ARTIGO ORIGINAL
Barreiras de
comunicação com surdos no atendimento em saúde: um estudo descritivo
Rodrigo Sousa de
Miranda, M.Sc.*, Carla de Oliveira Shubert,
M.Sc.**, Nébia Maria
Almeida de Figueiredo, D.Sc.***, Edicléa
Mascarenhas Fernandes, D.Sc.****, Teresa Tonini, D.Sc.*****, Wiliam César Alves
Machado, D.Sc.******
*Enfermeiro,
Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem – PPGENF,
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto –
EEAP, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO,
**Enfermeira,
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem –
PPGENF, Escola de Enfermagem Alfredo
Pinto – EEAP, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
– UNIRIO,
***Enfermeira, Professora Emérita, Departamento de Enfermagem
Fundamental –
DEF, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto – EEAP, Universidade
Federal do Estado
do Rio de Janeiro – UNIRIO, ****Pedagoga, Instituto Osvaldo Cruz,
Professora
Adjunta, Faculdade de Educação, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro –
UERJ, *****Enfermeira, Professora Associada, Departamento de Enfermagem
Fundamental - DEF, Escola de Enfermagem Alfredo Pinto - EEAP,
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UNIRIO, ******Enfermeiro,
Universidade Federal Rio de Janeiro – UFRJ, Professor
Adjunto, Departamento de Enfermagem Fundamental – DEF, Escola de
Enfermagem
Alfredo Pinto – EEAP, Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro – UNIRIO
Recebido em 19 de
janeiro de 2019; aceito em 26 de fevereiro de 2020.
Correspondência: Wiliam César Alves
Machado, Rua Xavier Sigaud, 290 Urca 22290-180 Rio de
Janeiro RJ
Wiliam César Alves
Machado: wilmachado@uol.com.br
Rodrigo Sousa de
Miranda: drigo_pan@yahoo.com.br
Carla de Oliveira Shubert: carlashubert@yahoo.com.br
Nébia Maria Almeida de
Figueiredo: nebia43@gmail.com
Edicléa Mascarenhas Fernandes: professoraediclea.uerj@gmail.com
Teresa Tonini: ttonini@terra.com.br
Estudo elaborado a
partir da dissertação “A comunicação não verbal com clientes surdos: um olhar
inovador para a enfermagem sobre instrumentos básicos do cuidado”, autoria de
Rodrigo Sousa de Miranda, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem, do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2014.
Resumo
Objetivo: Identificar as
barreiras de comunicação enfrentadas pelas pessoas surdas quando são atendidas
por profissionais de saúde. Métodos: Estudo descritivo, qualitativo,
realizado no 1º semestre de 2013, com 24 surdos. Coleta de dados a partir de
grupo focal e análise temática de conteúdo. Resultados: Da análise dos
dados emergiram as seguintes categorias temáticas: O enfrentamento da surdez:
lembranças e possíveis causas; Ajuda e dependência de
ouvintes; Construindo alternativas para se comunicar com a equipe; e
Necessidade de intérprete para facilitar a comunicação com a equipe. Conclusão:
Os profissionais não estão preparados para se comunicar com pacientes surdos. É
preciso investir no ensino da Língua de Sinais Brasileira nos cursos de
formação dos profissionais de saúde, além da presença de intérprete de Libras
nessas unidades, para facilitar a comunicação entre profissionais e surdos.
Palavras-chave: pessoas com
deficiência auditiva, linguagem de sinais, barreiras de comunicação,
assistência à saúde.
Abstract
Communication barriers with deaf people in health care: a descriptive
study
Objective: To identify the communication barriers faced by deaf people when health
professionals attend them. Methods: Descriptive and qualitative study,
carried out in the first semester of 2013, with 24 deaf people. Data collection
from the focus group and content thematic analysis. Results: From the
data analysis emerged the following thematic categories: The confrontation of
the deafness: memories and possible causes; Help and dependency on listeners;
Building alternatives to communicate with the team; and Interpreter need to
facilitate communication with staff. Conclusion: Professionals are not
prepared to communicate with deaf patients. It is necessary to invest in the
teaching of the Brazilian Sign Language in the training courses for health
professionals, besides the presence of Libras interpreter in these units, to
facilitate communication between professionals and deaf people.
Keywords: persons with hearing impairments, sign language, communication
barriers, delivery of health care.
Resumen
Barreras
de comunicación con sordos en la atención en salud: un estudio descriptivo
Objetivo: Identificar las barreras de comunicación enfrentadas por las
personas sordas cuando son atendidas por profesionales
de salud. Método: Estudio descriptivo, cualitativo,
realizado en el primer
semestre de 2013, con 24 sordos.
Recopilación de datos a
partir de grupos focales y análisis
temáticos de contenido. Resultados: Del análisis de los datos surgieron las siguientes categorías temáticas: El enfrentamiento
de la sordera: recuerdos y posibles causas; Ayuda y dependencia de los oyentes; Construyendo
alternativas para comunicarse con
el equipo; y Necesidad de
intérprete para facilitar la comunicación
con el equipo. Conclusión: Los profesionales no están preparados para comunicarse
con pacientes sordos. Es necesario invertir en la enseñanza
de la Lengua de Signos Brasileña en los
cursos de formación de los profesionales de salud, además de la presencia de
intérprete de Libras en esas
unidades, para facilitar la comunicación
entre profesionales y sordos.
Palabras-clave: personas con deficiencia auditiva, lenguaje de signos, barreras de comunicación, prestación de atención de salud.
A temática
acessibilidade sem barreiras para que pessoas com deficiência possam utilizar
bens e serviços disponíveis na sociedade, como as pessoas sem deficiência, tem
suscitado investidas cada vez mais abrangentes das instituições políticas,
esferas acadêmicas e setores da representação social. No caso dos membros da
comunidade surda não é diferente, pois persiste o enfrentamento de barreiras
comunicacionais quando precisam de atendimentos profissionais nos serviços de
saúde, desde a compreensão do diagnóstico aos procedimentos de tratamento [1].
Dados do Censo 2010 [2]
revelam que no Brasil existem 9.722.163 pessoas com deficiência auditiva,
dentre as quais, 347.481 pessoas não conseguem ouvir de modo algum, 1.799.885
brasileiros informaram ouvir com grande dificuldade, e 7.574.797 pessoas
declararam ter alguma dificuldade auditiva.
Estudo realizado na
Cidade do Crato [3], Ceará, reforça que a deficiência atinge considerável
parcela da população mundial, tornando necessário investir na formação de
competências dos profissionais de saúde para atender as pessoas com
deficiência. Essa necessidade se faz porque devem atuar com habilidades e
atitudes específicas para oferecer atendimento qualificado às necessidades
apresentadas por clientes surdos.
Sabe-se que a surdez
afeta as pessoas desde a infância e é considerada um problema de saúde pública,
acomete de um a três neonatos saudáveis em cada 1.000 nascimentos e
aproximadamente dois a quatro em 1.000 bebês de risco. No Brasil, a surdez é a
enfermidade mais prevalentemente relacionada ao nascimento, quando comparada a
outras enfermidades, a exemplo daquelas detectadas com o teste do pezinho, como
a fenilcetonúria; a anemia falciforme; e o hipotireoidismo [4].
Equivocadamente, ainda
em nossos dias, a pessoa surda é vista pela maioria da população como um ser
inferior, não raro considerado anormal, dependente de outras pessoas e incapaz
de se prover. Trata-se de entendimento com base em concepções clássicas em que
a linguagem serve como veículo que possibilita a própria condição de humano,
julgando o nascido surdo como um ser irracional por não falar e tampouco
possuir linguagem [5].
Como em demais áreas de
conhecimento, por um lado, os profissionais de saúde encontram muitas barreiras
no atendimento ao paciente surdo, destacando-se as dificuldades linguísticas.
Por outro lado, as pessoas surdas têm também pouco conhecimento da assistência
em saúde, incluindo menor compreensão dos programas preventivos e visitam com
menor frequência os serviços de saúde disponíveis, comparados com as pessoas
que ouvem [1].
É imperativo enfatizar
que a surdez tem sido analisada como um obstáculo que isola o deficiente
auditivo de sua família e da comunidade ouvinte. Ademais, é entendida como um
tipo de privação sensorial, cujos efeitos têm sido associados a caracterizações
estereotipadas dessas pessoas, a quem são atribuídos traços como elaboração
conceitual rudimentar, baixa sociabilidade, rigidez, imaturidade emocional,
entre outros [6].
A bibliografia
acadêmica internacional destaca alguns estudos sobre a identificação
diagnóstica e etiologia da surdez desenvolvidas na Austrália [7] e nos EEUU
[8], bem como para investigar o implemento da Língua de Sinais na educação dos
surdos e formação profissional em saúde na Espanha [9], nos EEUU [10], na
Holanda [11], e na Alemanha [12]. Uma demonstração da premência em termos de
investimentos públicos em diversas nações para que a comunidade surda possa ser
atendida de forma plena, sobretudo, respeitando-se seus códigos específicos de
comunicação e interação com pessoas ouvintes.
Diante do exposto,
baseado na Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência [13], o
objetivo deste estudo é identificar as barreiras de comunicação enfrentadas por
surdos quando atendidos por profissionais de saúde, na região metropolitana do
Rio de Janeiro.
Estudo descritivo, com
abordagem qualitativa, realizado no primeiro semestre de 2013, com 24 surdos da
região metropolitana do Rio de Janeiro.
Cenário
O estudo foi realizado
em duas instituições religiosas que acolhem a comunidade surda em um movimento
pastoral, localizadas na Cidade de São Gonçalo, RJ, e em uma empresa no
Município do Rio de Janeiro que promove cursos de qualificação para deficientes
auditivos preparando-os para o mercado de trabalho. Os locais foram escolhidos
por reunir representantes destas comunidades com determinada regularidade – ao
menos uma vez na semana. O contato foi realizado previamente com as
instituições e as entrevistas foram iniciadas após a autorização das
instituições.
Critérios de inclusão
Surdos e surdas,
maiores de 18 anos, regularmente inscritos e participando das atividades dos
cursos de qualificação para o mercado de trabalho, oferecidos pelo movimento
pastoral na Cidade de São Gonçalo, RJ, após concordar em participar da pesquisa
e assinar seu termo de consentimento livre e esclarecido.
Coleta dos dados
A técnica para coleta
dos dados utilizada neste estudo foi o Grupo Focal que consiste em um grupo de
discussão informal, de tamanho reduzido, e visa a coleta de dados a partir de
discussão focada em tópicos específicos e diretivos.
A coleta de dados foi
realizada a partir de roteiro de entrevista semi-estruturada,
no primeiro semestre de 2013, tendo sido desenvolvida em três momentos: 1) Os
surdos participaram de encontros com o pesquisador para manifestar suas
necessidades nos atendimentos de saúde (encontros gravados em vídeo); 2) Edição
dos vídeos para apresentação aos intérpretes de Libras; 3) Apresentação dos
vídeos ao Tradutor Intérprete de Língua de Sinais para tradução das mensagens
gestuais em palavras.
Após a tradução dos
vídeos, os dados foram transcritos no programa Word, impressos e submetidos
avaliação e aprovação dos participantes, com posterior procedimento de análise
dos dados feita através de análise temática de conteúdo [14].
Procedimentos de
análise
Este método se baseia
na análise dos conteúdos descritos, a partir das entrevistas, de forma a
identificar as divergências e confluências definidas pelos sujeitos, para então
agrupá-las em categorias. Tal percurso metodológico se organiza em três polos:
1) A pré-análise; 2) A exploração do material; e, por
fim, 3) O tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação
Aspectos éticos
O estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente, CAAE
08982812.7.0000.5285, consoante com todos os preceitos éticos recomendados pela
Resolução 466/12 do CNS/MS [15], que aborda aspectos relacionados à pesquisa
com seres humanos.
Para garantir o
anonimato, os participantes foram identificados através da codificação P (participantes),
seguidas da numeração arábica, (P1 a P 24).
Participaram deste
estudo oito homens e dezesseis mulheres surdas, com idades que variam entre 18
e 61 anos. O grau de escolaridade foi de 10 participantes com ensino
fundamental incompleto; 2 com ensino fundamental completo; 1 com ensino médio
incompleto; 10 com ensino médio completo; e 1 com ensino superior completo.
Da análise dos dados
emergiram as seguintes categorias temáticas: Etiologia da surdez: lembranças e
possíveis causas; Ajuda e dependência de ouvintes;
Construindo alternativas para se comunicar com a equipe; e Necessidade de
intérprete para facilitar a comunicação com a equipe.
O enfrentamento da
surdez: lembranças e possíveis causas
Lamentavelmente, o
diagnóstico da surdez para esses indivíduos nem sempre lhes foi informado em
detalhes e com a seriedade merecida, em termos de preparo para a vida em
sociedade, não obstante as especificidades da deficiência auditiva. Embora
surdos de nascença ou desde criança, os participantes experimentaram muitas
dúvidas até que se viram diante da realidade de conviver da melhor forma com a
surdez, como pode ser observado nos relatos a seguir.
Eu
nasci surda. Minha mãe bebia muito. Pode ter sido isso. (P 1)
Eu
fiquei surda pequenininha. Minha mãe estava numa briga e aí eu cai, fui rolando e “pow”, nunca
mais ouvi mais nada. (P 2)
Bem,
até os 4 anos de idade eu ouvia. Depois disso tive uma doença e a audição do
ouvido direito sumiu com 8 anos, mas do esquerdo eu ouvia. Só um lado, só um.
(P 3)
Eu
fui crescendo e perdendo a audição aos poucos, não sabia o motivo. Via
passarinhos voando, olhava o helicóptero passando, mas não ouvia quase nada. (P
4)
No
passado, meu pai e minha mãe brigaram, eu ficava nervosa na barriga da minha
mãe. Aí ele empurrou, ela caiu grávida. Eu muito nervosa e nasci surda... (P 5)
Eu
nasci surda, surdez profunda. Minha irmã também nasceu surda. As duas com
surdez profunda. Também tenho primos surdos, tios surdos (...). Na minha
família tem muito surdo. (P 6)
Ajuda e dependência de
ouvintes para facilitar a comunicação com a equipe
Quando estes indivíduos
se reconhecem doentes, necessitam de uma terceira pessoa para mediar à
comunicação. Ele se reconhece doente no momento em que
precisa de ajuda. Normalmente esta ajuda é oferecida por familiares e pessoas
próximas, para suprir a falta de domínio dos profissionais de saúde em Língua
de Sinais, como observado nos relatos que seguem.
Eu
fui pro hospital passando mal, minha filha me ajudou.
Ficou vigiando o que faziam comigo, meu marido e minha prima também me ajudam.
Sempre levo comigo alguém. (P 2)
Já
fiquei doente, fui ao hospital com a língua enrolada me deram remédio,
continuei lá e eles me deram remédio...minha mãe foi junto comigo, ficou lá
[...]. Eles conversavam lá com minha mãe. (P 7)
Minha
mãe sempre ajuda, fala em Libras comigo, mas tem dificuldade com leitura, não
sabe ler e eu também tenho dificuldades com leitura e aí fica difícil... (P 10)
Minha
mãe me ajuda quando fico doente, vou ao hospital, tenho febre, minha mãe vai
comigo. (P 11)
Eu
fui no médico de próstata. Minha esposa também é
surda, minha filha estava trabalhando e não podia ir, chamei meu irmão pra ir comigo (P 13)
Construindo
alternativas para comunicar com a equipe
Apesar dos
profissionais de saúde não dominarem a língua de sinais, tampouco terem
paciência e consciência de que o ritmo do surdo é diferente do ouvinte para
compreender a comunicação verbal ou escrita, os surdos utilizam estratégias
alternativas para tentar compreender a equipe. Alguns recorrem à leitura
labial, ou com muita dificuldade tentam compreender o que o profissional
escreve, na tentativa de entender o máximo da conversa com os profissionais,
conforme os relatos abaixo:
Quando
fui ao médico, entendo um pouco de leitura labial e quando não entendia o que
era falado eu pedia pra escrever, olhava entendia e
fazia perguntas. (P 3)
Tento fazer leitura labial, mas quando fala
com a boca cerrada é difícil de entender e quando articula mais a fala é
melhor, mas eu peço pra falar devagar pra poder
entender. A gente tenta fazer leitura labial, escrita, mas a equipe do hospital
precisa ter paciência, falar devagar, escrever, ter calma... (P 10)
Às
vezes eu entendo leitura labial porque perdi a audição com 12 anos, então
consigo me comunicar, mas tenho dificuldade. (P 14)
Os relatos dos participantes
mostram o quanto os profissionais de saúde agem sem medir consequências da
comunicação pouco ou nada satisfatória para os clientes surdos, como se o
problema não comprometesse sua responsabilidade de informar adequadamente
acerca dos procedimentos terapêuticos a que os surdos devem atentar.
A
gente chega no hospital e o médico, enfermeiro fala, entrega o papel na mesa,
nem olha direito, já tem que sair da sala. (P 4)
Às
vezes eu vou fazer um exame ginecológico e eu fico sem saber o que eu tenho. Aí
escreve em português e pra mim é fácil, mas o nome do
remédio eu não entendo. (P 6)
Os
profissionais falam rápido e eu não entendo nada. (P 15)
Quando
começa a falar rápido eu peço para falar devagar, eu sou surda, aí ele fala:
“Ah, desculpa”. Mas depois fala rápido novamente. (P 16)
Necessidade de
intérprete para facilitar a comunicação com a equipe
Maioria dos surdos não
acredita no sucesso em estratégias alternativas de comunicação, anseia contar
com a presença de intérpretes de Libras nos serviços de saúde, intermediando a
comunicação entre eles e a equipe, como registrado nos recortes seguintes.
A
gente quer intérprete nos hospitais! Precisa de intérprete em cada hospital,
porque, por exemplo, se tem alguém com surdez profunda não vai conseguir falar,
a leitura labial é ruim, como vai se comunicar? (P 3)
Não
tem intérprete. Você vai ao médico ele escreve no papel, mas você não entende.
Aí vai a farmácia, compra o remédio e vai tomar em casa sem nem saber o que é?
Não dá! (P 6)
Tem
que colocar intérpretes no hospital, pra falar em
Libras. (P 10)
Porque
precisa chamar o intérprete, mas às vezes está ocupado. Intérprete é bom, mas
nem sempre pode estar junto. Porque chama o intérprete e demora, tem fila, o
intérprete perde tempo esperando, é muito difícil. (P 16)
Uma
vez eu fui ao hospital e não tinha intérprete. O médico me deu a receita e eu
li. Fui pra medicação e a enfermeira ficou falando
comigo e eu [...] eu sou surdo, não entendo o que você fala! Aí ela me mostrou
escrito e eu fiz leitura labial. Depois fui procurar um intérprete num hospital
grande e no dia que eu fui não tinha intérprete lá. Daí eu voltei e eles me
disseram que tinha intérprete. O intérprete me ajudou e eu entendi tudo. (P 20)
O
médico pergunta se sente dor, aponta a dor, mas não conhece o sinal, você fala
em Libras ele pergunta e não sabe. Pede pra outra
pessoa falar. Sempre peço um intérprete pra ir junto,
alguém que saiba Libras. (P 21)
Vou
ao médico e eles não sabem Libras. Preciso do intérprete pra
ajudar, sempre familiar, mas consigo me comunicar assim. (P 23)
Relatos indicam que os
surdos enfrentam dificuldades de comunicação com profissionais de saúde, desde
o momento em que tomam conhecimento da deficiência, como observado nas falas
dos participantes P1, P2, P5 e P6. Experiências que se estendem ao longo de suas
vidas, que ocorrem em diversos serviços de saúde, nos quais os atendimentos são
precários, pois não conseguem se comunicar com os profissionais de saúde para
esclarecimentos e orientações sobre como devem proceder.
Vivências com
enfrentamento de muita dificuldade para se comunicar com membros das equipes de
saúde, as quais poderiam ser minimizadas a partir da adoção de sistemático e
efetivo investimento na formação e capacitação desses profissionais para que
possam se comunicar adequadamente com clientes surdos [16].
Para tanto, é
imperativo considerar a surdez como condição humana que implica, entre outras
coisas, no respeito à língua de sinais como melhor opção para o acesso do surdo
ao conhecimento e informações que precisa, quando busca atendimentos em
quaisquer setores [17]. Nesse aspecto, os profissionais de saúde precisam
assumir a Libras como meio de comunicação com a clientela surda, de forma a
lhes prestar cuidados e atendimentos adequados às suas necessidades
específicas.
Como uma das principais
dificuldades citadas pelos participantes deste estudo remete a falta de
informação acerca da etologia da surdez que lhes acometera [18], pode-se
inferir que não lhes foi assegurado acesso ao diagnóstico em tempo de
encaminhamento precoce à terapêutica especializada.
O fato de os
profissionais de saúde não saber como se comunicar com os clientes surdos
através da Libras gera a necessidade de alguém que ajude, como o relatado por
P2, P7, P10, P 11 e P13. Muitos profissionais não se dão conta da pouca
eficiência de estratégias improvisadas para se comunicar com surdos, como o
observado nos relatos de P3, P10 e P14.
Ainda que os
profissionais recorram a estratégias alternativas de comunicação com a
clientela surda, como a escrita, em português, esses clientes podem apresentar
as mesmas dificuldades, pois têm a Libras como primeira língua. Muitas vezes, o
surdo não consegue ler o que o profissional escreve porque existem palavras
difíceis, termos técnicos, porque o surdo não conhece bem o Português ou porque
a letra do profissional é ilegível [1,19,20].
É fundamental levar em
consideração que aprender a língua escrita para os surdos vai além de conhecer
as regras ortográficas e de funcionamento da língua. Para atingir um nível
proficiente de produção escrita, é necessário o desenvolvimento da capacidade
de selecionar tópicos, planejar e organizar ideias. Nesse sentido, é importante
ressaltar que as produções escritas dos surdos são focadas em sentenças e não
apresentam uma estrutura textual coesa e coerente [21].
A transcrição das
informações passadas pelos participantes deste estudo aos intérpretes de Libras
foi organizada em ideias textuais para facilitar a compreensão dos ouvintes,
interpretações de códigos gestuais apenas possíveis para profissionais com
habilidade, conhecimento e domínio da Libras. Credibilidade e reconhecimento
com aval de membros da comunidade surda.
Diante das recorrentes
queixas dos surdos quanto às dificuldades de se comunicar com membros da equipe
de saúde, faz-se mister destacar que esses profissionais compreendam que as
línguas de sinais são comparáveis em complexidade e em expressividade às
línguas orais, pois possuem estrutura e regras gramaticais próprias, tendo,
assim, valor linguístico semelhante às línguas orais [20]. Por isso, por mais
nobres que possam ser suas tentativas de improvisar alternativas para se
comunicar com surdos, melhores resultados poderiam ser obtidos por investimento
dirigido ao aprendizado da Libras.
Outro aspecto destacado
nas queixas dos surdos participantes deste estudo reporta as dificuldades deles
em compreender o que os profissionais de saúde falam, quando os orientam quanto
aos procedimentos terapêuticos e/ou cuidados prescritos. De fato, os surdos
sentem dificuldades em entender a fala do profissional porque estes geralmente
não se preocupam em evidenciar a boca, falam rápido ou usam termos técnicos que
os surdos não entendem [1].
A Língua de Sinais,
vista sob o ponto de vista técnico, apenas como um conjunto de códigos
facilitadores da comunicação, é recomendada para solucionar as barreiras
presentes na inclusão social e escolar dos surdos. Como recomenda o decreto
5626/2005 [22], o atendimento às pessoas surdas na rede de serviços do SUS e
das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de
assistência à saúde, deve ser realizado por profissionais capacitados para o
uso de Libras ou para sua tradução e interpretação. Ademais, este Decreto
recomenda apoio à capacitação e formação de profissionais da rede de serviços
do SUS para o uso de Libras e sua tradução e interpretação.
Para tanto, foi se
consolidando a figura de um novo profissional: o Tradutor-Intérprete de Língua
de Sinais (TILS). Este profissional deve ser ouvinte, uma vez que tem como
função primordial transmitir aos surdos as informações orais com a maior
fidedignidade possível [12,23].
Os participantes deste
estudo se sentem discriminados por não receberem atendimento adequado para sua
condição, como garante a legislação vigente no Brasil, por esperarem muito
tempo na fila para serem atendidos, já que não escutam seus nomes serem
chamados, e o profissional, mesmo sabendo que o cliente é surdo, não se atenta
a chamá-lo de forma adequada.
Da mesma forma, os
participantes deste estudo revelam que alguns profissionais de saúde agem sem
medir consequências sobre como se comunicam com os surdos, conforme pode ser
observado nos relatos P4, P6, P15 e P16.
O encontro dos
profissionais de saúde com clientes surdos pode ser esporádico, mas, quase
sempre um desafio para que se consiga estabelecer uma comunicação eficaz,
produtiva, saudável, satisfatória, mesmo em serviços especializados.
Habilidades no trabalho com pessoas que não partilham a língua oral e
apresentam cultura própria não são rotineiramente ensinadas nos cursos de
formação profissional da área de saúde [24], por isso, os profissionais não
estão preparados para se comunicar com o paciente surdo [5,6].
Sem contar com
intérpretes de Libras disponíveis nas equipes das unidades de saúde, no Brasil,
aumenta a dependência do surdo de amigos ou membro da família, quando precisam
de atendimentos nos serviços de saúde, mesmo considerando o direito à saúde
como uma condição fundamental. No entanto, para os surdos, esse direito parece
não estar sendo resguardado [25-27].
A necessidade de
intérpretes da língua de sinais foi destacada nos relatos dos participantes
deste estudo, inclusive, enfatizada como condição fundamental para que consigam
entender como devem agir para melhorar os sinais e sintomas da doença que
apesentam, como relatado por P3, P6, P10, P16, P20, P21 e P23.
A dependência de
pessoas próximas pode ocorrer com qualquer adulto, por razões que afetam também
os surdos, como a necessidade de apoio ou compreensão de instruções do
profissional de saúde [24]. Contudo, para esses últimos, a razão principal é a
reduzida possibilidade de diálogo, por não terem domínio pleno da língua oral e
pela ausência de interlocutor que use a língua de sinais.
Conclui-se que muito
ainda precisa ser adequado aos parâmetros legais vigentes no Brasil, sobretudo,
nos programas de formação profissional para que os surdos sejam atendidos
integralmente pelos profissionais de saúde, de acordo com suas necessidades
específicas. Que lhes sejam assegurados direitos de comunicação sem barreiras,
quando buscam atendimentos nos mais diversos contextos dos serviços de saúde.
Os participantes deste
estudo relataram dificuldades enfrentadas quando buscaram atendimentos nas
unidades de saúde, variando entre a dependência de familiar para interpretar os
sintomas e queixas principais apresentadas pelos surdos, para que os
profissionais de saúde pudessem se orientar na prescrição de medicamentos e
condutas terapêuticas adequadas. Dependência que envolve sobrecarga para o
acompanhante, este nem sempre disponível por conta de compromissos pessoais ou
profissionais.
O despreparo dos
profissionais de saúde para atender e interagir adequadamente com a clientela
surda ficou evidente quando os participantes deste estudo mencionaram que esses
profissionais improvisam estratégias de comunicação, valendo-se da escrita,
sinais e gestos aleatórios, falar pausadamente, entre outras, equivocadamente
julgadas eficientes.
A melhoria da qualidade
do atendimento nos serviços de saúde para a clientela surda deve começar a
partir do momento em que sejam oferecidas oportunidades de aprendizado da
Libras na formação desses profissionais. Mudanças estruturais são necessárias
para que a grade curricular contemple disciplinas obrigatórias com abordagens
da língua de sinais, para que eles possam se comunicar sem obstáculos.
Diante do despreparo
dos profissionais de saúde para se comunicar com surdos, as instituições de
saúde deveriam contratar e oferecer intérprete de Libras, de forma a garantir
direitos de o surdo ser intermediado por profissional habilitado para lhe
orientar acerca do recomendado pelos médicos, enfermeiros, entre outros membros
da equipe terapêutica.
Recursos da tecnologia
assistiva já estão disponíveis para uso de aplicativos instalados em
equipamentos eletrônicos, de fácil manuseio e de acesso gratuito, como o Hand Talk. Podem ajudar a minimizar efeitos das barreiras
comunicacionais com a clientela surda. Ao longo do texto não se menciona o Hand Talk que seria um outro objeto de estudo ele sim seria
um mediador, mas o estudo tem o foco na relação com o cliente surdo e o
aprendizado da língua, além de existirem algumas críticas quanto a estes
dispositivos e sua forma de realmente conseguir traduzir o conceito e a
expressão para o surdo, seria objeto de um outro estudo.