ARTIGO ORIGINAL
Análise do estresse
ocupacional em técnicos de enfermagem: correlação entre medidas psicológica e
fisiológica
Letícia de Sousa
Eduardo*, Paloma Cardozo Gurgel, M.Sc.**, Bruno Neves
da Silva***, Paulo Frassinetti Delfino do
Nascimento****, Allan Pablo do Nascimento Lameira, D.Sc.*****,
Fernanda Formiga Flavio******
*Mestranda do Programa
de Pós-graduação em Ciências Naturais e Biotecnologia da Universidade Federal
de Campina Grande, **Universidade Federal da Paraíba, ***Mestrando do Programa
de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
****Mestrando do Programa de Pós-graduação em Neurociências Cognitiva e
Comportamento da Universidade Federal da Paraíba, *****Universidade Federal
Fluminense, ******Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Recebido em 2 de
janeiro de 2020; aceito em 20 de fevereiro de 2020.
Correspondência: Letícia de Sousa
Eduardo, Rua Luis Paulo Silva, 352, 58900-00
Cajazeiras PB
Letícia de Sousa
Eduardo: leticialivesousa@gmail.com.
Paloma Cardozo Gurgel:
palomitagurgel@gmail.com
Bruno Neves da Silva:
nevess.bruno5@gmail.com
Paulo Frassinetti Delfino do Nascimento: paulonasc94@gmail.com
Allan Pablo do
Nascimento Lameira: allanpablolameira@gmail.com
Fernanda Formiga Flavio:
ff.flavio@hotmail.com
Resumo
Objetivou-se investigar
a presença de estresse em técnicos em enfermagem de um hospital público.
Trata-se de um estudo transversal analítico com abordagem quantitativa. O
estresse foi investigado através da mensuração do cortisol sanguíneo e da
aplicação da Escala de Estresse no Trabalho. A amostra foi constituída por 44
técnicos em enfermagem, sendo maioria do sexo feminino, solteiros e com média
de idade de 36,4 anos. A prevalência de estresse segundo o instrumento aplicado
foi de 54,54%, enquanto o cortisol sanguíneo apontou estresse em 6,81% dos
participantes. Não foi evidenciada correlação entre os dois métodos utilizados
para mensuração do estresse. Sugere-se a realização de novas pesquisas que
utilizem medidas fisiológicas e psicológicas para avaliação do estresse, com vistas
a elucidar sua etiologia e criar subsídios para preveni-lo ou diminuir sua
prevalência no ambiente laboral.
Palavras-chave: estresse fisiológico,
educação técnica em enfermagem, saúde do trabalhador, biomarcadores.
Abstract
Analysis of occupational stress in nursing technicians: correlation
between psychological and physiological measures
This
study aimed to investigate the presence of stress in nursing technicians of a
public hospital. This is an analytical cross-sectional study with a quantitative
approach. Stress was investigated by measuring blood cortisol and applying the
Stress at Work Scale. The sample consisted of 44 nursing technicians, mostly
female, single and with a mean age of 36.4 years. The prevalence of stress
according to the instrument applied was 54.54%, while blood cortisol indicated
stress in 6.81% of participants. No correlation was found between the two
methods used for stress measurement. Further research using physiological and
psychological measures to assess stress is suggested to elucidate its etiology
and create subsidies to prevent it or reduce its prevalence in the workplace.
Keywords: stress, physiological; education, nursing, associate; occupational
health, biomarkers.
Resumen
Análisis del
estrés laboral en técnicos
de enfermería: correlación
entre medidas psicológicas y fisiológicas
Este estudio tuvo como objetivo
investigar la presencia de estrés
en los técnicos de enfermería de un hospital
público. Este es un estudio
analítico de corte transversal con un enfoque cuantitativo. El estrés se investigó midiendo el cortisol en sangre y aplicando la Escala
de Estrés en el Trabajo. La muestra constaba de 44 técnicos
de enfermería, en su mayoría mujeres,
solteras y con una edad media
de 36,4 años. La prevalencia
de estrés según el instrumento aplicado fue del 54,54%, mientras que el cortisol en sangre indicó estrés en
el 6,81% de los
participantes. No se encontró correlación
entre los dos métodos utilizados para la medición del
estrés. Se sugiere realizar
más investigaciones utilizando medidas fisiológicas y
psicológicas para evaluar el
estrés para dilucidar su etiología y crear subsidios para prevenirlo o reducir su prevalencia
en el lugar de trabajo.
Palabras-clave: estrés
fisiológico, graduación en
auxiliar de enfermería, salud
laboral, biomarcadores.
Considerados os
representantes da maior classe de trabalhadores da instituição hospitalar, os
técnicos em enfermagem são imprescindíveis para o funcionamento dos serviços de
saúde. O processo de trabalho do enfermeiro é marcado por um constante
enfretamento de situações geradoras de estresse, oriundas da variabilidade de
situações pelas quais estes profissionais são expostos no ambiente laboral,
interferindo assim na qualidade da assistência ofertada aos usuários dos
serviços de saúde [1].
O
estresse ocupacional
é compreendido como um termo polissêmico, uma vez que
envolve fatores inerentes
à organização e à gestão, bem como
as condições de trabalho e qualidade do trabalho.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define o
estresse ocupacional
como conjunto de manifestações geradas no organismo do
trabalhador, sendo essas
nocivas a sua saúde [2].
Em 1956, Selye propôs que o stress se desenvolve em três fases. A primeira
fase, conhecida como alerta, ocorre no momento em que
o indivíduo se depara com o agente estressor, provocando o aparecimento de
sinais e sintomas físicos. A segunda, chamada de resistência, consiste no
período em que o corpo tenta voltar ao seu equilíbrio. Quanto à terceira fase,
denominada de exaustão, podem surgir comprometimentos físicos sob a forma de
doença [3].
Estudos indicam que as vias pelas quais o
estresse laboral influencia a saúde são mediadas pela liberação de hormônios
através da ativação eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), que regula a
adaptação do organismo ao estresse em longo prazo. Quando uma situação é
interpretada como estressante, esse eixo é acionado, fazendo com que os
neurônios do hipotálamo liberem o hormônio liberador de corticotrofina
(CRH) [4].
A liberação do CRH
desencadeia a secreção e subsequente liberação do hormônio adrenocorticotrófico
(ACTH) pela hipófise anterior, que se desloca no sangue e atinge as glândulas
suprarrenais, provocando, assim, a secreção dos chamados hormônios do estresse
[4].
Alterações no
funcionamento do eixo HPA, derivadas do estresse agudo ou crônico são
geralmente examinadas em contextos ambulatoriais, investigando a resposta do
cortisol ao despertar (CAR) e a atividade secretora diurna do mesmo, permitindo
mensurar uma parte da reação fisiológica ao estresse [4].
Atualmente, diversas
pesquisas relacionadas ao estresse em seres humanos utilizam nas suas
investigações biomarcadores fisiológicos, sendo o cortisol salivar mencionado
com maior frequência [5-8]. Não obstante, estudos que objetivam a mensuração do
estresse também são frequentemente realizados com instrumentos validados
[9-11].
Tendo-se em vista a
proposta pioneira de investigar o estresse a partir da mensuração do cortisol
sanguíneo, e a possibilidade de correlacioná-lo com aspectos percebidos no
ambiente laboral, o presente estudo permite identificar, reconhecer e intervir
no estresse presente nos profissionais de enfermagem, o que torna relevante o
seu desenvolvimento. Objetivou-se investigar a presença de estresse ocupacional
em técnicos em enfermagem por meio da mensuração do cortisol sanguíneo e de um
instrumento psicológico, a EET.
Estudo transversal, de
natureza analítica e abordagem quantitativa, realizado em um hospital público
de pequeno porte localizado no Estado da Paraíba. A população do estudo foi
constituída por 170 técnicos de enfermagem. Foram incluídos no estudo aqueles
que pertenciam ao quadro permanente de profissionais da instituição e que
possuíssem, durante o período da coleta de dados, seu nome na escala de
trabalho. Foram excluídos da pesquisa os profissionais que, embora atendessem
aos critérios de inclusão, encontraram-se ausentes no serviço no período da
coleta dos dados. A amostra foi composta por 44 técnicos em enfermagem.
A pesquisa foi
submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Campina
Grande, sendo aprovado sob parecer número 1.501.280 e CAAE: 53570515.7.0000.5182.
A coleta de dados foi
realizada no período de julho a setembro de 2016. Inicialmente, foi realizada
aplicação de questionário sociodemográfico e profissional. Para a investigação
do estresse percebido, utilizou-se a Escala de Estresse no Trabalho (EET),
construída e validada por Paschoal e Tamayo [12]. A
EET é considerada um instrumento unifatorial,
composto de 23 assertivas em que o sujeito do estudo afirma se concorda ou
discorda com estas. Cada item do instrumento oferece cinco opções de resposta
com valores variáveis de um a cinco, em escala do tipo Likert.
Para análise dos dados
obtidos com a EET, efetuou-se a soma dos escores atribuídos a cada item e
dividiu-se pelo número total de itens da escala, obtendo-se a média geral. A
partir da média, os sujeitos do estudo foram classificados quanto à intensidade
de estresse em: estresse baixo (1,00 – 2,00), estresse moderado (2,01 – 4,00) e
estresse elevado (4,01 – 6,00).
Além do instrumento
psicológico, realizou-se a mensuração do cortisol sanguíneo, utilizando o teste
Access Cortisol®, um imunoensaio quimioluminescente
com partículas paramagnéticas para a determinação quantitativa dos níveis de
cortisol no soro. Vale salientar que as coletas sanguíneas foram realizadas
durante o plantão dos profissionais, sendo posteriormente encaminhadas para o
laboratório responsável pela análise.
Os dados coletados
foram digitados e constituíram um banco de dados que foi submetido à análise
estatística descritiva e inferencial pelo software SPSS® versão 21.0. Foram
apresentadas frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central e
realizado o teste de correlação de Spearman, após
constatada não normalidade dos dados pelo teste de Shapiro-Wilk. Aceitou-se
como estatisticamente significativo um p-valor menor que 0,05.
A maioria dos
participantes era do sexo feminino, estado civil solteiro e possuía filhos. A
média de idade foi de 36,39 anos. Quanto aos aspectos profissionais, a maior
parte dos participantes atuava no setor de clínica médico-cirúrgica e declarou
não possuir trabalho extra. A satisfação com o trabalho foi apontada pela
totalidade da amostra, conforme observado na tabela I.
Tabela I - Aspectos
sociodemográficos e profissionais dos pacientes que compuseram a amostra.
Fonte: Dados da
pesquisa, 2015.
A predominância do sexo
feminino na enfermagem foi identificada em outros estudos [12-14] e o número de
indivíduos do sexo masculino que procuram essa profissão ainda é considerado
baixo [15].
Quanto ao estado civil,
outras pesquisas com trabalhadores de enfermagem evidenciaram um maior perfil
de trabalhadores casados, divergindo dos resultados do presente estudo [12,15].
Quanto ao exercício de
mais de um vínculo profissional, outros estudos na literatura apontam a dupla
jornada de trabalho com um agente estressor [16] e os dados deste estudo
aproximam-se de outros existentes, que relacionam o número de profissionais que
possuem apenas um vínculo ou mais de um com o estresse [13,14].
Quanto à prática de
atividades físicas, outros estudos também detectaram baixa realização [17],
apontando que a baixa adesão à prática de exercícios físicos pode representar
um fator de risco para o desenvolvimento do estresse, bem como o surgimento de
doenças crônicas-degenerativas.
Quanto a presença de
estresse, observou-se que a maioria dos profissionais se encontrava com
estresse moderado, conforme a EET. Contudo, evidenciou-se um baixo número de
indivíduos com níveis elevados de cortisol, considerando os valores normais a
faixa entre 5,5 a 30,0 µg/dl, conforme apresentado na tabela II.
Tabela II - Presença de
estresse conforme EET.
Fonte: Dados da
pesquisa.
A média do cortisol
sanguíneo foi de 15,32 µg/dl, sendo o valor máximo encontrado de 35,38 µg/dl,
enquanto o menor valor foi de 5,06 µg/dl. O teste de correlação de Spearman indicou não existir correlação entre os níveis de
estresse obtidos pela EET e a mensuração do cortisol sanguíneo, conforme
apresentado pelo gráfico 1.
Gráfico 1 - Correlação entre
os níveis de estresse e mensuração do cortisol sanguíneo.
A presença do estresse
moderado na maioria dos técnicos de enfermagem do presente estudo pode
interferir no desempenho profissional destes e conduzi-los a ocorrência de
erros assistenciais, uma vez que o estresse age alterando a fisiologia do
organismo e é potencialmente capaz de influenciar no ambiente de trabalho [17].
Outros estudos
observaram estresse moderado entre trabalhadores de enfermagem [18,19] cujos
sintomas mais frequentes são: sensação de desgaste, cansaço e sobrecarga de
trabalho. Vale salientar que fatores intrínsecos ao processo de trabalho em
enfermagem, bem como as condições laborais às quais os profissionais estão
expostos podem contribuir para o desenvolvimento do estresse e da manifestação
de seus sintomas [19].
Dentre os agentes
estressores existentes no ambiente laboral da enfermagem, destacam-se a demanda
extenuante de trabalho, a pressão emocional, o reconhecimento profissional
incipiente e as dificuldades no relacionamento interpessoal. A identificação e
conhecimento acerca desses fatores por parte de trabalhadores e gestores pode
contribuir para a procura de mecanismos que os minimizem e melhorem a qualidade
de vida e de trabalho [20].
Quanto aos valores do
cortisol sanguíneo apresentados no presente estudo, verificou-se que três
(6,81%) técnicos em enfermagem encontravam-se com alterações nos níveis desse
hormônio, enquanto a grande parcela apresentou valores normais de cortisol.
Diante destes achados, vale salientar que devido ao pioneirismo do presente
estudo, não há evidencias na literatura acerca da acurácia do cortisol sanguíneo
na detecção do estresse, o que impossibilita análises comparativas com outros
estudos, sendo constatado que o cortisol salivar é o método mais utilizado para
detecção do estresse, conforme estudos presentes na literatura [6,21].
No que diz respeito à
ausência de correlação entre o nível de estresse moderado e os níveis de
cortisol sanguíneo, um estudo com enfermeiros demonstrou que mesmo com a
percepção de estresse moderado por parte destes, não houve elevação nos seus
níveis de cortisol salivar [22] tal qual o resultado do presente estudo, que
utilizou, entretanto, a mensuração sanguínea do hormônio.
Quanto à utilização de
instrumentos psicológicos, estes vem sendo bastante utilizados, visto a
vantagem econômica, bem como a facilidade na aplicação para mensuração do
estresse. A EET vem sendo largamente utilizada na literatura [10,23-26], sendo
um instrumento que possui características psicométricas satisfatórias e que
pode contribuir tanto para estudos acerca do estresse ocupacional quanto para o
diagnóstico do ambiente organizacional [11].
Evidenciou-se que mais
da metade dos participantes encontrava-se com nível moderado de estresse,
conforme os achados da EET. Entretanto, os resultados da mensuração do cortisol
sanguíneo apontaram que a maioria dos participantes apresentou cortisol dentro
dos parâmetros normais, não sendo evidenciada correlação entre os dois
resultados no estudo em tela, o que leva a crer que o cortisol sanguíneo não se
apresentou como um parâmetro sensível para detecção do estresse fisiológico.
Contudo, sugere-se a
realização de novas pesquisas que utilizem medidas fisiológicas e psicológicas
para avaliação do estresse, com vistas a elucidar sua etiologia e criar
subsídios para preveni-lo ou diminuir sua prevalência no espaço laboral, uma
vez que as consequências do estresse ocupacional culminam no comprometimento da
segurança do paciente.