ARTIGO
ORIGINAL
Percepção
das puérperas de parto normal sobre violência obstétrica
Tayná de Paiva Marques
Carvalho*, Carla Luzia França Araújo, D.Sc.**
*Enfermeira
pós graduando em enfermagem obstétrica pela Escola de Enfermagem Anna Nery,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, **Professora, Coordenadora do Programa
de Residência de Enfermagem Obstétrica da Escola de Enfermagem Anna Nery,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Recebido em 22 de
janeiro de 2018; aceito em 03 de dezembro de 2018.
Endereço
para correspondência:
Tayná de Paiva Marques Carvalho, Estrada dos
Bandeirantes 11219, 22783-116 Vargem Pequena RJ, E-mail:
taynapmarques@gmail.com; Carla Luzia França Araujo: araujo.ufrj@gmail.com
Resumo
Introdução: A violência é vista
como um problema social e de saúde, sendo classificada por diversas formas e
tipos, gerando consequências e danos diversos em quem a sofre, sendo elas em
nível físico, moral, emocional e espiritual. A violência obstétrica é um dos
tipos de violência que abrange um conceito amplo e que atinge as mulheres
durante a gravidez, parto, pós-parto e abortamento. Objetivo: Esta pesquisa tem o objetivo de analisar a percepção das
puérperas sobre a violência obstétrica durante trabalho de parto e parto. Material e métodos: Trata-se de uma
pesquisa exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa realizada com 25
puérperas tendo como cenário um Hospital Maternidade do Rio de Janeiro. Resultados: Das participantes do estudo,
a maioria das mulheres desconhecia o que era a violência obstétrica, e mesmo
ela sendo vivenciada não era percebida como tal. Conclusão: Constatou-se que mesmo a violência obstétrica tratando
de um tema ultimamente bastante abordado, ainda existe um grande déficit de
conhecimento sobre ela entre as mulheres, sendo necessária a conscientização
das mulheres sobre os seus direitos durante o ciclo gravídico puerperal.
Palavras-chave: parto normal, parto
humanizado, enfermagem obstétrica.
Abstract
Perception of normal labor performance on obstetric violence
Introduction: Violence is seen as a social and health problem, being classified by
different forms and types, generating diverse consequences and damages in those
who suffer it, being they on a physical, moral, emotional and spiritual level.
Obstetric violence is one type of violence, which encompasses a broad concept
that affects women during pregnancy, childbirth, postpartum and abortion.
Objective: This study aims to analyze the perception of puerperae
on obstetric violence during labor and delivery. Methods: The study is an exploratory and descriptive study, with a
qualitative approach performed with 25 puerperal women, based on a Maternity
Hospital in Rio de Janeiro. Results:
Of the study participants, most of the women were unaware of what obstetric
violence was, and even if it was experienced it was not perceived as such. Conclusion: It was observed that even
obstetric violence dealing with a topic that has been recently addressed, there
is still a great lack of knowledge about it among women, and it is necessary to
raise women's awareness about their rights during the puerperal pregnancy
cycle.
Key-words: obstetric
violence, normal birth, humanized delivery, obstetric nursing.
Resumen
La percepción de las puérperas de parto normal sobre violencia
obstétrica
Introducción: La violencia
es vista como un problema
social y de salud, siendo clasificada por diversas formas y tipos, generando consecuencias y daños diversos en quien la sufre,
siendo ellas a nivel físico, moral, emocional y espiritual. La violencia obstétrica es uno de los tipos de violencia, que
abarca un concepto amplio y que afecta
a las mujeres durante el embarazo, parto, posparto y aborto. Objetivo:
Esta investigación tiene el objetivo de analizar
la percepción de las puérperas sobre la violencia obstétrica durante el trabajo de parto y parto. Métodos: El estudio se trata de una investigación exploratoria y descriptiva, con abordaje cualitativo realizado con 25 puérperas teniendo como escenario un Hospital Maternidad de Río de Janeiro. Resultados: De las
participantes del estudio, la mayoría
de las mujeres desconocía lo que era la violencia obstétrica, e
incluso ella siendo
vivenciada no era percibida como tal. Conclusión: Se constató que incluso la
violencia obstétrica tratando de un
tema últimamente bastante abordado, todavía existe un gran déficit de conocimiento
sobre ella entre las mujeres, siendo necesaria la concientización
de las mujeres sobre sus derechos durante el ciclo
gravídico puerperal.
Palabras-clave: violencia
obstétrica, parto normal, parto humanizado, enfermería
obstétrica.
Sabe-se que a
violência se trata de um assunto que vem sendo vastamente debatido e abordado
nos mais diferentes segmentos da sociedade contemporânea e abrange
os aspectos sociais, culturais, as diferenças de sexo e raças, entre outros. É
considerada como um problema social e de saúde, pode ser classificada de
diversas formas e tipos, tem diferentes origens e consequências, podendo gerar
danos de diversas gravidades em nível físico, moral, emocional e espiritual
[1].
Um dos tipos de
violência é a violência obstétrica, que tem um conceito amplo, e visa
categorizar todos os procedimentos realizados durante a gravidez, parto,
pós-parto e abortamento, sendo físicos ou não, os quais não são preconizados
pelos princípios da humanização e medicina baseada em evidência [2].
De
acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS), a
violência obstétrica é uma
“violação dos
direitos humanos fundamentais”, e agrupam maneiras de
violência e prejuízos em
meio aos cuidados obstétricos prestados pelo profissional de
saúde, abrange
maus tratos físicos, psicológicos e verbais. Além
disso, ações desnecessárias e
danosas como procedimento médico não consentido, recusa
em administrar
medicações, violação de privacidade,
restrição da presença do acompanhante,
recusa de internações nas instituições de
saúde, cuidados negligentes durante o
parto que leve a complicações evitáveis, uso
demasiado de episiotomia,
manobra de Kristeller e ocitocina, que podem acontecer
em qualquer momento da gravidez, parto e pós-parto. Cabe
ressaltar a exorbitância de cesariana, crescente no Brasil já algumas décadas,
embora existindo iniciativas governamentais para melhorar esse quadro [3].
Diversas expressões
já foram aproveitadas para assinalar o fenômeno, como: “violência no parto”,
“abuso obstétrico”, “desrespeito e abuso”, “violência de gênero no parto e
aborto”, “violência institucional de gênero no parto e aborto”, “assistência
desumanizada”, “crueldade no parto”, “violação dos direitos humanos das
mulheres no parto” [4].
O aumento atual das
pesquisas sobre a violência obstétrica e as experiências das mulheres durante a
gravidez e parto mostra um quadro perturbador, já que mulheres do mundo inteiro
sofrem abusos, maus tratos, negligência durante a assistência ao parto [3].
Nesse contexto, foi
realizada uma pesquisa no Brasil, pela Fundação Perseu Abramo,
mostrando que uma em cada quatro mulheres brasileiras que pariram, além de
quase metade das que abortaram, descreveu ter sofrido de violência obstétrica
[5].
A violência
obstétrica em meio à gestação e parto pode ser determinada por: negação do
atendimento à mulher, quando a mesma busca unidades de saúde como postos de
saúde, ou quando lhe estabelece qualquer tipo de obstáculo em que está sendo
concretizado o pré-natal; comentários degradantes a mulher no que se alude a
sua cor, idade, religião, escolaridade, classe social, estado civil, orientação
sexual, quantidade de filhos; termos ofensivos até mesmo a sua família, sendo
humilhada; agendar cesárea sem indicação fundamentada em evidências
científicas, atendendo as necessidades e interesse do próprio médico [6].
Dentro deste contexto
exposto acima, frases humilhantes e recorrentes que vão se reproduzindo de uma
geração de médicos a outra, em maneira de piadas, e que humilham, toques
dispensáveis e repetitivos, exibição do corpo da mulher em meio à maternidade,
empecilho de se alimentar, de andar entre outras maneiras de agir [6].
Assim, esta maneira
de violência vem sendo objeto de frequente atenção, inicialmente nos movimentos
de batalha das mulheres, movimento contra a violência obstétrica e se ampliando
ao meio acadêmico. No que se alude ao meio acadêmico, às áreas de humanas têm
se preocupado mais com o assunto do que o campo da saúde que ainda permanece
instruindo e aprendendo o parto exclusivamente como um acontecimento clínico
com escassa proeminência na fisiologia e, principalmente, na assistência
humanizada, abordando o parto como patologia. Esse evento que nunca pode ser
imaginado e interpretado apenas do ponto de vista biológico, já que existem
inúmeras dimensões culturais, psicológicas, de classe, gênero, etc. [6].
De fato, o parto
trata-se de uma ocasião única e inesquecível na vida de uma mulher, e frente a
isto, o cuidado despendido pelos profissionais da saúde precisa ser individual
e regulado no protagonismo da mulher, portanto, tornando-o mais natural e
humano presumível. Diferentemente de outros eventos que precisam de cuidados
hospitalares, o procedimento de parturição é fisiológico, normal, precisando,
na sua maioria, exclusivamente de apoio, acolhimento, atenção, e o mais
essencial, a humanização [7].
A humanização se
refere ao prestamento de uma assistência que apresente como prioridade a
qualidade do cuidado, assegurando o respeito em relação aos direitos do
paciente, sua personalidade e cultura, assim como a valorização do profissional
que proporciona a assistência, constituindo um clima concreto nas instituições
de saúde, que legitime o lado humano dos indivíduos envolvidos em todo o
procedimento de cuidado e atenção [7].
A definição de
atenção humanizada em meio à parturição conglomera conhecimentos, práticas e
ações que objetivam assegurar o parto e nascimento saudáveis, considerando a
prevenção da morbimortalidade materna e perinatal. Assim sendo, demonstra a
necessidade de mudanças no entendimento do parto, como experiência humana e,
para aquele que presta o atendimento, uma modificação em como atuar no período
adequado perante o sofrimento do outro [7].
Este estudo tem como
justificativa abordar uma temática que serve como impulso de um momento
relevante para políticas públicas e saúde da mulher, visto que apesar de ser
amplamente discutida e abordada, ainda é um algo real e vivenciado de forma
abrangente entre as mulheres. Recentemente a OMS publicou uma declaração contra
a violência obstétrica, reconhecendo-a como uma questão de saúde pública, “com
o intuito de prevenir e eliminar os abusos, desrespeitos e maus tratos sofridos
pelas mulheres durante toda a gravidez, porém, mais evidentes durante o parto
nas instituições de saúde no mundo inteiro, convocando assim uma maior ação,
diálogo, pesquisa e mobilização diante do tema.” [3].
Ademais, no âmbito
nacional, estão sendo realizadas inúmeras ações para o enfrentamento da
violência obstétrica, pois, apesar de ser algo presente e deveras vivenciado,
muitas mulheres não tem o conhecimento sobre o que de fato ela seja. Uma delas
desenvolvida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo com a edição de uma
cartilha que tem como objetivo alertar as mulheres sobre seus
direitos, durante a gestação, parto e abortamento e as hipóteses de
situações de violência, a realização de um plano de parto e até como denunciar
os casos de violência sofridos, visando o conhecimento, e a identificação da
violência pelas mulheres [8]. Outra ação que visa abolir a violência obstétrica
é o Projeto de Lei n° 7633/2014 [9] que tem como intuito dispor sobre o direito
da mulher a uma assistência humanizada durante o ciclo gravídico-puerperal e
visa penalizar os profissionais que cometeram a violência obstétrica.
Recentemente foi aprovada a Lei n° 17.097 de 17 de janeiro de 2017 [10] que
determina sobre a implantação de medidas de informação e proteção a gestante
contra a violência obstétrica no Estado de Santa Catarina que demonstra avanços
contra esse tipo de violência.
Dessa forma, essas e
outras políticas e iniciativas visam buscar um resultado, a mudança frente à
assistência realizada durante o trabalho de parto e parto, priorizando o
conhecimento da mulher sobre a temática, cabe ressaltar que além das políticas,
muitas mulheres que já sofreram a violência obstétrica através de associações e
movimentos de mulheres buscam alertar outras mulheres, permitindo assim que com
o conhecimento as mulheres combatam esse tipo de violência.
Dentro deste
contexto, compete indagar como a mulher percebe a violência obstétrica. Logo,
este artigo tem como objetivo analisar a percepção das puérperas de parto
normal sobre a violência obstétrica.
O presente estudo
constitui-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, com abordagem
qualitativa. Realizado em um Hospital Maternidade no Município do Rio de
Janeiro localizado na zona Oeste, sendo a única maternidade do Sistema Único de
Saúde (SUS) inserida na área programática 4.0 da cidade do Rio de Janeiro e que
constitui um dos campos de prática do Programa de Residência em Enfermagem
Obstétrica.
Trata-se de uma
maternidade que realiza cerca de 450 partos/mês, com perfil de assistência
materno infantil direcionado para o binômio materno fetal de risco, dado que
possui tecnologia variada acoplada a um hospital geral com unidade de terapia
intensiva de adulto e neonatal. Sua área física é formada por um espaço
destinado ao atendimento à gestante com necessidade de cuidados de
emergência/urgência obstétrica, de enfermaria clínica (obstétrica/neonatal),
alojamento conjunto e uma área para cuidados específicos do recém-nascido de
risco. Há também local para atendimento ambulatorial de gestantes e crianças de
risco.
As participantes do
estudo foram as puérperas de parto normal, assistidas por médicos ou
enfermeiros obstetras, que estavam internadas no Alojamento conjunto, no
período de coleta de dados. Foram excluídas puérperas menores de 18 anos que
pariram em outro local e foram transferidas para a maternidade e puérperas de
parto cesariana.
A coleta de dados foi
realizada no período de outubro a dezembro de 2016, por meio de entrevista
individual. Para a entrevista foi utilizado um instrumento dividido em duas
etapas. A primeira com questões abertas e fechadas para inicialmente traçar a
caracterização das mulheres; e a segunda com as questões abertas para conduzir
a entrevista especificamente sobre o tema em estudo. As entrevistas foram
gravadas com um aparelho gravador, totalizando 25 puérperas.
Todas as
determinações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério
da Saúde foram respeitadas. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em
Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ e aprovado com número CAAE
58702416.0.3001.5279. A coleta foi iniciada após emissão do parecer favorável
do Comitê de Ética da Escola (CEP) da EEAN/HESFA/UFRJ e da Secretaria Municipal
de Saúde do Rio de Janeiro. Todas as participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Após a coleta de
dados, foi seguida a seguinte ordem: os registros das entrevistas gravadas,
transcritas, classificadas e categorizadas conforme os temas, e analisados pela
orientação de análise temática categorial, que como o próprio nome diz o
conceito central é o tema [11].
A trajetória de
análise começou com pré-análise que constitui na
leitura compreensiva do material selecionado que possibilitou uma visão do
conjunto, analisando as particularidades e elaborando pressupostos para a
análise e interpretação do material, escolher formas de classificação e
determinar os conceitos teóricos que iriam orientar a análise. O próximo passo
foi a exploração do material, que é a análise
propriamente dita, que consiste em determinar e categorizar, reagrupando as
partes por tema encontrado. Em seguida, recortou-se trecho de depoimentos e
neles foram identificadas as ideias explicitas e implícitas e, por último,
fez-se uma síntese interpretativa que pudesse interagir com o objeto de estudo,
base teórica e dados empíricos [11].
Compreensão
da puérpera sobre o que é violência obstétrica
Ao questionar as
puérperas sobre o que ela compreende ser violência obstétrica, percebeu-se que
a violência obstétrica foi descrita em distintas formas que acabam todas
realmente englobando o significado de violência obstétrica. As interpretações
mais utilizadas foram não respeitar a opinião, negar os direitos, não fornecer
informações, gritos, tratar de forma ignorante, maus tratos, privar o direito
ao acompanhante, realizar procedimentos sem consentimento, negligenciar a
assistência, não dar atenção, tratar com descaso, fazer pouco caso da dor,
tratamento desumanizado, receber toques repetitivos, não escutar a paciente,
não procurar saber seus anseios, não mostrar empatia, comentários constrangedores
e romper a bolsa. Porém também foi colocado como violência o desrespeito ao
aguardar o trabalho de parto demorado e “forçar” o parto normal.
“Ah!
Maltratar a pessoa, deixar a pessoa sozinha na sala de parto” (P09).
“Humm... Negar os direitos né? Machucar ou fazer alguma
coisa que a gente não queira [...]” (P10).
“Você
não respeitar a vontade da mãe que tá em trabalho de parto [...] o fato de você
não esclarecer as coisas que estão acontecendo pra mãe [...] um médico cortar a
mãe sem falar, sem avisar, sem explicar o porquê que precisa cortar, sem
perguntar a ela se ela quer que corte ou não. Antigamente existia hoje eu não
sei se acontece ainda, mais subir em cima da mãe pra forçar o bebê pra baixo.
Deixar a mãe no leito em trabalho de parto e não ir lá vê se tá tudo bem [...]”
(P12).
“[...]
é quando eles fazem algo que não seja só consentido, é algo que prejudique de
alguma forma, entendeu? [...] é eles violarem os seus direitos, é tratar você
com descaso [...] é fazer pouco caso da sua dor, do que você tá sentindo, do
que você tá falando [...] Eu acho que as pessoas deveriam ter mais respeito
pela dor do outro e na verdade muitos não têm. Fazem aquela: Ah, fez o filho,
não foi bom botar pra dentro? Mais não bota pra dentro igual bota pra fora não
[...]” (P19).
O que se consegue
avaliar diante do exposto é que a grande maioria coloca como violência
obstétrica apenas fatos referentes à violência verbal e emocional, houve apenas
um relato que envolveu a violência física (romper a bolsa), cabe ressaltar,
também, que os procedimentos realizados durante o parto de forma desnecessária
como a episiotomia, manobra de Kristeller,
uso indiscriminado de ocitocina, foram relatados como violência obstétrica,
apenas por duas das entrevistadas, um número bem reduzido, o que nos indica que
não são percebidos como violência pela grande maioria.
Outro quesito
questionado foi se as entrevistadas já haviam ouvido falar sobre o termo,
violência obstétrica e para admiração à minoria desconhecia o tema ou termo.
E quando aqueles que
já tinham conhecimento sobre o que é a violência obstétrica, foram analisados
através de onde ou como obteve esse conhecimento, foi relatado, então, a visita
na maternidade realizada pela Cegonha Carioca, entrevistas e documentários na
televisão, e na internet em grupo em rede sociais, blogs e no pré-natal onde
foi incentivado realizar a denúncia em caso de ser violentada.
Percepção
da puérpera com relação à assistência
recebida e a vivência de violência obstétrica
A grande maioria não
relacionou a assistência e os procedimentos recebidos durante todo o período de
parturição como violência obstétrica, avaliando a assistência recebida
positivamente, portanto não se sentindo violentada.
“Não,
nenhuma vez, a equipe me atendeu muito bem” (P03.)
“Não.
Graças a Deus elas foram bem doces, calmas, conversando, ajudando. Gostei
muito” (P05).
“Não,
em nenhum momento [...] muito pelo contrário, a equipe sempre foi muito clara
[...] então eu me senti muito bem atendida e não me senti de nenhuma maneira
violentada [...]” (P12).
“Não,
eles me ajudaram bastante [...] me ajudaram a segurar minha perna pra mim fazer força, e tavam me
posicionando pros lados, pra ver qual era o lado que eu sentia melhor pra botar
ele pra fora”(P16).
Houve puérperas que
avaliaram a assistência e procedimentos recebidos de forma negativa, porém não
consideraram como violências obstétricas, consequentemente, não se sentiram
violentadas, portanto cabe ressaltar que o que foi considerado como negativo é
considerado violência obstétrica.
“Não,
a única coisa que eu não gostei foi, pedi a enfermeira pra dá o toque ali pra
eu saber [...] se a enfermeira tá ali, a gente somos o paciente, ela tem que
examinar a gente [...]” (P11).
“Não,
assim, quando eu cheguei aqui e fui fazer exame de toque, foi ai que eu não
gostei, e quando eu entrei na sala de parto que veio a pessoa pra vê quanto que
eu tava de dilatação [...] teve uma que não me tratou
muito bem” (P14).
Houve também duas
puérperas que consideraram ter recebido uma assistência vista como violência
obstétrica, portanto sentiram-se violentada durante o processo de parturição.
“Ah,
eu penso que foi o que aconteceu, assim, que eu pedi pra me rasgarem e, “não a
gente não pode a criança que tem que vir rasgando tudo”, porque eu pedi muito
entendeu? [...] e o toque, que toda hora vinha um e dava toque, entendeu? E
aquilo doía entendeu? [...] Mais assim eu já sei como já é, eu por dentro, já
sei como é que sou [...] se não realmente não colocar o soro não delata
entendeu? [...] eu acho que foi pior por causa dos pontos, que ela veio
rasgando tudo, dos outros quatros eu nunca tive que tomar ponto lá, assim lá
trás” (P08).
“Com
certeza, que você pede pra verificar sua pressão porque você ta passando mal, que nem eu, sou hipertensa, minha irmã
teve que sair e pedi, porque ninguém veio [...] esse procedimento de deixar
você sozinha, só com o acompanhante, eu acho isso violência. Porque o
acompanhante não sabe o que fazer com você, ai quando chama a médica, aí ela
“Ah”! Não faz força! Espera! Não botei a luva. Porque se ela tivesse, ali junto
com a gente, ela estaria preparada.” (P20).
Examinando o relato
da puérpera (P08), pode-se perceber que a assistência que foi oferecida, foi
uma assistência voltada para boas práticas, onde o uso da ocitocina não foi
realizado indiscriminadamente, não houve a episiotomia
de rotina, portanto provavelmente essa mulher se “acostumou” em vivenciar a
experiência do parto com a utilização de intervenções desnecessárias,
considerando erroneamente essas práticas como violência.
Desta maneira, a percepção
das mulheres entrevistadas sobre seu parto e a violência obstétrica está
baseada nas experiências, histórias de vida e expectativas e reflete diante de
um padrão social construído o que coincide com a aceitação e banalização da
violência vivenciada.
Diante do exposto, é
evidente que a expectativa das mulheres no parto é marcada por uma diversidade
social alterando-se conforme características culturais, sociais, religiosas e
étnicas, sendo o parto um ato cultural que é refletido pelos valores sociais
prevalentes de uma sociedade [12].
Dessa forma, a
violência que ocorre no cenário do parto é, frequentemente, considerada como
parte da rotina dos serviços de saúde e incorporada aos fluxos das
maternidades. Não sendo entendida por grande parte das mulheres como um ato
violento e sim como algo rotineiro e comum [13-15].
Portanto,
mesmo
quando a violência obstétrica acontece é vista de
forma naturalizada e
banalizada, tendo muito pouca visibilidade, por ser um tema
estigmatizado. A
percepção de violência também está
diretamente relacionada à ação simbólica.
Essa violência acontece durante um momento de vulnerabilidade, e
é associada
como uma agressão como qualquer outra, porém como na
maioria das vezes ela vai
ser executada pelo profissional de saúde, é vista como
uma conduta normal. Cabe
ainda destacar que a compreensão sobre a violência
obstétrica deve ser
considerada, principalmente, envolvendo aspectos econômicos,
sociais e todo
contexto histórico [12,15,16].
Porém, para que essa vivência
seja experimentada de forma negativa ou positiva, irá depender de inúmeros
fatores inerentes à mulher e à gestação, como experiência em partos anteriores,
experiências das mulheres próximas, a segurança em relação de si mesma ao que
se refere ao seu papel de mulher e mãe, entre outros, e os que são ligados
diretamente ao sistema de saúde como uma assistência de pré-natal que envolveu
ou não um apropriado preparo físico e emocional para o parto [14].
A medicalização
evidente no trabalho de parto e parto vem retirando o protagonismo da mulher,
fazendo do profissional da saúde o ator principal dessa experiência,
enfatizando o aspecto patológico e biológico da gravidez, e intensificando as
relações desiguais, sendo capaz de contribuir para o grande número de
intervenções desnecessárias [14].
As mulheres estão
sendo visualizadas como uma máquina cujo operador é o profissional de saúde,
propondo ser o detentor dos saberes, assim negligenciando informações e os
direitos referentes à gestação e ao parto, impedindo-as de optarem pela posição
a qual querem parir, de mostrarem suas preferências, seus desejos, deixando-as
mais vulneráveis à violência. Isso nada mais é que um tipo de violência,
retratada pela hierarquia e dominação do saber médico sobre o corpo da mulher,
oprimindo diretamente a autonomia ao respeito daquilo que exclusivamente
pertence a elas e aos seus corpos [2].
Portanto, a
recomendação é prestar uma assistência humanizada baseada em evidência, na qual
o discurso esteja juntamente com a prática, proporcionando um parto
verdadeiramente humanizado. A humanização abrange pelo menos dois fatores
fundamentais: o primeiro, a consciência de que é dever da unidade de saúde
receber a mulher com dignidade, determinando que os profissionais de saúde
possuam uma atitude ética e solidária e que a instituição se organize visando
criar um ambiente acolhedor, instituindo rotinas para banir o isolamento
imposto à mulher; e o segundo fator reporta-se a adesão de medidas e
procedimentos com benefícios comprovados para o acompanhamento do parto,
evitando intervenções desnecessárias, que embora corriqueiramente realizado,
não oferecem nenhum benefício, pelo contrário podem acarretar maiores riscos
[17].
Logo, a humanização
da assistência ao parto consiste nos desejos das mulheres de que a vivência do
parto aconteça conforme suas perspectivas, sendo assim, os profissionais que
prestam a assistência ao parto devem respeitar a autonomia e a individualidade
[2].
Através
do presente
estudo pode-se concluir que verdadeiramente as mulheres desconhecem o
que é a
violência obstétrica, sendo identificada apenas em
momentos que ocorrem como
violência verbal e maus tratos, portanto não percebida
diante da realização de
procedimentos desnecessários, pois mesmo ao ser exposta à
vivência da violência
a parturiente não a considerada como tal. Esses procedimentos,
desnecessários
na maioria das vezes, são vistos como auxílio para
facilitar o parto, e, quando
essa “colaboração” não é
realizada, consequentemente a assistência recebida não
é percebida como eficiente. Demonstrando, assim, o grande
déficit de
conhecimento das mulheres sobre os seus direitos a uma
assistência ao parto
humanizada e, sobretudo, baseada em evidências.
A
principal forma de
combate da violência obstétrica é através do
conhecimento das mulheres em
relação ao processo de parturição. A
obtenção dessas informações acontece
geralmente durante o pré-natal, pois é o momento em que
se deve estimular a
preparação para o parto.
Sugere-se que os
resultados e sua análise possam justificar uma discussão interna com os
profissionais, para que busquem qualificação e estratégias para conscientizar
as mulheres quanto ao direito a uma assistência humanizada, censurando a
violência obstétrica e buscando melhorar o desempenho com intuito de propagar
as boas práticas obstétricas, prestando uma assistência livre de violência
obstétrica.
O estudo pode
apresentar como limite ter sido realizado em apenas uma maternidade, porém
acredita-se que essa seja uma realidade encontrada em outras maternidades de
outros municípios e estada brasileira.