderam aos critérios adotados, constituindo assim a amostra do estudo. Contudo, somente 20 pacientes apresentaram constipação intestinal e tinham condições físicas e mentais para responder às questões.

A pesquisa obedeceu a Resolução 466/2012, que norteia pesquisas envolvendo seres humanos. Nesse sentido, aos participantes do estudo, foi solicitada autorização para gravação da entrevista, garantido-lhes o caráter voluntário, o anonimato da participação e a possibilidade de desvinculação da pesquisa sem qualquer prejuízo para sua assistência. Em seguida, foram convidados à leitura do termo do consentimento livre e esclarecido, para em seguida, obtenção de sua autorização para entrevista.

Os participantes da pesquisa responderam ao questionário nas enfermarias com duração média de 20 minutos. Para a apresentação dos dados foi adotada a estatística descritiva e os dados foram analisados e discutidos à luz da literatura pertinente.

 

Resultados e discussão

 

Logo abaixo, os dados serão apresentados em forma de tabelas e discutidos à luz da literatura pertinente. Nesta ordem, seguem os dados sociodemográficos dos participantes da pesquisa destacados na Tabela I.

 

Tabela I - Distribuição dos dados sociodemográficos dos participantes da pesquisa, Campina Grande/PB, 2015.

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

 

De acordo com dados da Tabela I, observa-se que a maioria era do sexo feminino (75%), com idade entre 41 e 50 anos (35%), casadas (65%) com ensino fundamental completo e domésticas (35%).

Com relação ao sexo dos participantes, os dados corroboram literaturas consultadas, que apontam a constipação como um sintoma mais comum no sexo feminino [3,5,8,9]. Além disso, em relação à idade, os dados do presente estudo mostraram predominância na faixa etária de 41 a 51 anos correspondendo a sete (35%) participantes da pesquisa. Estudos mostram que a prevalência de constipação intestinal aumenta com a idade, sendo mais prevalente em mulheres e mais comum em famílias de baixa renda [3,5,8,9].

Autores ressaltam que a constipação intestinal acontece mais em mulheres, devido às alterações hormonais, danos à musculatura do assoalho pélvico durante cirurgias ginecológicas e obstétricas. Ademais, a prevalência ocorre em pessoas com idade maior de 40 anos, devido à presença de doenças crônicas, debilidade física e uso excessivo de medicamentos [3,5,8,9].

Esta pesquisa também evidenciou que os idosos também são mais suscetíveis a desenvolver constipação. Nesse sentido, autores ressaltam que as pessoas idosas reportam problemas com constipação com frequência cinco vezes maior que as pessoas mais jovens. E isso pode ser explicado devido a diversos fatores, tais como: idosos que apresentam dentaduras com má adaptação ou que perderam os dentes apresentam dificuldade para mastigar e, com frequência, optam por alimentos macios e processados, os quais são pobres em fibras; os alimentos de conveniência, também pobres em fibras, são demasiadamente utilizados por aqueles que perderam o interesse na alimentação; idosos reduzem sua ingesta de líquido quando não estão ingerindo refeições regulares e apresentam sensação diminuída para evacuar e por causa disso utilizam laxativos em excesso como uma tentativa para realizar uma evacuação diária, ficando desse modo, dependentes de tais medicamentos [10].

 

Tabela IIDistribuição dos participantes da pesquisa de acordo com o tratamento cirúrgico e farmacológico para o câncer, Campina Grande/PB, 2015.

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

 

A Tabela II destaca que a cirurgia mais realizada foi a mastectomia (40%) e o opioide mais utilizado foi a morfina (35%). Nesse sentido, vale ressaltar que o câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres, respondendo por 22% dos casos novos a cada ano. Nesta perspectiva, é, na maioria dos casos, tratado cirurgicamente de acordo com o estadiamento clínico na ocasião do diagnóstico. O tratamento cirúrgico para o câncer de mama compreende operações não conservadoras e conservadoras. O tratamento cirúrgico conservador responde por mais de 40% das operações realizadas para o tratamento do câncer de mama [11].

Dentre os fatores relacionados ao procedimento cirúrgico, a presença e a intensidade da dor no pós-operatório são relevantes, pois quanto maior a intensidade da dor pós-operatória, maior o consumo de analgésicos [5,9,12]. Nos casos em que os pacientes estão fora de possibilidades terapêuticas de cura, mas que apresentam tumores gigantes e/ou feridas tumorais malignas, a mastectomia higiênica é indicada e a dor é referida como intensa, por esse motivo, são prescritos opioides [13].

Estudo realizado com 30 mulheres mastectomizadas verificou que a dor foi frequente em 16 (46,7%) delas, sobretudo quando as mesmas realizavam quaisquer movimentos e os opioides foram os medicamentos prescritos para o alívio da dor dessas mulheres [12].

De acordo com a Tabela II, os dados obtidos mostram que as drogas mais utilizadas entre os pacientes que apresentam a constipação são morfina, codeína, tramal, fentanil, meperidina e metadona, respectivamente. A morfina é a droga mais utilizada entre os participantes da pesquisa, correspondendo a sete (35%) pacientes.

Mesmo sem submeter a qualquer procedimento cirúrgico, o câncer, quando instalado, pode ocasionar dor e a busca para o seu controle se faz, geralmente, pelo uso de opioides fracos e fortes, os quais, consequentemente, promovem constipação intestinal [1,14-17].

Estudos com pacientes constipados revelam a associação entre o início precoce do uso de opioides, sobretudo de morfina [17] e maior incidência desta complicação, principalmente nos pacientes que estão em paliação [4,18].

Estudo realizado com 22 pacientes oncológicos verificou que todos utilizavam morfina como analgésico opioide; destes, seis (27,2%) desenvolveram constipação intestinal e 14 (63%) estavam fora de possibilidades de cura e recebiam quimioterapia paliativa. Vale ressaltar que a ocorrência de constipação intestinal é alta (40% a 60%) após o início dos opioides, independente do tipo de morfina prescrita, seja de liberação imediata ou lenta [3].

A ação constipante dos opioides acontece devido a um bloqueio no peristaltismo propulsivo do trato gastrointestinal (TGI), inibição da secreção de fluidos e íons, aumento da reabsorção intestinal de líquidos e eletrólitos, aumento do tônus dos esfíncteres intestinais e dano ao reflexo da defecação [1,5,9].

 

Tabela III - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com os fatores de risco relacionados ao aparecimento da constipação intestinal, Campina Grande/PB, 2015.

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

 

De acordo com a Tabela III, os participantes da pesquisa apresentam fatores de risco que contribuíam para o desenvolvimento da constipação, dentre eles 10 (50%) participantes estavam acamados; 11(55%) ingeriam menos que 1000 ml de líquidos e 11 (55%) participantes da pesquisa referiram que apresentavam dificuldade ao evacuar quando na companhia de outras pessoas.

Em relação à limitação física, vale salientar que a falta de exercício e o repouso prolongado no leito também contribuem para a constipação, pois diminuem o tônus da musculatura abdominal, motilidade intestinal e o tônus do tônus do esfíncter anal [1,5,9].

Ademais, autores ressaltam que além da limitação física, outros fatores como restrição hídrica, dieta pobre em fibras, uso de medicação constipante e falta de privacidade para evacuar, indisponibilidade de um sanitário, uso de fraldas ou ‘comadres’, bem como mudança no estilo de vida, uso excessivo de laxantes e inibição da função fisiológica da defecação são também influenciadores para o desenvolvimento da constipação [1,2,5,9].

A evacuação é um direito básico à dignidade e honra dos pacientes; um ato íntimo que deve ser respeitado. Quando a privacidade não é garantida, os pacientes podem conter-se em relação aos movimentos intestinais, levando à constipação intestinal pelo adiamento da defecação. Esta condição normalmente ocorre entre pacientes que estão hospitalizados, sobretudo em cuidados paliativos, uma vez que são os mais prejudicados devido à evacuação ser assistida pela equipe de saúde. É possível, em muitos casos, redimensionar o cuidado e criar um ambiente favorável, de modo a assegurar a privacidade desses pacientes [18].

No que se refere à administração da dieta, verificou-se que todos os participantes da pesquisa (100%) faziam uso de dieta por via oral. Nessas circunstâncias, vale mencionar que a evolução da doença concorre para redução do apetite e sede do paciente, bem como aparecimento de efeitos colaterais causados pelas medicações utilizadas, alterações fisiológicas, como o retardo do esvaziamento gástrico ou problemas de absorção, o que predispõe para o aparecimento da constipação intestinal que, por sua vez, causa desconforto físico e psíquico [1,5,9]. Nesses casos, recomenda-se o fracionamento das refeições, com volume de líquidos e alimentos adequados à tolerância individual [18].

 

Tabela IV - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com os critérios de Roma III e Escala de Bristol, Campina Grande/PB, 2015.

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

 

A Tabela IV destaca a caracterização dos participantes da pesquisa no que se refere ao hábito evacuatório, levando em consideração os Critérios de Roma III e Escala de Bristol.

No que diz respeito à frequência no hábito intestinal, todos os participantes da pesquisa (100%) afirmaram evacuar menos de três vezes por semana. Nesse sentido, vale destacar que o Instituto Nacional do Câncer dos EUA (NCI) considera a constipação como sendo a condição na qual as fezes se tornam duras, secas e de difícil passagem e as evacuações não acontecem com frequência. Outros sintomas podem incluir evacuações dolorosas e sensação de “estufamento”, desconforto e “intestino preguiçoso” [2].

No que se refere aos Critérios de Roma III, adotados neste estudo, 18 (90%) dos participantes referiram dor ao evacuar e todos (100%) relataram esforços durante à defecação.

Os Critérios de Roma III são utilizados para classificar pessoas com quadro de constipação intestinal quando apresentam dois ou mais dos seguintes sintomas, no período dos últimos três meses: esforço evacuatório, fezes duras ou em cíbalos, sensação de evacuação incompleta, sensação de bloqueio anorretal, necessidade de manobras manuais facilitadoras e frequência de evacuações inferior a três vezes por semana, com início das manifestações em pelo menos 25% das evacuações em no mínimo seis meses antes do diagnóstico [2].

No que se concerne à Escala de Bristol, adotada neste estudo, 17 (85%) participantes da pesquisa verbalizaram que a consistência de suas fezes era em forma de bolinhas, duras e que apresentavam dificuldade de passar pelo canal anal.

Sobre o conteúdo intestinal, vale enfatizar que os tipos das fezes são consequência direta do tempo de permanência das mesmas em contato com a mucosa do intestino grosso, pois quanto maior o tempo, maior será a absorção de água [19]. Nessas circunstâncias, a Escala de Bristol define a constipação exclusivamente em relação ao aspecto das fezes, classificando-as em sete categorias que vão desde as fezes endurecidas eliminadas em cíbalos até as fezes totalmente líquidas. Embora as escalas do formato das fezes sejam um método simples de avaliar a velocidade do trânsito intestinal, estas não são amplamente aceitas na prática clínica ou em pesquisa, possivelmente em decorrência da falta de evidência de que elas sejam responsivas às mudanças no tempo de trânsito [2].

 

Tabela VDistribuição dos participantes da pesquisa de acordo com o tratamento da constipação e complicações oriundas da patologia, Campina Grande/PB, 2015.

 

Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

 

A Tabela V revela que 12 (60%) participantes da pesquisa constipados usavam fármacos laxativos (lactulose e bisacodil) e oito (40%) utilizavam medidas não farmacológicas (chá de mamão) com o objetivo de proporcionar evacuação.

Estudo refere que os pacientes que desenvolveram constipação em decorrência do uso de morfina utilizaram lactulose (1 ml/kg/dia) para todos os casos, no entanto somente em dois pacientes foi administrado bisacodil, pois ambos apresentavam intolerância à lactulose [3].

Estudos afirmaram que os efeitos adversos da constipação intestinal relacionada ao uso de opioides seriam controlados com o uso de laxantes profilaticamente, sendo recomendada à prescrição e administração logo no início do tratamento, evitando, desse modo, complicações maiores [3,17]. Outro estudo informa que laxantes à base de sene podem ser administrados aos pacientes que fazem uso de opioides de forma prolongada, sobretudo naqueles que estão em cuidados paliativos, exceto quando existam contraindicações, pois são bem tolerados e apresentam baixo custo financeiro em relação aos demais fármacos [3-4,17-18].

No que se refere ao tratamento nutricional, 13 (65%) participantes responderam que se alimentavam de uma dieta laxativa. Nessa perspectiva, é correto afirmar que mesmo com o acompanhamento nutricional, a oferta de líquidos e alimentos deve ser encorajada. Há casos difíceis ou impossíveis da constipação ser revertida, devido à própria condição do paciente, que, muitas vezes, apresenta-se com caquexia ou que a ingestão está sendo insuficiente para o funcionamento normal do trânsito intestinal e consistência fecal. Nesses casos, outros medicamentos antagonistas de receptores opioides e com ação periférica (oxicodona, naloxona e metilnaltrexona) podem ser uma alternativa substitutiva a outros opioides, uma vez que apesar de possuírem mecanismo idêntico ao opioides, apresentam diferenças específicas na afinidade do receptor e farmacodinâmica, o que repercute em diferenças positivas na analgesia e na diminuição de efeitos colaterais [3,15,18].

No tocante às complicações, 14 (70%) participantes referiram que a constipação influenciava negativamente na realização de suas atividades diárias, mas que não (85%) interferiam no convívio com outras pessoas e que não (60%) apresentaram complicações em decorrência desse sintoma.

Nesse contexto, o Ministério da Saúde [19] enfatiza que a constipação, na maioria das vezes, causa mudanças negativas na qualidade de vida dos pacientes, levando-os a considerá-la um fator mais angustiante do que a própria dor. Esses chegam até a recusar a administração dos opioides, com intuito de diminuir os sintomas desse distúrbio. Nesses casos, recomenda-se realizar o tratamento sintomático da constipação intestinal induzida por opioides, individualizar a dose inicial, que deve ser baseada na intensidade da dor do paciente e na ocorrência de efeitos adversos, substituir um opioide por outro, a fim de melhorar a qualidade de vida do paciente [3,15,17].

 

Conclusão

 

Conclui-se que a prevalência da constipação intestinal em decorrência da utilização de opioides foi maior em mulheres, com faixa etária entre 41 e 51 anos de idade; a mastectomia foi o procedimento mais realizado e a droga de escolha mais utilizada foi morfina seguida da codeína.

No que se refere aos fatores de risco relacionados ao aparecimento da constipação intestinal estão: a diminuição da hidratação oral e a dificuldade quanto à privacidade ao evacuar. Em relação aos Critérios de Roma III e Escala de Bristol, todos os participantes da pesquisa relataram frequência diminuída no hábito intestinal (menos que três vezes por semana), dor ao evacuar, esforço ao evacuar e a maioria deles verbalizou que suas fezes tinham consistência endurecida e que eram difíceis de passar pelo canal.

No que concerne ao manejo clínico da constipação intestinal, a maioria dos participantes da pesquisa utiliza medicamentos laxativos no intuito de melhorar os episódios evacuatórios. Também foi destacado que a constipação intestinal influenciava negativamente na realização das atividades diárias e que apresentaram complicações decorrentes desta patologia.

Neste estudo foi possível observar a necessidade de acompanhamento da função intestinal dos pacientes internados com abordagem multidisciplinar para registrar a frequência de evacuação dos pacientes e a necessidade de seguimento de protocolos para minimizar este sintoma.

De acordo com esses resultados, vê-se a importância da constipação intestinal ser abordada pela equipe multiprofissional de forma a realizarem ações sistematizadas e inter-relacionadas, visando à prevenção e o tratamento, haja vista ser um sintoma que está relacionado aos fármacos prescritos, à dieta e aos hábitos de vida. Além disso, o paciente oncológico deve ser considerado o principal alvo na atenção à saúde, para isso devem ser apoiados durante a investigação das suas queixas que viabilizam a manutenção e/ou obtenção de melhor qualidade de vida.

Perante os resultados encontrados, considera-se importante a realização de pesquisas de campo para verificar a frequência dos fatores etiológicos e influenciadores da constipação intestinal, assim como a elaboração de um plano de cuidados multiprofissionais voltados para o controle deste sintoma. Para tanto, faz-se necessário capacitação de profissionais de saúde, prevenção de gestão de fatores de risco, acompanhamento periódico, além da periodicidade do tratamento nutricional, com orientações dietéticas e estímulo à mudança de hábitos de vida e medicamentoso, com prescrições de opioides ajustados de acordo com a intensidade da dor ou efeitos adversos mencionados pelo paciente e laxantes usados como prevenção.

Ainda são escassos os estudos que tratam da constipação intestinal em pacientes oncológicos e efeitos no prognóstico. Dados publicados apresentam diferentes definições para a constipação, o que pode afetar consideravelmente sua incidência. Portanto, outros estudos transversais, coortes e/ou casos-controle são necessários para elucidar os efeitos de opioides como causa da constipação intestinal nos pacientes oncológicos.

Após a realização deste trabalho, os pesquisadores embora tenham sentido dificuldades na busca de literatura sobre o tema, consideraram-no relevante e sua contribuição para ensino e pesquisa é evidente. Este trabalho proporcionou um olhar mais profundo sobre a constipação intestinal em paciente oncológico em uso de opioides, ao mesmo tempo, gerou conhecimentos para elaboração de outros trabalhos que venham complementar esta pesquisa.

 

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