EDITORIAL
Meta do
milênio para a mortalidade materna: onde vamos chegar?
Mariana Torreglosa
Ruiz*, Anneliese Domingues Wysocki**
*Enfermeira,
Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de São Paulo, Especialista em Ginecologia
Obstetrícia, Profª. Adjunto da Universidade Federal do Triângulo Mineiro,
**Enfermeira, Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de São Paulo,
Profª. Substituta da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Endereço
para correspondência:
marianatorreglosa@hotmail.com, lilisew@yahoo.com.br
Os objetivos do
milênio para resolução dos principais problemas da humanidade foram
estabelecidos no ano 2000, por meio de pactuações entre os países, mediadas
pela Organização das Nações Unidas (ONU) [1]. Dentre as chamadas “Metas de
Desenvolvimento do Milênio”, a quinta refere-se a “melhorar a saúde das
gestantes, tendo como objetivo reduzir a taxa de mortalidade materna” [1].
As mortes maternas
possuem relação direta ou indireta com a gravidez, ocorrem no período entre a
gestação e até um ano após seu desfecho [2], têm apresentado tendência
decrescente no Brasil, com queda de 47% no total de óbitos (de 543 mil em 1990
para 287 mil óbitos em 2010). Embora o progresso seja notável, a taxa de
declínio anual ainda está aquém da ideal, uma vez que atingiu menos que a
metade dos 75% de redução da mortalidade almejada para o período de 1990 a
2015. Para isso, seria necessário um declínio anual de 5,5% das mortes
maternas, superior aos 3,1% alcançados até então [3]. Assim, em dezembro deste
ano, quando a meta será reavaliada e novas serão traçadas por meio da
elaboração do segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS),
formalizar-se-á insuficientemente o impacto das ações realizadas pelo Brasil e
demais nações para o alcance destes valores de redução esperados.
Atualmente, encarar
tal situação vai além de subentender a necessidade de incrementar avanços
tecnológicos da área biomédica. Tal perspectiva evoca também reflexões sobre a
violação e violência aos diretos humanos das mulheres, surgindo então
inquietações práticas de onde estamos e quais ações são
necessárias modificar para melhorar este panorama de mortalidade materna.
Ao se analisar dados
do Datasus (Sistema de Informações do Sistema Único de
Saúde), verifica-se que entre 1996 e 2012 (período disponível para consulta
pública) houve 28.713 óbitos maternos com predomínio de mortes obstétricas
diretas de mulheres pardas, solteiras, com idade entre 20 e 29 anos, baixa
escolaridade e cujas causas dos óbitos foram síndromes hipertensivas,
doenças pré-existentes agravadas pela gestação, parto e/ou puerpério e
hemorragias. Neste tocante, vale apenas lembrar que as fontes destes dados são
secundárias e, por isso, sujeita a fragilidades relacionadas ao fluxo
informacional, à completude e validade, levando-nos a pressupor a existência de
informações sujeitas a omissões e falta de diligência estatal.
Apesar de não ter
atingido a Meta do Milênio, a assistência obstétrica brasileira tem conseguido
alguns avanços, evidenciada por índices relacionados ao pré-natal - 99% de
gestantes que passam por pelo menos uma consulta pré-natal e 73% que realizam
seis ou mais consultas (conforme preconizado como ideal pelo Ministério da
Saúde) [4], o que, entretanto, não foram suficientes para impedir que causas
evitáveis e preveníveis aos óbitos maternos ocorressem, revelando-se
deficiências qualitativas do atendimento pré e pós-natal [5].
Com isso, saltos
grandiosos são necessários ao Brasil e suas diversas regiões no que se refere à
assistência ao ciclo gravídico-puerperal para alcançar a redução da mortalidade
materna. Assim, interferências nos aspectos institucionais e sociais que
promovam o empoderamento destas mulheres fazem-se necessários. Prover maior
acessibilidade geográfica, econômica e organizacional aos serviços de saúde,
fortalecer estratégias de vigilância ativa das morbidades maternas graves (near
miss) como ferramentas eficazes para detecção de casos graves e prevenção de
óbitos [5] e institucionalizar capacitações adequadas aos profissionais de
saúde que promovem assistência às mulheres como forma de evitar ações
decorrentes de negligência, imperícia ou imprudência devem fazer parte das
estratégias para alcance das metas preconizadas.
Nesta realidade
repleta de indagações, na qual a prevenção é o objetivo crucial, o enfermeiro
possui papel essencial sejam seus esforços voltados à assistência,
administração, ensino, pesquisa ou participação política. Refletir
sobre tal problemática e promover intervenções voltadas à preservação da vida é
defender o direito à saúde, objeto e razão pela qual a essência do cuidado faz
sentido.