ARTIGO ORIGINAL

Práxis do enfermeiro e equipe de enfermagem hiperbárica no cuidado de pessoas com lesão de pele

 

Vanessa Scheck*, Débora Zmuda Padilha**, Celita Rosa Bonatto***, Potiguara de Oliveira Paz, D.Sc.****, Êrica Rosalba Mallmann Duarte, D.Sc.*****, Dagmar Elaine Kaiser, D.Sc.******

 

*Enfermeira, Especialista em Cuidado Integral com a Pele no Âmbito da Atenção Básica, Especialista em Saúde Pública, Enfermeira Assistencial na Rede de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre/RS, **Enfermeira Especialista em Oxigenoterapia Hiperbárica, Porto Alegre/RS, ***Enfermeira Estomaterapêuta na Rede de Atenção Especializada da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre/RS, ****Doutor em Enfermagem, Porto Alegre/RS, *****Professora Titular da EENF/UFRGS, Porto Alegre/RS, ******Professora Associada da EENF/UFRGS, Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Enfermagem em Dermatologia – SOBENDE/RS, Porto Alegre/RS

 

Recebido em 28 de novembro de 2017; aceito em 10 de junho de 2019.

Correspondência: Dagmar Elaine Kaiser, Rua São Manoel, 963 Bairro Santa Cecília 90620-110 Porto Alegre RS, E-mail: dagmar.kaiser@ufrgs.br; Vanessa Scheck: nessa.scheck@gmail.com; Débora Zmuda Padilha: enfermagem@iohbnet.com.br; Celita Rosa Bonatto: celitarb@sms.prefpoa.com.br; Potiguara de Oliveira Paz: potiguarapaz@yahoo.com.br; Êrica Rosalba Mallmann Duarte: ermduarte@gmail.com

 

Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Oxigenoterapia hiperbárica e o cuidado pelo enfermeiro à pessoa com lesão de pele”, apresentado ao Curso de Especialização em Cuidado Integral com a Pele no Âmbito da Atenção Básica, do Departamento de Assistência e Orientação Profissional (DAOP), da Escola de Enfermagem (EENF), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em dezembro de 2016.

 

Resumo

Objetivo: Contextualizar a práxis do enfermeiro e equipe de enfermagem hiperbárica no cuidado de pessoas com lesão de pele, a partir das maneiras de produção do cuidado dos próprios profissionais. Métodos: Pesquisa original de cunho qualitativo, sendo a coleta das informações realizada por meio de entrevista semiestruturada e observação participante com a equipe de enfermagem de um instituto de oxigenoterapia hiperbárica, em setembro de 2016. As informações foram submetidas à análise de conteúdo temática. Resultados: Do corpus da análise resultaram três categorias temáticas: fui aprendendo aos poucos, o que a enfermagem faz aqui, de quem cuidamos; desvelando informações relevantes sobre como enfermeiro e equipe colocam em ação a Enfermagem Hiperbárica, em uma práxis que corrobora as competências da profissão. Conclusão: A práxis do enfermeiro/equipe de Enfermagem Hiperbárica deu-se em distintos processos de trabalho: preparar o ambiente terapêutico e a pessoa com lesão de pele para a aplicação da terapêutica, garantir a segurança e conforto durante os procedimentos realizados, monitorar a sessão hiperbárica, zelar pelo cumprimento da mesma, prevenir complicações e assegurar estabilidade geral ao término da sessão hiperbárica; sendo um campo de atuação e um recurso terapêutico para a Enfermagem Dermatológica com grande potencial de melhora para lesões de pele.

Palavras-chave: oxigenação hiperbárica, Enfermagem, assistência à saúde, ferimentos e lesões, pele.

 

Abstract

Praxis of the nurse and hyperbaric nursing team in the care of people with skin lesions

Objective: To contextualize the praxis of the nurse/hyperbaric nursing team in the care of people with skin lesions, from the ways of producing the care of the professionals themselves. Methods: Original qualitative research, being the information collected through a semi-structured interview and participant observation with the nursing team of a hyperbaric oxygen therapy institute, in September 2016. The information was submitted to the thematic content analysis. Results: From the corpus of the analysis resulted in three thematic categories: I was gradually learning, what nursing is doing here, of whom we care; revealing relevant information about how the nurse/team puts into action the care in Hyperbaric Nursing, in a praxis that corroborates with the competencies of the profession. Conclusion: The praxis of the nurse/team of Hyperbaric Nursing took place in different work processes: to prepare the therapeutic environment and the person with skin lesion for the application of the therapeutics, to guarantee the safety and comfort during the performed procedures, to monitor the session hyperbaric, ensure compliance, prevent complications and ensure general stability at the end of the hyperbaric session; being a field of action and a therapeutic resource for the Dermatological Nursing with great potential of improvement for skin lesions.

Key-words: hyperbaric oxygenation, Nursing, delivery of health care, wounds and injuries, skin.

 

Resumen

Praxis del enfermero y equipo de enfermería hiperbárica en el cuidado de personas con lesión de piel

Objetivo: Contextualizar la praxis del enfermero/equipo de enfermería hiperbárica en el cuidado de personas con lesión de piel, en su producción del cuidado. Métodos: Investigación original de cuño cualitativo. La recolección de las informaciones se dio por medio de entrevista semiestructurada y observación participante con el equipo de enfermería de un instituto de oxigenoterapia hiperbárica, en septiembre de 2016. Las informaciones fueron sometidas al análisis de contenido temático. Resultados: Del corpus del análisis resultaron tres categorías temáticas: fui aprendiendo poco a poco, lo que la enfermería hace aquí, de quien cuidamos; desvelando informaciones relevantes sobre cómo enfermero/equipo ponen en acción la Enfermería Hiperbárica, en una praxis que corrobora con las competencias de la profesión. Conclusión: La praxis del enfermero/equipo de Enfermería Hiperbárica se dio en distintos procesos de trabajo: preparar el ambiente terapéutico y la persona con lesión de piel para la aplicación de la terapéutica, garantizar la seguridad y confort durante los procedimientos realizados, monitorear la sesión hiperbárica, velar por el cumplimiento de la misma, prevenir complicaciones y asegurar estabilidad general al término de la sesión hiperbárica; siendo un campo de actuación y un recurso terapéutico para la Enfermería Dermatológica con gran potencial de mejora para lesiones de piel.

Palabras-clave: oxigenación hiperbárica, Enfermería, prestación de atención de salud, heridas e lesiones; piel.

 

Introdução

 

No Brasil, as lesões de pele acometem a população brasileira de forma geral, independente da idade, sexo ou etnia, apresentando altas taxas de incidência e prevalência na população, causando grandes prejuízos na vida das pessoas acometidas e de seus familiares, especialmente devido à repercussão psicológica, social e econômica que afeta suas vidas, modificando as relações sociais e onerando o sistema público, caracterizando-se como um problema de saúde pública [1].

Para tanto, enfermeiro e equipe precisam articular conhecimento e ação em uma perspectiva de práxis que permita uma atuação competente no cuidado da pele, constituindo-se em um desafio, pois na prática clínica, mesmo cuidadas, as lesões nem sempre cicatrizam [2].

Lesões crônicas como úlceras venosas, arteriais, mistas e pé diabético, bem como lesões agudas como queimaduras, esmagamento tecidual, lesão de tecido por radiação e retalhos cirúrgicos miocutâneos comprometidos têm indicação terapêutica da Oxigenoterapia Hiperbárica (OH) pela Undersea and Hyperbaric Medical Society [3], por esta terapêutica melhorar a hipóxia tecidual, com fornecimento de oxigênio às células desvitalizadas e consequente aumento de perfusão tecidual, redução do edema, queda da regulação das citocinas inflamatórias, proliferação de fibroblastos, produção de colágeno e angiogênese [4]. Isto, por sua vez, promove um ambiente ideal para a cicatrização do leito das lesões, diminuindo o índice de sequelas, cirurgias, amputações, medicamentos e custo total do tratamento [5-6].

A OH é utilizada mundialmente no tratamento de lesões crônicas e agudas e consiste em colocar a pessoa em uma câmara pressurizada para inalar e levar oxigênio a 100% sob alta pressão aos tecidos circundantes da lesão, promovendo um aumento da concentração de oxigênio dissolvido no plasma sanguíneo e na lesão de pele [7]. Pode ser utilizada como tratamento adjuvante, empregada como apoio às terapias convencionais para lesões de pele ou mesmo às intervenções cirúrgicas, à antibioticoterapia ou ao suporte nutricional. Também pode ser utilizada como uma terapia única em algumas condições agudas, como é o caso das lesões térmicas, melhorando sensivelmente os resultados de cicatrização [5-6].

No contexto da organização do trabalho da Enfermagem Hiperbárica, o protagonismo e a atuação do enfermeiro só ocorreram a partir de 2008. Inclusive, visualizam-se distanciamentos entre a produção do conhecimento e os processos necessários para uma prática e aprendizagem reflexiva pelo enfermeiro e equipe, gerando implicações em sua práxis, haja vista a lacuna científica de publicações brasileiras sobre a atuação da enfermagem em OH [2]. Dessa forma, a Enfermagem Hiperbárica requer ser mais conhecida e divulgada, pois além da perspectiva de mercado de trabalho, faz-se revelante enfatizar que a prática clínica é uma junção entre teoria e prática que se revela a partir da Enfermagem Hiperbárica sustentada na reflexão teórica. Isso exige conhecimento de normas de segurança de pessoal e de equipamentos, dos protocolos de tratamento dos pacientes, dos efeitos terapêuticos e adversos do oxigênio hiperbárico, das leis da física do mergulho que fundamentam a terapêutica e as complicações das atividades hiperbáricas, a fim de nortear a avaliação da lesão pelo enfermeiro e a implementação de um plano de cuidados efetivo em equipe, no sentido de evitar complicações inerentes ao meio. E, sobretudo, destacar o protagonismo do enfermeiro, que integra simultaneamente as equipes de enfermagem e multidisciplinar, ocupando uma posição de destaque na articulação em mediação das ações desempenhadas por ambas [8-9].

Salienta-se que, em relação à equipe de Enfermagem Hiperbárica, o enfermeiro é responsável legal pela coordenação e supervisão do trabalho realizado pelos técnicos/auxiliares de enfermagem [10], configurando uma das principais habilidades esperadas do enfermeiro na gerência do cuidado ao paciente com lesão em OH [3].

Devido a atual magnitude epidemiológica da ocorrência de lesões de pele na população, a escassez de publicação de estudos científicos brasileiros sobre Enfermagem Hiperbárica e o pouco conhecimento dos profissionais de enfermagem e da saúde sobre o tema, o estudo norteou-se na seguinte questão: como o enfermeiro e equipe colocam em ação o cuidado às pessoas com lesão de pele na Oxigenoterapia Hiperbárica?

Dessa forma, delineou-se a pesquisa, que objetivou contextualizar a práxis do enfermeiro e equipe de enfermagem hiperbárica no cuidado de pessoas com lesão de pele, a partir das maneiras de produção do cuidado dos próprios profissionais.

 

Material e métodos

 

Pesquisa original de cunho qualitativo, exploratório e descritivo [11] que teve como local de estudo um Instituto de Oxigenoterapia Hiperbárica, localizado no sul do Brasil. Esse Instituto atende pacientes acometidos por doenças críticas de origem isquêmica, infecciosa, traumática e inflamatória, bem como no tratamento de lesões de difícil cicatrização pelos métodos convencionais. A equipe de saúde é composta por uma enfermeira, quatro técnicos de enfermagem e dois médicos.

Para as sessões de OH, o Instituto conta com duas câmaras hiperbáricas multiplace, ou seja, com capacidade para acomodar até nove pacientes por sessão terapêutica, podendo ser dois deitados e sete sentados.

A população do estudo foi constituída pela totalidade dos profissionais de enfermagem, composta por uma enfermeira e quatro técnicos de enfermagem.

Os dados foram coletados por meio de entrevista e observação participante realizada por duas semanas no contexto de trabalho do enfermeiro e equipe hiperbárica, em setembro de 2016.

O roteiro da entrevista foi previamente elaborado e solicitava informações sobre os dados sociodemográficos e a atuação profissional em oxigenoterapia hiperbárica: Qual é a sua participação com relação ao cuidado realizado pela enfermagem a pessoas em terapêutica de oxigenação hiperbárica? Quando/Em que momento você é solicitado para o cuidado? Recebeu algum preparo específico para esta atuação? Quem é o usuário a quem você aplica a terapêutica de oxigenação hiperbárica? Comente sobre isso.

A participação na pesquisa foi voluntária, ocorrendo após a autorização e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, ficando uma delas com o profissional de enfermagem e a outra com as pesquisadoras. As entrevistas foram realizadas individualmente, no turno de trabalho dos profissionais e em sala reservada, a fim de preservar o sigilo e confidencialidade das informações, sendo gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. As mesmas permanecerão guardadas por cinco anos, em lugar seguro, na instituição de origem das pesquisadoras.

Os apontamentos da observação participante foram registrados em um diário de campo, adotando-se o código “Obs” para o registro, com menções genéricas aos profissionais relativas às situações presentes nas dinâmicas do trabalho de enfermagem na terapêutica hiperbárica, descrevendo fatos, ações, conflitos, ocorrências e orientações adotadas pelos profissionais no ambiente em que ocorre o cuidado, o que favorece a reflexão do próprio ato de observar. A atitude de observador consistiu em colocar-se sob o ponto de vista do grupo pesquisado, com respeito e empatia, o que demandou abertura para a equipe de enfermagem, sensibilidade para a sua lógica e cuidado. Uma das vantagens da utilização dessa técnica foi a possibilidade de um contato pessoal do pesquisador com o objeto de investigação, permitindo acompanhar as experiências diárias dos profissionais de enfermagem e apreender a atuação frente às ações que desenvolviam.

A análise das informações decorrentes das entrevistas e da observação participante foi submetida à análise de conteúdo temática [11], sendo operacionalizada em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação. A pré-análise consistiu na retomada dos objetivos e das questões de estudo, tendo por base as informações coletadas nas entrevistas com os sujeitos e observações realizadas. A exploração do material previu a leitura das informações coletadas na tentativa de iniciar a compreensão sobre os dados dos participantes do estudo e da observação. O tratamento dos resultados implicou submeter às informações colhidas leituras exaustivas no sentido de compreendê-las e, a partir disso, estabelecendo relação entre o referencial teórico que instruiu o estudo e os objetivos da pesquisa.

Assim sendo, a análise das informações foi estabelecida cruzando o material empírico proveniente das entrevistas e da observação participante, resultando em três categorias temáticas: fui aprendendo aos poucos; o que a enfermagem faz aqui; de quem cuidamos.

O manuscrito atende às orientações das resoluções nº 466/2012[12] e nº 510/2016[13], do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, garantindo assim o sigilo, anonimato, liberdade de recusa ou retirada do consentimento em qualquer fase do estudo. O estudo resultou da pesquisa “Organização do trabalho e integralidade nos serviços: novas tecnologias no cuidado ao usuário com lesão de pele na rede de atenção à saúde no estado do Rio Grande do Sul”, que teve seu início após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, CAAE 56382316.2.0000.5347.

Para preservar o anonimato, sigilo e confidencialidade das informações, a identificação dos participantes das entrevistas foi codificada em P1, P2, P3 [...].

 

Resultados

 

Dos cinco participantes da equipe estudada, quatro eram mulheres. A idade variou entre 22 e 34 anos. O tempo de trabalho informado em OH foi entre 18 meses a nove anos. A jornada de trabalho identificada foi de 44h. O tempo de formação específica relatada para o trabalho em OH, pelos profissionais de enfermagem, foi de dois a 10 anos.

 

Fui aprendendo aos poucos - O material empírico coletado permitiu identificar algumas lacunas no processo formativo relacionado ao exercício da Enfermagem Hiperbárica, haja vista que o enfermeiro foi o único profissional com formação especializada e os demais profissionais de enfermagem foram aprendendo aos poucos:

 

Quando cheguei aqui, não sabia bem como fazer o meu trabalho. Foi o enfermeiro me ensinou tudo. Alertou-me sobre quais eram os riscos, o que deveria fazer. Enfim, como era trabalhar na câmara pressurizada (P2).

 

Descobri que no Brasil existia um curso que poderia oferecer as bases para a compreensão desta especialidade. Então, eu fui a São Paulo para fazer o curso de extensão pós-universitária sobre enfermagem hiperbárica (P3).

 

O excerto que segue integra apontamentos da observação participante realizada in loco no cenário estudado:

 

A enfermeira explicou durante a sessão hiperbárica que a pressão exercida sobre os corpos dos pacientes com lesão é semelhante a um corpo pressurizado em mergulho e, quando estão fora da câmara hiperbárica multiplace, a mesma corresponde a uma atmosfera de pressão – 01 ATA. Nas sessões, os tratamentos hiperbáricos foram realizados a uma pressão que variou de 2,5 a 3,0 ATA. Assim, observei o fluxo dos pacientes desde a vinda ao Instituto até a alta da seção hiperbárica, quando pude realmente notar que a reação das pessoas aos efeitos físicos são similares aos decorrentes de um mergulho. Até porque, durante a sessão, aumentou-se a quantidade de oxigênio para dissolvê-lo nos tecidos, o efeito terapêutico da OH (Obs).

 

O que a enfermagem faz aqui - A ênfase dada pelos profissionais de enfermagem em relação ao trabalho que realizam perpassa a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) em OH:

 

Sou solicitado já no primeiro momento da vinda do paciente à clínica, que vai desde a apresentação da câmara, da apresentação do tratamento, do cuidado técnico. Então, verifico sinais vitais, ajudo a fazer a troca de roupa pessoal para a de algodão, dentro da sessão auxilio os pacientes a colocarem as máscaras, o cuidado tem todo este contexto. E, tem a parte do painel, que controla os gases dentro da câmara (P4).

 

Após explicar ao paciente sobre o cuidado que irá receber ele entra na câmara, senta na cadeira e estará acompanhado por um técnico de enfermagem, isso é importante, pois o paciente pode sentir desconforto no ouvido, quando será importante realizar a manobra de valsalva. O paciente também sabe a partir das orientações, que a câmara irá funcionar por 30 minutos e fará duas paradas de 5 minutos a cada 30 minutos (P1).

 

A minha participação no cuidado em OH se dá desde que eu chego até a hora de ir embora [...] eu oriento quanto ao uso da câmara hiperbárica, em que momento o paciente entra nela, qual o papel da enfermagem dentro e fora da câmara, como vai ser a pressurização, como vai ser lá dentro, todo o passo a passo da terapêutica. Eu sento, converso, escuto, eu faço isso bastante aqui, com os pacientes e com a equipe (P3).

 

A atuação do enfermeiro e equipe foi passível de observação:

 

O enfermeiro inicia o seu trabalho diário com uma conversa informal com os membros da equipe de enfermagem. Logo após, ele realiza a divisão do trabalho entre a equipe, para então começar a atender outras demandas (Obs).

 

No turno da tarde, a enfermeira foi solicitada diversas vezes, por diferentes profissionais. Foi chamada para avaliação de curativos pelos técnicos de enfermagem, pela recepcionista para atender telefonemas de pacientes com dúvidas quanto ao tratamento e prestadores de serviço do Instituto, foi também solicitada para interconsulta com a médica, para triar pacientes agendados, pois a escala de funcionários estava reduzida no dia e a equipe contava apenas com dois técnicos de enfermagem. Entre um atendimento e outro, a enfermeira evoluía os pacientes do dia anterior e montava a escala de pacientes do dia seguinte, entrando em contato com os mesmos para algumas alterações de horários, a fim de fechar a escala de cada sessão de oxigenoterapia hiperbárica. Ao final do turno, a enfermeira ainda não havia terminado todas as atividades previstas. Os técnicos de enfermagem ficam envolvidos com a verificação de sinais vitais, troca de curativos e de roupa, higienização de materiais, organização da câmara e controle do painel. Foi possível perceber que a equipe se organiza bem, mesmo com a escala reduzida tem boa interação. Percebi um vínculo entre pacientes e profissionais e entre os próprios pacientes em terapia (Obs).

 

Os profissionais de enfermagem operam o painel de controle da câmara multiplace com seus equipamentos como rádio e telefone, monitores de TV, manômetro de oxigênio e ar, termômetro, fluxímetro, oxímetro e válvulas de controle de admissão e descarga de ar e oxigênio das câmaras principal e secundária, dentro e fora da câmara, com muita propriedade. Percebi o quanto esta operação exige atenção aos procedimentos a serem executados pela equipe durante o tratamento hiperbárico, sendo a comunicação entre eles essencial e a relação de confiança para trabalhar em equipe (Obs).

 

De quem cuidamos - Na visão dos profissionais de enfermagem, é importante manter a observação intensiva dos pacientes durante as seções hiperbáricas, mantendo sinais vitais viáveis e estar atentos às complicações decorrentes das doenças de base e às reações ao próprio ambiente hiperbárico:

 

Todos os tipos de feridas tem indicação para fazer terapêutica hiperbárica. Aqui na clínica, o que mais atendemos são pessoas com doenças crônicas e, como decorrência, têm úlcera venosa, pé diabético ou lesões por pressão. Normalmente, os pacientes jovens vêm com fratura ou por acidente de moto. A fratura exposta vem seguida de infecções e osteomielite, há vários pacientes nessa condição. Além disso, têm aqueles pacientes que sofrem radiação e com osteoradionecroses, principalmente em radioterapia bucal ou cirurgia de cabeça e pescoço são encaminhados para oxigenoterapia hiperbárica para preparar a área lesionada com oxigênio para uma posterior cirurgia. Também temos bastantes pacientes vindos de cirurgias plásticas com alguma complicação [...] idade aqui não tem limite, pode ser tanto criança quanto adulto (P3).

 

Discussão

 

O conhecimento acessível foi trazido como insumo necessário ao enfermeiro e equipe para colocarem em ação o cuidado, haja vista a exigência de profissionais especializados e a complexidade de atenção envolvida [8,10].

Nesse meandro, possíveis lacunas na formação profissional parecem estar relacionadas à falta de preparo dos profissionais para atuar em algumas necessidades da prática hiperbárica. A temática OH ainda é incipiente nos conteúdos curriculares da formação técnico-profissional ou em programas dos cursos de graduação e pós-graduação em enfermagem, mesmo os profissionais exercendo atividades inerentes ao ambiente hiperbárico [8].

Nesse sentido, o conhecimento sobre normas de segurança e de saúde no processo de trabalho hiperbárico, dos protocolos de tratamento das pessoas com lesão, dos efeitos terapêuticos e adversos do oxigênio hiperbárico, das leis da física do mergulho que fundamentam a terapêutica e as complicações das atividades hiperbáricas são esteio à atuação do enfermeiro em OH [2]. Estes sustentam e caracterizam a Enfermagem Hiperbárica enquanto disciplina e ciência, cujos conhecimentos são próprios e específicos. Essa necessidade levou o enfermeiro a procurar por formação especializada e encontrar alternativa na educação permanente para suprir as necessidades de aprendizagem da equipe de enfermagem [10]. Destaca-se a performance do enfermeiro em capacitar os profissionais de enfermagem para o trabalho nas câmaras hiperbáricas visando à aplicação de padrões de qualidade e prevenção de acidentes nas câmaras multiplace. Além disso, também é necessário realizar técnicas de curativos, de assepsia e de conforto das pessoas com lesão.

Nesse sentido, um cuidado de qualidade e seguro requer ação consciente e intencional [14-15]. Para tanto, sistematizar o cuidado de pessoas com lesão de pele em OH implica o enfermeiro utilizar uma metodologia de trabalho embasada cientificamente. Isto resulta na consolidação da Enfermagem Hiperbárica e na visibilidade para as ações desempenhadas pelo enfermeiro e equipe, bem como oferece subsídios para o desenvolvimento do conhecimento técnico-científico a partir do raciocínio clínico, em ato, para a tomada de decisões e o alcance dos resultados.

A Enfermagem Hiperbárica é uma área de atuação mundialmente estabelecida, no entanto possui uma demanda reprimida no Brasil por ser pouco conhecida na sociedade e pelos profissionais da saúde. Considera-se, ainda, que os estudos que discutem a atuação da equipe de enfermagem em OH são escassos, sinalizando para a necessidade de maior investimento na produção do conhecimento nesta área e para que mais pessoas tenham acesso à terapêutica [2]. E, ainda, que deve haver preocupação das instituições formadoras em preparar enfermeiros e equipe visando atender o mercado de trabalho da Enfermagem Hiperbárica.

O Processo de Enfermagem [15] tido como essência da prática do enfermeiro caracteriza uma sequência de etapas que vão da coleta de dados à avaliação das ações executadas no Instituto Hiperbárico, suprindo as demandas de trabalho da enfermagem, além de fazer-se ainda mais importante por exigir uma série de cuidados decorrentes do uso do oxigênio e pressurização da câmara hiperbárica. Também, destaca-se o grande empenho do enfermeiro na atualização e inovações da SAE para a melhoria da qualidade e segurança assistencial.

Todas as etapas do Processo de Enfermagem devem ser necessariamente seguidas: o histórico, que detalha o estado de saúde da pessoa; o diagnóstico de enfermagem, que identifica os problemas reais ou potenciais que podem ser controlados a partir de intervenções da enfermagem para a cicatrização da ferida; o planejamento, quando o enfermeiro cria metas e um plano de cuidado destinado a ajudar a pessoa com lesão em sua singularidade, a partir dos problemas identificados, visando alcançar metas; a implementação do plano de cuidados por meio de intervenções de enfermagem; e, a avaliação, considerando a adesão à terapêutica e os resultados alcançados [15]. Os relatos dos profissionais de enfermagem ajudaram a traçar alguns desdobramentos voltados para critérios clínicos e protocolos de uso pelo enfermeiro hiperbárico ligados à qualidade do programa de tratamento, como controle e monitorização periódica da lesão, com avaliação e indicação de curativos e outros procedimentos de enfermagem.

O enfermeiro afigura-se como um agente estratégico para a efetivação de um trabalho integrado em OH. No Instituto, o enfermeiro tem a responsabilidade de gerenciar os profissionais de enfermagem e o cuidado despendido à pessoa em acompanhamento hiperbárico, com o desafio de organizar equipe e cuidado mediante as necessidades de atenção em saúde. Ou seja, o enfermeiro implanta e faz cumprir vários parâmetros estabelecidos da OH ao sistematizar e organizar o processo de trabalho da Enfermagem Hiperbárica, em conformidade com os preceitos da Resolução COFEN nº 567/2018[10].

A ação interprofissional da enfermagem ocorre durante todo o processo de tratamento da OH, desde a chegada da pessoa com lesão de pele no Instituto Hiperbárico, na avaliação da ferida, na apresentação e na organização da câmara, no controle do painel, no monitoramento dos pacientes, até o término da sessão e sua saída do serviço. Por meio do trabalho interprofissional, o enfermeiro compartilha a responsabilidade do cuidado dos pacientes clinicamente instáveis nas seções hiperbáricas principalmente com os técnicos de enfermagem [8]. A especificidade da terapia requer um olhar atento e interprofissional para cada pessoa em terapêutica, sempre observando suas vestimentas, o uso de acessórios, cremes ou outros materiais não permitidos dentro da câmara.

Já no trabalho interdisciplinar, cada profissional pode e deve contribuir com a sua expertise, seus saberes específicos no atendimento às necessidades de cada paciente, uma vez que a apreensão dessas necessidades requer que competências específicas do enfermeiro, do médico ou técnico/auxiliar de enfermagem, em vez de esfaceladas, passem a ser articuladas pela transdisciplinaridade, pois tecnologias são inventadas e reinventadas no cotidiano dessa experiência [16]. Quando compartilhados estes saberes, a prática profissional colaborativa se estabelece e permite ao enfermeiro e equipe atenderem de forma resolutiva as pessoas, haja vista que é conhecida a complexidade das necessidades de saúde das pessoas com lesão de pele. Uma troca que exige uma visão mais ampla das questões do dia-a-dia de trabalho, centrado na ação dos profissionais que ali atuam e que instiga a refletir sobre novas formas de resolver os problemas nesse cotidiano, quando a hipervalorização dos saberes próprios de cada núcleo não deve ser algo culturalmente instituído.

O trabalho em equipe é sempre mais desafiador do que um trabalho realizado sozinho pelo enfermeiro, quando responsabilidades são compartilhadas e discutidas, encaminhando de forma conjunta às soluções [16]. Para tanto, os profissionais de enfermagem reconhecem o importante papel em cada um dos profissionais da saúde para um efetivo cuidado hiperbárico, mesmo contribuindo de forma diferente, sendo necessário conversarem entre si para identificarem dificuldades e facilidades, pois trocando experiências, aperfeiçoam o processo de trabalho e alinham objetivos.

Outro ponto que se sobressaiu é que a OH é uma terapia que exige um deslocamento diário da pessoa às seções hiperbáricas de, no mínimo, por um período próximo há 30 dias. Com isso, o vínculo usuário/profissional/serviço acaba acontecendo naturalmente. Ressalta-se que é de extrema importância a não desistência da pessoa com lesão nessa trajetória terapêutica e que ela participe ativamente do plano de cuidados programado. Detalhe que requer fundamental atenção do enfermeiro ao autocuidado, pois quando uma pessoa ou familiar for inábil ou se encontrar limitada no suprimento de autocuidado eficaz continuado, poderá determinar as necessidades educacionais e realizar as intervenções pertinentes para ajudá-la e envolvê-la com a terapêutica. Por fim, para que a pessoa seja responsável na continuidade ao tratamento da lesão [2,14].

Durante a observação do campo foi possível perceber a proximidade entre equipe e usuários do serviço, bem como que os profissionais de enfermagem e equipe interdisciplinar estão alinhados em suas falas sobre a importância da OH para o processo de cicatrização da pele. Essa relação consistiu na escuta, no acolhimento, no vínculo, na responsabilização e na promoção da autonomia no encontro enfermeiro/equipe/usuário à adesão e à continuidade do tratamento e cicatrização da lesão.

Segundo os profissionais de enfermagem, a idade não tem limite para aplicação da terapêutica, além disso, houve idosos, adultos, adolescentes e crianças frequentando as sessões hiperbáricas, cujas informações assistenciais foram documentadas em prontuário e concernem à atuação do enfermeiro e da equipe no cuidado realizado [17].

Destacam-se, dentre diversas atividades, as atividades de educação em saúde à pessoa com lesão e familiares ou acompanhantes, cujo cunho esclarecedor deu-se em todas as etapas que integraram a terapêutica, ou seja, desde a primeira vinda ao Instituto para conhecer a dinâmica de cuidado até as várias sessões hiperbáricas de acompanhamento até a cicatrização da lesão, buscando o empoderamento sobre autocuidado e conversas com conteúdo [9,10]. Isso estimulou responsabilidades e a coparticipação no cuidado da lesão. Além disso, fortaleceu não apenas para o estabelecimento do vínculo com a equipe hiperbárica, mas também a redução do estresse muitas vezes decorrente da sessão hiperbárica e para o cuidado adjuvante no domicílio.

O perfil relacionado à atuação da Enfermagem Hiperbárica no atendimento à pessoa com lesão de pele apresentou-se semelhante ao encontrado em estudo internacional que abordou sobre os cuidados de enfermagem colocados em ação no percurso de uma pessoa com lesão crônica em câmara hiperbárica, sob perspectiva de uma enfermeira francesa[18].

 

Conclusão

 

Os resultados do estudo trazem informações relevantes sobre maneiras como o enfermeiro e a equipe colocam em ação o cuidado de pessoas com lesão de pele em Oxigenoterapia Hiperbárica, reportando a uma práxis da Enfermagem Hiperbárica que corrobora as competências dos profissionais de enfermagem regulamentadas pela Resolução nº 567/2018, do Conselho Federal de Enfermagem.

De forma geral, o antes, o durante e o depois em Oxigenoterapia Hiperbárica desvelaram processos de trabalho distintos para a enfermagem: preparar o ambiente terapêutico e a pessoa com lesão de pele para a aplicação da terapêutica, garantir a segurança e conforto durante os procedimentos de Enfermagem Hiperbárica realizados com as pessoas acometidas por lesão, monitorar a sessão hiperbárica, zelar pelo cumprimento da mesma, prevenir complicações e assegurar estabilidade geral ao término da sessão hiperbárica, semelhante aos países em que essa terapêutica é mais comum. Esses resultados decorreram de uma Sistematização da Assistência de Enfermagem liderada pelo enfermeiro em uma práxis que reportou ao bem-estar da pessoa com lesão de pele.

Na contemporaneidade, a Enfermagem Hiperbárica no cuidado da pele apresenta-se como uma perspectiva no mercado de trabalho para o enfermeiro e equipe, mesmo sendo a Oxigenoterapia Hiperbárica ainda pouco divulgada e conhecida no Brasil. Torna-se relevante ressaltar que o artigo contribui com conhecimento para que o enfermeiro possa avaliar dialogicamente o contexto do cuidado nesta terapêutica, quais suas possibilidades de resolutividade no contexto da atenção à saúde às pessoas com lesão de pele, sustentados na reflexão teórica, no sentido de ampliar o arsenal de cuidados e a práxis, vislumbrando maior autonomia, criticidade e inserção contextualizada à exigência atual, minimizando a problemática decorrente das lesões de pele.

Portanto, há de se destacar a necessidade do desenvolvimento dos profissionais de enfermagem para atuar em Oxigenoterapia Hiperbárica, motivo que leva a sugerir a realização de novas pesquisas, de modo a aprofundar o conhecimento científico sobre as especificidades dessa terapêutica e a participação da Enfermagem em sua lide no que tange ao cuidado holístico, às normas de segurança, aos protocolos de tratamento e ao atendimento de eventos adversos ou possíveis complicações para uma atuação competente e segura.

Sendo assim, fica clara a necessidade de inserir nos cursos técnicos, de graduação e pós-graduação em Enfermagem atividades de ensino que contemplem a Oxigenoterapia Hiperbárica no cuidado da pele, haja vista que trata de área em expansão e com grande possibilidade de mercado de trabalho para enfermeiros e equipe, além de um recurso terapêutico para a Enfermagem Dermatológica com grande potencial de melhora para as lesões de pele, propiciando maiores chances de cura às pessoas acometidas.

 

Referências

 

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