REVISÃO

Uso da hipotermia induzida após parada cardiorrespiratória

 

Ionara Silva*, Joyce Carolynne Silva*, Karen Rayara Bezerra Lima*, Daniele Vieira Dantas, D.Sc.**, Rodrigo Assis Neves Dantas, D.Sc.***, Maria do Carmo de Oliveira Ribeiro, D.Sc.****

 

*Enfermeira pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Enfermagem, Natal/RN, **Enfermeira, Pós-Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Sergipe, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN, Natal/RN, ***Enfermeiro, Pós-Doutor em Enfermagem pela Universidade Federal de Sergipe, Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN, Natal/RN, ****Enfermeira, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Sergipe/UFS, Aracajú/SE

 

Recebido em 14 de dezembro de 2018; aceito em 15 de janeiro de 2020.

Correspondência: Rodrigo Assis Neves Dantas, Rua Petra Kelly, 61, Geraldo Galvão Residencial, casa 48 Nova Parnamirim 59152-330 Parnamirim RN

 

Rodrigo Assis Neves Dantas: rodrigoenf@yahoo.com.br

Ionara Silva: ionarasilva13@gmail.com

Joyce Carolynne Silva: joyceecarol@gmail.com

Karen Rayara Bezerra Lima: karen_rayara@hotmail.com

Daniele Vieira Dantas: daniele00@hotmail.com

Maria do Carmo de Oliveira Ribeiro: enffer2@gmail.com

 

Resumo

Introdução: A parada cardiorrespiratória é definida como a cessação abrupta da atividade mecânica do coração. Os indivíduos que conseguem sobreviver podem adquirir danos neurológicos irreversíveis. A indução da hipotermia visa a diminuição do metabolismo cerebral, limitação da lesão miocárdica e sistêmica. Objetivo: Identificar as informações recentes e as principais medidas a serem tomadas durante o uso de hipotermia induzida em ambiente hospitalar após ocorrência de parada cardiorrespiratória. Métodos: Revisão da literatura científica do tipo integrativa empírica. A busca foi realizada em outubro de 2017, na Biblioteca Virtual em Saúde, bases de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde; na Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, Scientific Electronic Library Online, além de buscas realizadas no Pubmed. Resultados: Os estudos selecionados trazem diversas contribuições sobre o uso da hipotermia induzida em ambiente hospitalar. Estes foram divididos nas seguintes categorias de análise: Desfecho neurológico e fatores predisponentes de resultados após a HT, Medidas eficazes de cuidado durante a HT e, por fim, os Efeitos da hipertermia de rebote após a HT. Conclusão: Os resultados demonstraram a necessidade da atualização frequente dos profissionais sobre o tema, com o intuito de qualificar a assistência, baseando-se em evidências.

Palavras-chave: parada cardíaca, reanimação cardiopulmonar, hipotermia induzida, emergências, cuidados críticos.

 

Abstract

Use of induced hypothermia after cardiac arrest

Introduction: Cardiorespiratory arrest is defined as the abrupt cessation of mechanical activity of the heart. Individuals who can survive can have irreversible neurological damage. The induction of hypothermia is aimed at reducing cerebral metabolism, limiting myocardial and systemic injury. Objective: To identify the recent information and the main measures to be taken during the use of induced hypothermia in a hospital environment after the occurrence of cardiorespiratory arrest. Methods: Review of the literature of empirical integrative type. The search was conducted in October 2017, in the Virtual Health Library, databases of Latin American and Caribbean Literature on Health Sciences Information; in the Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, Scientific Electronic Library Online, in addition to searches made in Pubmed. Results: The selected studies bring several contributions about the use of hypothermia induced in a hospital environment. These were divided into the following categories of analysis: Neurological outcome and predisposing factors of outcomes after HT, Effective care measures during HT, and, finally, Effects of rebound hyperthermia after HT. Conclusion: The results demonstrated the need for frequent updating of professionals on the subject, in order to qualify care, based on evidence.

Keywords: heart arrest, cardiopulmonary resuscitation, hypothermia, induced, emergencies, critical care.

 

Resumen

Uso de hipotermia inducida después de paro cardiorrespiratorio

Introducción: El paro cardiorrespiratorio se define como el cese abrupto de la actividad mecánica del corazón. Las personas que logran sobrevivir pueden adquirir daños neurológicos irreversibles. La inducción de hipotermia tiene como objetivo disminuir el metabolismo cerebral, limitando las lesiones miocárdicas y sistémicas. Objetivo: Identificar la información reciente y las principales medidas a tomar durante el uso de la hipotermia inducida en un entorno hospitalario después de la aparición de un paro cardiorrespiratorio. Métodos: Revisión de la literatura científica del tipo empírico integrador. La búsqueda se realizó en octubre de 2017, en la Biblioteca Virtual en Salud, bases de datos de Literatura Latinoamericana y del Caribe sobre Información en Ciencias de la Salud; en Medical Literature Analysis and Retrieval System Online, Scientific Electronic Library Online, así como en las búsquedas realizadas en Pubmed. Resultados: Los estudios seleccionados aportan varias contribuciones sobre el uso de la hipotermia inducida en un entorno hospitalario. Estos se dividieron en las siguientes categorías de análisis: resultado neurológico y factores predisponentes para los resultados después de la TH, medidas efectivas de atención durante la TH y, finalmente, los efectos de la hipertermia de rebote después de la TH. Conclusión: Los resultados demostraron la necesidad de una actualización frecuente de los profesionales sobre el tema, a fin de calificar la asistencia, con base en la evidencia.

Palabras-clave: paro cardíaco, reanimación cardiopulmonar, hipotermia inducida, emergencias, cuidados críticos.

 

Introdução

 

A Parada Cardiorrespiratória (PCR) é definida como a cessação abrupta da atividade mecânica do coração e é diagnosticada através da avaliação de três parâmetros: responsividade, respiração e pulso. Em um indivíduo com PCR esses três parâmetros encontram-se ausentes [1].

A etiologia da PCR é classificada em 5Hs e 5Ts, sendo: hipotermia, hipovolemia, hipóxia, H+ (acidose), hipercalemia/hipocalemia, tensão no tórax (pneumotórax), tamponamento cardíaco, tromboembolismo pulmonar, trombose coronariana e toxicidade [2].

Frente a uma situação de parada cardiorrespiratória, alguns passos são estabelecidos para que haja sucesso na prática de reanimação. O Suporte Básico de Vida (SBV) define a sequência primária das ações através do CABD. O C (Circulation) consiste na ênfase em compressões torácicas de boa qualidade; enquanto o A (Airway) trata-se da abertura das vias aéreas, deixando-as pérvias. O B (Breathing), por sua vez, refere-se à boa ventilação e o D (Defibrillation) à desfibrilação em casos de ritmos chocáveis (Fibrilação Ventricular - FV e Taquicardia Ventricular sem Pulso - TVSP). Por sua vez, no Suporte Avançado de Vida em Cardiologia (SAVC), além de um SBV bem executado, faz-se necessária a utilização de procedimentos invasivos e administração de drogas [3].

Embora inúmeros avanços tenham sido alcançados nos últimos anos referentes à prevenção e tratamento da PCR, a mortalidade no Brasil ainda continua elevada [4]. Estudos revelam que a maioria das mortes acontecem durante as primeiras 24hs após o episódio de parada cardíaca e a taxa de sobrevivência após a alta hospitalar varia de 9,5% (PCR hospitalar) para 24,2% em casos de PCR extra-hospitalar. Os indivíduos que conseguem sobreviver podem adquirir danos neurológicos irreversíveis, com perdas de habilidades funcionais, cognitivas, emocionais e diminuição da qualidade de vida [5].

A incidência de mortes e o prognóstico pós-PCR estão diretamente relacionados às condições e causa da PCR, e ao emprego correto das manobras de reanimação cardiopulmonar. Portanto, torna-se necessário que haja um atendimento rápido, seguro e eficaz [6-7].

Os cuidados pós-PCR devem ser implementados tão logo haja retorno circulatório espontâneo (RCE). Estes são complexos e tem o objetivo reduzir, inicialmente, a mortalidade associada à instabilidade hemodinâmica, bem como diminuir os riscos de lesão neurológica e disfunção nos demais órgãos e sistemas [4]. Para tanto, é essencial que seja determinada a causa da parada e seu tratamento adequado [8].

Dentre os cuidados pós-PCR podem ser citadas as medidas de suporte gerais, utilizando a monitorização hemodinâmica e cerebral, em ambiente de terapia intensiva (oximetria de pulso, eletrocardiograma contínuo, débito urinário, pressão arterial invasiva, exames laboratoriais, ecocardiograma, eletroencefalograma contínuo, tomografia do crânio, dentre outros). Além da monitorização, a oferta de oxigênio, através de via aérea avançada se faz necessário. Uma vez que o paciente esteja estabilizado, um acesso venoso central deve ser garantido para que haja a administração de drogas vasoativas em eventuais necessidades. Caso o paciente prossiga com pressão arterial sistólica inferior a 90 mmHg, a administração de solução salina deve ser iniciada. Sendo a causa da parada fibrilação ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso, drogas antiarrítmicas devem ser administradas. Além destes, a Hipotermia Terapêutica (HT) também é um método a ser empregado em casos de pacientes comatosos [4].

A indução da hipotermia visa a diminuição do metabolismo cerebral, limitação da lesão miocárdica e sistêmica [9]. A temperatura alvo limita-se entre 32ºC e 36ºC, mantida constantemente em um período de 24 h [3]. Algumas técnicas podem ser adotadas para o estabelecimento do resfriamento corpóreo. O uso de colchões com cobertura que transmite ar frio pelo corpo inteiro é uma das técnicas empregadas. Caso este método não seja suficiente, o uso de fluidos intravenosos resfriados a 4ºC também pode ser implementado. Além destas, outras técnicas podem ser utilizadas, no entanto envolvem diversas dificuldades e não são tão utilizados, como o resfriamento por lavagem peritoneal e pleural e o resfriamento extracorpóreo do sangue [10].

Tendo em vista as constantes atualizações sobre o uso da hipotermia induzida e a necessidade de oferecer um tratamento pós-PCR adequado ao paciente, sem a ocorrência de iatrogenias, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos como este para que as últimas informações sobre o tema estejam ao alcance dos profissionais da saúde e, assim, estes possam dispor da utilização das novas técnicas, bem como obter conhecimento dos benefícios e malefícios decorrentes da utilização da hipotermia induzida.

Desse modo, o objetivo deste artigo consiste em identificar as informações recentes e as principais medidas a serem tomadas durante o uso de hipotermia induzida em ambiente hospitalar após ocorrência de parada cardiorrespiratória.

 

Material e métodos

 

O presente trabalho consiste em uma revisão da literatura científica do tipo integrativa empírica, a qual permite a identificação de resultados primários, sejam estes qualitativos ou quantitativos, com consequente desenvolvimento de novas teorias através da análise e relação entre os resultados. Durante o seu desenvolvimento, foram seguidos os seguintes passos: 1) Identificação conceitual do problema; 2) Formulação da questão norteadora e do objetivo da revisão; 3) Descrição da metodologia da revisão; 4) Análise e interpretação dos dados primários; 5) Apresentação dos resultados; 6) Interpretação e discussão dos resultados; 7) Divulgação dos resultados [11].

Com base na questão de pesquisa: “Quais as contribuições das pesquisas recentes sobre o uso da hipotermia terapêutica após uma parada cardiopulmonar?”, a busca foi realizada no mês de outubro de 2017, na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), nas bases de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Lilacs); na Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), Scientific Electronic Library Online (Scielo), além de buscas realizadas no Pubmed.

Os artigos foram pesquisados por meio dos descritores “parada cardíaca”, “reanimação cardiopulmonar” e “hipotermia induzida”, segundo a classificação dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), combinados pelo conector booleano “AND”.

Foi utilizado como critérios de inclusão artigos publicados nos últimos 5 anos (2013-2017), com disponibilidade integral do texto, no idioma inglês, espanhol ou português. Excluíram-se artigos que consistiam em outras revisões, cartas aos editores de periódicos e que apresentavam aspecto clínico de etiologia ou predição, o resultado obtido foi de 29 trabalhos elegíveis nas bases de dados acessadas. (Gráfico 1).

Após leitura do resumo de cada artigo, selecionaram-se apenas os que mais traziam contribuições sobre o uso da hipotermia induzida, sendo escolhidos 16 [13-28] artigos.

Os dados foram coletados e caracterizados em uma planilha do Microsoft Excel, de acordo com o título, objetivo, amostragem, conclusão e nível de evidência, o qual foi possível identificar a credibilidade científica, fundamentado na categorização dos mesmos, como apresentado no Quadro 1.

 

Quadro 1Classificação dos Níveis de Evidência (NE) [12].

 

 

Os autores abordados, no presente estudo, foram devidamente referenciados, respeitando e identificando as fontes de pesquisa, considerando eticamente a propriedade intelectual dos textos analisados.

 

 

Gráfico 1 - Número de artigos encontrados por base de dados.

 

 

Resultados

 

A identificação dos 16 artigos resultantes foi feita em forma de quadro para facilitar a avaliação do leitor.

 

Quadro 2 - Caracterização das publicações quanto ao autor, ano, periódico, objetivo e nível de evidência.

 

 

Discussão

 

Os estudos selecionados trazem diversas contribuições sobre o uso da hipotermia induzida em ambiente hospitalar. De acordo com suas conclusões e recomendações finais, foram divididos nas seguintes categorias de análise: Desfecho neurológico após a HT, Fatores predisponentes de resultados após a HT, Medidas eficazes de cuidado durante a HT e, por fim, os Efeitos da hipertermia de rebote após a HT.

 

Desfecho neurológico após a hipotermia terapêutica

 

Em estudo com 45 pacientes, foi constatado um resultado cognitivo normal em mais da metade dos sobreviventes quando associado a uma duração reduzida do coma e a indução da HT [18]. Pacientes com retorno da circulação espontânea e submetidos à HT alcançam "despertar" neurológico significativo em 72 horas após a PCR. Entretanto, o uso de diferentes critérios para essa avaliação pode produzir diferentes previsões de prognóstico [14].

Apesar dos benefícios demonstrados e da crença de que alcançar a temperatura alvo da hipotermia rapidamente melhora o prognóstico neurológico, um trabalho desenvolvido com 67 pacientes tratados em Unidade de Terapia Intensiva identificou aumento na mortalidade e piora no desfecho neurológico com a conquista precoce da temperatura alvo [24].

Sabe-se que, após a ocorrência da PCR, o paciente é acometido pela síndrome pós-parada, sendo esta caracterizada por disfunções nos sistemas cardiovascular, pulmonar renal e metabólico. A hipotermia, a cada 1o C reduzido, acima da temperatura de 24o C, é responsável pela diminuição de 6% do consumo de oxigênio. Com isso, há a redução de radicais livres de oxigênio, da liberação de aminoácidos excitatórios e intercâmbio de cálcio que corroboram para o aumento do dano mitocondrial e, consequentemente, apoptose [10]. Desse modo, o uso da HT a 33% é capaz de reduzir o gasto energético em repouso em até 20% quando comparado a uma temperatura de 36oC. Além disso, um estudo que incluiu 25 pacientes demonstrou que, em comparação a pacientes com desfecho neurológico desfavorável, houve diminuição das taxas de oxidação de glicose e aumento da oxidação de gorduras [16].

Em um estudo com 939 adultos inconscientes, após PCR extra hospitalar, buscou-se comparar o controle de temperatura direcionado a 33°C ou 36°C (n = 473 com 33 ºC e n = 466 com 36 ºC). No entanto, foi visto que não houve diferenças significativas entre os valores de temperatura em relação a mortalidade no final do ensaio ou em relação a má função neurológica ou morte aos 180 dias. Nesse estudo não foi encontrado nenhum dano com uma temperatura direcionada de 33°C em comparação com 36°C [28].

A avaliação neurológica pode ser feita de diversas maneiras, por exemplo, através da Escala de Coma de Glasgow (ECG) e Escala FOUR [29], entretanto, estudos realizados, envolvendo ao todo 1153 pacientes, verificaram que a resposta motora aos estímulos dolorosos e os reflexos corneanos não são uma ferramenta confiável para a predição precoce de resultados ruins em pacientes tratados com HT [20]. O exame ocular parece ter um melhor valor preditivo, uma vez que a ausência de reflexos pupilares pós PCR indica um prognóstico ruim [29]. Em contrapartida, para Hifumi et al. [26] a abertura ocular nem sempre representa a consciência intacta do paciente, devido a indução do coma, o uso de sedativos e a intubação, acreditando-se que o componente motor da ECG seja mais útil. Ainda, um trabalho com 172 pacientes confirmou a confiabilidade da ressonância magnética ponderada por difusão em relação a predição do desfecho neurológico de pacientes submetidos à HT após PCR extra-hospitalar [17].

Em outro estudo [25], após o uso da HT leve foi possível reduzir a taxa de pacientes em coma persistente após PCR em até 50%, o que duplicou o número de pacientes que recebem alta com desfechos satisfatórios. No entanto, embora o desfecho tenha se sido satisfatório, o estudo revela que estes resultados não são conquistados apenas com o uso isolado da hipotermia, mas devido a um conjunto terapêutico completo, entre eles: a realização precoce de angiografia invasiva, ventilação otimizada, pressão arterial média, controle glicêmico, monitoramento da diurese e a prevenção de acidose grave.

 

Fatores predisponentes de resultados neurológicos após hipotermia terapêutica

 

A acidose é uma das complicações clássicas da hipotermia e ocorre frequentemente durante ou após a PCR, sendo definida pelo pH arterial inferior a 7,2 [13,30]. Em estudo com 32 pacientes, não foi considerada como um fator preditivo significativo para resultados neurológicos após à HT, particularmente com causas cardiogênicas. Desse modo, foi recomendado que o tratamento não fosse retido em pacientes pós-cardíacos com acidose severa [13].

Durante pesquisa com 111 pacientes de um Hospital Universitário, a bradicardia durante a HT foi associada a um bom resultado neurológico na alta hospitalar. Ela ocorre frequentemente durante a indução da HT. Recomendou-se, portanto, que a bradicardia não fosse tratada agressivamente nesse período, desde que a pressão arterial média, a depuração do lactato e a diurese fossem mantidas em níveis aceitáveis [19].

Os valores esperados para a frequência cardíaca mudam com a temperatura e dispensam a administração de medicamentos ou interrupção da HT. Por outro lado, sabe-se que a bradicardia excessiva faz parte das principais complicações durante a indução de HT, levando, por vezes, a ocorrência de bloqueios atrioventriculares e a interrupção do procedimento [31].

Estudo controlado randomizado evidenciou que a realização da RCP assistida pelo Suporte de Vida Extracorpóreo (SVEc) trouxe melhoras à sobrevivência e aos desfechos neurológicos em comparação com o RCP convencional. A hipotermia terapêutica a 33°C mantida durante 24 horas em conjunto com o SVEc foi utilizada para 24 pacientes, dos quais 13 (54%) foram desmamados com sucesso e 12 (50%) receberam alta hospitalar com recuperação neurológica total [27].

 

Medidas eficazes de cuidado durante a hipotermia terapêutica

 

Segundo o protocolo de hipotermia, a administração de nutrição enteral deve ser contínua, desde que tolerada, com uma dose inicial de 20mL/h [24]. A maior parte dos pacientes tratados com HT pós PCR, em uma amostra de 55 pacientes, tolerou uma porção reduzida de nutrição enteral administrada, correspondendo às necessidades nutricionais diárias. O estudo mostrou que a taxa pode ser aumentada à medida que o paciente retorna para a normotermia e que a maior incidência de vômitos ou regurgitamento ocorreu entre 24 e 48h de terapia [17].

A hipotermia aumenta o tempo de coagulação gerando um evento chamado de coagulopatia hipotérmica, o qual não é considerado como causa significativa de hemorragia [22,32]. O benefício da HT supera o risco de sangramento, mas o monitoramento da temperatura entre 33 e 35ºC deve ser contínuo para evitar hipotermia e consequentes alterações dos fatores de coagulação [22].

 

Efeitos da hipertermia de rebote após a hipotermia terapêutica

 

O desenvolvimento de febre nas primeiras 48h após o RCE é comum em pacientes submetidos à HT ou não, porém, a HT parece atenuar esse efeito. A febre está associada à morte em pacientes que não foram submetidos à HT, além disso, o aumento de apenas 1ºC na temperatura cerebral afeta negativamente a função histológica e funcional [23].

Embora não tenham sido identificados possíveis fatores de risco para a hipertermia de rebote, caracterizada por uma temperatura corporal igual ou maior que 38,5ºC, ela piora a morbidade neurológica e aumenta a mortalidade mesmo em pacientes submetidos à HT [21]. Além disso, a distância entre 36ºC e a hipertermia é pequena, tornando-se necessário o controle estrito da temperatura, facilitado por um dispositivo computadorizado [25].

 

Conclusão

 

Tendo em vista as frequentes descobertas e publicações envolvendo o uso da HT em pacientes com retorno da circulação espontânea pós PCR, o presente estudo fez um apanhado de informações e recomendações recentes envolvendo a atuação do profissional de saúde no âmbito de cuidados intensivos.

Embora a PCR tenha grande repercussão sobre a função neurológica, foi identificada uma falta de padronização em relação à avaliação da evolução clínica, tendo o paciente feito uso de HT ou não. A ressonância magnética ponderada por difusão foi um método considerado confiável, mas ainda necessita de validação através de um estudo prospectivo.

Por sua vez, a bradicardia foi associada a um bom resultado neurológico e há a recomendação de que ela não seja tratada agressivamente durante a indução da HT, desde que a pressão arterial média, a depuração do lactato e a diurese sejam mantidas em valores recomendados.

Faz-se necessária a frequente atualização dos profissionais de saúde sobre o tema, com o intuito de qualificar a assistência, baseando-se em evidências. Além disso, considera-se importante o desenvolvimento de revisões da literatura científica que promovam a educação continuada.

 

Referências

 

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