ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
de variáveis relacionadas ao risco à hipertensão em indivíduos atendidos pelo
Programa de Saúde da Família
Flaviany Custódio
Faria*, Kátia Poles, D.Sc.**, Paula Midori Castelo,
D.Sc.***, Bruno Generoso Faria****, Eric Francelino Andrade, M.Sc.*****, Luciano
José Pereira, D.Sc.******
*Bacharel
em Enfermagem, Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS), Lavras/MG,
**Bacharel em Enfermagem, Docente no Departamento de Enfermagem, Universidade
Federal de São João del Rei (UFSJ), Divinópolis/MG,
***Odontóloga, Docente no Departamento de Ciências Biológicas do Instituto de
Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), São Paulo/SP, ****Médico Veterinário, Universidade Federal de
Lavras, Lavras/MG, *****Educador Físico, Universidade Federal de Lavras (UFLA),
******Odontólogo, Docente no departamento de Ciências da Saúde, Universidade
Federal de Lavras (UFLA)
Recebido em 18 de
dezembro de 2014; aceito em 24 de julho de 2015.
Endereço
para correspondência:
Eric Francelino Andrade, Universidade Federal de Lavras, Campus Universitário,
Caixa Postal 3037, 37200-000 Lavras MG, E-mail:
ericfrancelinoandrade@gmail.com, Flaviany Custódio Faria,
flafla_faria@hotmail.com, Kátia Poles, kpoles@usp.br, Paula Midori Castelo,
pcastelo@yahoo.com, Bruno Generoso Faria, brunogenerosofaria@gmail.com, Luciano
José Pereira, lucianojosepereira@dsa.ufla.br
Resumo
Objetivou-se com o presente
estudo avaliar a inter-relação entre variáveis físicas, quadros de
ansiedade/depressão e fatores socioeconômicos no acometimento de hipertensão em
indivíduos atendidos em Programas de Saúde da Família. Uma entrevista foi
realizada com 107 indivíduos, envolvendo questões relativas a dados pessoais e
hábitos como tabagismo, etilismo, sedentarismo, idade, bem como fatores
socioeconômicos e uso de medicamentos. Modelos de regressão logística (stepwise forward) foram empregados para
avaliação dos fatores associados à variável dependente “hipertensão”. Foi
observado que o índice de massa corpórea, idade, consumo
de álcool e níveis elevados de ansiedade aumentaram as chances de o indivíduo
apresentar hipertensão, enquanto que o uso de medicamentos antidepressivos
diminuiu ligeiramente este risco. Desta forma, conclui-se que hábitos de vida
sedentários, associados ao tabagismo, ansiedade e consumo de álcool,
correlacionam-se positivamente com a prevalência de hipertensão na amostra
avaliada.
Palavras-chave: Saúde Pública,
epidemiologia, modelos logísticos, promoção da saúde.
Abstract
Evaluation of variables related to the risk of hypertension in
individuals assisted by the Health Family Program
The aim of this study was to evaluate the interrelation between physical
variables, states of anxiety/depression and socioeconomic factors in the onset
of hypertension in patients assisted in the Family Health Programs. An
interview was conducted with 107 individuals, with questions related to
personal data and habits like smoking, alcohol consumption, sedentary
lifestyle, age, socioeconomic factors and medication consumption. Logistic
regression models (stepwise forward) were used to assess factors associated
with the dependent variable "hypertension". It was observed that the
body mass index, age, alcohol consumption and high levels of anxiety have
increased the chances of the individual presenting hypertension, while the use
of antidepressant drugs decreased slightly this risk. Thus, we conclude that
sedentary lifestyle, associated with smoking, anxiety and alcohol consumption,
correlate positively with the prevalence of hypertension in the study sample.
Key-words: Public
Health, epidemiology, logistic models, health promotion.
Resumen
Evaluación de las variables relacionadas con el riesgo de hipertensión en las personas atendidas por el
Programa Salud de la Familia
El objetivo de este
estudio fue evaluar la interrelación entre variables
físicas, estados de ansiedad/depresión y los factores socioeconómicos en la
aparición de la hipertensión en pacientes atendidos en los Programas de Salud
de la Familia. Se realizó una entrevista con 107 individuos, con preguntas
relacionadas con los datos personales y hábitos como el
tabaquismo, consumo de alcohol, el sedentarismo, la edad y los factores
socioeconómicos y el uso de medicamentos. Se utilizaron modelos de regresión
logística (stepwise forward) para
evaluar los factores asociados con la variable
"hipertensión" dependiente. Se observó que el
índice de masa corporal, la edad, el consumo de alcohol y altos niveles de
ansiedad han aumentado las posibilidades de la hipertensión en los individuos,
mientras que el uso de los fármacos antidepresivos disminuyó ligeramente este
riesgo. Por lo tanto, se concluye que el estilo de
vida sedentario, asociado con el tabaquismo, la ansiedad y el consumo de
alcohol, se correlaciona positivamente con la prevalencia de la hipertensión en
la muestra del estudio.
Palabras-clave: Salud Pública,
epidemiología, modelos logísticos, promoción de la
salud.
A hipertensão
arterial é um dos maiores problemas de saúde pública no Brasil por sua
magnitude, risco e dificuldades no seu controle. É definida como uma doença
multifatorial, sendo capaz de gerar respostas comportamentais das mais variadas
ao portador. Estima-se que sua prevalência seja da ordem de 20% a 45% em
algumas cidades brasileiras [1,2].
Em relação aos
fatores de risco como idade, hereditariedade, raça e sexo, pouco pode ser feito,
pois a hipertensão tem um forte componente familiar genético. Adicionalmente,
idosos são mais acometidos que indivíduos jovens [3,4]. Porém, outros fatores
são passíveis de alteração: estilo e qualidade de vida, hábitos como tabagismo
e etilismo [5], alimentação inadequada [6], sedentarismo [7], estresse físico e
psicológico [8], aumento dos triglicerídeos e colesterol séricos, obesidade e diabetes mellitus [9,10].
A preocupação mundial
em ampliar e aperfeiçoar os métodos para o tratamento da hipertensão arterial
tem sido constante. Porém, faz-se necessário diagnosticar e classificar este
distúrbio para determinados grupos de assistência em Saúde Pública, conforme
sua etiologia e principais fatores de risco para verificar o melhor e mais
adequado tratamento a ser instituído para todos os indivíduos que apresentarem
a doença naquela localidade [11]. Frente aos dados evidenciados, os
profissionais que atuam nos Programas de Saúde da Família (PSF) poderão propor
medidas específicas, tais como estabelecimento de protocolos, educação
continuada, medidas educativas junto aos grupos operativos em saúde, entre
outras, beneficiando a população de cobertura da unidade.
Nesse contexto, os
enfermeiros que atuam junto aos hipertensos no PSF têm papel importante no
sentido de caracterizar a problemática dos hipertensos atendidos, levando em
consideração todos os aspectos relacionados às suas características, de modo
que, embasados em dados reais e concretos, tenham condições para planejar e
prestar assistência individualizada para favorecer a adesão ao tratamento com o
controle efetivo da doença [12].
Assim, o presente
estudo teve como objetivo avaliar a inter-relação entre o sobrepeso (IMC –
índice de massa corpórea), tabagismo, etilismo, sedentarismo, idade, quadros de
ansiedade e depressão, bem como fatores socioeconômicos no acometimento de hipertensão
em indivíduos atendidos pelo PSF da cidade de Lavras/MG.
A pesquisa foi
realizada em caráter descritivo, observacional e transversal prospectivo em
pacientes atendidos nos PSF da cidade de Lavras, Minas Gerais, Brasil. Na
intenção de se avaliar diferentes perfis socioeconômicos, optou-se pela
realização de aleatorização dos diferentes unidades do PSF da cidade. Foram
incluídas quatro unidades (A, B, C e D) estratificadas dentre as 16 existentes,
sendo realizada entrevista através de questionários com moradores residentes em
diferentes bairros da cidade (11 no total).
A prevalência média
de hipertensos cadastrados dos quatro PSF era de aproximadamente 8%. Por meio
de um cálculo prévio sabendo que o pesquisador se dirige intencionalmente a um
grupo de elementos (hipertensos) dos quais se deseja saber a opinião, optou-se
pelo método de amostragem intencional. Após aplicação da fórmula do cálculo do
tamanho mínimo da amostra para populações infinitas [13], obteve-se um valor de
113 indivíduos. A entrevista foi realizada com 107 indivíduos e levando-se em
consideração a perda amostral de 20%, a amostra foi considerada adequada. O
questionário envolvia questões relativas a dados pessoais e hábitos como
tabagismo, etilismo, sedentarismo, idade, bem como fatores socioeconômicos e
uso de medicamentos. Para fins de pesquisa, os participantes foram apresentados
a um questionário de avaliação dos níveis de ansiedade e depressão [14].
Somente foram entrevistados indivíduos acima de 18 anos de idade. A seleção dos
entrevistados foi feita de modo aleatório nos próprios PSF’s por meio do método
da loteria. As entrevistas foram realizadas através de visitas domiciliares. O
período de coleta foi de abril a maio de 2009.
A aferição da pressão
arterial foi realizada na parte da manhã com esfigmomanômetro manual
(Becton-Dickinson) após, pelo menos, dez minutos de descanso, com o
entrevistado sentado e com o braço comodamente apoiado ao nível do coração e
descoberto. A aferição foi repetida duas vezes para confirmação de valores em
todos os indivíduos. O peso e a altura foram avaliados com balança
antropométrica e os valores foram obtidos a partir dos prontuários dos
indivíduos. As demais perguntas foram respondidas pelo entrevistado e anotadas
após leitura e explicação das mesmas.
Todos os
participantes forneceram seu consentimento livre e esclarecido por escrito,
para que os dados pudessem ser utilizados para fins de pesquisa, segundo a
Resolução 196/96 do Ministério da Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de
Ética em pesquisas com seres humanos do Centro Universitário de Lavras
(Unilavras), número do CAAE – 0097.0.189.000-09.
Os dados foram
analisados por meio de estatística descritiva que consistiu de média, desvio
padrão, erro padrão e porcentagens. Foram aplicados testes de regressão
logística uni e multivariada para avaliação dos possíveis fatores associados à
variável dependente “hipertensão” utilizando-se o Programa SPSS 9.0. A variável
desfecho “hipertensão” foi definida a partir do diagnóstico médico do PSF
correspondente confirmado por valores pressóricos diastólicos acima de 90 mmHg. Após realização do modelo univariado, as variáveis que
apresentaram valor de p < 0,30 foram incluídas no modelo de regressão
multivariada.
Os dados descritivos
relativos aos voluntários avaliados estão demonstrados na tabela I.
Tabela
I - Peso, altura, IMC (índice de massa
corpórea) e pressão arterial médios de homens e mulheres voluntários avaliados
no PSF no município de Lavras/MG, 2010.
Nos resultados do
modelo de regressão univariada observou-se que o índice de massa corpórea (IMC)
(p = 0,04), a idade (p = 0,00), o consumo de álcool (p = 0,22), a renda
familiar acima de um salário mínimo (p = 0,23), o número de dependentes abaixo
de quatro indivíduos (p = 0,23), o uso de medicamentos para hipertensão (p =
0,04) e os altos níveis de ansiedade (p = 0,10) estiveram positivamente
associados à variável desfecho “hipertensão” ao passo que o uso de
antidepressivos (p = 0,25) e a prática de exercícios físicos (p = 0,15)
estiveram negativamente associados (Tabela II).
Tabela
II -
Análise de regressão univariada para a
variável dependente “hipertensão”.
*p < 0,30 (limite
para variáveis independentes serem incluídas no modelo multivariado).
Em um segundo
momento, foi aplicado modelo de regressão logística multivariada (stepwise forward procedure) de forma a
identificar quais destas variáveis independentes ainda apresentavam influência
sobre o desfecho “presença de hipertensão” após o controle da interação entre
as diversas variáveis independentes investigadas (Tabela III).
Tabela
III
- Análise de regressão logística
multivariada (stepwise forward procedure) para a variável dependente
hipertensão.
*p < 0,05
Observou-se que as
variáveis “índice de massa corpórea” (IMC) e “idade” aumentaram ligeiramente a
chance de o indivíduo apresentar hipertensão (Odds ratio: 1,19 e 1,11 respectivamente). Isto significa que um
indivíduo com IMC > 25 (sobrepeso e obeso) e mais velho apresentou maior
risco de apresentar hipertensão.
Entretanto, níveis
aumentados de ansiedade e o consumo de álcool acima de três vezes por semana
aumentaram, em aproximadamente, 5 (Odds ratio: 4,93) e 15 (Odds ratio: 15,19) vezes, respectivamente,
as chances de o indivíduo apresentar hipertensão. Isso indica que o consumo de
álcool e níveis aumentados de ansiedade intensificam as chances de o indivíduo
ser hipertenso. Por outro lado, o uso de medicamentos antidepressivos diminuiu
ligeiramente (Odds ratio: 0,15) a
chance de acometimento por hipertensão, sugerindo que o controle do estado
emocional exerce efeito protetor contra a hipertensão.
Todavia, hábitos
alimentares são importantes para a reversão do desequilíbrio que ocorre na HAS.
Isto pode ser feito através do controle da ingestão de sódio e calorias,
reduzindo e posteriormente mantendo o peso corporal [17]. Os achados elevados
de sobrepeso e obesidade reforçam a necessidade de implantação de medidas
objetivas para o seu combate, com vistas à redução da morbidade e da
mortalidade por doença cardiovascular.
A prática de
exercícios físicos no presente estudo esteve negativamente associada à
hipertensão, de forma que, quanto menos atividade física o indivíduo pratica,
maior o risco de alteração cardiovascular. Pessoas fisicamente ativas possuem
menor incidência de hipertensão arterial [18]. A prática de atividade física
regular demonstra a opção por um estilo de vida mais ativo, relacionado ao
comportamento humano voluntário no qual se integram componentes e determinantes
de ordem biológica e psico-sócio-cultural. Porém, indivíduos hipertensos sempre
devem procurar atendimento médico antes de iniciar qualquer atividade física.
Níveis aumentados de
ansiedade e o consumo de álcool acima de três vezes por semana aumentaram, em
aproximadamente, 5 (Odds ratio: 4,93) e 15 (Odds
ratio: 15,19) vezes, respectivamente, as chances do indivíduo apresentar
hipertensão. Isso indica que o consumo de álcool e níveis aumentados de ansiedade
intensificam as chances de o indivíduo ser hipertenso. Por outro lado, o uso de
medicamentos antidepressivos diminuiu ligeiramente (Odds ratio: 0,15) a chance de acometimento por hipertensão,
sugerindo que o controle do estado emocional exerce efeito protetor contra a
hipertensão.
O consumo de álcool
com alta frequência contribuiu significativamente para o aumento das chances do
indivíduo apresentar hipertensão arterial. Estima-se que 10% dos pacientes
hipertensos tenham exacerbação dos níveis pressóricos quando fazem uso de
álcool. O mecanismo exato que leva à hipertensão não é totalmente conhecido,
entretanto, são descritos fatores centrais e periféricos, como estimulação do
sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, além de
uma disfunção arterial [19].
No presente estudo, o
hábito de fumar não apresentou associação com o desfecho hipertensão.
Entretanto, este resultado negativo deve ser avaliado com cautela, uma vez que
somente nove pacientes eram fumantes. Esta característica foi considerada
inerente da amostra avaliada, de forma que medidas antitabagistas prévias
executadas pelos profissionais atuantes nos referidos PSFs resultaram na
interceptação deste fator nas populações atendidas. Desta forma, ressalta-se
que o tabagismo está intimamente associado à hipertensão e que medidas
preventivas quanto a este hábito podem favorecer a diminuição dos índices de
HAS [20].
O uso de medicamentos
antidepressivos diminuiu ligeiramente a chance de acometimento por hipertensão
nos voluntários avaliados, o que sugere que um controle do estado emocional
exerce efeito protetor contra a hipertensão. Em contrapartida, indivíduos com
altos níveis de ansiedade apresentaram maior propensão a desenvolverem
hipertensão. Essa situação evidencia a importância do estudo das causas de
ordem psicológica, capazes de repercutir sobre o organismo humano. Hipertensos
complicados apresentam mais características estruturais e psicossociais
desfavoráveis, mais atitudes negativas frente ao tratamento e desconhecem a
doença [12], reforçando a ideia de que o aspecto biopsicossocial é de
importância na avaliação de pacientes hipertensos pelos profissionais de saúde
de PSF. Adicionalmente, características da personalidade como sentimento de bem-estar,
socialização e capacidade de se sentir igual a seus pares podem também se
associar com a adesão ao tratamento, contribuindo para o controle da doença
[21].
Os fatores
socioeconômicos como renda e número de residentes na casa também alcançaram valores
suficientes para entrar na análise multivariada. Porém, estes fatores foram
eliminados, provavelmente em razão da sobreposição com a variável IMC. No que
se refere à condição socioeconômica e a sua relação com a hipertensão, estes
conduzem a sua correlação com um estilo de vida não saudável. Adicionalmente,
indivíduos com melhor condição econômica apresentam maior
acesso a alimentos industrializados e com grandes quantidades de calorias. Em
relação às condições socioeconômicas e o comportamento nutricional, foi
observado que ambos influenciam na ocorrência de HAS. Os fatores
socioeconômicos (incluindo oportunidades educacionais e de trabalho) podem
afetar os índices e prevalência de HAS [15].
Conclui-se que
hábitos de vida sedentários, associados ao tabagismo, ansiedade e consumo de
álcool, correlacionam-se positivamente com a prevalência de hipertensão na
amostra avaliada. Desta forma, métodos de controle do peso corporal, da
ansiedade e a diminuição do consumo de bebidas alcoólicas devem ser enfatizados
na atuação de enfermeiros que atuam em PSF.