ARTIGO
ORIGINAL
Percepções
do enfermeiro intensivista frente à morte encefálica
e à doação de órgãos
Manuella Fernanda de Souza*,
Jéssica Caxias Bento**, Clarice Santana Milagres, D.Sc.***
*Graduanda
em Enfermagem pela FHO/UNIARARAS, **Enfermeira pela Fundação Hermínio Ometto – FHO/UNIARARAS, ***Enfermeira especialista em
Nefrologia, Professora titular do curso de graduação em Enfermagem da Fundação
Hermínio Ometto – FHO/UNIARARAS
Recebido em 11 de
janeiro de 2018; aceito em 29 de janeiro de 2019.
Endereço
de correspondência:
Manuella Fernanda de Souza, Avenida Newton Prado,
3710, Jardim São Fernando 13631-040 Pirassununga SP, E-mail:
manufs09@hotmail.com; Jéssica Caxias Bento: jessyca-sc@hotmail.com; Clarice
Santana Milagres: claricemilagres01@gmail.com
Resumo
A morte encefálica
(ME) representa a ausência de funcionamento cerebral, no qual há inexistência
de atividade elétrica na região do encéfalo e o paciente somente consegue
sobreviver devido a meios artificiais, permanecendo com a função
cardiorrespiratória intacta temporariamente. O enfermeiro tem importante papel
na identificação, notificação e captação de órgãos de pacientes com este
diagnóstico, atuando na comunicação com a família para que eles possam decidir
sobre aceitar ou recusar a doação de órgãos. Objetivo: Verificar a percepção dos enfermeiros intensivistas
diante da morte encefálica e da doação de órgãos. Métodos: Pesquisa qualitativa convergente assistencial, realizada
em um hospital público no interior do Estado de São Paulo. Foram selecionados
enfermeiros intensivistas que atuam neste setor de
Unidade de Terapia Intensiva adulto. Para a pesquisa, foi realizada uma
entrevista com questões norteadoras discursivas, e, posteriormente, utilizou-se
a análise de conteúdo de Bardin. Nesta proposta, a
categorização foi utilizada e empregada a
representatividade. Resultados: Da
análise das transcrições das entrevistas obtidas emergiram três categorias
temáticas: percepção dos enfermeiros para lidar com a morte; preparo do
enfermeiro intensivista sobre a morte e seus
critérios de definição; e processo de trabalho do enfermeiro na efetividade do
processo de doação de órgãos para transplante. Conclusão: O presente estudo proporcionou a percepção do enfermeiro
intensivista diante da morte
encefálica e da doação
de órgãos. O processo de trabalho deste profissional
consta, entre diversas
atividades, realizar uma assistência de qualidade ao
indivíduo em ME,
reconhecer os sinais e sintomas da ME, realizar os cuidados ao corpo e,
por fim
abordar os familiares de forma empática e humana, assim como
orientá-los, sobre
a doação de órgãos. Diante desta
última ação, o êxito de um futuro
transplante
pode ser possível.
Palavras-chave: morte encefálica,
transplantes, unidades de terapia intensiva.
Abstract
Perception of the intensive care nurse facing encephalic death and organ
donation
Brain death (BD) represents the absence of brain functioning, in which
there is no electrical activity in the brain region and the patient can only
survive due to artificial means, and the cardiorespiratory function remains
temporarily intact. The nurse plays an important role in identifying, notifying
and capturing organs of patients with this diagnosis, acting in communication
with the family so they can decide on accepting or refusing organ donation. Aim: To verify the perception of
intensive care nurses in the face of encephalic death and organ donation. Methods: Qualitative convergent care
research, carried out in a public hospital in the interior of the State of São
Paulo. Intensivist nurses working in this sector of
the Adult Intensive Care Unit were selected. For the research, an interview was
conducted with discursive guiding questions, in which, later, the content
analysis of Bardin was used. In this proposal, the
categorization was used, and representativity was
employed. Results: From the analysis
of the transcripts of the interviews obtained emerged three thematic
categories: nurses' perception to deal with death; intensive nurses'
preparation about death and its definition criteria; and the nurses' work
process on the effectiveness of the organ donation process for transplantation.
Conclusion: The present study
provided the perception of intensive care nurses in the face of brain death and
organ donation. The work process of this professional includes, among several
activities, to provide quality assistance to the individual in BD, to recognize
the signs and symptoms of BD, to take care of the body and, finally, to
approach the family empathetically and humanly, as well as guide them, on organ
donation. Faced with this last action, the success of a future transplant may
be possible.
Key-words: brain death,
transplants, intensive care units.
Resumen
Percepción del enfermero intensivista ante la muerte encefálica y donación de órganos
La muerte encefálica representa la ausencia de funcionamiento cerebral, en el cual hay
inexistencia de actividad
eléctrica en la región del encéfalo y el paciente sólo logra sobrevivir debido a medios artificiales, permaneciendo con la función cardiorrespiratoria
intacta temporalmente. El enfermero tiene un importante papel en la identificación, notificación y captación de órganos de pacientes
con este diagnóstico, actuando
en la comunicación
con la familia
para que ellos puedan
decidir sobre aceptar o rechazar
la donación de órganos. Objetivo:
Verificar la percepción de los enfermeros intensivistas ante la muerte encefálica y la donación de órganos. Métodos:
Investigación cualitativa
convergente asistencial, realizada en un hospital público en el
interior del Estado de São Paulo. Se seleccionaron enfermeros
intensivos que actúan en
este sector de Unidad de Terapia Intensiva adulto.
Para la investigación,
se realizó una entrevista con
cuestiones orientadoras discursivas, en la que posteriormente se utilizó el análisis
de contenido de Bardin. En esta propuesta, la categorización
se utilizó, y se empleó la representatividad. Resultados: Del análisis
de las transcripciones de las entrevistas obtenidas surgieron tres categorías temáticas: percepción
de los enfermeros para lidiar con la muerte; preparación del enfermero intensivo sobre la muerte y sus criterios de definición; y proceso de trabajo del enfermero
en la efectividad
del proceso de donación de órganos para trasplante. Conclusión: El presente estudio proporcionó la
percepción del enfermero intensivo ante la muerte encefálica y la donación de órganos. El proceso de trabajo de este profesional consta, entre diversas actividades,
realizar una asistencia de calidad
al individuo en ME, reconocer los signos y síntomas de la ME, realizar los cuidados al cuerpo y, por fin abordar a los familiares de
forma empática y humana, así como orientarlos,
sobre la donación de órganos. Ante esta última acción,
el éxito
de un futuro trasplante puede ser posible.
Palabras-clave: muerte
encefálica, trasplantes, unidades de terapia
intensiva.
A morte é
compreendida pela maioria das pessoas como a inexistência de movimentos
respiratórios e de batimentos cardíacos, no entanto a morte encefálica consiste
na ausência de funcionamento do cérebro e tronco cerebral e o paciente consegue
manter por pouco tempo e por intermédio da tecnologia a função
cardiorrespiratória [1].
Apesar da morte encefálica
também representar a morte do ser humano, ainda existem muitas incertezas que
permeiam a práxis profissional e que precisam ser mais bem esclarecidas. A
falsa crença de que, enquanto o coração estiver batendo ainda há vida, é
presente em nossa sociedade e acaba se tornando algo muito forte em casos em
que ocorre morte encefálica [2].
O diagnóstico de
morte encefálica é importante e apresenta o transplante de órgãos como ponto
crucial de sua constatação. Os transplantes de órgãos visam salvar outras
vidas, bem como melhorar a qualidade de vida das pessoas beneficiadas [3]. Para
facilitar o diagnóstico de morte encefálica, o Conselho Federal de Medicina
(CFM) definiu no ano de 1997 todos os critérios clínicos e tecnológicos para a
constatação da morte encefálica por meio da resolução de n° 1480 de 21 de
agosto do mesmo ano, instituindo todos os passos para a criação de um protocolo
para diagnóstico da morte encefálica e que no ano de 2017 foi atualizado [4].
Portanto, o novo protocolo para diagnóstico da morte encefálica torna clara a
real situação em que o paciente se encontra, se há presença de vida ou morte,
permitindo o fornecimento de informações fidedignas aos familiares, reduzindo
custos hospitalares e empoderando as famílias para a
opção de promover esperança de vida a outras pessoas por meio da doação de
órgãos [5].
O
enfermeiro se
destaca na atuação em transplantes de
órgãos, que ocorre não somente na
captação de órgãos, mas também na
manutenção dos mesmos, fazendo a
constatação
e comprovação de que a morte encefálica realmente
está presente. O enfermeiro
também tem se responsabilizado pela comunicação do
fato ocorrido com os centros
de transplantes auxiliando em uma logística para a efetiva
doação de órgãos,
assim como a viabilização deste material. Este
profissional também é um sujeito
importante na comunicação com os familiares,
confortando-os e fornecendo-lhes
informações necessárias para aceitar o
diagnóstico [6].
Segundo uma pesquisa
realizada com enfermeiros de um hospital universitário localizado no nordeste
brasileiro, que teve como objetivo reconhecer quais os significados que os
enfermeiros atribuíam ao cuidado ao paciente com morte encefálica, o estudo
demonstrou que em sua maioria são permeados por frustrações, tristeza; e ao
mesmo tempo gratificação e felicidade quando a doação dos órgãos é concretizada
e termina em resultados satisfatórios. O resultado da pesquisa demonstrou que
os enfermeiros se sentem tristes devido à constatação de que o paciente, no
qual estão prestando cuidados não poderá sobreviver. Estes profissionais também
se apresentam confusos e indagaram quanto à possibilidade de o paciente vir a
sobreviver por estar apresentando todos os sinais inerentes à vida humana
(batimentos cardíacos, respiração, temperatura). Os profissionais também
demonstram sentimento de sufoco, choro e emoções que acabam sendo reprimidas
dentro de si por estarem em um ambiente de trabalho [1].
Percebe-se pouca
discussão sobre como os enfermeiros lidam com a morte encefálica e a doação de
órgãos deste paciente. A realidade é que eles, na maioria das vezes, tornam-se
fragilizados e possuem pouco embasamento teórico que possa nortear o seu
processo de trabalho assistencial com a finalidade de reduzir o estresse e
promover seu maior enfrentamento a essas situações [7,8].
Diante do exposto,
verifica-se que a percepção do enfermeiro está em significar o cuidado ao
paciente em morte encefálica e potencial doador, além de entender sua
complexidade para além de um ser falecido, mas como gerador de vida por meio da
doação de órgãos. Portanto, esta pesquisa tem como objetivo verificar a
percepção dos enfermeiros intensivistas diante da
morte encefálica e da doação de órgãos.
Delineamento
O estudo se
configurou como uma pesquisa qualitativa convergente assistencial. O processo
de cuidado de Enfermagem exige uma reunião de coerência lógica, rigor
científico e metodologias adequadas, ou seja, um processo de pesquisa. Este
tipo de pesquisa qualitativa contribui na proposição do processo de cuidado por
propor, na elaboração de seu processo de construção, a lógica indutiva-dedutiva e uma relação direta com a prática
assistencial [9]. Vale ressaltar que este tipo de pesquisa, propõe a
proximidade e o afastamento diante do saber-fazer assistencial, pois induz a
uma metodologia em que há uma relação direta entre a docência e a prática,
assegurando o processo de enfermagem. Logo, em alguns momentos há maior vínculo
com o cuidado, e em outros, com a pesquisa. E é durante esse processo que
ocorre a construção, ou o aprimoramento de um conhecimento, ou de uma proposta
de cuidado. Por fim, a pesquisa convergente assistencial, proposta por Trentini e Paim tem a intencionalidade de unir métodos de
pesquisa e métodos de prática assistencial [10,11].
Local
da pesquisa e amostra
A pesquisa foi
realizada em um hospital público no município de Araras, no interior do Estado
de São Paulo, que possui Unidade de Terapia Intensiva e no qual realiza o
protocolo de morte encefálica.
Os enfermeiros intensivistas que atuam neste setor possuem carga horária
de 30 horas semanais. O acesso dos pacientes na UTI pelos familiares acontece,
principalmente, no horário das 12:00 as 14:00 e das
18:00 as 20:00.
A entrevista foi
conduzida pela pesquisadora, que optou pela amostragem não-probabilística,
no qual os enfermeiros entrevistados foram eleitos de forma não-aleatória. A
escolha intencional considerou as características particulares do conhecimento
que estes profissionais têm sobre o que é investigado.
Coleta
dos dados
Para a coleta de
dados foi utilizada uma entrevista, que utilizou de questões norteadoras
discursivas. A pesquisadora apresentou liberdade para direcionar a situação de
uma forma que considerasse mais adequada, explorando assim o universo do
enfermeiro intensivista na execução do seu processo
de trabalho. Toda a entrevista foi gravada, posteriormente transcrita e
analisada. Os dados coletados na entrevista só puderam ser coletados após a
aceitação da profissional em o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE).
As entrevistas foram
realizadas em junho de 2016, após o horário de trabalho dos enfermeiros
selecionados, no ambiente da Unidade de Terapia Intensiva geral e estimando a
duração aproximada de 30 minutos para cada enfermeiro intensivista.
Foi realizado um prévio contato com os participantes e com a enfermeira
responsável técnica pelo setor e apresentadas e esclarecidas todas as dúvidas
acerca da pesquisa. Posteriormente foi obtido o consentimento para seguimento
da pesquisa.
Com a devida
autorização dos participantes, a entrevista foi gravada em áudio e,
posteriormente, foi realizada a sua respetiva transcrição. A análise dos dados,
referentes às falas dos enfermeiros foram posteriormente pontuadas
a fim de ressaltar os objetivos propostos neste trabalho.
Como critério de
inclusão foram selecionados enfermeiros, especialistas em Enfermagem em Terapia
Intensiva, atuar ou já ter atuado na Unidade de Terapia Intensiva da
Instituição selecionada pela pesquisa e que assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios de exclusão foram: ser enfermeiro sem
a especialidade proposta, nunca ter atuado em Unidades de Terapia Intensiva e
não assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Aspectos
éticos
Esta pesquisa foi
submetida à Plataforma Brasil e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Centro Universitário Hermínio Ometto – UNIARARAS sob protocolo CAAE – 53538215.2.0000.5385.
No momento do convite
a participar da pesquisa, foi apresentado aos entrevistados o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com informações claras, objetivas e
simples sobre o intuito da pesquisa, garantia do sigilo e direito de exclusão
em qualquer momento, sem qualquer prejuízo. A entrevista foi iniciada após a
assinatura do TCLE, autorizando sua participação na pesquisa. O TCLE foi
elaborado em duas vias, ficando uma com o pesquisador e uma com a participante
da pesquisa, com o nome e telefone do responsável pela pesquisa.
Análise
dos dados
Foi utilizada a
análise de conteúdo de Bardin. Este tipo de análise
consiste em uma técnica que proporciona uma avaliação organizada de determinado
texto, identificando os temas e as palavras consideradas de maior relevância
para a investigação e posterior comparação dos dados colhidos, a fim de obter
uma conclusão. Em outras palavras, é realizado “um tratamento da informação
contida nas mensagens” [12]. A metodologia proposta foi a
categorização, inserida na análise de conteúdo, no qual emprega a representatividade,
ou seja, uma amostra de representação de um universo inicial. Para as três
etapas da categorização da análise de conteúdo foram observadas: pré-análise, que consistiu na escolha dos documentos a
serem analisados, sistematização de hipóteses e ideias iniciais e criação de
categorias de análise; exploração, na qual ocorreu a classificação e
categorização do material; e, por fim, tratamento e interpretação dos
resultados obtidos.
Após
a análise dos
dados, foram obtidas três categorias, sendo elas:
reações dos enfermeiros
diante da morte encefálica; papel do enfermeiro diante do
diagnóstico de morte
encefálica e sua atuação junto à equipe
multiprofissional; e doação de órgãos:
enfermeiro versus autorização de
familiares para doação.
Para manter a
privacidade e confidencialidade dos participantes, decidiu-se não informar o
sexo de cada sujeito, considerando o número reduzido de enfermeiros intensivistas participantes, facilmente identificáveis, no
local de estudo. Na apresentação das falas, optou-se por utilizar a letra “E”
seguida do número correspondente à entrevista – por exemplo, à primeira
entrevista foi designado o código E1. Os dados obtidos na transcrição das
entrevistas foram analisados com o auxílio do software QSR NVivo 11, versão Windows19, para empregar a análise
de conteúdo de Bardin. O programa utilizado permitiu
cruzar informações, codificar dados e gerenciar informações, assim como ajudou
na montagem das categorias temáticas.
Participaram deste
estudo 5 enfermeiros, dos quais, atualmente, 4 exercem
suas atividades em Unidade de Terapia Intensiva e um deles já não exerce mais a
função neste setor. A amostra foi composta por 3
mulheres e 2 homens. A média de idade dos participantes foi de 35,6 anos, com
mínima de 30 e máxima de 42 anos. Em relação ao tempo de formação profissional,
previamente ao exercício profissional como enfermeiro, todos os participantes
já exerceram atividades como técnicos de enfermagem.
Da análise das
transcrições das entrevistas obtidas emergiram três categorias temáticas: 1)
percepção dos enfermeiros para lidar com a morte; 2) preparo do enfermeiro intensivista sobre a morte e seus critérios de definição; e
3) processo de trabalho do enfermeiro na efetividade do processo de doação de
órgãos para transplante.
Percepção
dos enfermeiros para lidar com a morte
Os resultados obtidos
das entrevistas mostram que o enfermeiro lida com a situação de morte
encefálica como um acontecimento triste e difícil, no entanto, inevitável. Na
perspectiva dos participantes, a temática sobre morte encefálica (ME) deveria
fazer parte da rotina do trabalho que é desenvolvido nas Unidades de Terapia
Intensiva, assim como deveria ocorrer um preparo específico e contínuo para a
assistência integral ao indivíduo em ME, tornando sua discussão pertinente e
atual. Na formação prática, muitos enfermeiros não possuem experiência prévia
na assistência hospitalar, assim como na assistência perante a ME, e são poucas
ou raras as vezes em que lidaram com perdas deste tipo
no ambiente de trabalho. Logo, é natural que se sintam despreparados para lidar
com o assunto. Assim, é essencial que recebam formação adequada sobre como
lidar com a morte, bem como apoio de outros profissionais por meio de rodas de
conversas, trocas de experiências, entre outras atividades de suporte. A
dificuldade de estar preparado para a morte encefálica, assim como o morrer,
pode ser evidenciado nas falas abaixo:
“...
é difícil! (...) e mesmo eu sendo enfermeira não aceito
bem a condição deste paciente que está no meu setor e mesmo com toda a
aparelhagem, está sem atividade cerebral... está morto com o corpo quente...
Quando eu vejo um caso desse, vou querer tentar até o último momento porque a
nossa sensação de ver um corpo ali parado estando na máquina é que ele está
né... em... que ele vai recuperar, que ele vai ficar bem”. (E3)
“...
é difícil assim eu acho que pra todo mundo porque a gente nunca está preparado pra lidar com a morte, ainda mais esta, em que
parece que o paciente está apenas sedado...” (E5)
“Confesso
que evito este tipo de situação quando posso. Acho muito complicado esta
situação de ver a morte deste paciente e ao mesmo tempo continuar a dar
assistência a este paciente como se ele estivesse vivo... sei que é a morte
encefálica, mas nunca estamos preparados pra lidar com ela, ainda mais esta” (E5)
Ainda nos dias
atuais, existe uma dificuldade em aceitar o diagnóstico de ME pelos
profissionais da saúde, em especial, os enfermeiros. Muitas vezes, o motivo
dessa dificuldade está no desconhecimento sobre a ME por estes profissionais.
Além disso, o despreparo na aplicação do protocolo para averiguação da ME
também contribui para esta difícil aceitação, ao analisarem a perspectiva de
profissionais da saúde que trabalham diretamente como a morte e o morrer,
concluíram em seu estudo que os profissionais participantes, sinalizaram a
sensação de não se sentirem preparados para lidar com este processo [13].
Segundo os autores, a morte é enfrentada no cotidiano de trabalho dos
profissionais de saúde, o que torna muito mais pertinente abordar o tema
durante todo o processo de formação dos mesmos [13].
Enquanto lidam com o
potencial doador de órgãos, rotineiramente, o enfermeiro intensivista
manifesta diversas emoções que podem culminar em estresse profissional,
dificultando a assistência ao paciente em ME, assim como no repasse de
informação necessária aos familiares. Mesmo diante das emoções e sentimentos
controversos no qual o enfermeiro pode estar submetido, este profissional
também enfrenta a aceitação e constatação deste diagnóstico. Neste caso, o
enfermeiro, como profissional do cuidado e também responsável pelo potencial
doador, deve buscar maneiras que possibilitem um melhor enfrentamento diante da
especial situação, e desta forma reagir positivamente frente às adversidades
inerentes à morte e ao morrer em seu processo de trabalho.
“...
porque muitos ficam em dúvida, será que realmente tá em morte encefálica ou não
está em morte encefálica, então por isso que gera esse desconforto todo, não é
fácil.” (E5)
“eu
realizo a minha assistência como deveria estar fazendo com qualquer outro
paciente que está internado. Tenho que manter o corpo cuidado pro transplante
se acontecer. Isso depende de mim nesta situação diferente” (E2)
Segundo a literatura,
a Teoria do Enfrentamento é a ferramenta para situações estressantes como esta,
a qual utiliza destes momentos para reunir formas de amenizar o estresse e o
sofrimento vivenciados, por meio do controle das emoções, agindo assim, para
garantir a redução do problema existente [7]. Nesta teoria, há oito maneiras
diferentes de reações que demonstram a atenuação do sofrimento e estresse
causado pelas adversidades enfrentadas pelos enfermeiros em sua rotina de trabalho:
confrontar a situação com hostilidade; distanciar-se das situações e
sentimentos de tensão; possuir controle sobre as emoções; buscar suporte social
e emocional; compreender sua responsabilidade mediante a situação e tentativa
de resolução dos problemas; fugir ou evitar tratar destas situações; buscar
resolutividade de forma planejada e por fim, tornar os problemas e adversidades
em fatos positivos, dando novos significados e gerando crescimento pessoal por
meio deles. Maneiras semelhantes puderam ser observadas em estudos nos quais os
entrevistados percebiam a morte como processo de separação, passagem e
finitude, indicando o fim da vida, o encerramento de um ciclo, e caracterizando
fenômeno irreversível, no entanto, existente [13]. Também concluíram que
discutir a morte é importante, principalmente ao longo da formação para
entendê-la ou enfrentá-la, ajudando a lidar, desta forma, com seus sentimentos
e com as famílias [13,14].
Estudos realizados
tiveram o objetivo de conhecer os conflitos éticos que os enfermeiros enfrentam
durante o processo de doação de órgãos e tecidos para transplantes, e
verificaram que estes profissionais possuem dificuldade em lidar com a morte
encefálica principalmente porque a equipe médica também as possui, assim como
as dúvidas de realizar os testes de comprovação da morte encefálica [2]. Também
há dificuldade pelos profissionais responsáveis por estes pacientes em realizar
a desconecção do ventilador mecânico que mantem este
paciente respirando, independentemente de ser um potencial doador de órgãos. Há
também situações de dificuldade por parte dos profissionais em informar à
família do potencial doador sobre a morte encefálica e conseguir a autorização
dos familiares para doação de órgãos [2]. Mesmo possuindo o conhecimento do
protocolo para constatação de ME e todos os critérios diagnósticos inerentes a
este processo, os profissionais ainda possuem dúvida sobre o resultado,
possuindo dificuldade em aceitar a morte encefálica como natural do ser humano
[15,16].
Existe um paradoxo
entre os profissionais de enfermagem: mesmo com a presença de morte encefálica
de um paciente conseguem sentir felicidade por estar contribuindo para salvar
vidas mediante a captação de potenciais doadores de órgãos para transplantes. O
sentimento de tristeza se configura por deixar partir um indivíduo cujo coração
ainda bate e recebe cuidados como outro indivíduo que necessitasse de cuidados
e vivo [17].
A percepção dos enfermeiros
em lidar com a morte também foi demostrada diante da preocupação com os
familiares do paciente em ME. Houve relato acerca das possíveis reações que os
familiares poderiam apresentar, assim como demonstraram visualizar pontos
positivos na situação, representada pela possível doação de órgãos.
“...sempre espero pelo médico dar a notícia
primeiro pra depois eu ajudar nas demais informações que todos sempre me pedem.
Eles demoram a entender que o parente morreu e que só está ligado na máquina,
sem vida” (E1)
“é
a hora mais triste de fazer o cuidado de enfermagem, pois precisamos cuidar
daqueles que estão vivos e ainda estão vendo o filho ligado na máquina e com o
coração batendo... vi poucas vezes, mas é muito triste. Não tenho muita reação
na hora” (E3)
“a
única vez que presenciei foi estranho pra mim porque vi que os familiares não
tinham nenhuma reação e, assim, eu não conseguia imaginar como poderia
abordá-los para confortar naquela situação” (E5)
O repasse de
informações corretas sobre a ME e a manutenção do corpo do paciente por
tecnologias duras aos familiares, requer sensibilidade dos profissionais de
saúde. Na maioria das vezes, as primeiras informações são realizadas pela
equipe médica. No entanto, enfermeiros, como parte integrante da equipe de
trabalho das Unidades de Terapia Intensiva também podem auxiliar na condução
destas informações de forma empática e humana. Vale ressaltar, que este é um
acontecimento ímpar nas famílias que recebem tal notícia, e que a futura
decisão dos mesmos em aceitar a doação de órgãos de familiares pode depende
desta primeira abordagem realizada. Portanto, a informação repassada
corretamente e realizada de forma ética, é uma ferramenta fundamental para que
possa existir uma maior aceitação por parte dos familiares em realizar a doação
de órgãos, uma vez que são detentores dessa autorização [16].
Diferentemente das falas acima, também
houve relato em que o enfermeiro demonstrou um distanciamento da situação e das
emoções que tangem o contexto da morte encefálica, assim como da vivência que a
mesma proporciona. Também houve pouca empatia por este profissional em relação
aos familiares do paciente em ME:
“Minha
reação? Eu não sei, porque faz tanto tempo que a
gente trabalha na UTI... é
comum porque não é da família né,
não é da família e não é conhecido,
então é
uma coisa comum. Seria diferente se fosse da família, se fosse
um conhecido,
entendeu? ” (E4)
A fim de evitar
sofrimento diante da morte de pacientes, alguns profissionais acabam
demonstrando indiferença e repressão dos sentimentos relacionados à morte do
ser humano que estava sob
seus cuidados. Desta forma não processam o luto e internalizam sentimentos como
frustração, derrota, vergonha e angústia [7]. A somatização
de repetidas vezes acompanhando pacientes em morte encefálica pode causar um
estresse ocupacional ao enfermeiro intensivista,
podendo acarretar em dificuldades para a realização do cuidado humanizado ao
corpo [17,18].
O
preparo do enfermeiro intensivista sobre a morte e
seus critérios de definição
Quase a totalidade
dos enfermeiros intensivistas considerou-se
qualificado reconhecer a ME, prestar o cuidado ao paciente em ME, assim como
realizar a abordagem aos familiares. No entanto, nenhum dos participantes
relatou informações sobre a equipe que é designada pela comunicação acerca de
doação de órgãos na instituição. Vale mencionar que na entrevista de apenas um
dos participantes foi verificado um despreparo teórico-prático acerca do
protocolo de ME. O desconhecimento do protocolo de ME demonstra a ausência de
competências inerentes a um profissional atuante em uma Unidade de Terapia
Intensiva, uma vez que evidência a distância das ações inerentes ao processo de enfermagem relacionadas à assistência, assim
como aquelas relacionadas a tomadas de decisão, uma vez que o enfermeiro deve
exercer os cuidados ao paciente, auxiliar junto à equipe na constatação da ME,
realizar cuidados para manutenção do corpo com dignidade e em condições ideais
para uma possível doação de órgãos [17,19]. O desconhecimento do profissional
pode ser explicitado na seguinte fala:
“...
precisava que padronizar né, protocolar isso, colocar isso como protocolo e aí
assim todos nós poderemos fazer o que é necessário porque estará de acordo com
o hospital” (E1)
Existem obstáculos
que podem impedir a realização da doação de órgãos de pacientes em ME,
principalmente a ausência de conhecimento dos enfermeiros e despreparo dos
mesmos para lidar com as situações clínicas inerentes ao paciente com este
diagnóstico. Consequente a este despreparo, há dificuldade de identificar
possíveis doadores e, assim, preparo adequado e em tempo ideal para o preparo
dos respectivos receptores [19]. Logo, é fundamental que o enfermeiro intensivista possa ser qualificado e sentir-se como tal
para reconhecer a ME, cuidar deste paciente e assistir aos familiares. O
conhecimento do processo e a execução adequada de cada etapa referente ao
processo de doação possibilitam a obtenção de órgãos e tecidos com mais
segurança e qualidade, potencializando, assim, o diagnóstico de ME, a captação
do órgão doado, o acondicionamento, o transporte até o local do transplante do
órgão no receptor [19,20].
Essa
melhoria no
processo de captação e doação de
órgãos advém de um planejamento e
organização
do cuidado da equipe de profissionais envolvidos no cuidado ao paciente
em ME,
os quais deverão estar devidamente atualizados e realizando as
ações
necessárias ao andamento e concretização da
doação. Dessa forma, pode-se
alcançar maior eficiência, qualidade e excelência no
cuidar, garantindo
melhoria contínua do processo de doação,
beneficiando aos profissionais
envolvidos, aos familiares dos doadores e aos potenciais receptores
[19].
A comunicação com os
familiares feita de forma empática, humana objetiva e ética torna mais efetiva
a potencial doação de órgãos do paciente em ME. Segundo a literatura, é
importante que a equipe médica além de conhecer o protocolo de ME, também possa
implementá-lo junto aos enfermeiros responsáveis pelo
setor, uma vez que este profissional possui constante contato com o indivíduo
em morte encefálica [15]. Vale destacar que o enfermeiro realiza funções
diretamente ligadas às condutas humanas de solidariedade e empatia, devendo
estas fazer parte do cotidiano deste profissional. Este tipo de conduta
constitui elemento chave para efetivação da doação de órgãos pelos familiares,
na identificação dos pacientes que estão sob suspeita
de ME ou em ME iminente [15]. Desta forma, norteiam nos procedimentos técnicos
necessários ao protocolo para confirmação deste diagnóstico ao orientar e
esclarecer o quadro clínico do paciente em ME, assim como sugerir aos
familiares a possibilidade da doação de órgãos. Por
fim, o enfermeiro é o responsável, junto à equipe de enfermagem, por manter o
corpo estável do possível doador para que a doação possa ser efetivada, caso
necessário seja. Diante das funções apresentadas, verifica-se que a comunicação
deve ser, portanto, uma ferramenta de condução no processo de doação de órgãos
com sucesso [15,19].
A grande maioria dos
entrevistados demonstrou em suas falas atuar junto à equipe, a fim de executar
as condutas relacionadas ao protocolo ME quando reconhecida, prover materiais e
insumos necessários ao paciente em ME gerir informações corretas para os demais
integrantes da equipe que realizam os cuidados neste paciente. Nas falas também
é possível reconhecer que é necessário realizar os exames e testes corretos,
seguir os protocolos e cuidar deste paciente para uma eventual doação de órgãos
e transplante em receptores com diferentes demandas.
“... todas as providências necessárias né,
comunicar o médico e a gente fazer tudo que... os exames,
protocolos, no caso se tivesse que entrar em contato com outra central
tudo, e ficar em cima do paciente né. É... no meu caso como eu já fui técnica,
quando eu ficava com um paciente assim, a atenção era toda em cima dele porque
a gente sabia, que ele era um provável doador de órgãos.” (E2)
“...é o enfermeiro que geralmente vai dando esses
detalhes ao médico... avaliar porque se ele entrar em morte encefálica tem
outras pessoas que podem receber esses órgãos, a vida para ele não vai acabar
ali né, ele pode né distribuir vida né, e não é para uma pessoa só, são para
várias. ” (E3)
“... pode trabalhar auxiliando em todos os
procedimentos que vão ser realizados principalmente nestes testes que ele vai estar realizando. ” (E5)
A apresentação de um
diagnóstico preciso de morte encefálica deve ser realizada por profissionais da
saúde capacitados, portanto, é necessário que todo profissional de saúde esteja
familiarizado com o conceito e protocolo. Diante disso, o Conselho Federal de
Enfermagem (COFEN), por meio da resolução nº 292 de 7
de junho de 2004, dispõe várias regulamentações que tratam da atuação do
enfermeiro na captação e transplantes de órgãos e tecidos, que participem
ativamente de todas as etapas inerentes a este processo, contribuindo para a
identificação dos possíveis doadores [21]. Um ponto importante desta temática é
a certificação após todas as condutas realizadas no protocolo e comunicação aos
familiares. Neste momento o enfermeiro realiza a notificação do diagnóstico de
ME à central de transplante Central de Notificação, Captação e Distribuição de
Órgãos (CNCDO), obrigatória por lei, independente da possibilidade de doação ou
não de órgãos e tecidos. Após esta conduta são iniciados os exames de
classificação do potencial doador [22,23].
Durante a manutenção
clínica do potencial doador, as técnicas para manutenção do potencial doador
exigirão acurácia e a supervisão constante do enfermeiro. Apesar de não ser um
procedimento muito complexo, deve ser feito de forma correta e sistematizada. A
Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) é uma ferramenta utilizada
pelo enfermeiro na gerência do cuidado. Ao sistematizar a assistência, o
enfermeiro educa e capacita à equipe, evidenciando que
ao prestar cuidados adequados garante-se, condições clínicas para que o indivíduo
em ME possa passar de um potencial doador a um efetivo doador de órgãos, e
ajudar outras pessoas que necessitam desses órgãos para sobreviver ou melhorar
sua qualidade de vida [7,24].
Mesmo após o
diagnóstico de morte encefálica, o paciente deve continuar recebendo cuidados
intensivos e humanizados, assim como outro paciente vivo e não acometido por ME
e internado em uma Unidade de Terapia Intensiva. Desta forma, e somente assim,
seus órgãos poderão manter as características necessárias para doação [1]. O
indivíduo em ME, pode, mesmo após a constatação da mesma, proporcionar vida e
recuperação da saúde a outros pacientes que estão nas filas de transplante de
órgãos, inclusive àqueles que estão como prioridade, já que o transplante seria
a única forma de manutenção da vida [25]. Infelizmente, devido ao despreparo
dos profissionais na notificação e captação de órgãos de pacientes com morte
encefálica para realização de transplantes, a doação não vem sendo
concretizada, tornando a fila de espera por órgãos cada vez maior. No Brasil,
embora o número de doações de órgãos seja crescente, ainda existe um grande
número de pessoas que aguardam por um doador na fila de espera para transplante
de órgãos, contribuindo, assim, como informação pertinente a presente discussão
[26].
Um dos integrantes da
pesquisa realizada demonstrou distanciamento da relação empática
enfermeiro-paciente e das condutas humanas e solidárias desejáveis a este
profissional. Sua fala expressa um comprometimento com a técnica adequada no
preparo do corpo, sem mencionar sentimentos e sensações relativas à ME:
“Não
tenho nenhum sentimento, olhando diretamente como enfermeiro na UTI, porque
quando é diagnosticada a morte encefálica se entra em contato com a equipe
responsável pela parte de retirada dos órgãos, e essa outra equipe já vem com
outro enfermeiro, né. A única coisa que a gente faz aqui é preparar o paciente
e encaminhar para o centro cirúrgico, só isso. ” (E4)
Mesmo com a colocação
deste enfermeiro, é necessário frisar que o paciente com morte encefálica deve
ser conduzido adequadamente e com dedicação da equipe, independente de uma
possível doação de órgãos. Trata-se de um ser humano, paciente, indivíduo e
como tal merece ser tratado com respeito e dignidade [19].
Processo
de trabalho do enfermeiro na efetividade do processo de doação de órgãos para
transplante
Mediante a doação de
órgãos, apenas um entrevistado não soube falar da função do enfermeiro perante
os familiares do paciente em ME, relatando apenas a função de verificar
continuamente os sinais vitais com objetivo de mantê-los constantes e, desta
forma, manter o corpo estável. Entretanto, a maioria dos enfermeiros mostrou
uma preocupação em realizar o correto comunicado aos familiares do paciente,
mostrando empatia diante do quadro apresentado, como pode ser acompanhado nas
falas abaixo:
“...
é fundamental para nós enfermeiros ajudarmos a família que está perdendo e
tentar convencê-los a fazer a doação, porque tem família que até assimilar tudo
né. E não é só isso. Sentimos quando perdemos um paciente aqui no setor” (E2)
“...primeira coisa que o enfermeiro pode fazer é
comunicar a família e se disponibilizar no que for preciso. Tem a doação que é
importante também, mas não é só isso. ...” (E3)
“Não
é bem nosso foco aqui né, a morte encefálica a gente ter né... Mas acho que
auxiliar né, o apoio para a família quando precisar” (E4)
“...
eu acho que o enfermeiro tem o papel principal de orientar os familiares e
também acolher no que for preciso...” (E5)
A literatura reporta
que a abordagem dos familiares é importante na decisão de doação dos órgãos,
sendo importante humanizar a abordagem da assistência aos familiares do
paciente. Desta forma, eles se sentirão mais confortáveis com a situação,
possibilitando o enfrentamento e reduzindo o sofrimento devido à perda de seu
familiar [15,7,27]. É importante ressaltar que não só
o enfermeiro cria um vínculo com a família, mas toda a equipe responsável pelos
cuidados a este indivíduo. Desta forma, a troca de informações constantes, o
acolhimento e a influência positiva diante do luto iminente poderão ser intensificadas,
auxiliando na aceitação da doação dos
órgãos
[7,27]. A família do paciente em morte encefálica pode
apresentar-se confusa e
muitas vezes não compreendendo o diagnóstico de morte
encefálica e os fatores
inerentes à doação de órgãos. Neste
sentido, cabe ao enfermeiro esclarecer tais
dúvidas e amparar a família neste momento, a fim de que
eles possam decidir
sobre a aceitação ou rejeição da
doação de órgãos do seu familiar [7,27].
Foi evidenciado que
os profissionais de enfermagem sentem incômodo em lidar com a família do
paciente em ME, assim como se apresentam receosos em comunicar sobre a doação
dos órgãos e a possibilidade de transplantes a um receptor da fila de espera
[29,30]. Estes trabalhos também puderam constatar que alguns enfermeiros
relutam e evitam comunicar a família sobre a ME devido à dificuldade de lidar
com esta situação, deixando esta função apenas para o médico. Logo, o vínculo
entre o enfermeiro e aquele que decidirá legalmente sobre a doação de órgãos
será inexistente, cabendo somente a outro profissional realizá-la [27,28,30,31].
A empatia,
constantemente presente na equipe de enfermagem e, em especial, no enfermeiro,
pode ser uma ferramenta que facilita a comunicação entre este profissional e os
parentes. Ao se colocar no lugar do outro, estes profissionais sentem e
acompanham o momento de dor pela perda do ente querido, acabando por apresentar
as dificuldades em conversar sobre a ME. A doação de órgãos e o transplante em
um indivíduo desconhecido, em estudo sobre as percepções da equipe de
enfermagem no cuidado ao paciente em morte encefálica, evidenciou a importância
da equipe no cuidado ao paciente em morte encefálica e a necessidade do preparo
para lidar com as famílias. Estes dados vão ao encontro do presente estudo,
segundo a fala de um dos participantes [27,28,30]:
“...
eu acho que o enfermeiro tem o papel principal de orientar os familiares e
também acolher no que for preciso. Estudamos cinco anos para aprendermos a
lidar com o ser humano em seus momentos mais difíceis. Vejo a morte como um
desses momentos e, dessa forma, faço o que gosto quando ajudo a cuidar do
paciente, e daqueles que amam ele. ” (E5)
Em relação à
abordagem aos familiares para que autorizem a doação e retirada dos órgãos,
todos os participantes relataram dificuldades para atuar frente ao sofrimento
dos familiares. No entanto, segundo as entrevistas, a palavra “esperança”
esteve presente na maioria das respostas dos enfermeiros participantes da
pesquisa, quando era questionado sobre a abordagem aos familiares:
“Eles
ainda têm esperança de que ele está vivo. Falam que está com o corpo quente,
com o coração batendo e pode ainda viver. ” (E1)
“... é difícil ser enfermeiro nestas horas,
porque geralmente a família ainda tem uma esperança né, mesmo achando que a
gente fale que a pessoa tá morta e que não vai viver, a esperança é a última
que morre e eles acreditam que a pessoa possa voltar,
né. ” (E4)
“Quando
ela viu o filho, viu que ele estava deitado e com cor, teve esperança que ele
estivesse vivo. ” (E5)
Alguns fatores fazem
com que a família ainda tenha esperança na recuperação do paciente
em ME. Este sentimento é verificado muitas vezes por desconhecimento acerca da
ME ou informação errônea vinculadas em mídias sociais não comprometidas com o
conhecimento científico, afinal, os familiares podem verificar que o corpo é
mantido com cuidados diversos, havendo, inclusive, a presença de batimentos
cardíacos. Estes sinais correspondem à falsa esperança da vida do paciente
[13,18].
O enfermeiro,
profissional do cuidado, esclarece aos familiares sobre o quadro atual do
paciente, definindo a morte encefálica e a irreversibilidade do quadro de forma
humanizada e empática, pois a família, na maioria das vezes, apresenta
dificuldade em aceitar este diagnóstico, mostrando-se fragilizada com a
situação e com a iminente decisão de doar os órgãos do ente que está sob cuidados intensivos na UTI [18,32]. Vale ressaltar que a
morte destes pacientes geralmente é precedida de algo trágico e inesperado, o
que leva ao trauma dos responsáveis pela autorização de órgãos do mesmo e
dificuldade de aceitar o anúncio do diagnóstico de morte encefálica [5,7].
O presente estudo
proporcionou a percepção do enfermeiro intensivistadiante
da ME e da doação de órgãos. O processo de
trabalho deste profissional
consta, entre diversas atividades, realizar uma assistência de
qualidade ao
indivíduo em ME, reconhecer os sinais e sintomas da ME, realizar
os cuidados ao
corpo e, por fim, abordar os familiares de forma empática e
humana, assim como
orientá-los sobre a doação de
órgãos. Diante desta última ação, o
êxito de um
futuro transplante pode ser possível.
O presente estudo
ficou limitado a apenas uma Unidade de Terapia Intensiva geral, destinados a
adultos. Também apresentou um número reduzido de sujeitos pesquisados, podendo
não refletir a realidade de grandes Unidades de Tratamento Intensivo,
entretanto é característico de municípios de menor porte. Acredita-se que este
trabalho possa incentivar novas pesquisas na área de doação de órgãos e
transplantes, voltadas às atitudes de profissionais de enfermagem no cuidado ao
paciente em ME, tendo em vista que o protocolo para este diagnóstico foi
modificado no final do ano de 2017 e irá necessitar ser implementado
com responsabilidade pelos profissionais enfermeiros, em especial, aqueles que
são intensivistas.