REVISÃO

Fatores de risco para o desenvolvimento de incapacidades em hanseníase e estratégias preventivas

 

Matheus de Medeiros Nóbrega*, Smalyanna Sgren da Costa Andrade, M.Sc.**, Emanuelle Malzac Freire de Santana, Ft. M.Sc.***, Lívia Maria Trindade de Souza****, Siméia Macêdo de Lima*****, Paula Soares Carvalho*****, Karen Krystine Gonçalves de Brito, M.Sc.******

 

*Graduando em Enfermagem, Membro do Grupo de Pesquisas em Tratamento de Feridas (GEPEFE), Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, **Enfermeira, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Enfermagem, Membro do Grupo de Estudo e Pesquisas no Tratamento de Feridas, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, ***Doutoranda, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Membro do Grupo de Pesquisa em Tratamento de Feridas (GEPEFE), Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, ****Estudante, Graduanda em Enfermagem, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, *****Estudante, Graduanda em Enfermagem, Membro do Grupo de Pesquisas em Tratamento de Feridas (GEPEFE), Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, ******Enfermeira, Doutoranda, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Membro do Grupo de Pesquisa em Tratamento de Feridas (GEPEFE), Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB

 

Recebido em 2 de novembro de 2017; aceito em 20 de agosto de 2018.

Endereço de correspondência: Matheus de Medeiros Nóbrega, Rua Maximiano Pedrosa, 103/201, Castelo Branco II, 58050-460 João Pessoa PB, E-mail: matheusnobrega0@gmail.com; Smalyanna Sgren da Costa Andrade: smalyanna@hotmail.com; Emanuelle Malzac Freire de Santana: manumalzac@gmail.com; Lívia Maria Trindade de Souza: liviamariatrindade@hotmail.com; Siméia Macêdo de Lima: simeiamacedo@windowslive.com; Paula Soares Carvalho: paaula-soares@live.com; Karen Krystine Gonçalves de Brito: karen_enf@yahoo.com.br

 

Resumo

Introdução: A hanseníase é uma doença preocupante devido ao seu potencial incapacitante. É relevante a busca por respostas para algumas reflexões sobre os fatores de risco para as incapacidades decorridas da hanseníase e como preveni-las, através da compilação dos achados literários atualizados. Objetivo: Identificar fatores de risco para o desenvolvimento de incapacidades em hanseníase e as estratégias para preveni-las. Métodos: Revisão integrativa da literatura com levantamento bibliográfico realizado nas bases de dados Medline e Scielo através dos seguintes critérios de inclusão: artigos científicos em português e inglês, disponíveis online e na íntegra, no período de 2011-2016. Resultados: Foram selecionados e analisados rigorosamente 18 artigos e identificados principais fatores de risco: diagnóstico tardio, forma clínica multibacilar, episódios reacionais, dificuldade de acesso à assistência. Também foram identificadas as principais estratégias de prevenção: diagnóstico precoce, educação em saúde, tratamento da doença, facilidade no acesso aos serviços de saúde. Conclusão: O conhecimento sobre esses resultados e implementação dos mesmos servem de embasamento científico para a prática em saúde aos pacientes com a doença, a fim de obter melhor resposta no tratamento, evidenciando mínima ou ausência de incapacidades.

Palavras-chave: hanseníase, pessoas com deficiência, prevenção & controle, fatores de risco.

 

Abstract

Risk factors for the development of disabilities in leprosy and preventive strategies

Introduction: Leprosy is a worrying disease due to its disabling potential. It is relevant the search for answers to some reflections on the risk factors for the disabilities caused by leprosy and how to prevent them by compiling the updated literary findings. Objective: To identify risk factors for the development of disabilities in leprosy and strategies to prevent them. Methods: Integrative review of the literature through online search carried out on the Medline and Scielo databases considering the following inclusion criteria: full-text scientific articles in Portuguese and English, available online, between 2011-2016. Results: Eighteen articles were selected and analyzed, identifying these main risk factors: late diagnosis, multibacillary clinical form, reactional episodes, difficulty accessing care. The main prevention strategies were also identified: early diagnosis, health education, disease treatment, and ease of access to health services. Conclusion: Knowledge about those results and their implementation serve as a scientific basis for the health practice in patients with the disease, in order to obtain the best outcomes, showing minimal or no disability.

Key-words: leprosy, disabled persons, prevention & control, risk factors.

 

Resumen

Factores de riesgo para el desarrollo de discapacidades en la lepra y estrategias preventivas

Introducción: La lepra es una enfermedad preocupante debido a su potencial incapacitante. Es relevante la búsqueda de respuestas para algunas reflexiones sobre los factores de riesgo para las incapacidades derivadas de la lepra y cómo prevenirlas a través de la compilación de los hallazgos literarios actualizados. Objetivo: Identificar los factores de riesgo para el desarrollo de incapacidades en la lepra y las estrategias para prevenirlas. Métodos: Revisión integrada de la literatura realizada en las bases de datos Medline y Scielo a través de los siguientes criterios de inclusión: artículos científicos en portugués e inglés, disponible en línea y en su totalidad en el período 2011-2016. Resultados: Se seleccionaron y analizaron rigurosamente 18 artículos e identificados principales factores de riesgo: diagnóstico tardío, forma clínica multibacilar, episodios reactivos, dificultad de acceso a la asistencia. También se identificaron las principales estrategias de prevención: diagnóstico precoz, educación en salud, tratamiento de la enfermedad, facilidad en el acceso a los servicios de salud. Conclusión: El conocimiento sobre estos resultados e implementación de los mismos sirve de base científica para la práctica en salud a los pacientes con la enfermedad, a fin de obtener una mejor respuesta en el tratamiento, evidenciando mínima o ausencia de incapacidades.

Palabras-clave: hanseniasis, personas con discapacidad, prevención y control, factores de riesgo.

 

Introdução

 

A hanseníase é uma doença preocupante devido ao seu potencial incapacitante e por se apresentar epidemiologicamente como uma doença de altas taxas de prevalência e incidência em países subdesenvolvidos. Causada pelo Mycobacterium leprae, a hanseníase manifesta sinais e sintomas clínicos em órgãos como pele, nervos periféricos, mucosa nasal e ocular. Sua transmissão dá-se pelo contato próximo e prolongado através das vias aéreas por indivíduos não tratados pelo esquema poliquimioterápico gratuito fornecido pelo Sistema Único de Saúde [1-2].

Embora não letal, a hanseníase pode causar sequelas como incapacidades e deformidades físicas, cuja classificação varia do grau zero a dois [1]. Dados consolidados do Sistema DataSUS/TABNET no último ano de 2017, apontam a proporção de 8,33% de casos novos com grau 2 de incapacidade [3].

As sequelas provindas da hanseníase além de criar estigmas geram limitações e restrições na jornada cotidiana e na participação social e econômica dos pacientes, visto que estes, majoritariamente se encontram dentro da faixa etária economicamente ativa, prejudicando a qualidade de vida [4-6].

Estudos apontam que o surgimento de incapacidades está diretamente relacionado ao diagnóstico tardio e consequentemente ao atraso para o início do tratamento poliquimioterápico, de maneira que quanto mais cedo a doença é diagnosticada e mais rápido se inicia o tratamento, menor a possibilidade de desenvolver sequelas neurais e físicas [7-8].

O enfermeiro como integrante da equipe multidisciplinar no serviço de atenção básica da rede pública brasileira de saúde se consolida como agente fundamental na prevenção e erradicação desta endemia, posto que os casos da doença sejam consubstancialmente tratados na rede primária de atenção. Em sua consulta, os profissionais da rede básica devem dispensar especial atenção para detectar casos de hanseníase precocemente e assim iniciar o tratamento, atuando na prevenção e no controle de incapacidades [9-10]. Para tais, é necessário que este profissional esteja baseado em informações atualizadas na literatura científica que capacitem o mesmo em seu trabalho, a fim de alcançar assistência efetiva à população.

Pelo exposto, considera-se relevante a busca por respostas para algumas reflexões sobre os fatores de risco para as incapacidades decorridas da hanseníase e como preveni-las, através da compilação dos achados literários atualizados. Assim, com as informações consolidadas, vislumbramos contribuir para disseminação destas, que poderão influenciar na qualidade da assistência oferecida ao paciente, à sua família e a comunidade em geral.

Ante essas observações, o interesse em estudar essa temática se deu a partir da seguinte questão norteadora: quais são os fatores de risco para as incapacidades decorridas da hanseníase e como preveni-las? Objetiva-se, portanto, identificar os fatores de risco para o desenvolvimento de incapacidades relacionadas à hanseníase e as estratégias para preveni-las.

 

Material e métodos

 

Trata-se de uma revisão integrativa (RI) da literatura, método de pesquisa utilizado para incorporação de evidências na saúde que fornece suporte para a tomada de decisão e a melhoria da prática clínica. Consiste na pesquisa de estudos científicos de forma criteriosa e sistemática com o propósito de reunir e sintetizar resultados [11].

Na construção desta RI foram percorridas as seguintes etapas: identificação do tema e da questão norteadora; determinação dos critérios para inclusão e exclusão de estudos; definição das informações a serem utilizadas dos estudos selecionados; leitura rigorosa dos estudos, excluindo-se os que não atendiam aos critérios de inclusão; e síntese do conhecimento produzido [11].

Para delinear este estudo, teve-se o seguinte questionamento: quais são os fatores de risco para as incapacidades decorridas da hanseníase e como preveni-las?

O levantamento bibliográfico foi realizado nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline) e Scientific Electronic Library Online (Scielo), ambas disponíveis online na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).

Foram utilizadas as seguintes combinações com descritores cadastrados na mesma biblioteca: hanseníase AND pessoas com deficiência; leprosy AND disabled persons; hanseníase AND /prevenção & controle AND pessoas com deficiência; leprosy AND /prevention & control AND disabled persons; hanseníase AND fatores de Risco AND pessoas com deficiência; leprosy AND risk factors AND disabled persons. Estabeleceu-se como critérios de inclusão: artigos científicos, disponíveis online e na íntegra, no período de 2011-2016, e nos idiomas português e inglês.

Para definição das informações a serem selecionadas dos estudos, foi utilizado um instrumento validado [12] de forma parcial e adaptada, extraindo-se para uso os itens: título, autores, área de formação do autor principal, país de origem, ano de publicação, idioma, objetivos, resultados; e acrescidas as variáveis: fatores de risco e estratégias de prevenção para as incapacidades em hanseníase.

Os artigos foram lidos na íntegra por dois autores, a fim de concordar com os achados e retirar os estudos duplicados, que não se enquadravam na temática central da pesquisa ou não atendiam aos critérios de inclusão. Ressalta-se que ambos os avaliadores corroboraram na avaliação de todos os artigos.

Da base de dados Medline, foram encontrados 56 artigos e na Scielo, apenas 4. Levando em consideração a repetição de artigos entre as bases de dados e nas combinações de descritores utilizadas na busca, foi simplificado ao resultado de 33 estudos, todos oriundos da Medline. Após a leitura destes, 15 foram excluídos, tendo em vista que um estudo era editorial e 14 não apresentavam relação direta com a temática. Desta forma, 18 artigos compuseram à amostra final deste trabalho.

Após a leitura e análise crítica dos artigos, estes foram organizados em dois eixos centrais: fatores de risco para o desenvolvimento de incapacidades físicas na hanseníase e estratégias de prevenção para tais incapacidades, sendo posteriormente discutidos com base na literatura atualizada.

 

Resultados

 

A amostra foi composta por 18 estudos, sendo todos estes oriundos da Medline e extraídos do acervo da BVS. No que tange a distribuição da amostra quanto ao ano de publicação, 2011 foi o ano que obteve maior concentração de publicações, contabilizando 6 (33,3%); seguido pelos anos de 2012, 2013 e 2015 com 3 (16,7%) publicações cada um; no ano de 2014 foram publicados apenas 2 (11,1%) estudos; e no ano de 2016 apenas 1 (5,5%) estudo.

Sobre o idioma de publicação dos artigos: 11 (61,1%) foram publicados na língua inglesa e 7 (38,9%) na língua vernácula. Os estudos foram originados dos seguintes países: Brasil (77,7%), China (5,55%), Holanda (5,55%), Etiópia (5,55%) e Filipinas (5,55%). Quanto a área de formação dos autores principais, 8 (44,4%) eram médicos, 6 (33,3%) enfermeiros e 4 (22,2%) fisioterapeutas.

Quadro 1 apresenta as informações essenciais concernentes à identificação da amostra, incluindo autores, ano de publicação e períodos publicados, nos quais os elementos dos dois eixos centrais foram citados.

 

Quadro 1 - Caracterização da amostra quanto a autor, ano de publicação e periódico. João Pessoa (PB), Brasil, 2017.

 

 

Os artigos foram agrupados em 2 eixos centrais, fatores de risco e estratégias de prevenção para as incapacidades em hanseníase (Quadro 2). Os principais fatores de risco citados foram diagnóstico tardio, forma clínica multibacilar, episódios reacionais e dificuldade de acesso à assistência à saúde. Já dentre as estratégias de prevenção mais citadas estão diagnóstico precoce, educação em saúde, tratamento da doença e avaliação neurológica simplificada. Ressalta-se que por serem assuntos complementares são discutidos aqui de forma intercalada, para melhor entendimento e fluidez textual.

 

Quadro 2 - Fatores de risco e estratégias de prevenção para as incapacidades em hanseníase. João Pessoa (PB), Brasil, 2017.

 

 

Discussão

 

O diagnóstico tardio de pacientes com hanseníase eleva as possibilidades do surgimento de complicações dermatoneurológicas e, consequentemente, o desencadeamento de sequelas físicas devido ao atraso no manejo precoce para com a doença e seus agravos [31-2]. Estudos revelaram alta prevalência de incapacidades entre os pacientes com hanseníase, com percentuais elevados já no momento do diagnóstico [18,22,24], sugerindo o atraso no diagnóstico como fator de risco para o aparecimento destas, visto que contribui para a piora do quadro neurológico.

O número de nervos afetados [27], bem como a severidade da doença e a presença de neurite [18,30] também foram encontrados como fatores de risco. O grau de severidade da doença é refletido pelas deformidades físicas ocasionadas, pela quantidade de nervos comprometidos e os tipos de neurites [33]. Logo, o manejo inadequado dessas situações pode resultar em sequelas permanentes interferindo negativamente na qualidade de vida dos indivíduos.

A classificação operacional do paciente quanto à carga bacilar e ao número de lesões também influencia na manifestação de incapacidades. Estudos indicam maior prevalência de incapacidades entre os pacientes multibacilares (MBs) quando comparado com paucibacilares (PBs) [24,28], fato este explicado pelo maior dano neural nesses pacientes, o que é justificado pela maior carga bacilar neste grupo [34], influenciando na progressão mais rápida da doença [35].

A forma multibacilar também está associada à ocorrência de episódios reacionais e à piora das incapacidades físicas após a alta medicamentosa em pelo menos um dos estudos encontrados [19], o que reforça a necessidade de acompanhar e monitorar corretamente esses pacientes no período pós-alta. O manejo de forma inadequada destes episódios também pode contribuir para a instalação de incapacidades físicas [25].

Quanto aos episódios reacionais, estes são reações inflamatórias desencadeadas pela resposta imunológica do paciente à infecção pelo bacilo, que pode ocorrer de forma localizada ou disseminada e em qualquer momento durante o percurso da doença, acarretando às estruturas dermatoneurológicas danos com sinais e sintomas característicos, como placas eritematosas, febre, cefaleia e lesões nodulares [36-7]. A ocorrência destes se configura como fator de risco para o desenvolvimento das incapacidades, devido ao dano neural acarretado [27-8]. Estudo envolvendo a ocorrência destes episódios em crianças evidencia que 9,4% dos participantes apresentaram episódios reacionais [28], o que corrobora outro estudo na amostra [19] no qual apresentou relação convergente entre a presença de incapacidades e estes episódios. Adicionalmente, os mesmos podem acarretar o desestímulo no tratamento para os pacientes que os manifestam e possível abandono, aumentando as chances de incapacidades de se instalarem ou progredirem.

De maneira sucinta, o que se revela entre os estudos acima mencionados pode ser consubstanciado sob a seguinte perspectiva: as formas multibacilares, que compreendem a classificação dimorfa e virchowiana da doença, caracterizam-se por concentrar uma alta carga bacilar, o que leva a um maior número de nervos e regiões corpóreas afetadas pelo Mycobacterium leprae. Esta peculiaridade faz com que a patogenia evolua mais rapidamente, aumentando os casos de neurites e reações inflamatórias próprias à presença do microrganismo, o que favorece ao aparecimento das reações hansênicas. Assim, toda a evolução fisiopatológica descrita converge para o agravamento do quadro e aparecimento vertiginoso das incapacidades e deformidades físicas.

As estratégias de prevenção observadas nos artigos que compuseram a amostra deste estudo foram aquelas que oferecem saídas aos fatores de risco acima referidos. Neste sentido, o diagnóstico precoce é uma importante ferramenta utilizada para monitorar a evolução do quadro neurológico e desta forma evitar o surgimento dos danos neurais e consequentemente as incapacidades e deformidades físicas [29]. Em consonância com tratamento adequado e ações de autocuidado em longo prazo, essas estratégias são as principais responsáveis pela minimização dos efeitos do acometimento neural [17-9,23].

Outro fator de risco evidenciado por esta pesquisa remete à dificuldade de acesso à assistência em saúde, que prejudica o cuidado preventivo e as ações de reabilitação para os indivíduos acometidos pela hanseníase. Isto posto, estudo que trata sobre distribuição espacial da doença em município brasileiro revelou que os centros de referência deveriam ser mais acessíveis a esses pacientes, de maneira a serem descentralizados no território [21].

No tocante a acessibilidade aos serviços de saúde, observa-se uma melhor assistência em grandes centros urbanos, onde o acesso se torna mais fácil, quando comparado a municípios menores, nos quais o contato com os serviços especializados é insuficiente, comprometendo o diagnóstico precoce e o tratamento adequado. A melhor estratégia para prevenir a evolução da doença é a continuidade do tratamento [20].

O Ministério da Saúde preconiza a assistência descentralizada aos pacientes com hanseníase na atenção básica através das unidades de saúde da família [38], a fim de evitar a superlotação dos serviços secundários e de aprimorar a assistência. Contudo, observam-se na prática três situações que divergem desta recomendação: primeiramente o número de centros de referência para os casos mais graves e complexos da doença são limitados e concentrados nas regiões mais desenvolvidas como capitais e cidades de maior porte, dificultando o serviço de referência e contra referência

Por outro lado, muitos pacientes ao serem assistidos pela atenção especializada encontram a sua disposição uma assistência mais qualificada e melhores recursos, de forma que se tornam relutantes a serem contra referenciados [39]. Além disso, vê-se que muitos casos que poderiam ser tratados nas unidades básicas de saúde são encaminhados para os centros de maior complexidade devido à incapacitação profissional [40,41].

A problemática da superurbanização, também citada como fator de risco [21], está conectada a outros fatores observados durante coleta de dados, como a ausência de profissionais qualificados, escassez de recursos materiais e falta de incentivos governamentais [25]. Conforme observado nos estudos, a superurbanização está atrelada ao subdesenvolvimento e regiões onde a baixa condição socioeconômica é mais evidente, contexto que repercute diretamente numa assistência de baixa qualidade, seja pela superlotação dos serviços, pela falta de investimentos, recursos ou qualificação dos profissionais, esta aparentemente o mais forte de todos os fatores.

A julgar pelo fato de que a hanseníase se trata de uma doença com diagnóstico essencialmente clínico, em que pouquíssimos recursos podem ser utilizados de maneira satisfatória, a depender da capacidade/competência profissional, hipotetiza-se ser este conhecimento científico uma forte estratégia para o diagnóstico precoce e prevenção de incapacidades. Dessa forma, a qualidade da assistência na atenção básica e a detecção de incapacidades são dois elementos fortemente interligados e que precisam seguir em harmonia para efetividade do cuidado na hanseníase.

Deficiências como a falta de informação sobre a patologia por parte dos usuários do sistema de saúde, a ausência de capacitação dos profissionais e, sobretudo, o diagnóstico tardio da hanseníase favorecem a abertura de lacunas para o aparecimento de incapacidades [10,16,42]. Neste contexto, políticas públicas relacionadas à capacitação de profissionais devem ser incentivadas, a fim de alcançar melhores resultados na qualidade da assistência [19].

      A educação em saúde auxilia a população em geral e acometida a conhecer a doença e suas possíveis sequelas e a tomar providências para a prevenção dos agravos [43]. O maior nível de escolaridade [21] também auxiliaria na prevenção de incapacidades, devido ao maior acesso à informação e, portanto, maior conhecimento das medidas preventivas. Desta forma, sugere-se a popularização do conhecimento sobre a hanseníase como estratégia de prevenção tão importante quanto o diagnóstico e o tratamento precoce [26], a partir do momento em que se observa uma relação positiva entre a educação para saúde da população e o diagnóstico oportuno de casos novos [29].

Aquém ao exposto ressalta-se que o baixo nível educacional próprio do subdesenvolvimento econômico das populações superurbanizadas enfraquece o poder das ações de autocuidado que poderiam ser utilizadas como artifícios deste cuidado.

Foram citadas ainda em menor proporção as seguintes estratégias de prevenção: quimioprofilaxia em contactantes [16] – para prevenir a infecção entre contatos intradomiciliares; acompanhamento pós-alta [21-2], posto que alguns pacientes apresentaram incapacidades mesmo após a alta medicamentosa; avaliação neurológica simplificada [14,24] como estratégia sistematizada para avaliação e prevenção das incapacidades com orientações ao autocuidado e intervenções fisioterápicas [13], devido a maior graduação de dor e menor nível de força muscular em indivíduos acometidos pela hanseníase.

Em suma, torna-se necessário atentar para a situação dos indivíduos com hanseníase antes do surgimento das incapacidades e assim planejar e desenvolver ações que visem à prevenção, ou descontinuidade das sequelas, promovendo o bem-estar dos indivíduos nos âmbitos físico, emocional e social, dado que as incapacidades na hanseníase afetam negativamente a participação social dos acometidos [44].

 

Conclusão

 

Os resultados sumarizam que o controle de agravos da hanseníase, como uma doença de alto poder incapacitante, pode ser realizado a partir da adoção de estratégias de prevenção anteriormente explanadas de forma precoce, adequada e organizada. Mesmo em meio a tantos riscos e adversidades relacionadas com o processo evolutivo da doença, faz-se necessário o estabelecimento de práticas de saúde qualificadas, relacionadas ao manejo desta e de suas peculiaridades. Assim, reduzir epidemiologicamente o quantitativo de indivíduos com incapacidades e melhorar a qualidade de vida desses pacientes são objetivos relevantes que refletem positivamente o controle das incapacidades.

Embora os frutos deste estudo tenham suas potencialidades, revela-se limitação quanto ao resultado da busca por estudos nas bases de dados, repercutindo na escassez de artigos encontrados, o que pode não abranger toda esta vasta temática.

Ainda assim, os resultados obtidos podem servir como embasamento científico aos profissionais de saúde para o cenário de suas práticas direcionadas aos pacientes com hanseníase, de modo que o cuidado prestado a estes indivíduos seja de qualidade, atentando-se para os sinais precoces da doença e do surgimento das sequelas, como as incapacidades físicas, e facilitando-se o acesso à informação e aos serviços de saúde. Desta forma, espera-se a redução dos casos de hanseníase e melhor resposta no tratamento pelos pacientes, evidenciando mínima ou ausência de incapacidade.

 

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