REVISÃO

A musicoterapia como recurso terapêutico para tratamento do paciente psiquiátrico

 

Adriana Dyrle Marques Ramalho*, Juliana Paiva Góes Ramalho, M.Sc.**

 

*Discente do curso de Bacharelado em Enfermagem da FPB, **Enfermeira, Docente do curso de Enfermagem e Nutrição da FPB

 

Recebido em 15 de janeiro de 2017; aceito em 14 de agosto de 2017.

Endereço para correspondência: Juliana Paiva Góes Ramalho, Rua Doutor Milciades Leal, 68 Tambia 58020-690 João Pessoa PB, E-mail: julianapaiva5@gmail.com; Adriana Dyrle Marques Ramalho: dyrle32@hotmail.com

 

Resumo

No estudo proposto, mostramos que de acordo com todas as informações obtidas através de pesquisas, enfatizamos a importância da musicoterapia aplicada no tratamento de pacientes psiquiátricos sob os cuidados da enfermagem. Com isso, mostramos que o objetivo da mesma não é o diagnóstico clínico ou a intervenção medicamentosa, mas sim o compromisso com a qualidade de vida do indivíduo em sofrimento psíquico. Considerando que o enfoque deste trabalho é voltado para as questões ligadas à saúde e ao adoecimento, em especial ao adoecimento mental, torna-se interessante abordar o conceito de saúde. O que demonstra a responsabilidade do enfermeiro e que lhe cabe verificar em que momento ele pode utilizar essa prática e também avaliar os efeitos da música sobre o paciente. Utilizar-se de músicas que o paciente não goste ou que cause irritação ao mesmo, pode prejudicar ao invés de ajudar. A música possui fatores culturais que são capazes de religar o indivíduo adoecido e pode ser utilizada como importante instrumento no tratamento de idosos com transtornos mentais, especialmente, a demência.

Palavras-chave: musicoterapia, psiquiatria, enfermagem, saúde mental.

 

Abstract

Music therapy as a therapeutic resource for treatment of psychiatric patients

In the proposed study, we show that according to all the information obtained through research, we emphasize the importance of music therapy applied in the treatment of psychiatric patients under nursing care. With this, we show that the objective of this is not the clinical diagnosis or the medication intervention, but rather the commitment to the quality of life of the individual in psychological distress. Considering that the focus of this work is on issues related to health and illness, especially mental illness, it is interesting to address the concept of health. This demonstrates the responsibility of the nurse and that it is up to him to verify at what time he can use this practice and also to evaluate the effects of the music on the patient. Using songs that the patient does not like or that causes annoyance to him can hurt rather than help. The music has cultural factors that are able to reconnect the sick person and can be used as an important tool in the treatment of elderly people with mental disorders, especially dementia.

Key-words: music therapy, psychiatry, nursing, mental health.

 

Resumen

La terapia musical como un recurso terapéutico para tratamiento del paciente psiquiátrico

En el estudio propuesto, se demostró que de acuerdo a toda la información obtenida mediante la investigación, hacemos hincapié en la importancia de la musicoterapia aplicada en el tratamiento de pacientes psiquiátricos bajo el cuidado de enfermería. Por lo tanto, se muestra que la finalidad del mismo no es un diagnóstico clínico o intervención del medicamento, pero el compromiso con la calidad de vida de los individuos en la angustia psicológica. Considerando que el enfoque de este trabajo se centra en cuestiones relacionadas con la salud y la enfermedad, sobre todo a la enfermedad mental, es interesante abordar el concepto de salud. Esto demuestra la responsabilidad del personal de enfermería que puede decidir en qué momento se puede utilizar esta práctica y también para evaluar los efectos de la música sobre el paciente. El uso de las canciones que no le gusta al paciente o que le causa irritación, puede perjudicar en lugar de ayudar. La música tiene factores culturales que son capaces de volver a reconectar el individuo enfermo y pueden ser utilizados como una herramienta importante en el tratamiento de pacientes ancianos con trastornos mentales, especialmente la demencia.

Palabras-clave: terapia de música, psiquiatría, enfermería, salud mental.

 

Introdução

 

A utilização da música para melhorar o bem-estar físico emocional e mental é praticada desde tempos antigos [1]. É difícil encontrar uma única fração do corpo humano que não acuse a influência dos sons musicais mobilizando as emoções e influenciando em numerosos processos corporais. Atua de forma direta sobre as células e os órgãos que o constituem e indiretamente mobilizando as emoções e influenciando em numerosos processos corporais que, por sua vez, propiciam relaxamento e bem-estar [2]. Para Austin Cantar pode proporcionar ao indivíduo uma oportunidade de expressar o inexpressível, de dar voz a um conjunto de sentimentos. Cantar músicas significativas frequentemente produz uma catarse, uma liberação da emoção, devido ao efeito da música, da letra e das memórias e associações conectadas com a canção [3].

Sendo utilizado como recurso terapêutico nas terapias não verbais como a musicoterapia, encontra-se no desenvolvimento de conteúdos internos do indivíduo trazendo novas ressignificações melhorando a autoimagem, a autoconfiança, a autoexpressão e criatividade. Possuindo papel fundamental no resgate de memórias e emoções suprimidas promovendo uma integração e fortalecendo o self, também chamado de autoconceito e de noção de eu, é a percepção de si e da realidade pela própria pessoa [4]. O que se deve considerar é que o canto por manifestar o que está guardado no inconsciente do indivíduo, cada um irá produzir e expressar de acordo com suas experiências e gostos sonoro-musicais adquiridos ao longo da vida. Sendo assim, o canto utilizado como recurso terapêutico aliado com muito amor e dedicação ao próximo se mostra um recurso terapêutico de grande potencial na promoção da saúde mental.

Considerando que o enfoque deste trabalho é voltado para as questões ligadas à saúde e ao adoecimento, em especial à saúde e ao adoecimento mental, torna-se interessante abordar o conceito de saúde. A Organização Mundial de Saúde (OMS) [6] define saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade”.

Enfatizando o aspecto mental, o sofrimento mental interfere na capacidade produtiva das pessoas e em alguns momentos pode tornar difícil seu convívio com os outros; mas isto não significa que elas se tornem definitivamente incapazes de gerir os debates de normas exigidas para toda atividade, em especial a atividade de trabalho. Pensamos que entender melhor como essas pessoas se colocam no trabalho, em atividade, pode ajudar no entendimento do que sejam os sofrimentos mentais – que a CID reconhece com o nome de transtornos – e compreender melhor o que é o trabalho e o lugar que ele ocupa ou poderia ocupar na vida de todos os seres humanos. Pelo fato de os portadores de transtorno mental apresentar atitudes fora do padrão considerado normal pela sociedade, muitas vezes, eles são excluídos e sofrem com abusos e indiferenças das pessoas que os rodeiam [7].

Dentre os vários recursos terapêuticos disponíveis na área de saúde mental, o enfermeiro pode utilizar a música com vários propósitos e em diferentes momentos do tratamento do paciente: antes da interação com o mesmo, para relaxamento, para resgatar lembranças de acontecimentos passados na vida do cliente. Cabe ao enfermeiro verificar em que momento ele pode utilizar essa prática e também avaliar os efeitos da música sobre o paciente. Utilizar-se de músicas que o paciente não goste ou que cause irritação ao mesmo, pode prejudicar o tratamento ao invés de ajudar. O enfermeiro psiquiátrico, ao utilizar a música para os propósitos que estabelece, deve escolhê-las de acordo com o gosto de sua clientela, pois sua utilização pode ser de maneira livre, sem vínculo com áreas específicas e voltadas exclusivamente à sua audição [8].

Há indícios de que a musicalização é um instrumento capaz de despertar inúmeros sentimentos, podendo ser um elo das diversas áreas de conhecimento, favorecendo e facilitando a aquisição dos saberes, proporcionando assim aos apreendentes melhora na autoestima, equilíbrio emocional e autoconhecimento, tornando-os mais preceptivos para a compreensão e elaboração dos conceitos [9].

A música possui fatores culturais que são capazes de religar o indivíduo adoecido aos valores culturais de seu meio e, portanto, a si mesmo, reconstruindo a sua história. Visto isso, percebemos que a música representa especial alternativa para o tratamento de doentes mentais devido à sua capacidade de reconstruir identidades, integrar pessoas, através de seu poder de inserção social e reduzir a ansiedade, proporcionando a construção de autoestima e identidades positivas, além de funcionar como importante meio de comunicação [10]. É sabido que o indivíduo, ao se sentir mais calmo, se torna mais receptivo a tratamentos adversos ou a opiniões em geral e até o próprio organismo responde melhor, como, por exemplo, no aumento de taxas de imunidade do corpo ou a pressão cardíaca. O contexto cultural, a experiência de vida e interesses pessoais determina a resposta e sensibilidade frente a um estímulo musical, que pode ser demonstrada por meio de expressões de apreciação, rejeição ou neutralidade [11].

Dessa forma, considerando a importância da musicalização levantou-se a seguinte questão: É possível, através da musicoterapia, alcançar melhoras satisfatórias nos pacientes que apresentam transtornos mentais? Acredita-se que a música desempenha um papel importante com instrumento terapêutico, sendo, no entanto, um grande desafio para a área da saúde, em um século em que se privilegia o avanço tecnológico. Este estudo tem como principais objetivos definir a musicoterapia, evidenciando sua importância e benefícios para o paciente com transtorno mental, ao mesmo tempo, trazendo esclarecimentos sobre os transtornos, incluindo, portanto, a importância da enfermagem na terapia aplicada.

 

Material e métodos

 

Para o alcance do objetivo proposto, selecionou-se como método de pesquisa a revisão bibliográfica, que, segundo Gil [12], a mesma se encontra em dados a partir de trabalhos publicados por outros autores, assim também como livros, obras de referência, periódicos, teses e dissertações, não esquecendo de mencionar materiais bibliográficos encontrados em sites acadêmicos e bancos de dados como: Scielo e da Bireme, a partir das fontes Medline e Lilacs.

 

Resultados e discussão

 

Musicoterapia

 

Musicoterapia é o uso da música como instrumento de saúde, mostrando que é possível desenvolver potenciais, reabilitar e prevenir doenças através dos sons. O efeito desse tipo de terapia vai além do uso da música como tranquilizante ou como ferramenta para alegrar o paciente. Estudos garantem que o tratamento fortalece emocionalmente o paciente [13]. O musicoterapeuta usa a música e seus elementos - som, ritmo, melodia e harmonia - para a reabilitação física, mental e social de indivíduos ou grupos. Emprega instrumentos musicais, canto e ruídos para tratar pessoas com distúrbios da fala e da audição ou deficiência mental, reabilitação motora, no restabelecimento das funções de acidentados ou de convalescentes de acidentes vasculares cerebrais, estudantes com dificuldade de aprendizado e contribui para melhorar a qualidade de vida de idosos e pacientes de doenças crônicas.

Também promove a reabilitação de dependentes químicos e a reintegração de menores infratores. Pode trabalhar em hospitais, clínicas, instituições de reabilitação ou centros de geriatria e gerontologia. Cada ritmo musical produz um trabalho e um resultado diferente no corpo [14]. Assim, há músicas que provocam vários sentimentos, tais como: alegria e tristeza. A música, por seus efeitos relaxantes, e pela capacidade de envolver e modificar comportamentos, é reconhecida, desde a antiguidade, como um dos mais eficientes e talvez o mais agradável recurso terapêutico conhecido.

Tendo como objetivo melhorar e/ou desenvolver as potencialidades do indivíduo, a musicoterapia surgiu oficialmente, enquanto ciência, durante a Segunda Guerra Mundial, quando a música passou a ser utilizada cientificamente e com fins terapêuticos na reabilitação e recuperação dos soldados feridos [15].

O primeiro plano de estudos dos efeitos terapêuticos da música (como e por que eram alcançados) foi elaborado em 1944, em Michigan (EUA). Em 1950 foi fundada a Associação Nacional para Terapia Musical nos Estados Unidos e em 1968, na Argentina, houve a Primeira Jornada Latino-Americana de Musicoterapia. No Brasil, os cursos realizados com esse fim foram fundados em 1971, no Paraná e Rio de Janeiro e, em 1980, a UFRJ iniciou a Prática Clínica da Musicoterapia, uma carreira de nível superior (graduação ou pós-graduação) que é reconhecida pelo Conselho Federal de Educação desde 1978 através do parecer 829/78 [16].

De um modo geral, pode-se dizer que o maior campo de atuação vem sendo as áreas ligadas à educação, deficiência e saúde mental, neurologia e, atualmente, a área hospitalar e pesquisas. No âmbito da prática, é possível observar que a relação entre participantes – música-musicoterapeuta – possa promover o desenvolvimento desses participantes, de forma que suas possibilidades de agir e interagir com a realidade circundante se modifiquem e se ampliem. Para tanto, procura-se estabelecer, no decorrer dos encontros musicoterapêuticos, uma comunicação intermediada pelos parâmetros musicais como o ritmo, a melodia, a harmonia, a intensidade, a altura e também a voz e expressão corporal. O objetivo é o de extrair dessa relação, suas potenciais possibilidades terapêuticas [17].

Os locais de atuação do musicoterapeuta são variados. Na área clínica pode-se encontrar o trabalho preventivo, realizado com diversas pessoas, que se submetem ao processo visando autoconhecimento e/ou a melhora da qualidade de vida e os tratamentos, quando o trabalho é desenvolvido com a finalidade de auxiliar pessoas portadoras de necessidades especiais. Já no trabalho investigativo, encontramos as pesquisas, em que os musicoterapeutas mostram, cada vez mais, a eficácia da musicoterapia em seus diversos aspectos [18].

 

A música como recurso terapêutico

 

A primeira forma de comunicação humana surgiu através dos sons. O homem primitivo utilizava-se de sinais gestuais e sonoros. Caminhando um pouco na evolução da humanidade encontramos as tribos, onde o pajé ou feiticeiro cantava ininterruptamente até que o doente apresentasse melhoras. Até hoje encontramos estas “músicas de cura” nas pajelanças dos índios brasileiros. Nas práticas xamânicas o canto, a percussão e a dança são os estímulos utilizados para induzir ao êxtase [19].

Nas civilizações egípcias e gregas ocorreu uma mudança fundamental em relação aos povos primitivos. Os deuses eram criaturas semelhantes aos homens e faziam parte integrante em todas as suas atividades: guerra, paz, medicina, música, etc. Na Antiga Grécia, onde surgiu uma atitude racional em face da doença, inaugurando o que Cumston chamou de tendência metafísica e tendo como figura mais importante para a medicina ocidental, Hipócrates, acreditava-se que a doença consistia num desequilíbrio dos elementos que constituíam o homem (frio e calor; umidade e secura, por exemplo). Utilizava então, no restabelecimento do equilíbrio perdido, a música, por ser ordem e harmonia dos sons. Os gregos acreditavam que a música poderia depurar e dominar as emoções e enriquecer a mente, através de melodias que levassem ao êxtase [20].

Foi com os gregos que obtivemos as primeiras informações de investigações profundas do caráter terapêutico da música. Como era uma civilização fortemente voltada ao raciocínio lógico, procuravam empregá-lo na clínica. Tentavam encontrar uma razão lógica no ser humano e no mundo, e a enfermidade era observada, diagnosticado e então receitado o remédio lógico aplicável [21].

Platão e Aristóteles são precursores da musicoterapia, por fazerem uso dosado da música no tratamento dos pacientes, valorizando-a. Estes pensadores afirmaram que as pessoas que sofrem de emoções descontroladas, depois de ouvirem melodias que elevam a alma até o êxtase, retornam a seu estado normal, como se houvessem experimentado um tratamento médico ou depurativo. Esculápio, médico grego, prescrevia música e harmonia a pessoas com a área emocional perturbada.

Como se pode ver, pelos relatos dessa civilização tão antiga, as técnicas terapêuticas com a música poderiam ser comparadas com a Musicoterapia de hoje. O emprego terapêutico da música entre os judeus e os árabes. Os judeus acreditavam que a música ajudava no tratamento de certas doenças e havia uma crença corrente em seu poder sobre o espírito [21].

 

A musicoterapia no século XX

 

Do início deste século até a Segunda Guerra Mundial não há registros da aplicação terapêutica da música de forma mais sistematizada. A música era usada em hospitais e clínicas, geralmente como entretenimento. Durante a Primeira Guerra Mundial, músicos profissionais foram contratados para distrair os doentes e na Segunda Grande Guerra, verdadeiros concertos eram organizados nos hospitais. Os médicos perceberam os efeitos benéficos e as melhoras dos pacientes. Finalmente, dez anos depois, aparecem os primeiros livros com os princípios da musicoterapia [22].

A educação especial, a socialização, a psiquiatria e a psicologia são apenas algumas das áreas de intervenção da musicoterapia, através da utilização da música e/ou dos seus elementos. A musicoterapia pode ser utilizada no controle de problemas somáticos, como a dor ou a reabilitação de acidentes vasculares cerebrais ou lesões traumáticas. Também se utiliza para melhorar a coordenação motora no trabalho com idosos, com crianças ou jovens com deficiências neurológicas, com pessoas cegas ou surdas, com doentes de Parkinson, etc. Pode ainda ser utilizada no acompanhamento às mães durante a gravidez, na estimulação com bebês, com deficientes mentais e sensoriais, com crianças ou jovens que apresentem problemas comportamentais, com deficientes físicos, entre outras [23].

Nas investigações de meados do século XX, os médicos e os músicos buscavam explicações para a eficácia deste fenômeno e com aparelhos mediram os efeitos psicofisiológicos. Os pesquisadores voltados à Musicoterapia trouxeram o pensamento grego sobre Música (Mousikè), seus princípios da metafísica da harmonia, para complementar uma indicação da aplicabilidade musical. O que a ciência pode explicar é o que existe a partir das ações e reações do corpo humano, pois é possível. Conhecer a parte externa, mas não o seu interior (o inefável, o subjetivo). Assim, alguns efeitos psicofisiológicos registrados justificaram uma terapêutica musical [24].

Pesquisar os efeitos da música sobre o corpo (cérebro) é possível e traz resultados visíveis e mensuráveis. Música em Musicoterapia, contudo, traz consigo o ambiente complexo da Arte e das relações humanas [25]. As publicações musicoterápicas do século XXI desenvolvem-se nessa trajetória e buscam maiores entendimentos sobre Música em Musicoterapia. A Filosofia da Música ganha em credibilidade, ao mesmo tempo em como entender a música torna-se fundamental. Um percurso de um pouco mais de meio século nos coloca diante de mudanças nas publicações.

Os tratados de musicoterapia, presentes na metade do século XX, trouxeram relatos da aplicabilidade da música em psiquiatria e questionamentos sobre essa utilização. As indicações de algumas respostas a essas inquietações, contudo, apontam para a Música [26]. Já, os escritos da virada do século XX apresentam reflexões mais aprofundadas nos estudos musicais análise musicoterápica; os estudos sobre tempo e autismo; os estudos sobre a escuta musicoterápica; reflexões sobre musicalidade clínica e abordagens de musicoterapia segundo algumas concepções teóricas e filosóficas sobre música, saúde, cultura e sociedade [27].

 

Musicoterapia como recurso terapêutico da assistência de enfermagem ao paciente psiquiátrico

 

Durante muitos anos, a psiquiatria desempenhou o papel de controle dos sujeitos sociais desviantes. Os pacientes psiquiátricos eram marginalizados e, junto com deficientes mentais e miseráveis, eram excluídos da sociedade e desprovidos de sua autonomia e independência [28]. A psiquiatria não considerava o paciente como sujeito ativo do seu tratamento, não envolvia a sua família e não valorizava a sua história, sua cultura, sua vida cotidiana e sua qualidade de vida. O principal foco de atenção era a doença. A assistência de enfermagem ao paciente portador de transtorno mental era caracterizada pela repressão, punição e vigilância [29].

No Brasil, nos anos 70, iniciou-se um processo de crítica ao modelo hospitalocêntrico de assistência ao doente psiquiátrico e a definição de estratégias e rumos na implementaçãoda Reforma Psiquiátrica, a qual efetivamente teve sua implantação e expansão a partir dos anos 80. A reforma psiquiátrica nasceu com o objetivo de superar o estigma, a institucionalização e a cronificação dos doentes mentais. Para isso, é necessária a humanização do atendimento ao psicótico, a territorialização dos dispositivos de atenção e a construção de alternativas diversificadas de atenção. As práticas assistenciais devem potencializar a subjetividade, a autoestima, a autonomia e a cidadania e devem superar a relação de tutela e a institucionalização/cronificação [30].

Cabe aos serviços de saúde mental proporcionar atividades de lazer aos usuários, familiares e outras pessoas, para que compartilhem de novos espaços sociais, onde possam fluir relações afetivas e para que a sociedade aprenda a conviver com a diferença. O papel do enfermeiro hoje é o de agente terapêutico e a base dessa terapia é o relacionamento com o paciente e a compreensão do seu comportamento [31].

O objetivo da enfermagem psiquiátrica não é o diagnóstico clínico ou a intervenção medicamentosa, nesse sentido, o enfermeiro deve ser preparado para atuar em novos modelos de atenção, assumindo novas tarefas e adequando-se às mudanças advindas da atual política de saúde mental vigente no país [32]. O cuidado oferecido deve respeitar e acolher a diferença do psicótico, na musicoterapia como apoio a enfermagem ele pode ser percebido como um sujeito humano e não como um sintoma a ser debelado [33].

O enfermeiro está cada vez mais atuante e consciente de seu novo papel e estas alternativas fazem com que o tratamento oferecido ao paciente seja menos sacrificante e mais prazeroso, podendo até mesmo reduzir o tempo de internação hospitalar, caso se faça necessário [34].

 

Conclusão

 

Percebemos, após o estudo bibliográfico e as análises em campo, o quanto é importante a música no tratamento de nossos pacientes. E descobrimos que a empatia passou a ser a nossa maior chave, pois com ela podemos inserir o paciente em nós e nos transportarmos para dentro de seu mundo. Amplia-se de modo espetacular o papel do enfermeiro. Aumenta, também, a nossa responsabilidade como agentes da saúde, pois passamos a ser agentes da vida, da emoção, do bem-estar, do silêncio, da criatividade, pois acabamos por inserir nosso paciente em um mundo de sons e melodias, de vibrações e prazer.

Não olhamos mais o paciente como um amontoado de carne, ossos, nervos, músculos. Olhamos a partir de agora, como alguém feito de emoções, sentimentos, vibrações. Nada mais gratificante do que saber que podemos proporcionar uma vida saudável e um bem-estar nele, dando-lhe a sensação de que, em nós, ele encontra a harmonia musical de seus anseios e desejos. E que cada nota na escala musical é um remédio sendo ministrado em seu corpo somático.

 

Referências

 

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