ARTIGO ORIGINAL

Prevalência de violências obstétricas em um município do sudoeste da Bahia: um estudo piloto

 

Raphaela Leão Rodrigues*, Magno Conceição das Merces, M.Sc.**

 

*Enfermeira graduada pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus XII, Guanambi, Salvador/BA, Membro do Grupo de Estudo Mulher, Gênero e Saúde da UNEB, **Biólogo e Enfermeiro, Doutorando em Ciências da Saúde pela Universidade Federal da Bahia, Professor Auxiliar da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus I, Salvador/BA

 

Recebido em 15 de agosto de 2017; aceito em 23 de agosto de 2017.

Endereço para correspondência: Raphaela Leão Rodrigues, Rua Gercino Coelho, 414, São João, 47.600-000 Bom Jesus da Lapa BA, E-mail: rapha_lrodrigues@hotmail.com; Magno Conceição das Merces: magnomerces@hotmail.com

 

Resumo

Introdução: O termo violência obstétrica refere-se ao destrato e abuso no cuidado obstétrico profissional que, apesar de ser recorrente, é pouco estudado. Objetivos: Descrever o perfil socioeconômico e obstétrico da amostra estudada e estimar as prevalências dos tipos de violência obstétrica na assistência durante o pré, trans e pós-parto. Método: Estudo piloto, transversal, descritivo, com 42 puérperas que pariram em um município do sudoeste baiano. Os dados foram coletados em domicílio entre maio e dezembro de 2015, por meio de um questionário semiestruturado contendo as variáveis socioeconômicas, obstétricas e tipos de violência obstétrica. Utilizou-se o software Statistical Package for Social Sciences® versão 22.0 para o cálculo das frequências absoluta e relativa. Resultados: Houve predominância de jovens não negras, de classe média baixa, em regime marital, com segundo grau completo. A maioria teve parto vaginal em instituição pública. As violências obstétricas dos tipos institucional e física foram prevalentes. Conclusão: A ocorrência dessas violências indica necessidade de mudanças na assistência oferecida ao parto. Diante das limitações deste estudo, pretende-se realizar pesquisas subsequentes.

Palavras-chave: violência contra a mulher, obstetrícia, epidemiologia.

 

Abstract

Prevalence of violence obstetric in a city of southwest Bahia: a pilot study

Introduction: The term obstetric violence refers to the mistreatment and abuse in professional obstetric care, and, although recurrent, this problem is still little studied. Objectives: To describe the socioeconomic and obstetric profile of the studied sample; to estimate the prevalence of types of obstetric violence in pre, trans and postpartum care. Methods: A cross-sectional and descriptive pilot study with 42 puerperal women who gave birth in a southwestern Bahia city. Data were collected at home between May and December 2015, through a semi-structured questionnaire containing socioeconomic, obstetric and types of obstetric violence as variables. The Software Statistical Package for Social Sciences® version 22.0 was used to calculate the absolute and relative frequencies. Results: There was a predominance of non-black young woman, of low middle-class, in a marital status and complete high-school. Most had vaginal delivery in a public institution. The Obstetric violence both institutional and physical was prevalent. Conclusion: The occurrence of this violence indicates the need for changes in parturition care. Considering the evaluations of this study, it is intended to carry out subsequent research.

Key-words: violence against woman, obstetrics, epidemiology.

 

Resumen

Prevalencia de violencias obstétricas en un municipio del suroeste de Bahía: un estudio piloto

Introducción: El término violencia obstétrica se refiere al destrato y abuso en el cuidado obstétrico profesional y, a pesar de ser recurrente, este problema todavía es poco estudiado. Objetivos: Describir el perfil socioeconómico y obstétrico de la muestra estudiada y estimar las prevalencias de los tipos de violencia obstétrica en la asistencia durante el pre, trans y posparto. Método: Estudio piloto, transversal, descriptivo, con 42 puérperas que parieron en un municipio del suroeste de Bahía. Los datos fueron recolectados a domicilio entre mayo y diciembre de 2015, a través de un cuestionario semiestructurado que contenía las variables socioeconómicas, obstétricas y tipos de violencia obstétrica. Se utilizó el software Statistical Package for Social Sciences® versión 22.0 para el cálculo de las frecuencias absoluta y relativa. Resultados: Hubo predominancia de jóvenes no negros, de clase media baja, en régimen marital, con enseñanza media completa. La mayoría tuvo parto vaginal en una institución pública. Las violencias obstétricas de los tipos institucional y físico fueron prevalentes. Conclusión: La ocurrencia de esas violencias indica la necesidad de cambios en la asistencia ofrecida al parto. Ante las limitaciones de este estudio, se pretende realizar investigaciones subsiguientes.

Palabras-clave: violencia contra la mujer, obstetricia, epidemiología.

 

Introdução

 

Violência obstétrica (VO) é um dos termos utilizados no Brasil e na América Latina para se referir ao destrato, a negligência e/ou a realização de procedimentos sem indicação clínica cometidos por profissionais de saúde, servidores públicos e profissionais técnico-administrativos durante o atendimento às situações de abortamento, gestação e parto [1]. A incorporação da terminologia acima é considerada recente no meio acadêmico brasileiro e apesar desse tipo de violência ser presente em qualquer fase do ciclo gravídico-puerperal, grande parte das publicações científicas usa a nomenclatura violência obstétrica para se reportar especialmente aos abusos profissionais nas circunstâncias do trabalho de parto [2].

No conceito da legislação da Venezuela, a violência obstétrica é expressa como a anulação da autonomia e da capacidade de decisão das mulheres bem como a dominação dos corpos e dos processos reprodutivos femininos por parte dos profissionais de saúde, por meio do atendimento desumanizado, da medicalização indiscriminada e patologização dos processos naturais [3]. Destaca-se que a VO é um fenômeno complexo e multifacetado que exige uma abordagem multidimensional e transdisciplinar [4].

Os delitos obstétricos são permeados por questões de gênero atreladas a banalização das experiências traumáticas durante a parturição por ambas as partes envolvidas (vítimas e prestadores da assistência), caracterizando um tipo de violência consentida, favorecida pela hierarquização da relação profissional-paciente no qual o sujeito cuidado é submisso ao ser cuidador, que exerce o biopoder sobre a parturiente que é dependente dos seus cuidados [5].

Os atos caracterizados por violência obstétrica podem ser categorizados de distintas maneiras, conforme a fonte consultada, pois ainda não há um consenso sobre sua classificação. Os tipos mais comuns de violência no parto são de caráter: físico, psicológico, sexual e institucional [6].

O destrato físico tange a provocação de dor, desconforto ou lesões corporais mediante realização de procedimentos sem recomendação baseada em evidências científicas, a exemplo da tricotomia, uso rotineiro de ocitocina sintética e a compressão manual do fundo uterino durante o período expulsivo do parto (ou manobra de Kristeller) [7]. Outros procedimentos considerados VO física são os puxos respiratórios prolongados e dirigidos (ou Manobra de Valsalva) que pode afetar a circulação e a oxigenação materno-fetal, e o emprego incorreto da tração de cordão umbilical para saída placentária, que aumenta as chances de complicações mais raras, como ruptura de cordão e inversão uterina [8].

A violência psicológica envolve maus tratos, humilhação intencional, negligência nos cuidados assistenciais e tratamento grosseiro, bem como constrangimento, desrespeito e ofensa pessoal [5]. Os atos violentos de ordem sexual englobam o desrespeito à intimidade e ao pudor da mulher, pela manipulação desnecessária de partes íntimas através de toques vaginais invasivos, constantes e agressivos, episiotomia rotineira, realização de enema, imposição de posição supina ou litotomia durante o parto [7].

A violência institucional relaciona-se intimamente com a assimetria de poder entre a paciente e o profissional de saúde, por meio de omissão de informações e/ou cuidado, condutas impróprias ou desnecessárias, imposição de normas institucionais injustificadas, como: impedimento ao contato precoce entre a mãe e o bebê, além da proibição de acompanhante durante todo o trabalho de parto e pós-parto [5-9].

A VO é uma questão de saúde pública mundial e sua ocorrência tem impactos negativos nos índices de morbimortalidade materna [1]. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo no Brasil revelou que cerca de um quarto das participantes relatou ser vítima de alguma violência durante a assistência ao parto [10]. Esses dados reforçam a gravidade de um problema subestimado pela falta de denúncia por parte das vítimas e impunidade de seus autores. Destaca-se ainda que essa forma de violência oriunda dos profissionais de saúde é pouco identificada pelo desconhecimento das próprias parturientes sobre sua existência [11].

Diante do exposto, a relevância deste estudo é trazer contribuições para aquisição de novos conhecimentos referentes à epidemiologia da violência obstétrica, mediante o número limitado de produções científicas quantitativas nessa vertente e, deste modo, oferecer subsídios para futuros trabalhos. Assim, os objetivos do presente estudo foram: descrever o perfil socioeconômico e obstétrico da amostra do estudo e estimar as prevalências dos tipos de violência obstétrica na assistência durante o pré, trans e pós-parto.

 

Material e métodos

 

Estudo piloto, de corte transversal, descritivo, realizado em um município do sudoeste do estado da Bahia, Brasil, de maio a dezembro do ano de 2015. A população do estudo foi constituída por mulheres no puerpério (período compreendido entre o 0º ao 42º dia pós-parto) [12], que estivessem adscritas em alguma das Unidades de Saúde da Família (USF) pertencentes à localidade supracitada.

Os critérios de elegibilidade foram: mulheres no período puerperal até a data da aplicação do questionário, com idade igual ou superior a 18 anos completos e residentes no município campo de pesquisa. Os critérios de exclusão foram: mulheres que pariram em instituição de saúde não pertencente ao lócus do estudo e a recusa em participar da pesquisa. A partir da amostra por conveniência reuniu-se 42 (quarenta e duas) puérperas.

A captação das participantes foi feita por indicação das enfermeiras e Agentes Comunitários de Saúde (ACS) atuantes nas 14 USF lotadas na sede do município estudado. Foi estabelecido intencionalmente a divisão equitativa do número amostral pelo total de USF, sendo obtida a proporção de 3 mulheres por cada USF.

A coleta de dados deu-se por meio de um questionário aplicado durante a visita domiciliar puerperal feita por duas acadêmicas de enfermagem, com duração média de 30 minutos. Os dados coletados foram codificados em planilhas do software Microsoft Excel versão 2010® e analisados pelo cálculo das frequências absoluta e relativa através do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS)® versão 22.0 para Windows® da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

O instrumento de coleta de dados consistiu em um questionário semiestruturado com o total de 64 questões, contendo perguntas abertas e fechadas, concebido através da sistematização das informações extraídas do referencial teórico bibliográfico sobre o tema e organizado em 5 blocos: Perfil socioeconômico; Perfil obstétrico; Violências obstétricas na gestação; Violências obstétricas durante o pré, trans e pós-parto; Conhecendo as concepções sobre violências obstétricas.

Para contemplar os objetivos deste trabalho foram analisadas 21 questões pertencentes a 3 blocos. O bloco “Perfil socioeconômico” investigou as variáveis: idade; raça/cor; estado civil; escolaridade; renda familiar. Respectivamente, o bloco “Perfil obstétrico” averiguou: risco gestacional; patologias gestacionais; tipo de parto; e local do parto. O último bloco é concernente às “Violências obstétricas durante o trabalho de parto, parto e pós-parto”, sendo categorizada nas formas: 1) física, 2) psicológica, 3) sexual e 4) institucional, sendo a primeira referente às seguintes variáveis: tricotomia, uso rotineiro de ocitocina sintética, Manobra de Kristeller, Manobra de Valsava, e tração de cordão umbilical para acelerar a dequitação; a segunda tratou sobre: humilhação, constrangimento, desrespeito e ofensa pessoal; a terceira foi acerca dos itens: episiotomia rotineira, exame de toque vaginal repetitivos e enema e, por fim, a quarta, relativa à omissão de informações, proibição de acompanhante durante todo o trabalho de parto e pós-parto e impedimento ao contato precoce entre a mãe e o bebê.

A presente pesquisa é uma ramificação inserida a partir de uma emenda no projeto intitulado “Sentimentos e percepções dos profissionais e familiares cuidadores envolvidos na implementação da internação domiciliar”, previamente aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da UNEB sob o parecer nº 558.697 e CAAE nº 24933013.6.0000.0057. As pesquisadas autorizaram sua participação mediante leitura prévia e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respeitando-se os preceitos éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS nº 466/2012, que normatiza a pesquisa com seres humanos.

 

Resultados

 

      Os dados analisados revelaram que dentre as 42 participantes, 22 (52,3%) pertencem à faixa etária de 18 a 27 anos e 20 (47,7%) possuem idade superior a 27 anos. A média de idade correspondeu a 27,59 (±6,09). No que se refere à raça/cor, 4 (9,5%) se autodeclaram negras e 38 (90,5%) consideram sua cor de pele como não-negra.

Quanto ao estado civil, havia 6 (14,3%) solteiras e 36 (85,7%) mantinham regime marital, seja formal ou não formal.Com relação à escolaridade, 24 (57,2%) referiram possuir o segundo grau completo e 21 (42,8%) admitiram não ter concluído o nível de ensino em questão. Sobre a renda familiar, 23 (54,8%) responderam receber até 1 salário mínimo por mês, já 21(45,2%) reconheceram ter economia mensal variando de 1 a 5 salários mínimos.

Acerca do risco gestacional, 31 (73,8%) tiveram gestação de risco habitual e 11 (26,2%) foram classificadas como alto risco. As patologias durante a gestação estiveram presentes em 21 (50%) participantes, sendo as mais citadas: anemia (52,4%), infecção do trato urinário (47,6%), hipertensão arterial sistêmica (19%) e oligodramia (14,3%), ressaltando-se que a associação de duas ou mais doenças foi apontada por algumas mulheres.

Concernente ao último parto, houve predominância da via vaginal, realizado em 24 (57,1%) casos, enquanto que 18 (42,9%) passaram por cesariana. Em relação ao número total de partos, 35 (83,3%) ocorreram em hospital público e 7 (16,7%) em instituição hospitalar privada.

A respeito das formas de violências obstétricas mais significativas nesta investigação, destaca-se a institucional e a física, com suas frequências absolutas e relativas detalhadas respectivamente nas tabelas I e II.

 

Tabela IDistribuição dos subtipos de violência obstétrica institucional, segundo impedimento ao contato precoce, proibição de acompanhante e omissão de informações. Município do sudoeste da Bahia, Brasil, 2015. (N=42).

 

Fonte: Elaboração própria

 

Face ao exposto na tabela I, as violências obstétricas institucionais cometidas com maior ênfase pelos profissionais foram: impedimento do contato precoce entre a mãe e o bebê (69%) e a proibição de acompanhante durante todo o trabalho de parto e pós-parto (50%).

Segundo a tabela II, é expresso o quantitativo de procedimentos obstétricos caracterizados como violência física à parturiente. Destacam-se as respostas positivas para os itens: puxo respiratório prolongado e dirigido (47,6%); e a tração de cordão umbilical para agilizar a dequitação (42,9%).

 

Tabela IIDistribuição dos subtipos de violência obstétrica física, segundo Manobra de Valsava, tração de cordão umbilical, uso de ocitócito, Manobra de Kristeller e tricotomia. Município do sudoeste da Bahia, Brasil, 2015. (N=42).

 

Fonte: Elaboração própria

 

Por conseguinte, a violência obstétrica sexual foi expressa pela realização das seguintes condutas: episiotomia rotineira em 9 (21,4%); exames de toques vaginais repetitivos em 6 (14,4%); e enema em 1 (2,4%). A violência obstétrica psicológica ocorreu em menor escala: 3 (7,1%) mulheres sofreram ofensa pessoal; 3 (7,1%) vivenciaram algum constrangimento; 2 (4,8%) sentiram-se desrespeitadas; e 2 (4,8%) foram humilhadas.

Ressalta-se que o somatório das frequências absolutas e relativas das variáveis de todos os tipos de violência obstétrica (física, psicológica, sexual e institucional) extrapola o valor total do número amostral justamente por haver participantes com respostas afirmativas para as múltiplas categorias de VO.

 

Discussão

 

As características socioeconômicas das pesquisadas são semelhantes aos achados de levantamento quantitativo sobre violência obstétrica feito em maternidade de alta complexidade de Recife/PE, onde 89% das mulheres encontravam-se na faixa etária de 18 a 35 anos, 58% declararam-se pardas, 71% possuíam companheiro, mais de 50% tinham ensino médio completo e 68% eram desempregadas [13].

Baseados no perfil obstétrico, os resultados deste trabalho foram divergentes aos encontrados na abordagem quantitativa mencionada anteriormente, na qual foram verificados valores superiores para alto risco gestacional (60%) [13]. Todavia, houve semelhança entre os resultados obtidos aqui para parto via vaginal e os achados de outro estudo, que por sua vez, apurou que 96% dos nascimentos ocorreram por esta mesma via de parto [13].

Quanto à realização de parto via vaginal na maioria das mulheres pesquisadas, esta informação pode ter relação com a maioria dos nascimentos ter ocorrido em instituição hospitalar pública, onde geralmente o nascimento por via normal é fortemente aconselhado. A respeito do total de partos da amostra estudada, percebeu-se que mais de um terço dos nascimentos foram viabilizados por cesárea, excedendo o limite máximo de 15% para a taxa de cesarianas ao nível hospitalar preconizado pela Organização Mundial da Saúde no ano de 2015 [14].

As violências obstétricas dos tipos institucional e física foram prevalentes neste trabalho, enquanto que no estudo de base hospitalar “Nascer no Brasil” foi visto que 91,7% mulheres pariram em posição de litotomia e 53,7% episiotomias foram realizadas no grupo estudado [15]. Em um levantamento transversal feito em uma maternidade venezuelana, foi constatado que 66,8% das pesquisadas receberam procedimentos médicos sem consentimento informado, com destaque para realização de múltiplos toques vaginais em 37,2%, enquanto que 23,8% foram impedidas de ter contato precoce com o bebê [16].

A VO também foi salientada em uma revisão sistemática da literatura internacional sobre assistência ao parto em diferentes países, e foram fornecidos os percentuais de maus tratos e desrespeito em partos ocorridos nos países da Tanzânia, Nigéria, África do Sul e Brasil, sendo mais frequentes: a falta de privacidade, os toques vaginais sem consentimento e o tratamento discriminatório para gestantes soropositivas para o HIV (vírus da imunodeficiência humana) [17].

Dando prosseguimento à análise dos tipos de violência obstétrica proeminentes neste estudo, o impedimento ao contato precoce entre a mãe e o bebê nos casos em que a criança é saudável e tem boa vitalidade é algo injustificável, principalmente quando o afastamento físico é motivado pelo cumprimento rotineiro de protocolo de cuidados neonatais [9]. Tal conduta dificulta o estabelecimento do vínculo materno-infantil e, consequentemente, interfere no contato imediato da pele materna com a pele da prole e no aleitamento na primeira hora de vida do bebê, contrariando às preconizações sobre parto e nascimento humanizados [9].

No tocante a proibição de acompanhante durante o processo de parturição, esta conduta configura no descumprimento da Lei n.º 11.108/2005, que confere ao direito da presença de um acompanhante de livre escolha da mulher durante todo o pré, trans e pós-parto imediato, independentemente da ocorrência de cesariana ou parto normal [18]. As evidências científicas referem que o apoio contínuo de um acompanhante reduz a duração do trabalho de parto, aumenta a probabilidade do parto vaginal espontâneo, reduz a necessidade de analgesia, e maior satisfação com a vivência do parto [19].

Em relação à manobra de Valsava (esforço respiratório prolongado e dirigido), sua prática pode acarretar em prejuízo a oxigenação materno-fetal, de acordo com uma investigação transversal realizada em Pernambuco, Brasil, onde foi comprovado que o aumento da duração de puxos respiratórios forçados no período expulsivo foi associado à diminuição do pH venoso umbilical (r = 0,40 e p = 0,020) e consequente prejuízo no bem-estar do neonato [20].

No que tange a tração de cordão umbilical durante a expulsão placentária, um estudo randomizado feito em 5 maternidades universitárias da França demonstrou que não houve discrepância entre a incidência de hemorragia pós-parto entre o grupo de mulheres que foram submetidas à tração de cordão umbilical controlada (9,8%) e o outro grupo de parturientes que foram acompanhadas na dequitação espontânea antes de facilitar a expulsão placentária (10,3%), em ambos ocorreu a administração profilática de ocitocina sintética [21]. Porém, não há respaldo científico suficiente para utilização rotineira de tração do cordão umbilical para saída placentária e prevenção de hemorragia puerperal [21].

Diante do exposto, as diferentes formas de violência obstétrica sofridas por todas as participantes investigadas aqui acusam a precariedade da qualidade da assistência obstétrica e neonatal oferecida nos serviços de saúde do município lócus do estudo, corroborando a realidade apontada nas literaturas a respeito da prevalência de violência na parturição a nível nacional e internacional.

Outro agravante relativo ao panorama traçado é a permanência de práticas danosas ou desaconselhadas na atenção obstétrica, apesar das recomendações embasadas na integralidade, humanização e qualidade da assistência ao parto e nascimento, normatizadas pela OMS e as portarias ministeriais nº 569/2000, que institui o Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento, e nº 1.459/2011, que implanta a Rede Cegonha no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [8-22,23].

 

Conclusão

 

O grupo de mulheres que compuseram majoritariamente esta pesquisa é formado por jovens, não negras, em regime marital, com nível médio de escolaridade e de classe social baixa, que foram classificadas como baixo risco gestacional e passaram por alguma patologia durante a gravidez, pariram por via vaginal em instituição pública. As formas de violências obstétricas institucional e física foram mais pronunciadas, sendo fortemente representadas pelo impedimento ao contato precoce entre mãe e bebê, restrição da presença de acompanhante durante todo trabalho de parto e pós-parto, realização da manobra de Valsalva e tração de cordão umbilical para agilizar a saída placentária.

Acredita-se que a prevenção e o combate aos maus tratos e abusos no cuidado obstétrico estão condicionados à plena consolidação das políticas públicas centradas nos direitos sociais, sexuais e reprodutivos das mulheres e, para que isso ocorra, é preciso maior articulação entre gestores públicos, órgãos da justiça, entidades de saúde e da educação, profissionais de saúde, grupo de mulheres e demais membros da sociedade civil no intuito de efetivar a assistência obstétrica e neonatal qualificada, humanizada e livre de desrespeito.

Devido às limitações do estudo quanto ao número amostral, não foi possível realizar generalizações dos resultados em comparação a população do estudo e, a princípio, não se utilizou testes estatísticos centrais e nem o cruzamento de variáveis para verificar associações. A experiência desta pesquisa permitiu um aperfeiçoamento metodológico, evitando distorções de seleção e aferição em estudos subsequentes. Assim, pretende-se dar continuidade a coleta de dados para futuras produções.

 

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