ARTIGO ORIGINAL

Após a mastectomia, o que esperar da vida pessoal, familiar e profissional?

 

Maraisa Manorov*, Rozana Bellaver Soares*, Ângela Urio*, Jeane Barros de Souza, D.Sc.**, Kátia Lilian Sedrez Celich, D.Sc.**

 

*Discente do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), **Enfermeira, Docente do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

 

Recebido em 18 de novembro de 2017; aceito em 22 de abril de 2019.

Correspondência: Maraisa Manorov, Rua Guaporé 32/201E, 89802-300 Chapecó SC, E-mail: mara_manorov@hotmail.com; Rozana Bellaver Soares: rozanabellaver@hotmail.com; Ângela Urio: ange.urio@hotmail.com; Jeane Barros de Souza: jeanebarros18@gmail.com; Kátia Lilian Sedrez Celich: katia.celich@uffs.edu.br

 

Resumo

Introdução: O diagnóstico de câncer de mama ocasiona forte impacto na vida da mulher e as transformações decorrentes desse processo dependem da maneira como ela vivencia sua vida e percebe seu próprio corpo. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é compreender a vivência das mulheres após a realização da mastectomia, destacando possíveis transformações em sua vida pessoal, familiar e profissional. Métodos: Estudo exploratório e qualitativo, com dez mulheres mastectomizadas. Para coleta dos dados, utilizou-se roteiro com questões semiestruturadas e organização e análise dos dados por meio da análise de conteúdo. Resultados: Ocorrem diversas transformações na vida das mulheres mastectomizadas. No âmbito pessoal, referem-se à capacidade de resiliência, em se reconhecer, aceitar e se adaptar à nova condição. Contudo, a satisfação pessoal pode ser afetada pelas limitações motoras e psicológicas, ocasionadas pela mastectomia, que impossibilitam o retorno a vida profissional. Identificou-se a importância da união e do apoio familiar para auxiliar essas mulheres no enfrentamento e recuperação da doença. Conclusão: Se por um lado a mastectomia causou estranheza e exigiu uma série de adaptações em relação à nova autoimagem e restrições, por outro lado, despertou a valorização de bons momentos da vida.

Palavras-chave: saúde da mulher, câncer de mama, mastectomia.

 

Abstract

After mastectomy, what to expect of personal, family and professional life?

Introduction: The diagnosis of breast cancer has a strong impact on the woman's life and the transformations resulting from this process depend on the way she lives her life and perceives her own body. In this sense, the objective of this article was to understand the experience of women after the mastectomy, highlighting possible transformations in their personal, family and professional life. Methods: An exploratory and qualitative study with ten mastectomized women. For data collection, a script with semi-structured questions was used. Organization and analysis of data through content analysis. Results: Several transformations occurred in the lives of mastectomized women. In the personal scope, they refer to the capacity of resilience, to recognize, accept and adapt to the new condition. However, personal satisfaction may be affected by the motor and psychological limitations caused by mastectomy, which make it impossible to return to work. The importance of union and family support to help these women in coping with and recovering from the disease was identified. Conclusion: While on the one hand the mastectomy caused strangeness and required a series of adaptations regarding the new self-image and restrictions, on the other hand, awakened the appreciation of good moments of life.

Key-words: women's health, breast cancer, mastectomy.

 

Resumen

¿Después de la mastectomía, qué esperar de la vida personal, familiar y profesional?

Introducción: El diagnóstico de cáncer de mama ocasiona un fuerte impacto en la vida de la mujer y las transformaciones que se derivan de este proceso dependen de cómo vive su vida y percibe su propio cuerpo. En este sentido, el objetivo de este artículo es comprender la vivencia de las mujeres después de la realización de la mastectomía, destacando posibles transformaciones en su vida personal, familiar y profesional. Métodos: Estudio exploratorio y cualitativo, con diez mujeres mastectomizadas. Para la recolección de los datos, se utilizó un itinerario con cuestiones semiestructuradas. Organización y análisis de los datos a través del análisis de contenido. Resultados: Ocurren diversas transformaciones en la vida de las mujeres mastectomizadas. En el ámbito personal, se refieren a la capacidad de resiliencia, a reconocerse, aceptar y adaptarse a la nueva condición. Sin embargo, la satisfacción personal puede verse afectada por las limitaciones motoras y psicológicas, ocasionadas por la mastectomía, que imposibilitan el retorno a la vida profesional. Se identificó la importancia de la unión y del apoyo familiar para auxiliar a esas mujeres en el enfrentamiento y recuperación de la enfermedad. Conclusión: Si por un lado la mastectomía causó extrañeza y exigió una serie de adaptaciones en relación a la nueva autoimagen y restricciones, por otro lado, despertó la valoración de buenos momentos de la vida.

Palabras-clave: salud de la mujer, cáncer de mama, mastectomía.

 

Introdução

 

O diagnóstico de câncer de mama pode ser uma notícia devastadora, impactando a vida da mulher e de sua família. É um momento repleto de sentimentos como sofrimento, medo, angústia e ansiedade, assim como pode gerar prejuízos nas habilidades sociais, funcionais e vocacionais [1].

O seio simbolicamente representa a sensualidade, a maternidade e também a identidade feminina, podendo ocorrer alterações psicossociais nas mulheres que não aceitam a sua perda, alterando a autoimagem e o autoconceito, levando assim as mulheres a se sentirem desvalorizadas, envergonhadas e repulsivas, evitando contatos sociais e sexuais. Nesse sentido, diante da necessidade de realizar a mastectomia, sentimentos de angústia e dor poderão estar presentes, deixando a mulher mais sensível e por vezes, com dificuldades de reassumir sua vida profissional, social, familiar e sexual, pela dificuldade em lidar com o próprio corpo [2].

As transformações afetivas ocorrem de acordo com a maneira que a mulher se vê e vivencia a vida, e a percepção do próprio corpo se mostra fundamental para lidar com a sua sexualidade e se relacionar com o outro [3].

Existem fatores que definem como o enfrentamento da doença e do tratamento poderá ocorrer. Os fatores pessoais estão relacionados quanto ao momento de vida em que a mulher e familiares se encontram quando recebem o diagnóstico, tarefas específicas do desenvolvimento ameaçadas ou interrompidas pelo câncer, capacidade de lidar com situações de alto estresse, experiência de enfrentamento prévia com outras doenças ou com o próprio câncer, valores morais, religiosos e crenças pessoais [4].

Quanto aos aspectos socioculturais, o estigma e significados relacionados ao câncer desenvolvidos na comunidade poderão influenciar a mulher, seus familiares, amigos e equipe de saúde, bem como o apoio prestado pelos familiares, amigos e grupos de apoio [4].

É fundamental que a mulher tenha acompanhamento multiprofissional, para possibilitar maior qualidade de vida e minimizar o sofrimento gerado [2]. Assim, torna-se importante ampliar o olhar para a mulher mastectomizada devido as grandes dificuldades que terá que enfrentar, oferecendo suporte e medidas para reabilitação e adaptação. Destaca-se que a atuação da enfermagem vai além do cuidado técnico, tendo a necessidade de um trabalho multidisciplinar, voltado não só para o cuidado, mas principalmente com o psicológico da mulher e sua família [5].

Nesse contexto, surge este artigo com o objetivo de compreender a vivência das mulheres após a realização da mastectomia, destacando possíveis transformações em sua vida pessoal, familiar e profissional.

 

Material e métodos

 

Estudo exploratório, com abordagem qualitativa, que integra parte de um projeto de pesquisa do curso de Enfermagem, da Universidade Federal da Fronteira Sul.

A realização da pesquisa ocorreu no município de Chapecó/SC, com a participação de 10 mulheres mastectomizadas. Para o processo de identificação, indicação e informação das participantes e suas residências, contou-se com o apoio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) do referido município.

Como critério de escolha das participantes, optou-se por mulheres residentes no município de Chapecó, que tivessem realizado mastectomia, com finalização do tratamento antes de dezembro de 2016.

A coleta de dados se deu durante o primeiro semestre de 2017 e as entrevistas aconteceram na casa das participantes do estudo, de forma pré-agendada, a fim de estabelecer um momento apropriado e tranquilo. A coleta de dados ocorreu por meio de um roteiro contendo questões semiestruturadas sobre a vida pessoal, familiar e profissional das mulheres após a mastectomia. As entrevistas foram gravadas e transcritas.

Para manter o sigilo da identidade das participantes, optou-se por codinomes de princesas da Disney, sendo que de forma geral, cada mulher e cada princesa possuem em suas histórias desafios e superações e vivenciam de forma singular suas experiências de vida.

Organização e análise dos dados por meio do método da análise de conteúdo, composta por um conjunto de técnicas de análise das comunicações, com intuito de obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens [6].

O primeiro momento constituiu-se da pré-análise, em que foi realizada a leitura flutuante dos dados obtidos nas entrevistas, construção de tabela com os dados coletados, escolhendo documentos para a constituição dos dados tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos. Após, realizou-se a exploração do material de análise, com a organização dos dados, surgindo três categorias: “A vida pessoal diante da mastectomia", "A vivência profissional após a mastectomia" e "A família, como vai após a mastectomia?".

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal da Fronteira Sul, sob parecer nº 1.992.802, seguindo a Resolução CNS/MS nº 466/12, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos.

 

Resultados e discussão

 

Participaram do estudo 10 mulheres mastectomizadas, com faixa etária entre 33 e 78 anos. O tempo de realização de mastectomia variou de 1 a 24 anos atrás. Quanto a escolaridade, uma participante não possuía escolaridade, 4 tinham ensino fundamental incompleto, 3 ensino fundamental completo e 2 concluíram o ensino superior. Com relação à mastectomia, 8 mulheres realizaram mastectomia total, 1 realizou mastectomia parcial e 1 mastectomia total bilateral. Das 10 mulheres entrevistadas, apenas 3 realizaram reconstrução mamária.

 

A vida pessoal diante da mastectomia

 

A vivência do câncer de mama acarreta diversas mudanças na vida da mulher. Essas modificações decorrem de um novo sentido à vida, caracterizado pelo estabelecimento de novos hábitos e a reavaliação de conceitos. Uma nova maneira de compreender e valorizar a vida, (re)significando a importância da família e amigos, de ter e manter a saúde, dos pequenos detalhes, antes pouco observados ou valorizados [7], evidenciado no relato de uma das participantes:

 

[...] eu comecei a levar as coisas mais na esportiva, a exigir menos de mim, [...] comecei a mudar a minha visão das coisas, [...] comecei a aproveitar um pouco mais, viajar, [...] procurei me tornar uma pessoa um pouco melhor, [...] então procurei a melhorar um pouco mais as minhas atitudes, fazer escolhas, [...] eu mudei radicalmente a minha vida (Cinderela).

 

Após a doença Cinderela passou a valorizar mais os momentos, pensar em si, na sua saúde, procurou tornar-se uma pessoa melhor, ressignificando o sentido de sua vida. Essas transformações devem-se ao fato do câncer provocar impactos psicológicos e emocionais, fazendo as pessoas refletirem sobre os vários aspectos da vida [7].

Contudo, algumas mulheres apresentam dificuldades de ressignificar sua vida, e de principalmente, lidar com seu corpo [2]:

 

Ah, senti uma coisa assim, quando fui ao banheiro para tomar banho, eu disse, mas como eu fiquei? (Jasmin).

Eu acho muito estranho ter só uma mama [...] (Aurora).

 

Fica evidente o impacto que a cirurgia causou em Jasmin quando ela se olhou, pela primeira vez, após o procedimento e da dificuldade de Aurora adaptar-se a nova condição. A mastectomia pode comprometer a autoimagem corporal, acarretando danos ao autoconceito e a aceitação ou não da própria sexualidade, levando as mulheres a sentirem-se desvalorizadas, envergonhadas, evitando contatos sociais e sexuais. A importância simbólica do seio [2] e o padrão de beleza imposto pela sociedade, por vezes, oprime essas mulheres, dificultando a superação da perda e a reinserção no convívio social [8].

Sentimentos de insatisfação, impotência, percepção de um corpo estranho e alterado são manifestados por mulheres mastectomizadas [9], elementos que podem agravar sintomas de ansiedade e depressão. Inclusive, a depressão e a ansiedade são os problemas psicológicos mais frequentes entre as mulheres com câncer [10], evidenciado também nesta pesquisa:

 

Entrei em depressão, tive que pegar psicóloga [...] só quem experimenta sabe o que é uma doença assim [...] (Jasmin).

A gente se sente sempre assim, diferente sabe, dia por dia que passa, que não é mais o mesmo dia de ontem, de hoje, não é mais o mesmo. Tem dias que tu chora, chora, chora, tem dias que estou um pouquinho mais alegre, [...] mas pouca coisa, a gente prefere sempre fica sozinha (Jasmin).

 

O relato de Jasmin demonstra sua dificuldade em ressignificar a experiência e lidar com as sequelas da doença. Nesse sentido, identifica-se a necessidade da oferta de apoio psicológico para essas mulheres, em todas as fases do tratamento, desde o diagnóstico, e mesmo depois do término do tratamento [11]. As dúvidas quanto a doença e principalmente com relação a sua recidiva são fatores que provocam desgaste emocional nessas mulheres [2], como relatado por Bela e Ariel:

 

Às vezes passa um filme de novo, cada vez que eu vou consultar tenho muito medo de voltar (a doença) (Bela).

[...] estou levando assim né, com fé, que não venha mais esses negócios no meu corpo (Ariel).

 

A equipe multiprofissional de saúde pode esclarecer dúvidas, trocar informações, oferecer apoio emocional para a mulher mastectomizada, acolher e prestar assistência de maneira humanizada, empática, considerando as necessidades biopsicossociais de cada pessoa [12]. Além de auxiliar a mulher a compreender o significado da experiência de adoecer, possibilitando, a ressignificação desse processo [13].

A maneira como a mulher vai lidar com todo esse processo depende da sua história de vida, contexto social, econômico e familiar. Ainda, ela necessita reabilitar-se, através de processos de reaprendizagem de habilidades físicas e redescobrir seu papel dentro da família e da sociedade. Superar as cicatrizes físicas e psicológicas ocasionadas pela doença é fundamental para lidar com a sexualidade e se relacionar com o outro [2].

A qualidade dos relacionamentos afetivos com seus parceiros, antes da doença, pode influenciar a autoaceitação, estabilidade emocional e a qualidade de vida [2]. Assim, o relacionamento marital é considerado fundamental para o restabelecimento da integridade da mulher [14]. Para algumas participantes dessa pesquisa, a questão sexual não foi afetada pela mastectomia, pois apoiadas pelo parceiro, retomaram normalmente sua vida sexual, como pode ser observado nos depoimentos:

 

Ficou tudo normal, não tem diferença nenhuma, nada mesmo, ele entendeu, muito bem. [...] (Rapunzel).

Não afetou em nada minha vida sexual, pelo contrário [...] (Branca de neve).

 

Em contrapartida, Alice relatou não sentir-se confortável com seu corpo e sentir vergonha nos momentos íntimos:

 

Olha eu não vou mentir... porque eu não fiz a reconstrução ainda [...] todas as vezes assim, eu não tiro a roupa, a parte de cima, uma blusinha eu sempre deixo [...] não me sinto nada bem [...] (Alice).

 

A qualidade de vida da mulher mastectomizada depende de diversos fatores, apoio familiar, social, possibilidades de lazer, retorno à vida profissional, assim como a satisfação sexual. Para o restabelecimento da condição sexual torna-se essencial a compreensão e apoio do companheiro. A qualidade do relacionamento entre o casal pode influenciar a estabilidade emocional da mulher, auxiliando-a a aceitar-se e reconhecer-se em sua nova condição despertando seu interesse sexual [2] e as novas maneiras de expressar a própria sexualidade [15].

A vivência do câncer de mama recebe um significado próprio para cada pessoa, afetando os sentimentos de diversas maneiras [10]. A dificuldade de adaptar-se e superar a nova condição pode transformar negativamente a vida dessas mulheres, influenciando a qualidade de vida, por apresentarem sintomas de ansiedade e depressão. Entretanto, a capacidade de resiliência pode provocar mudanças positivas na vida delas, fazendo com que superem as adversidades, ressignificando e valorizando a vida.

 

A vivência profissional após a mastectomia

 

O diagnóstico de câncer de mama e a necessidade da mastectomia causam forte impacto na vida da pessoa acometida, trazendo prejuízos nas habilidades sociais e funcionais [2,16-17], gerando dificuldades na continuidade do trabalho e da vida agitada, como relatado por Cinderela:

 

[...] tu nunca imagina que acontece isso contigo e de repente você está ali num pique, você trabalha, você corre pra lá e pra cá, tem uma vida agitada, e de repente da noite pro dia você tem que parar tudo [...] (Cinderela).

 

Transformações dolorosas são observadas pelo impacto causado na organização das rotinas, a fim de atender as necessidades exigidas para o enfrentamento do tratamento e a recuperação da saúde:

 

[...] a partir do momento ali que eu fiz a cirurgia eu dependia de alguém pra comer, eu dependia de alguém pra tomar banho, pra ir ao banheiro, pra tudo, pra escovar os dentes, pra pentear os cabelos, então isso, ali começa a refletir né [...] (Cinderela).

 

[...] no começo da minha doença daí não fazia nada, não podia fazer nada mesmo (Aurora).

 

Depois da retirada da mama não teve mais como trabalhar, eu tenho uma mulher que vem me ajudar a fazer serviço de meio dia, não dá senão, não trabalho, não tem (Jasmim).

 

Estudos [18-19] demonstram que a maioria das mulheres, antes da mastectomia, realizava algum tipo de atividade, sejam domésticas ou outras, e que metade destas reduziram ou precisaram adaptar estas atividades após o procedimento. As razões apontadas para a diminuição ou término das atividades foram dor, recomendações médicas, menor agilidade, edema no braço, maior cuidado consigo mesma, preocupação, entre outras. Tais razões podem ser evidenciadas nas falas de algumas participantes deste estudo, que com tristeza revelam as mudanças no seu cotidiano:

 

[...] eu não consigo erguer o braço, dai me dói... (Tiana).

 

Foi bem complicado porque o médico disse: - você não vai mais fazer isso, não vai mais aquilo [...] e eu era trator [...] aonde precisava, eles me chamavam (Branca de neve).

 

Tem que mudar, muda um pouco né, a gente tem que fazer mais devagar, levar assim né (Ariel).

 

[...] eu trabalhava desde pequena e aí precisei ficar que é um traste em casa não tenho serventia nem pro meu serviço [...] Mudou totalmente [...] não consigo fazer nada, não, esfregar o banheiro, alguma coisa pesada assim eu não consigo fazer... (Alice).

 

Antes eu trabalhava assim de faxineira em algum lugar, lavava roupa pra uma vizinha, limpava a casa pra outras, mas agora, já não dá mais (Aurora).

 

Durante as entrevistas, observou-se a dificuldade das mulheres em se adaptar a nova rotina, pela necessidade de realizar as atividades de forma mais tranquila, ou ainda, de não mais haver condições de desempenhar devido às consequências do tratamento cirúrgico e limitações impostas:

 

Foi bem complicado, uma das partes que eu achei mais difícil foi ter que retroceder do que o próprio problema em si (Branca de neve).

 

O que mudou na minha vida que me deixou triste foi isso... Eu não tenho a destreza que eu tinha... É ruim a gente vê o serviço da gente e não poder fazer (Alice).

 

Em seus depoimentos, cada mulher demonstrou a maneira como enfrentou e convive com esse processo delicado que a mastectomia ocasiona. Para algumas, as dificuldades percebidas foram superadas e desse modo, conseguiram retornar a sua rotina, enquanto para outras, as sequelas ainda as impedem de retornar ao trabalho:

 

[...] comecei a reduzir um pouco o ritmo de trabalho, porque eu trabalhava bastante, eu me dedicava bastante ao meu trabalho (Cinderela).

 

Mas trabalhar eu trabalho normal (Tiana).

 

Não consigo fazer nada [...] (Alice).

 

A mastectomia causa um grande impacto na vida profissional e nos afazeres domésticos das mulheres [18]. Dessa forma, a impossibilidade de retorno ao trabalho afeta a qualidade de vida das mulheres mastectomizadas.

Em contrapartida, uma participante do estudo relatou que todo o processo de adoecimento e recuperação serviu para seu crescimento em relação a novas formas de se perceber e desempenhar papéis até então adormecidos:

 

Pra mim foi melhor, porque eu vi que eu tenho capacidade pra qualquer coisa (Bela).

 

A possibilidade de retornar ao mercado de trabalho faz parte dos planos das mulheres que trabalhavam antes da cirurgia [19-20]. A qualidade de vida das mulheres mastectomizadas está relacionada com o apoio social e familiar, bem como com a possibilidade de lazer e retorno ao mercado de trabalho que elevam a autoestima [18]. Esse retorno ao trabalho simboliza uma tentativa de retomar a autonomia, sentindo-se produtiva e independente. Mas para alcançar esse objetivo, a mulher precisa aprender a conviver e se adaptar com as limitações e sequelas ocasionadas pela mastectomia.

 

E a família, como vai após a mastectomia?

 

Amigos são importantes no apoio e suporte a mulheres com câncer de mama, mas o papel principal e indispensável é o da família. Esta tem que se estruturar diante de uma situação dessas, pois são os familiares que ofertam o principal apoio a mulher, bem como quem atenderá as novas necessidades que surgirão no decorrer da situação, como os cuidados da saúde desta mulher e seu ambiente social [21].

Frente a uma doença como o câncer de mama, a mulher fica extremamente fragilizada e é neste instante que a família assume seu papel de proteção e amparo, ajudando-a a superar os momentos em que ela se sente impotente e incapaz [22].

Diante da mastectomia total ou parcial, a presença familiar traz para a mulher que vivencia o câncer, o incentivo e a motivação para fortalecê-la na luta contra a doença, minimizando seus medos e anseios [23].

Mudanças na família acontecem repentinamente após o diagnóstico de câncer de mama, que poderá ser uma transformação positiva para todos os membros da família, trazendo maior união e menos discussão:

 

A família ficou mais perto da gente, alguns conceitos mudaram, porque a gente brigava bastante [...] eu sempre dizia, a única coisa que eu quero é que vocês parem de brigar, vamos se unir agora, foi o que eu pedi pra eles (Bela).

 

As redes de atenção para o cuidado à saúde, tecida pelos filhos das mulheres mastectomizadas, contribuem de forma positiva para a modificação do cotidiano familiar. Conforme o cotidiano vai se modificando devido ao tensionamento que esta troca provoca em cada relação familiar, vai se configurando um novo “modo de vida” para a família, capaz de proporcionar a produção do cuidado [24]. A partir disto, percebe-se a presença dos filhos com mais vigor após a mãe vivenciar o câncer de mama:

 

Os filhos, eu noto que eles me deram mais atenção depois. Sempre me davam bastante atenção, só agora eles são mais cuidadosos comigo, sabe, eu me sinto mais paparicada, foi tudo bom, eu tenho 8 filhos daí quando não tem um aqui, tem outro, é muito difícil passar um dia sozinha, um ou outro estão aqui comigo. Isso aí me ajudou bastante, a me curar, porque nas horas assim, se a gente se vê sozinha é pior (Aurora).

 

O cuidado familiar é um fenômeno visível e abstrato, de múltiplas determinações, dimensionável por meio de comportamentos e atitudes, de harmonia, solidariedade, afetividade e responsabilidade [25]. Diante do cuidado recebido, as pessoas dependentes de cuidados, expressam sentimentos de gratidão, vínculo, amor, compreensão e cumplicidade na relação entre o cuidador e o indivíduo recebedor de cuidado [26]. No relato a seguir, evidencia-se a correlação entre humanização e o cuidado familiar voltado à integralidade do indivíduo:

 

Minha família é muito carinhosa pra mim, todos eles, todos eles são muito carinhosos pra mim, não me deixam faltar nada e aonde eles vão eles me levam [...]. (Jasmin).

 

O afeto familiar traz inúmeros benefícios para a mulher vítima do câncer, pois a faz lutar contra a doença, além de suprir suas carências emocionais e alcançar uma maior aceitação e estabilidade comportamental [23]. A experiência de conviver com uma mulher com câncer de mama pode ser considerada como fator de sobrecarga física e emocional para a família, uma vez que os cuidados prestados podem levar a mudanças na dinâmica e estruturas familiares, sendo potencial fonte de estresse [22].

Apesar do sofrimento ao longo da trajetória da doença, mudanças positivas desencadearam-se no seio familiar e no sentimento de família das participantes deste estudo. As manifestações de preocupação, apoio, aproximação e união familiar são percebidos por essas mulheres como sinal de estima, e fonte satisfatória de suporte social, tão importante no ajustamento psicossocial ao processo de doença [18]. O afeto familiar ajuda a lutar contra a doença, supre suas carências e ajuda o sobrevivente a alcançar uma maior aceitação e estabilidade comportamental [27].

 

Conclusão

 

No trilhar deste estudo, evidenciaram-se diversas transformações na vida pessoal, profissional e familiar das mulheres mastectomizadas. Para algumas mulheres, a retirada da mama foi compreendida como parte do tratamento, quando o que mais importava não era a aparência física, mas sim a recuperação da saúde. Em contrapartida, para outras mulheres, a retirada da mama desencadeou e ainda surte efeito negativo sobre sua autoimagem e autoconfiança.

Se por um lado a mastectomia causou estranheza e exigiu uma série de adaptações em relação à nova autoimagem e restrições, por outro serviu para que as participantes desta pesquisa aprendessem a valorizar ainda mais os bons momentos da vida.

A expectativa de retorno à rotina doméstica e profissional gera certa ansiedade nessas mulheres que necessitam sentirem-se ativas novamente. Isso, por vezes, gera frustração e sofrimento psicológico, visto que a mastectomia pode acarretar limitações motoras e consequente diminuição do ritmo de trabalho ou impossibilitando esse retorno.

Com relação à família, identificou-se que em todo o processo de adoecimento, tratamento e recuperação, as mulheres contaram com o importante apoio familiar, unindo ainda mais seus membros, sendo percebido pelas participantes como essencial para sua recuperação.

 

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