ARTIGO
ORIGINAL
Vivências
das Agentes Comunitárias da Saúde na Estratégia Saúde da Família
Annelise Martins Barzan, Esp.*, Luciane Bisognin Ceretta, D. Sc.**, Maria Tereza Soratto,
M.Sc.**
*Enfermeira,
Especialista em Gestão da Atenção Básica de Saúde da Universidade do Extremo
Sul de Santa Catarina (UNESC), Criciúma/SC, **Enfermeira, UNESC
Recebido em 6 de dezembro de 2016; aceito em 27 de novembro de 2017.
Endereço
para correspondência:
Maria Tereza Soratto, Universidade do Extremo Sul de
Santa Catarina, Av. Universitária, 1105, Curso de Enfermagem, Bloco S, Bairro
Universitário, 88806-000 Criciúma SC, E-mail: guiga@unesc.net, Annelise Martins
Barzan: annelisebarzan@yahoo.com.br; Luciane Bisognin Ceretta: luk@unesc.net
Artigo
baseado na
monografia de Pós-graduação
Especialização em Gestão da Atenção
Básica de Saúde
Resumo
Estudo com objetivo
de identificar as vivências das Agentes Comunitárias da Saúde (ACS) da
Estratégia Saúde da Família. Pesquisa de abordagem qualitativa, descritiva,
exploratória e de campo. Aplicou-se entrevista semiestruturada com 6 Agentes Comunitárias de Saúde na Estratégia Saúde da
Família de um município do Extremo Sul Catarinense. A análise e interpretação
dos dados qualitativos foi organizada a partir da
análise de conteúdo. As dificuldades vivenciadas pelas Agentes Comunitárias da
Saúde estão relacionadas ao próprio processo de trabalho na Estratégia Saúde da
Família com a falta de resolutividade dos casos; falta de recursos materiais;
dificuldade para encontrar as famílias na visita domiciliar e interferência ao
direito à privacidade das famílias. Sugere-se capacitação das Agentes
Comunitárias da Saúde para o processo de trabalho na Estratégia Saúde da
Família, pois trabalhar com as famílias é um desafio cotidiano, que exige
conhecimento, ética, responsabilidade e comprometimento. O
Agente Comunitária da Saúde é um profissional estratégico na
reorientação do processo de trabalho na ESF, considerado elo mediador entre a
equipe e comunidade, devendo ser reconhecido e incluído no planejamento do
cuidado.
Palavras-chave: agentes
comunitários de saúde, Estratégia Saúde da Família, Enfermagem.
Abstract
Experiences of Community Health Agents in the Family Health Strategy
Study aiming to identify the experiences of Community Health Agents of
the Family Health Strategy. It is a qualitative research with descriptive,
exploratory approach and field which applied structured interviews with 6
Community Health Agents in the Family Health Strategy of a city in the extreme
south of Santa Catarina. The analysis and interpretation of qualitative data
was organized using content analysis. The difficulties experienced by the
Community Health Agents are related to the work process itself in the Family
Health Strategy with lack of resolution of cases; lack of material resources;
difficulty in finding families at home visits and interference in the right to
privacy of the families. It is suggested the empowerment of Community Health
Agents to work in the Family Health Strategy, as working with families is a
daily challenge, which requires knowledge, ethics, responsibility and
commitment. The Community Health Agent is a professional in strategic
reorientation of work process in the Family Health Strategy, considered link
mediator between the team and the community, and should be recognized and
included in the planning of care.
Key-words: community
health workers, Family Health Strategy, Nursing.
Resumen
Experiencias de agentes comunitarias en salud en la Estrategia Salud de la Familia
Estudio con
el objetivo de identificar las experiencias de los agentes comunitarios en salud de la
Estrategia Salud de la Familia. Investigación
de enfoque cualitativo, exploratorio,
descriptivo y de campo. Se aplicó
entrevista estructurada a 6
agentes comunitarias en salud de la Estrategia
Salud de la Familia de una ciudad en el extremo sur
de Santa Catarina. El análisis e interpretación
de datos cualitativos se organizó a partir del
análisis de contenido. Las dificultades experimentadas
por las agentes comunitarias
están relacionadas con el proceso
de trabajo en la Estrategia Salud
de la Familia con la falta de resolución de casos; falta de recursos materiales;
problemas para encontrar familias en
la visita domiciliaria y la
interferencia en el derecho a la
intimidad de las familias. Se sugiere capacitación de los agentes comunitarios para trabajar en la Estrategia de Salud de la Familia, pues
trabajar con las familias es un reto diario, que exige conocimiento, ética, responsabilidad
y compromiso. El agente comunitario
en salud es
un profesional en la reorientación
estratégica del proceso de trabajo en la
Estrategia de Salud de la Familia, considerada enlace
mediador entre el equipo y la
comunidad y debe ser reconocido e incluido en la planificación
de la atención.
Palabras-clave: agentes comunitarios de salud, Estrategia de Salud Familiar, Enfermería.
O Agente Comunitário
de Saúde (ACS), profissional estratégico inserido na Atenção Primária à Saúde
(APS), é parte fundamental para a implantação das equipes de Estratégia Saúde
da Família (ESF), bem como para o alcance de suas ações [1-3]. Personagens essenciais no processo de
trabalho na ESF são eles que podem transmitir e trocar informações com as
famílias e unidade de saúde. São profissionais que foram inseridos para
melhorar a qualidade da saúde de toda a população, estando cada vez mais
fortalecidos.
Atualmente são mais
de 200 mil ACS em todo o Brasil desenvolvendo ações de promoção e vigilância em
saúde, contribuindo para melhoria da qualidade de vida das pessoas. A primeira
etapa de implantação Programa Saúde da Família se deu em junho de 1991, através
do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Em 1994 foram formadas as
primeiras equipes do programa saúde da família, com atuação do ACS [4]. O
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúde da Família
(PSF) foram criados com o objetivo de contribuir para uma melhor qualidade de
vida da comunidade, investindo primordialmente na educação em saúde [5].
A Estratégia Saúde da
Família (ESF), denominação que atualmente substitui PSF, surge com o propósito
de garantir atenção integral e centrada na família, devendo estar vinculada à
rede de serviços [1].
O ACS é um
profissional estratégico na reorientação da atenção primária a saúde por criar
vínculos efetivos com a comunidade em seu território [6], atuando como elo
entre as necessidades de saúde das famílias e o que pode ser feito para a
melhoria das condições de vida da comunidade [1,2,5,7-10].
Integra a equipe mínima da ESF, tendo como atribuições o exercício de
atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações
domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas [1,11].
O ACS é responsável
por uma microárea dentro da área territorial de adscrição da equipe, desenvolvendo
ações que buscam a integração entre a equipe de saúde e a comunidade,
cadastramento das famílias; orientação quanto à utilização dos serviços de
saúde; desenvolvimento de atividades de promoção da saúde, prevenção das
doenças e de agravos, e de vigilância à saúde, por meio de visitas domiciliares
e de ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na comunidade
[1].
Mesmo sendo um elo
importante entre a família e a equipe da unidade de saúde, devido ao vinculo
estabelecido, a profissão foi reconhecida apenas em 1996, em virtude do
fortalecimento e expansão do SUS e regulamentada no ano de 2002 (Lei 10.501)
[5]. Mesmo a profissão sendo regulamentada, o ACS
enfrenta muitas dificuldades para realizar seu trabalho, que vão desde
barreiras geográficas até socioculturais, necessitando de motivação e grande
comprometimento com a qualidade do serviço.
A família é o
principal meio de trabalho do ACS, por isso os mesmos devem saber sua
importância e devem compreender que seu trabalho precisa ser desenvolvido com
ética, responsabilidade e acima de tudo respeito. A família constitui-se na
primeira e mais importante influência na vida das pessoas abrangendo os
valores, os usos e os costumes que irão formar a personalidade e bagagem
emocional [4]. A ética e o sigilo frente ao processo de trabalho junto às
famílias são de extrema importância para que o ACS consiga criar um elo entre a
comunidade e equipe possibilitando a criação do vínculo que é imprescindível
para o processo de trabalho da ESF frente às famílias.
O ACS, em seu papel
híbrido de profissional de saúde e morador de sua comunidade, enfrenta desafios
no processo de trabalho na ESF. Tornam-se mais diluídas as fronteiras de
convivência das famílias com o profissional, e este se torna alvo de diferentes
expectativas. Então, pode se sentir potente ou sobrecarregado [12]. Desempenha
papel de mediador entre os saberes técnicos e populares, entre equipe de saúde
e comunidade destacando-se como agenciador de ações e práticas emancipadoras em
saúde [9,13]. O reconhecimento da sua importância na equipe de saúde pode
contribuir para que ele seja incluído no planejamento das ações em saúde, o que
valoriza o diálogo entre diferentes saberes no contexto da ESF [11,14].
A partir da
experiência como enfermeira na atenção básica, constatou-se a necessidade de um
perfil adequado do ACS para o processo de trabalho na ESF. O papel dele é
desenvolver um trabalho conjunto com a equipe, para promover a saúde e prevenir
algumas doenças que podem ser evitadas com acompanhamento e orientações básicas
para a família. Para que isso ocorra, o profissional tem que estar comprometido
com sua profissão para poder contribuir de forma positiva, realizando um
trabalho harmonioso e completo. Considera-se que o perfil do ACS nem sempre é
adequado à proposta da ESF. A satisfação profissional depende do acolhimento da
família e equipe; remuneração adequada e condições de trabalho e as
dificuldades são inerentes ao acolhimento e adesão das famílias, além da falta
de capacitação suficiente para o desempenho profissional qualificado. Nesta
perspectiva este estudo teve por objetivo identificar as Vivências das Agentes
Comunitárias da Saúde da Estratégia Saúde da Família (ESF).
Pesquisa de abordagem
qualitativa, descritiva, exploratória e de campo. Aplicou-se entrevista
semiestruturada com 6 ACS na ESF de um município do
Extremo Sul Catarinense. Utilizaram-se como critérios de inclusão dos
participantes da pesquisa: ACS atuante na ESF pesquisada; aceitação para
participar da Pesquisa segundo Resolução 510/2016 [15] e assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A
análise e
interpretação dos dados qualitativos foram organizadas a
partir da análise de
conteúdo com a categorização dos dados,
através da ordenação, classificação
e
análise final dos dados pesquisados. Categoria refere-se a um
conceito que
abrange elementos ou aspectos com características comuns ou que
se relacionam
entre si, são estabelecidas para classificar os eventos.
Categorizar é agrupar
elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito [16].
Para preservar o
sigilo e o anonimato dos participantes da pesquisa, de acordo com as diretrizes
e normas regulamentadoras da Resolução 510/2016 [15], utilizou-se indicador
alfanumérico: ACS para as Agentes Comunitárias de Saúde (ACS1 a ACS6). A
Resolução 510/2016[15] visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito
à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e do estado. Dentre os
aspectos éticos o consentimento livre e esclarecido prevê a anuência do sujeito
da pesquisa após a explicação completa sobre a natureza da mesma, seus
objetivos, métodos, benefícios previstos e potenciais riscos que possam
acarretar, formulada em termo de consentimento, autorizando sua participação na
pesquisa. Na pesquisa utilizou-se um termo de consentimento livre e
esclarecido, informando aos participantes da pesquisa os objetivos, métodos,
direito de desistir da mesma e sigilo em relação à pesquisa. A pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNESC pelo Projeto nº
1.305.604/2015.
Perfil
das Agentes Comunitárias de Saúde (ACS)
Em relação ao perfil
dos profissionais entrevistados, todos são do sexo feminino, totalizando 6 ACS. A idade variou de 34 anos a 55 anos. Em relação à
escolaridade, apenas uma não terminou o ensino médio. Quanto ao estado civil, três são casadas,
duas divorciadas e uma solteira.
Capacitação
do Agente Comunitário de Saúde (ACS) relacionado ao processo de trabalho na ESF
Todos os Agentes
Comunitários de Saúde (ACS) receberam capacitação relacionada ao processo de
trabalho na ESF em várias temáticas: formação inicial para ACS; dengue; saúde
mental; sensibilização para trabalho em Saúde da Família; tecnologia e
planejamento participativo em saúde; conferência e encontros de saúde; saúde do
trabalhador; caminhos do cuidado; suicídio e sobre a APAE; conforme a descrição
dos relatos:
ACS1
– “Sim.”
ACS2
–“Sim, dengue.”
ACS3
– “Sim, vários. O mais recente foi sobre Saúde Mental, no ano de 2014 e 2015”.
ACS4
– “Sim. - Curso Formação inicial do ACS – 2009/2010; Sensibilização para
trabalho em saúde da Família -2008; Tecnologia e planejamento participativo em
saúde – 2006; VI encontro macrorregional de saúde da FAM – 2009; VI conferência
municipal de saúde – 2007; EFAS (formação inicial do ACS – março/agosto -2010);
V conferência municipal de Saúde – 2011; Gratificação introdutória para ACS –
2007; Encontro macrorregional Sul -2013; Noções básicas de saúde do trabalhador
CEREST – 2015”.
ACS5
– “Sim, conferência de saúde, dengue, caminhos do cuidado, suicídio, APAE”;
ACS6
– “Sim, caminhos do cuidado, acidente de trabalho, suicídio, conferência da
Saúde”.
O Ministério da Saúde
(MS) tem investido fortemente na política de educação dos trabalhadores
vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da articulação de
estratégias que envolvem a elevação do nível de escolaridade, da
profissionalização e da educação permanente. Esse investimento visa fortalecer
e aumentar a qualidade de resposta do setor saúde às demandas e necessidades em
saúde da população [17].
A qualificação dos
ACS para um campo tão complexo e diverso como o da saúde no Brasil, implica em uma concepção com um referencial teórico
baseado no campo da Saúde Coletiva e da Educação Permanente em Saúde, menos
técnica e mais problematizadora com base em
princípios emancipatórios, éticos e políticos [17].
Identificação
e satisfação com a profissão de ACS
Todos os ACS
identificam-se com a profissão, gostam do que fazem e do atendimento ao público
(ACS6); apesar das dificuldades inerentes relacionadas ao processo de trabalho
(ACS3):
ACS1
–“Sim”
ACS2
–“Sim, gosto muito”.
ACS3
– “Sim, acho que sim, pois gosto do que faço, apesar das
dificuldades encontradas.
ACS4
– “Sim, porque gosto muito do que faço”.
ACS5
–“Sim, muito. Amo o que faço”.
ACS6
– “Sim, gosto do atendimento ao público”.
O ACS desenvolve
ações na dimensão técnica, operando com saberes da epidemiologia e clínica; na
dimensão política, utilizando saberes da saúde coletiva, e a de assistência
social, possibilitando o acesso com equidade aos serviços de saúde [8].
A atuação do ACS
articula-se ao seu papel como mediador comunitário e educador em saúde, capaz
de identificar as necessidades sociais, representando um porta-voz da
comunidade. O processo de trabalho relaciona-se ao seu potencial para vincular
os usuários às ações da equipe de saúde, a corresponsabilização
e a possibilidade de induzir processos de mudança, e suas estratégias visam a participação da comunidade e o fortalecimento do Sistema
Único de Saúde [9].
É de grande valia que
o profissional se identifique com o seu trabalho; sendo elo
de ligação e peça chave para a articulação do processo de trabalho da
equipe com as famílias.
As
principais facilidades vivenciadas pelos ACS relacionadas ao processo de
trabalho na ESF
As principais
facilidades vivenciadas pelos ACS relacionadas ao processo de trabalho estão
associadas ao comprometimento e perseverança da equipe da ESF, descrito nos
relatos dos ACS2; ACS3; ACS5 e ACS6:
ACS2
– “As principais facilidades no processo de trabalho da nossa equipe tem
compromisso sério e tem acesso. O resultado é bom”.
ACS3
– “Sim, vivenciamos algumas atividades que podemos dizer não são fáceis, mas
que com perseverança, conseguimos realizá-las”.
ACS5
–“As principais facilidades no processo de trabalho é que nossa equipe tem um
bom relacionamento e compromisso”.
ACS6
– “Bom relacionamento e comprometimento”.
O conhecimento da
área de abrangência e da comunidade foi destacado como principal facilidade no
processo de trabalho pela ACS1: ACS1 –“A
facilidade é que conhecemos bem a nossa área”.
A potencialidade do
ACS na Atenção Básica associa-se a articulação do processo de trabalho da
equipe, exatamente por morar na sua área de atuação, conhecer muito bem a
comunidade em que vive e ter maior facilidade de acesso aos domicílios, sendo peça
fundamental no envolvimento da população, para o enfrentamento dos problemas de
saúde, sobretudo para a modificação das condições de vida [1,5].
Já a ACS4 ressaltou a
importância da reunião com a equipe como facilidade no processo de trabalho:
ACS4 – “Reunião de grupo com agentes de
saúde”.
Para que uma equipe
trabalhe de forma harmoniosa e unida, deve-se ter clareza sobre a área de
atuação de cada profissional. Cada profissional é único e todos têm importância
efetiva no processo de trabalho na ESF. Quando bem estruturada, a equipe de
saúde estabelece uma relação dialógica e participativa que permite o
desenvolvimento de competências no trabalho do ACS, como maior autonomia,
iniciativa e compromisso, o que reflete em suas relações com os moradores e
abre maiores possibilidades de participação e compreensão de suas necessidades
[18].
Em uma equipe, as
habilidades e talentos são individuais, porém quando ocorre uma integração
gerencial a produção de serviços torna-se mais eficiente e efetiva. Destaque
deve ser dado ao processo de comunicação, que essencialmente deve ser
verdadeiro para que exista espaço para a confiança, respeito, cooperação e
busca de objetivos e metas comuns. O trabalho em equipe se torna pressuposto
para a integralidade das ações de saúde, requerendo a construção de projeto
assistencial comum para atender com qualidade às necessidades dos usuários. É
relevante reconhecer que os indivíduos não escolhem arbitrariamente viver ou
trabalhar juntos, mas formam novos agrupamentos diante de cada situação que se
apresenta, trazendo consigo suas representações e vivências anteriores [19].
A reunião de equipe é
de extrema importância para que os profissionais exponham as dificuldades,
dúvidas e compartilhem as informações sobre as famílias assistidas na ESF. É de
grande importância que os profissionais trabalhem em equipe e que tenham um
ótimo relacionamento, para a qualificação do cuidado. No processo de trabalho
do ACS a proximidade e a cooperação com a equipe multiprofissional da ESF
potencializam seu trabalho, harmonizando as diferenças entre os sujeitos e
transformando a singularidade em potencialidade [12].
A proposta da ESF
enfatiza o trabalho em equipe como forma de se articular diferentes saberes e
práticas na produção do cuidado em saúde [13,14].
As
principais dificuldades vivenciadas pelos ACS relacionadas ao processo de
trabalho na ESF
As principais
dificuldades vivenciadas relacionadas ao processo de trabalho na ESF, segundo
os ACS5 e ACS6 estão relacionadas à falta de resolutividade dos casos, pois a
resolução de questões problemáticas depende de outras instituições e não
somente da ESF:
ACS5
– “As dificuldades é que muitas vezes, o problema não chega a ter solução,
porque não depende só do ESF e sim de várias instituições.”
ACS6
– “Às vezes tem problemas que não dependem só da
equipe do ESF e sim de outras instituições”.
Os ACS enfrentam
muitas dificuldades no seu dia a dia de trabalho desde a aproximação com a
família e a criação do vínculo, sendo isso muito importante para que o mesmo
consiga levar suas dificuldades e tentar de alguma maneira resolver seus
problemas, muitas vezes não só em relação a problemas de saúde e sim a
problemas sociais, psicológicos entre outros. O trabalho em equipe e em rede
facilitaria a resolutividade dos problemas enfrentados no processo de trabalho
na ESF e possibilitaria uma melhor qualificação do cuidado às famílias.
Em pesquisa de
Guanaes-Lorenzi e Pinheiro [14] o ACS sente-se
desvalorizado em relação a sua competência técnica e seu potencial de ação para
a resolutividade das questões levantadas pela comunidade. A resolução dos
problemas levantados pela comunidade pode ser impossibilitada não devido a uma
dificuldade técnica específica do ACS, mas pela própria complexidade de
organização e funcionamento do sistema de saúde e dificuldades na transição do
modelo de assistência [14].
O processo de
trabalho dos ACS permeia a valorização como elo e construção de um vínculo de
confiança com a comunidade e a desvalorização na cobrança de resolutividade
vivida na relação com a comunidade e na hierarquia sentida nas relações
profissionais [14].
O direito à
privacidade das famílias foi mencionado como dificuldade vivenciada:
ACS3
– “São aquelas em que abordamos o paciente, muitas vezes até invadindo o seu
direito de privacidade”.
Estudo [14]
identificou a importância de refletir sobre os limites da prática do ACS; saber
o seu limite na relação com a comunidade, respeitar as pessoas, saber escutar e
não dar conselhos diretos sobre suas vidas, e levar os casos para discussão com
os demais profissionais da equipe.
O propósito
primordial dos ACS é de participar da vida da comunidade, principalmente através
das organizações, estimulando a discussão das questões relativas à melhoria de
vida, focada em uma qualidade satisfatória;
informando, assim, aos demais membros da equipe de saúde da disponibilidade,
necessidades e dinâmica social da tal comunidade em que estão inseridos. Com
isto identifica-se que este trabalhador enfrenta constantemente grandes
desafios e dificuldades que necessitam ser encarados para que o trabalho
continue, e para que a comunidade em si receba uma cobertura na sua área [20].
Os ACS podem
vivenciar dificuldades inerentes à inserção no convívio da família,
interferindo no direito à privacidade e gerando conflitos e dilemas éticos. O
papel do ACS de confiança deve garantir a postura profissional e ética no
processo de trabalho na ESF, seja na comunidade ou nos lugares que a cercam.
Para que isto ocorra é necessária uma equipe comunicativa e participativa,
procurando atender toda a família de forma qualificada [20].
A falta de recursos
materiais para o processo de trabalho na ESF foi descrito como dificuldade
vivenciada: ACS4 – “[...] Falta de
material, computadores.”
A dificuldade para
encontrar as famílias em casa foi descrito na fala: ACS1 – “Conseguir encontrar todas as famílias, pois
é área central e muitos apartamentos”. O ACS2 não respondeu.
A visita domiciliar
na ESF é um instrumento utilizado pelas equipes para inserção e conhecimento do
contexto de vida da população, assim como estabelecimento de vínculos entre
profissionais e usuários. A visita domiciliar tem como objetivo atender as
diferentes necessidades de saúde, preocupando-se com a infraestrutura
(habitação, higiene, saneamento entre outros) existente nas comunidades e o
atendimento à saúde das famílias [21].
A visita domiciliar tem
como finalidade oferecer o acolhimento; a escuta; construção de vínculos; e
informações aos usuários a partir de questionamentos de seu estado de saúde
[11], sendo considerada uma das principais atividades que permite aos ACS
conhecerem o contexto social e identificarem as necessidades de saúde das
famílias assistidas pela equipe, permitindo uma maior aproximação com os
determinantes do processo saúde-doença [21].
O
enfrentamento dos desafios e dificuldades vivenciadas no processo de trabalho
na ESF pelos ACS
Destaca-se nos
relatos dos ACS2; ACS4 e ACS6 o papel da enfermeira para resolução dos
problemas vivenciados no processo de trabalho na ESF; além das reuniões que
facilitam este processo, segundo a ACS2:
ACS2
– “Quando ocorre qualquer dificuldade nos falamos com a enfermeira chefe ou
através de reuniões”.
ACS4
– “Eu procuro conversar com a enfermeira chefe quando tenho algum problema”.
ACS6
– “Tentamos sempre sentar e resolver os problemas, e sempre temos um chefe de
equipe que nos ajuda”.
A inserção dos ACS na
ESF no Brasil vem alcançando um destaque cada vez maior revelando um impacto
positivo nos resultados obtidos. Considerando o grande número de ACS atuando no
país, pode-se salientar que o seu trabalho é de extrema importância para o
atual estágio da Atenção Primária à Saúde no Brasil, pois entram em contato com
diferentes demandas diariamente, sendo, por esta razão, profissionais que merecem
especial atenção [8].
Quando a equipe de
saúde é bem estruturada existe uma relação de boa convivência entre todos os
profissionais, com o estabelecimento de uma relação dialógica com a
qualificação do cuidado, em que os profissionais trabalham para um bem comum.
Entretanto, o trabalho em equipe na ESF apresenta desafios que ameaçam a coesão
do grupo, caracterizado por conflitos interpessoais relacionados às diferentes
percepções, crenças e valores dos envolvidos no processo, nem sempre convergentes.
Em situações de conflito, o exercício de liderança pelo enfermeiro tem
apresentado relação positiva com o bem-estar dos profissionais e
consequentemente, no cuidado ao usuário de saúde [18].
O enfermeiro por ser
considerado um líder desempenha um papel de extrema importância, ele deve ser
acessível, construir através do diálogo uma equipe coesa e que tenha
participação nas decisões frente às dificuldades do trabalho com as famílias.
A adaptação à
realidade de cada família foi a forma encontrada pela
ACS1 para resolução dos problemas: para ACS1 – “Buscando horários diferentes
cada família”.
Denota-se na fala da
ACS insatisfação relacionada ao processo de trabalho:
ACS3
– “De forma natural, mas com certa insatisfação por não ter conseguido atingir
os meus objetivos”.
Todos os
profissionais devem ser valorizados diante de seu trabalho, qualquer
profissional que não esteja motivado não irá desempenhar seu papel
corretamente. Uma das grandes dificuldades dos profissionais de saúde é a sua
valorização, pois além de ser um serviço onde se exige muito e se valoriza
pouco, os profissionais lidam com seres humanos que precisam de todo cuidado,
carinho e atenção.
A formação do ACS
precisa incluir estratégias educativas individuais e coletivas que valorizem a
troca de saberes, experiências e autonomia dos usuários. As práticas
educativas dialógicas e de trabalho em grupo podem facilitar a produção
coletiva de conhecimento e a reflexão sobre a realidade, sendo este um
importante aspecto para o desenvolvimento do processo reflexivo que sinalize
para estratégias de enfrentamento dos desafios que fazem parte das situações de
saúde [2].
Sugestões
sobre a temática
O ACS tem papel
primordial na proposta da ESF, considerado elo de ligação
entre as famílias e a equipe multiprofissional; sendo sugerido uma melhor
qualidade na realização das visitas domiciliares (ACS1) e cursos de capacitação
voltado para o preparo do ACS (ACS3):
ACS1
– “Mais qualidade de visitas e menos quantidade de assinaturas”.
ACS2
– “Importante sempre ficar atento qual a prioridade maior dos acompanhados e as
ações atribuídas ao ACS. Ex: ter retorno do assunto
abordado”.
ACS3
– “Eu proponho que tenhamos mais cursos de capacitação e assim mais preparação
em todos os sentidos.”
ACS5
– “Que através das visitas domiciliares consigamos observar as famílias, os
problemas e levamos ao ESF. O ACS é muito importante porque através das visitas
sabemos quem é HAS, DIA, gestante, medicamentos, criança, etc”.
ACS6
– “Somos um ponto de ligação entre as famílias e o ESF, sempre deixando criar
os cadastros ao E-SUS e gestantes, DIA, HAS e outros”.
O ACS4 não respondeu.
Segundo Moura e Silva
[12], o ACS prefere o trabalho das visitas domiciliares ao exercício de funções
administrativas na USF, em virtude da importância do contato com as famílias no
processo de trabalho da ESF.
A falta de
capacitação foi um dos desafios colocados no trabalho em equipe junto ao ACS
[10,13], sendo necessário que a educação permanente em saúde problematize o
fazer em saúde, possibilitando a transformação de tal fazer [2,11]; com a pactuação das práticas desenvolvidas e valorização
profissional [13].
A educação permanente
de trabalhadores da saúde faz parte da política pública do SUS brasileiro, mas
está longe de se desenvolver de forma satisfatória na atenção primária em saúde
[10]. Faz-se necessário investir na qualificação como estratégia para assegurar
uma reflexão crítica sobre o processo de trabalho e a corresponsabilização
da equipe [17].
A educação permanente
em saúde dos ACS necessita de reflexão sobre o processo saúde-doença e seus
determinantes sociais, o trabalho em equipe, a concepção de família,
comunidade, liberdade e autonomia dos usuários, e as políticas de saúde,
problematizando o espaço ocupado pelo ACS na equipe, possibilitando uma
participação mais reconhecida e valorizada [11].
O trabalho do ACS é
de grande valia para toda comunidade e para o conhecimento da realidade
enfrentada pelas famílias e dos problemas sociais relacionados à falta de
moradia, alimento, problemas psicológicos e problemas de saúde entre outros. O
papel do ACS é criar um vínculo e preconizar a promoção e prevenção de saúde
com a população que norteia sua área de abrangência para possibilitar a família
melhor qualidade de vida.
As facilidades
vivenciadas pelos ACS estão relacionadas ao comprometimento e perseverança da
equipe da ESF no processo de trabalho junto às famílias; reunião da equipe e
conhecimento da área de abrangência da ESF. As dificuldades vivenciadas pelos
ACS estão relacionadas ao próprio processo de trabalho na ESF com a falta de
resolutividade dos casos; falta de recursos materiais; dificuldade para
encontrar as famílias na visita domiciliar e interferência ao direito à
privacidade das famílias.
O papel da enfermeira
na resolução das dificuldades enfrentadas ficou evidente nos relatos dos ACS;
além da discussão dos casos através de reunião com a equipe e a adaptação do
ACS a realidade de cada família.
Os ACS relataram que
recebem capacitação, mas citam que deveriam ter mais cursos relacionados ao seu
dia a dia, em virtude das dificuldades em não conseguirem solucionar problemas
que fogem do seu alcance. Considera-se extremamente relevante a sua capacitação
para o processo de trabalho na ESF, pois trabalhar com as famílias é um desafio
cotidiano, que exige conhecimento, ética, responsabilidade e comprometimento.
O ACS é um dos
principais profissionais que garantem o sucesso no tratamento de um paciente,
pois ele é o elo principal entre a unidade de saúde e a população, sem o ACS os
outros profissionais não conseguem conhecer toda a sua área de abrangência e
solucionar a maioria dos problemas que uma comunidade enfrenta.
Tem-se como principal
limitação deste estudo o número limitado de ACS entrevistadas, não sendo
possível realizar generalizações relacionadas à temática.