ARTIGO
ORIGINAL
Associação
entre tuberculose e consumo de drogas lícitas e ilícitas
Mariel Tobal Justo*, Luciano Garcia Lourenção,
D.Sc.**, Natália Sperli Geraldes Marin dos Santos Sasaki,
D.Sc.***, Silvia Helena Figueiredo Vendramini, D.Sc.****, Nilza Gomes de Souza*****, Maria de Lourdes Sperli Geraldes Santos, M.Sc.****
*Enfermeira,
Mestranda em Enfermagem pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
(FAMERP), **Enfermeiro, Professor Titular-Livre da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal do Rio Grande (EEnf/FURG),***Enfermeira,
Professora do Curso de Medicina da União das Faculdades dos Grandes Lagos
(UNILAGO),****Enfermeira, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem em
Saúde Coletiva e Orientação Profissional da Faculdade de Medicina de São José
do Rio Preto (FAMERP),*****Enfermeira, Enfermeira da Secretaria de Estado da
Saúde de São Paulo e Professora do Centro Estadual de Educação Tecnológica
Paula Souza de São José do Rio Preto
Recebido em 9 de novembro de 2017; aceito em 5 de junho de 2018.
Endereço
para correspondência:
Mariel Tobal Justo, Avenida Bady Bassitt, 4370/13,
Torre 4, Nossa Senhora Aparecida, 15025-000 São José
do Rio Preto SP, E-mail: mariel_famerp@yahoo.com.br; Luciano Garcia Lourenção: luciano.famerp@gmail.com; Natália Sperli Geraldes Marin dos Santos Sasaki:
nsperli@gmail.com; Silvia Helena Figueiredo Vendramini: silviahve@gmail.com;
Nilza Gomes de Souza: gve29-tbmonitor@saude.sp.gov.br; Maria de Lourdes Sperli Geraldes Santos: mlsperli@gmail.com
Resumo
Estudo transversal
sobre a associação entre características clínicas e sociodemográficas,
descoberta e desfecho de tratamento da tuberculose com uso de drogas lícitas e
ilícitas. Foram utilizados dados secundários dos casos de tuberculose
notificados no sistema TB-WEB, no período de 1997 a 2015, pelos municípios
pertencentes ao Grupo de Vigilância Epidemiológica 29, de São José do Rio
Preto, São Paulo. Realizou-se análise de frequência simples e associativa,
aplicando-se os testes qui-quadrado e Exato de
Fisher, considerando nível de significância de 95%. Os resultados mostraram
predomínio de pacientes usuários de álcool, outras drogas e tabaco, sexo
masculino, faixa etária de 20 a 59 anos, brancos, com 4 a 7 anos de
escolaridade, notificados como casos novos de tuberculose pulmonar. O
diagnóstico ocorreu em nível ambulatorial e hospitalar, com índices de cura
inferiores à meta do Ministério da Saúde. Os resultados apontaram associação
significativa entre doentes de tuberculose e uso de álcool, outras drogas e
tabaco, exigindo especial atenção para o enfrentamento do problema. Estratégias
devem ser desenvolvidas para uma reorganização dos serviços de saúde, além do
olhar atento para esses pacientes vulneráveis.
Palavras-chave: tuberculose, drogas
ilícitas, alcoolismo, tabaco, tratamento.
Abstract
Association between tuberculosis and use of licit and illicit drugs
Cross-sectional study about association between clinical and
socio-demographic characteristics, discovery and treatment outcome of
tuberculosis with licit and illicit drugs use. Secondary data were used in cases of tuberculosis notified in TB-WEB
system in the period of 1997 to 2015, in municipalities belonging to Group of
Epidemiological Surveillance 29 of São José do Rio Preto,
São Paulo state. A simple and associative frequency analysis was performed
through the chi-square test and Fisher's exact test, considering a significance
level of 95%. The results showed predominance of patients users of alcohol,
other drugs and tobacco, male, aged 20 to 59 years old, white, with 4 to 7
years of schooling, notified as new cases of pulmonary tuberculosis. The
diagnosis occurred in outpatient and hospital level, with cure rates lower than
the objective of the Health Ministry. The results showed a significant
association between tuberculosis patients and use of alcohol, other drugs and
tobacco, requiring special attention for confrontation of the problem.
Strategies should be developed for a reorganization of health services, in
addition to look out for these vulnerable patients.
Key-words: tuberculosis,
illicit drugs, alcoholism, tobacco, treatment.
Resumen
Asociación entre tuberculosis y el
consumo de drogas lícitas e ilícitas
Estudio transversal sobre la asociación
entre características clínicas y sociodemográficas, descubrimiento y desenlace del tratamiento de la tuberculosis con el uso de drogas lícitas e ilícitas. Se utilizaron
datos secundarios de los casos de tuberculosis
notificados en el
sistema TB-WEB, en el
período de 1997 a 2015, por los municipios
pertenecientes al Grupo de Vigilancia
Epidemiológica 29, de São José do Rio Preto, São Paulo. Se realizó
un análisis de frecuencia simple y asociativa, aplicando las pruebas qui-cuadrado y Exacto de Fisher, considerando nivel
de significancia de 95%. Los resultados mostraron predominio de pacientes
usuarios de alcohol, otras drogas y tabaco, sexo masculino, grupo de edad de 20 a 59 años, blancos, con 4 a 7 años de escolaridad, notificados
como casos nuevos de tuberculosis
pulmonar. El diagnóstico ocurrió a nivel ambulatorio y hospitalario, con índices de curación inferiores a la
meta del Ministerio de Salud. Los resultados apuntaron
una asociación significativa entre enfermos de tuberculosis y uso de alcohol, otras drogas y tabaco, exigiendo
especial atención para el enfrentamiento del problema. Las estrategias deben ser desarrolladas para una reorganización
de los servicios de salud, además de la mirada atenta a esos pacientes vulnerables.
Palabras-clave: tuberculosis,
drogas ilícitas, alcoholismo, tabaco, tratamiento.
A tuberculose (TB)
tem ganhado notoriedade, por se tratar de um problema global de saúde pública,
devido à sua elevada prevalência em diversos países, dentre eles o Brasil. A
doença tem estreita relação com condições socioeconômicas desfavoráveis e
permanece como uma das doenças infecciosas que causa o maior número de óbitos
em adultos [1-2].
É causada pelo
Mycobacterium tuberculosis, bactéria também
denominada Bacilo do Koch, e a principal fonte de infecção é a forma pulmonar.
A TB é curável em 100% dos casos, desde que o paciente busque o tratamento, que
é gratuito na rede pública de saúde. Apesar disso, a doença ainda leva a óbito cerca de 4,5 mil pessoas por ano no Brasil [3-4]. Estima-se
que um terço da população mundial esteja infectada com o bacilo causador da
doença e que, em 2013, ocorreram 9 milhões de casos
novos e 1 milhão de óbitos. A cada ano, são notificados aproximadamente 70 mil
casos novos e ocorrem 4,5 mil mortes em decorrência da doença [5].
A nova classificação
para o controle da TB em países prioritários, para o período de 2016 a 2020, é
composta por três listas de 30 países, que concentram 87% do número de casos de
tuberculose no mundo. A nova classificação se baseia nas seguintes
características epidemiológicas: carga de tuberculose, tuberculose multidrogarresistente e coinfecção
TB/HIV [5].
O Brasil encontra-se
em duas destas classificações e ocupa a 20ª posição em carga de TB e a 19ª
quanto à coinfecção TB/HIV, concentrando 0,9% dos
casos estimados no mundo e 33% dos estimados para as Américas. Embora o país
tenha cumprido as metas internacionais, com redução dos coeficientes de
mortalidade e de incidência da doença, de 1990 a 2014, em 38,9% (3,6 para
2,2/100 mil habitantes) e 34,1% (51,8 para 34,1/100 mil habitantes),
respectivamente [5], entre 2005 e 2014, houve uma média de 70 mil casos novos e
4.400 mortes anuais por tuberculose no país; e entre 2012 e 2015, 840 casos
novos de tuberculose drogarresistente [6].
Apesar de ser uma
doença curável, de fácil diagnóstico e tratamento efetivo, fatores como o
abandono do tratamento dificultam o controle da TB, em todo o mundo [5,7-9].
Além disso, fatores como a infecção por HIV, pessoas que fazem uso frequente de
drogas lícitas e ilícitas, e o baixo padrão socioeconômico favorecem a transmissão
da TB pulmonar [10].
No Brasil, o
Ministério da Saúde preconiza uma taxa de abandono inferior a 5%, no entanto,
em 2011, 8,9% dos doentes diagnosticados no país abandonaram o tratamento
[7-9].
Nos últimos anos, a
piora das condições socioeconômicas no Brasil causou impacto negativo no
controle da TB, devido à relação da doença com baixa renda familiar, educação
precária, habitação fora dos padrões sanitários, alimentação inadequada, coinfecção HIV/AIDS e uso do tabaco, álcool e outras drogas
[7,11].
De acordo com a
literatura, há forte relação entre TB e consumo frequente de drogas ilícitas,
álcool e tabaco, sendo este último mais expressivo, por conta da presença da
nicotina, que se revelou importante na reativação da TB em casos considerados
encerrados, pois diminui a resistência do hospedeiro e promove alterações
alveolares, aumentando o risco de persistência da bactéria após o tratamento
[12,14].
Segundo a Organização
Mundial de Saúde, o tabagismo aumenta em mais de 2,5 vezes o risco de adquirir
tuberculose e, consequentemente, morrer devido à doença [13]. Além disso, o uso
de drogas ilícitas é um dos principais responsáveis pelo abandono do tratamento
de TB, potencializado por aspectos sociodemográficos,
relacionados aos serviços de saúde e ao tratamento da doença, comorbidades e o cuidado com a saúde em geral [14].
Estudo sobre a
correlação entre tabagismo e os desfechos do tratamento da TB identificou que,
além de o tabagismo prejudicar a eficácia do tratamento de fumantes, afeta
negativamente o tratamento de ex-fumantes [15]. Esses
resultados evidenciam a necessidade de restrições específicas e ações de
redução das taxas de utilização do tabaco pelos doentes de TB, para melhorar a
eficácia do tratamento e a qualidade dos serviços de saúde prestados a esta
população.
Destaca-se, ainda, a
associação do consumo excessivo de álcool com o aumento do risco de infecção
pela TB pulmonar e maior risco de intoxicação por drogas. O alcoolismo também
está relacionado a outros determinantes relevantes, como baixo status
socioeconômico, desnutrição e ausência de moradia fixa [16].
Ante o exposto, este
estudo objetivou verificar a associação entre o uso de drogas ilícitas, álcool
e tabaco, e as características sociodemográficas,
clínicas, descoberta e desfecho de tratamento dos casos de tuberculose
notificados ao Grupo de Vigilância Epidemiológica XXIX (GVE-29) de São José do
Rio Preto, no período de 1997 a 2015.
Estudo transversal
sobre a associação entre características clínicas e sociodemográficas,
descoberta e desfecho de tratamento da TB com uso de drogas ilícitas, álcool e
tabaco. Foram utilizados dados secundários dos casos de tuberculose notificados
no sistema TB-WEB, no período de 1997 a 2015, pelos municípios pertencentes ao
Grupo de Vigilância Epidemiológica 29 (GVE 29), de São José do Rio Preto, São
Paulo. O GVE 29 é um dos 32 grupos integrantes, em nível regional, da estrutura
do Centro de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac”
(CVE), que normatiza o Sistema de Vigilância Epidemiológica no Estado de São
Paulo. Abrange 67 municípios pertencentes aos Colegiados de Gestão Regionais de
Catanduva, José Bonifácio, Votuporanga e São José do Rio Preto, e está inserido
na divisão administrativa da Regional de Saúde XV, uma das maiores regionais do
Estado de São Paulo [17].
Foram incluídos no
estudo os casos de TB em usuários de drogas ilícitas, alcoolistas e tabagistas,
independentemente da idade ou sexo, notificados no período de 1997 a 2015 no sistema de informação TB-WEB, residentes nos
municípios da área de atuação do GVE 29 de São José do Rio Preto. Excluíram-se
os doentes de TB usuários de drogas ilícitas, alcoolistas e/ou tabagistas
transferidos para outro Estado ou GVE, com tratamento sem encerramento e
mudança de diagnóstico.
As variáveis
escolhidas para a análise foram estratificadas em Demográficas: sexo
(feminino/masculino), faixa etária (até 19 anos, 20 a 59 anos, 60 ou mais e sem
informação), raça/cor, escolaridade (0, de 1 a 3 anos,
4 a 7 anos, 8 a 11 anos, 12 ou mais e sem informação); Município notificante
(São José do Rio Preto e região); e Clínicas: tipo de caso (novo ou recidiva),
classificação, encerramento e descoberta.
Foi considerado caso
novo o paciente que nunca usou medicamentos antituberculose,
ou usou por menos de 30 dias [18].
Foram realizadas
análises de frequência simples e associativa, aplicando-se os testes qui-quadrado e Exato de Fisher, considerando nível de
significância de 95%.
O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio
Preto (FAMERP) em 22 de abril de 2015, com Parecer nº. 1.030.405.
Foram avaliados 879
casos de TB, notificados no período do estudo. Conforme observado na Tabela I,
houve prevalência da raça/cor branca (58,5%) e parda (21,4%); faixa etária
produtiva - 20 a 59 anos (58,5%); sexo masculino (84,4%). A escolaridade
mostrou-se baixa, 536 doentes (61,0%) tinham de 0 a 7 anos de estudo,
equivalente ao ensino fundamental incompleto. A maioria das notificações foi
realizada pelo município de São José do Rio Preto (58,4%).
Tabela
I - Distribuição dos casos de tuberculose
notificados ao GVE 29 no período de 1997 a 2015, segundo variáveis
demográficas, escolaridade e município notificante.
Em relação às
variáveis clínicas e de descoberta da doença (Tabela II), observou-se maior
porcentual de casos novos (90,1%) e cura (74,1%), além de 9,7% de abandono e
15,4% de óbitos; prevalência da forma pulmonar (86,5%). Em relação ao
diagnóstico da TB, destaca-se o baixo índice de descoberta por busca ativa de
sintomáticos respiratórios (7,0%) e as elevadas taxas de diagnóstico por
demanda ambulatorial (37,8%) e fora dos serviços de Atenção Básica, ou seja,
durante internação hospitalar (30,6%), em Unidades de Pronto Atendimento
(21,8%) e após o óbito (2,2%).
Tabela
II -
Distribuição dos casos de tuberculose
notificados ao GVE 29 no período de 1997 a 2015, segundo variáveis clínicas e
de descoberta.
Entre os casos TB
estudados, 254 (29,6%) eram usuários de drogas ilícitas, 410 (47,7%)
tabagistas, e 500 (58,2%) alcoolistas. Houve associação do uso de drogas
ilícitas, álcool e tabaco com as variáveis demográficas, sociais e município
notificante, exceto alcoolismo e município notificante (Tabela III). Maior
consumo de tabaco e drogas ilícitas entre mulheres - 63,0% fumantes e 43,3%
usuárias de drogas ilícitas. Entre os homens houve maior consumo de álcool (68,8%).
O consumo de tabaco e
álcool foi maior entre doentes com idade entre 20 e 59 anos (47,7% e 66,4%
respectivamente) e com mais de 60 anos (67,7% tabaco e 64,8% álcool); o uso de
drogas ilícitas predominou entre os adolescentes (61,5%). Ressalta-se, ainda,
que o alcoolismo foi maior que os outros eventos em todas as faixas etárias.
Houve prevalência do
consumo de álcool entre os negros (70,9%) e associação da escolaridade com uso
de drogas ilícitas, tabagismo e alcoolismo. O maior consumo de tabaco ocorreu
entre doentes com maior escolaridade (59,1%), enquanto o consumo de álcool foi
maior entre os de menor escolaridade - 68,9% para 1 a 3 anos de estudo e 67,6%
para os sem escolaridade.
Conforme observado na
Tabela IV, não houve associação do consumo de tabaco com classificação da
doença (p=0,90) e descoberta (p=0,06); uso de drogas ilícitas com classificação
da doença (p=0,15); alcoolismo com encerramento (p=0,14) e classificação da
doença (p=0,83).
Houve maior recidiva
da TB entre alcoolistas (72,8%). Entre os curados, observou-se maior
prevalência de alcoolistas (62,2%) e menor de uso de drogas ilícitas (30,9%).
No entanto, alcoolistas (69,4%) e usuários de drogas ilícitas (64,7%)
abandonaram o tratamento mais do que tabagistas (44,7%). Houve maior ocorrência
de óbito entre fumantes (63,6% por TB e 57,8% não TB) e alcoolistas (71,6% não
TB e por TB e 69,7%).
Entre todas as formas
de descoberta da doença houve predomínio de tabagistas e alcoolistas.
Tabela
III
- Associação do uso de drogas ilícitas,
álcool e tabaco com variáveis demográficas, escolaridade e município
notificante, entre doente de TB notificados ao GVE 29 no período de 1997 a
2015. (ver anexo em PDF).
Tabela
IV -
Associação do uso de drogas ilícitas,
álcool e tabaco com variáveis clínicas e de descoberta entre doente de TB
notificados ao GVE 29 no período de 1997 a 2015. (ver anexo em PDF).
O estudo mostrou
prevalência de doentes do sexo masculino, na faixa etária produtiva, da
raça/cor branca e parda, com baixa escolaridade, TB pulmonar, notificados pelo
município de São José do Rio Preto, com diagnóstico fora dos serviços de
Atenção Básica e evolução para cura.
A prevalência de
casos de TB entre homens é comum em todas as faixas etárias. Isso ocorre devido
à maior exposição dos homens a fatores de risco para a TB, ou em virtude das
diferenças culturais no desempenho de papéis entre os sexos, que engloba, entre
outros, a procura limitada pelos serviços de saúde por parte dos homens, além
do estilo de vida de cada indivíduo [19]. O predomínio da raça/cor branca
condiz com a distribuição da população do estado de São Paulo composta, majoritariamente,
por pessoas raça/cor branca [20].
Assim como em outros
estudos epidemiológicos, predominou o baixo nível de escolaridade [21-23]. Esta
condição exige maior atenção dos profissionais da saúde com o doente de TB em
tratamento, pois a baixa escolaridade é um indicador de vulnerabilidade social,
que contribui para o retardo do diagnóstico, não aceitação da doença e baixa
adesão ao tratamento [7,24-25].
A TB pulmonar,
predominante neste estudo, é a mais comum e de maior relevância para a saúde
pública, especialmente a pulmonar bacilífera,
responsável pela manutenção da cadeia de transmissão da doença [3]. Como a
doença é transmitida por gotículas expelidas pelos doentes, através da fala, do
espirro e da tosse, na TB pulmonar as gotículas mais leves podem permanecer em
suspensão no ar, por diversas horas [26].
Este estudo apontou,
ainda, associação entre uso de drogas ilícitas, álcool e tabaco com variáveis
demográficas, escolaridade e município notificante, exceto para alcoolismo e município
notificante; ausência de associação do tabagismo com classificação da doença e
descoberta, do uso de drogas ilícitas com classificação da doença e do
alcoolismo com classificação da doença e encerramento.
Enquanto o predomínio
do consumo de álcool por doentes do sexo masculino apresenta um aspecto
cultural, associado a questões de masculinidade e poder [25,27-28], o maior
consumo de tabaco e drogas ilícitas entre as mulheres com TB é preocupante,
pois estas são mais vulneráveis aos danos causados pelas drogas e, certamente,
sofrerão maiores impactos ao longo do tratamento [24].
O maior consumo de
tabaco e álcool por doentes em idade produtiva está relacionado à distribuição
etária da população brasileira e corrobora a literatura [19,22-23,28]. Por
outro lado, enquanto este estudo mostrou associação entre uso de drogas
ilícitas e tabaco por doentes da raça/cor branca, a literatura aponta que o
risco de morrer por tuberculose é maior entre negros e pardos [19,22-24].
O consumo de drogas
ilícitas, álcool e tabaco associado à TB representa um grande desafio para a
saúde global, pois cria uma vulnerabilidade social que dificulta o controle da
doença. Além de a interação nociva destas drogas com o organismo do doente
comprometer sua capacidade de compreensão sobre a importância do tratamento, e
dificultar a atuação dos profissionais de saúde [29], geralmente a abordagem
deste problema ocorre de forma fragmentada, por meio de ações e programas
coordenados por infectologistas, psiquiatras e pneumologistas, ao invés de uma
abordagem integrada [9,30-31].
O alcoolismo torna-se
um importante complicador ao dificultar a adesão do doente ao tratamento e/ou
inibir os efeitos da medicação. Além de ser comum o doente optar pela bebida, o
uso concomitante de medicação e álcool inibe os efeitos dos remédios,
comprometendo o tratamento e aumentando o risco de intolerância à medicação [9,29,32-35]. Em pacientes de retratamento,
a não-aderência ao uso dos medicamentos frequentemente
está associada ao consumo perigoso de álcool, confirmando a influência negativa
da droga no tratamento da doença [11].
Em relação às drogas
ilícitas, o crack se destaca por ser uma droga ampla e rapidamente difundida,
de baixo custo, que atinge todas as classes sociais e faixas etárias. Há uma
íntima relação entre a pobreza e a vulnerabilidade ao uso de crack, por seu
menor custo e efeito quase instantâneo. Sua relação com a TB se deve ao fato de
o baixo poder aquisitivo privar as pessoas de condições dignas de habitação e
de vida, levando-as a viver em áreas de infraestrutura urbana precária,
aglomeradas em pequenos espaços, tornando-se mais vulneráveis à contaminação.
Além disso, a redução dos níveis de consciência causada pelo uso desta droga,
aliada aos efeitos colaterais da medicação antituberculosa, dificultam o
tratamento dos doentes de TB usuários de crack [9,31,36].
De acordo com a
literatura, indivíduos que fazem uso de drogas ilícitas são três vezes mais
propensos à infecção por TB do que aqueles que não consomem substâncias
tóxicas. Isto ocorre devido à redução da imunidade causada por estas drogas,
associada ao maior risco de disseminação do bacilo nos ambientes de consumo,
conhecidos como mocós, geralmente pequenos, superlotados e com pouca circulação
de ar [10].
Ademais, os usuários
de drogas ilícitas apresentam dificuldade de reconhecer os sintomas
tradicionais da doença, como tosse e expectoração; mesmo após o diagnóstico,
apresentam-se tardiamente nos serviços de saúde, para iniciar o tratamento e têm
a tendência de não aderir ao tratamento e esconder a doença de seus pares, por
medo de serem abandonados e proibidos de compartilhar drogas [37].
As drogas ilícitas representam, portanto,
um grande obstáculo para o controle da TB, pois os usuários apresentam
comportamento vulnerável, não fazem uso correto da medicação, não se alimentam
bem e não seguem as orientações do tratamento proposto, aumentando o risco de
insucesso do tratamento e favorecendo a retransmissão do bacilo, em nível
familiar, social e comunitário [14].
Além do alcoolismo e
das drogas ilícitas, o tabagismo também ocupa espaço importante na manutenção
da cadeia de transmissão da TB, assim como na sua potencialização. Fumar
aumenta o risco da tuberculose de infecção latente (TBIL), da progressão da TB
ativa, de atraso e negativação do exame de escarro, reduz a adesão ao
tratamento, aumenta a recidiva e contribui para a
multirresistência [30,38]. Os fumantes apresentam risco 2,5 vezes maior de TB
recorrente, comparados aos não fumantes, além de apresentarem menor adesão ao
tratamento [30]. Ainda, a inalação da fumaça de forma passiva, pode aumentar o
risco de TB intra-domiciliar
[38].
Não obstante, ao
favorecer o abandono do tratamento, o uso descontrolado de tabaco e álcool, e o
consumo de drogas ilícitas pelos doentes de TB aumenta o risco de mortalidade
pela doença [9,14,39-40].
Além disso, os altos
índices de diagnóstico destes doentes em serviços ambulatoriais e de internação, exige maior integração das unidades da atenção básica, em
particular a Estratégia Saúde da Família, com as ações de vigilância em saúde,
a fim de potencializar as ações de controle da TB, como aumento da busca ativa
de sintomáticos respiratórios, redução dos casos de abandono de tratamento e aumento
dos índices de cura.
Considerando a
vulnerabilidade que permeia a relação TB versus consumo de drogas lícitas e
ilícitas, é imprescindível que os profissionais dos serviços de atenção básica
identifiquem doentes nestas condições, orientando-os e implementando
medidas que busquem a redução do consumo de drogas, para potencializar a
eficácia do tratamento. A comunicação entre profissional de saúde e doente é
fundamental para a criação de vínculo e o estabelecimento de um relacionamento
de confiança, que permita o bom andamento do tratamento, especialmente quando
se trata de usuários de drogas ilícitas [19,21-23,29].
Os resultados obtidos
neste estudo são relevantes e robustos. No entanto, lacunas no preenchimento
das variáveis nas fichas de notificação dificultaram a obtenção dos dados,
representando uma limitação do estudo. Nesse contexto, destaca-se a importância
da implementação
de ações educativas para orientação e
capacitação dos profissionais sobre o preenchimento
adequado das fichas de
notificação, para assegurar a qualidade dos dados e a
utilização dos sistemas
de informação como fonte para a análise de
situação de saúde da população.
Os resultados deste
estudo mostraram uma associação significativa entre a TB e o consumo de álcool,
outras drogas e tabaco, reforçando a tuberculose como um importante problema de
saúde pública, agravado pelo consumo destas drogas lícitas e ilícitas pelos
doentes.
Estes resultados
evidenciam a necessidade de implementação de
estratégias de reorganização dos serviços de saúde, além de um olhar atento dos
profissionais para esses pacientes vulneráveis, com o objetivo de reduzir os
impactos negativos que o consumo destas drogas causa ao tratamento.
A atuação dos
profissionais de saúde, por meio do acolhimento e do vínculo com os pacientes é
fundamental para aumentar a eficácia e reduzir o abandono do tratamento.