RELATO DE EXPERIÊNCIA

Visita domiciliar a crianças com microcefalia

 

Josely Bruce dos Santos, M.Sc.*, Ridalva Dias Martins Felzemburgh, D.Sc.**

 

*Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem pelo programa de pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, especialista em saúde da criança, professora auxiliar no componente enfermagem em saúde da criança na Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, professora assistente da coordenação do curso de graduação em enfermagem no Centro Universitário Jorge Amado, **Enfermeira, psicóloga, especialista em saúde da criança, Professora adjunta II, no componente Enfermagem na saúde da criança na Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia

 

Recebido em 27 de outubro de 2017; aceito em 5 de janeiro de 2019.

Endereço de correspondência: Josely Bruce dos Santos, Avenida Luís Viana, 6631/1901, torre 2ª paralela 40110-060 Salvador BA, E-mail: joselybruce3@gmail.com; Ridalva Dias Martins Felzemburgh: ridalva@gmail.com

 

Resumo

Estudo descritivo, do tipo relato de experiência, a partir de inquéritos domiciliares realizados por enfermeiras às crianças com microcefalia, a fim de avaliar o estado geral de saúde e posteriormente encaminhá-las ao ambulatório de atendimento especializado para acompanhamento. Considerando que as crianças com microcefalia necessitam de estimulação precoce e detecção o mais rápido possível das alterações, visando otimizar os resultados de intervenções que se façam necessárias, as visitas domiciliares abrangeram esse objetivo, pois foram capazes de avaliar e incluir precocemente as crianças com microcefalia ao ambulatório multiprofissional especializado.

Palavras-chave: anormalidades congênitas, microcefalia, crianças com deficiência, visita domiciliar.

 

Abstract

Home visit to children with microcephaly

This is a descriptive study, experience report type, based on household surveys conducted by nurses to children with microcephaly in order to recruit them to the specialized care in outpatient clinic for follow-up. Considering that children with microcephaly require early stimulation and detection of the alterations as quickly as possible, in order to optimize the results of interventions that are needed, home visits covered this goal, since they were able to include children with microcephaly earlier in specialized multidisciplinary outpatient clinic.

Key-words: congenital abnormalities, microcephaly, disabled children, house calls.

 

Resumen

Visita domiciliar a niños con microcefalia

Estudio descriptivo, del tipo relato de experiencia, a partir de encuestas domiciliarias realizadas por enfermeras a niños con microcefalia a fin de evaluar el estado general de salud y posteriormente encaminarlas a la atención especializada ambulatoria para acompañamiento. Considerando que los niños con microcefalia necesitan estimulación precoz y detección lo más rápido posible de las alteraciones, con el fin de optimizar los resultados de intervenciones que se requieran, las visitas domiciliarias alcanzaron ese objetivo, pues fueron capaces de evaluar e incluir precozmente a los niños con microcefalia en el ambulatorio multiprofesional especializado.

Palabras-clave: anormalidades congénitas, microcefalia, niños con discapacidad, visita domiciliaria.

 

Introdução

 

A microcefalia é caracterizada pela medida do crânio realizada, pelo menos, 24 horas após o nascimento e dentro da primeira semana de vida (até seis dias e 23 horas), em que o perímetro cefálico apresente medida menor que menos dois desvios-padrões abaixo da média específica para o sexo e idade gestacional [1].

As microcefalias podem ser efeito de uma série de fatores de diferentes origens desde a genética às substâncias químicas, agentes biológicos, radiação, entre outros [2].

A gravidade e sequela vão ser diferentes de caso para caso. Em relação às complicações, relata-se uma infinidade de possibilidades que incluem problemas cognitivos, motores, neurológicos e respiratórios, entre outros [2,3]

Após a identificação da entrada do Zika vírus na região nordeste do Brasil, foi detectado um súbito aumento na incidência de lactentes com microcefalia. Atualmente, já foram identificados mais de quatro mil casos no País. A Bahia é o segundo estado brasileiro em número de casos investigados e confirmados (227), uma vez que Pernambuco lidera a lista com 371 casos [3].

A identificação dos casos é extremamente relevante, a fim de que medidas de reabilitação sejam tomadas precocemente, para que compreendamos melhor a evolução clínica da síndrome, seus parâmetros de crescimento e desenvolvimento e para que se possa prestar uma assistência de qualidade às crianças [4].

Diante disso, tem-se por objetivo relatar a experiência de inquéritos domiciliares realizados por enfermeiras a crianças com microcefalia a fim de avaliar o estado geral de saúde e encaminhá-las ao ambulatório de atendimento especializado para acompanhamento do crescimento e desenvolvimento.

 

Material e métodos

 

Relato de experiência sobre inquéritos domiciliares realizados junto a mães e seus bebês, com microcefalia, realizados na região metropolitana de Salvador, Bahia. Foram realizadas 72 visitas domiciliares com duração média de uma hora por quatro enfermeiras, especialistas em saúde da criança. Este inquérito faz parte de um projeto matriz intitulado “Estudo de infecção pelo vírus Zika (ZIKV) na epidemia emergente em recém-nascidos com microcefalia em Salvador/BA: um estudo de prevalência em gestantes e neonatos” sob o parecer Nº 1.422.021 e o número de protocolo CAAE 53441216.1.1001.5028.

Os princípios éticos foram preservados conforme determina a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. A entrevista foi realizada após aceitação da genitora em participar do estudo e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.

Utilizou-se uma entrevista estruturada, contendo os dados de nascimento do bebê, informações de seguimento da criança, dados antropométricos, em especial perímetro cefálico; sinais vitais; exame físico céfalo-caudal incluindo os reflexos primitivos em conformidade com o protocolo de exame físico para crianças para assegurar a padronização dos procedimentos.

 

Resultados e discussão

 

Embora a Bahia ocupasse o segundo lugar em números de casos registrados no Brasil, o estado não dispunha de um serviço público de acompanhamento multiprofissional em nível ambulatorial voltado para as crianças com microcefalia. A partir de então, a parceria entre um Hospital de referência para gestação e parto de alto risco, uma universidade pública e uma fundação de pesquisa foi estabelecida, nascendo o projeto intitulado: “Estudo de infecção pelo vírus Zika (ZIKV) na epidemia emergente em recém-nascidos com microcefalia em Salvador/BA: um estudo de prevalência em gestantes e neonatos”. Um dos objetivos era realizar visitas domiciliares para avaliar e incluir crianças nascidas com microcefalia no futuro ambulatório multiprofissional e especializado para esse tipo de atendimento.

As visitas domiciliares tiveram início em janeiro de 2016. O Hospital fornecia a lista de nascidos vivos com microcefalia, em seguida era realizado o contato telefônico prévio com a família para agendar a visita. Caso agendada a visita, as pesquisadoras seguiam até o domicílio onde a mãe era informada sobre os objetivos e a importância da pesquisa, procedimentos a serem realizados, benefícios e riscos da participação no estudo e orientadas quanto ao TCLE que após assinatura prosseguia-se à coleta dos dados.

As mães demonstraram colaboração e satisfação em participar do inquérito devido ao pouco conhecimento sobre a temática e o manejo com o bebê, além da possibilidade de um atendimento exclusivo em domicílio com o objetivo de detectar precocemente possíveis alterações no crescimento e/ou desenvolvimento, o cuidado à saúde, reforçar a relação pais/bebê, a garantia de orientação em relação à temática e aos cuidados incluindo estimulação precoce para essas crianças e, sobretudo, o encaminhamento ao ambulatório de acompanhamento multiprofissional e especializado.

Durante a execução das visitas domiciliares, o maior desafio encontrado foi em relação ao acesso as residências das famílias, pois encontravam-se em regiões com terrenos irregulares, sem vias de acesso adequada, com pouca ou nenhuma coleta de lixo, ausência de saneamento básico, resultando em aglomerado de lixo ao entorno das residências, promovendo esgoto ao céu aberto além de acúmulo das águas pluviais devido a ausência de sistema de drenagem, respectivamente. Tal cenário justifica as condições favoráveis à proliferação do mosquito Aedes aegypti e a incidência da infecção por Zika vírus nessas regiões [5].

Dentre as potencialidades para as pesquisadoras, as visitas domiciliares trouxeram um olhar sensível para o processo saúde-doença, e que este de fato está ligado ao modo de vida de uma população, o que pode torná-la ou não vulnerável ao adoecimento. E em se tratando da grave epidemia da microcefalia chama a atenção para a necessidade urgente de grandes investimentos voltados à melhoria das condições de vida das populações urbanas no Brasil [6].

Foi notório perceber que a prevenção desse problema de saúde pública não se limita apenas ao estabelecimento de serviços de saúde especializados, mas de uma interlocução de diversos setores da administração pública, pois o que concerne ao direito à saúde, nos termos do artigo 196 da CF, pressupõe que o Estado deve não apenas garantir serviços públicos de promoção, proteção e recuperação da saúde, mas adotar políticas econômicas e sociais que melhorem as condições de vida da população, evitando, assim, o risco de adoecer [7].

Outro destaque foi a parceria entre a Fundação, a Universidade, o Hospital e as famílias. Essa parceria pode ser entendida como mais um recurso para o processo de consolidação da rede de serviços de saúde, além de disponibilizar contribuições que possam subsidiar o cenário da saúde, no processo de entendimento dessa nova epidemia.

Considerando-se, conforme já mencionado, que as crianças com microcefalia necessitam de estimulação precoce e detecção o mais rápido possível das alterações visando otimizar os resultados de intervenções que se façam necessárias [8], as visitas domiciliares abrangeram esse objetivo, pois foram capazes de incluir precocemente as crianças com microcefalia ao ambulatório multiprofissional especializado, que tornou-se um dos primeiros na Bahia, a fim de iniciarem imediatamente seu processo de reabilitação. E desta forma aumentando sua expectativa e qualidade de vida, além de prestar apoio social e emocional às famílias.

 

Conclusão

 

A experiência das visitas domiciliares nos mostrou a relevância de identificar os casos de nascidos com microcefalia e outras alterações congênitas, pesquisar e aprofundar o conhecimento acerca do cuidado à saúde dessas crianças e possíveis alterações no seu crescimento e/ou desenvolvimento. Mas, torna-se necessário, diante dos impactos sociais para essas famílias, repensar e retomar a intersetorialidade enquanto estratégia de enfrentamento na prevenção da problemática, visto que a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. O Estado deve não apenas garantir serviços públicos de promoção, proteção e recuperação da saúde, mas adotar políticas econômicas e sociais que melhorem as condições de vida da população, evitando, assim, o risco de adoecer.

 

Referências

 

  1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo Vírus Zika, v2, Brasília, 2016 [citado 2016 Abr 16]. Disponível em: http://combateaedes.saude.gov.br/images/sala-de-situacao/Microcefalia-Protocolo-de-vigilancia-e-resposta-10mar2016-18h.pdf.
  2. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika /Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Brasília: Ministério da Saúde; 2015a.
  3. Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico. Volume 46. 26 – 2015b. [citado 2016 Abr 17]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/agosto/26/2015-020-publica—- o.pdf
  4. Del Pizzo J. Focus on diagnosis: congenital infections (Torch). Pediatrics in Review 2011;32(12):537-42. https://doi.org/10.1542/pir.32-12-537
  5. Fauci AS, Morens DM. Zika virus in the Americas: yet another arbovirus threat. N Engl J Med 2016;374:601-4. https://doi.org/10.1056/nejmp1600297
  6. Mujica OJ, Haeberer M, Teague J, Santos-Burgoa, C, Galvão LAC. Health inequalities by gradients of access to water and sanitation between countries in the Americas, 1990 and 2010. Rev Panam Salud Pública 2015;38(5):347-54.
  7. Santos L, Org.. Direito da Saúde no Brasil. Campinas: Saberes; 2010. p.145.
  8. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de 0 a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. 184p.