ARTIGO ORIGINAL

Antibioticoterapia e sobrevivência de pacientes sépticos em hospital de alta complexidade, Belém/PA

 

Héllen Cristhina Lobato Jardim Rêgo*, Karla Valéria Batista Lima**, Marília Brasil Xavier***

 

*Professora Adjunta do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade Paraense de Ensino - FAPEN, Belém/PA, **Instituto Evandro Chagas, Laboratório de Bacteriologia, Belém/PA, ***Universidade do Estado do Pará, Laboratório de Dermatologia, Belém/PA

 

Recebido em 5 de fevereiro de 2018; aceito em 30 de abril de 2019.

Endereço para correspondência: Héllen Cristhina Lobato Jardim Rêgo, Avenida Almirante Barroso, 979/304, Edifício Lena Cláudia, Bloco B, 66093-020 Belém PA, E-mail: hellenlobato01@gmail.com; Karla Valéria Batista Lima: karlalima@iec.pa.gov.br; Marília Brasil Xavier: mariliabxavier@gmail.com

Elaborado a partir da dissertação “Fatores de risco, etiologia e sobrevivência de pacientes com sepse após implantação do protocolo clínico em hospital de alta complexidade em Belém/PA”, 2016, Universidade do Estado do Pará. Programa de Pós-graduação Mestrado em Biologia Parasitária na Amazônia.

 

Resumo

Objetivo: Avaliar o protocolo de sepse após a implantação deste em hospital de alta complexidade identificando as variáveis que melhoram a sobrevivência dos pacientes sépticos. Métodos: Trata-se de uma análise de prontuários realizada em um hospital geral de alta complexidade da Região Norte do Brasil, com os dados coletados nos meses de janeiro e fevereiro de 2015 com 58 pacientes. Resultados: A administração do antibiótico em até uma hora do reconhecimento da sepse em 81,03% dos pacientes foi a variável que interferiu significativamente na sobrevivência dos pacientes (p=0,0356). Conclusão: A antibioticoterapia no tempo adequado melhora a sobrevivência dos pacientes sépticos.

Palavras-chave: sepse, protocolos, sobrevivência, uso terapêutico, antibacterianos.

 

Abstract

Antibiotic treatment and survival of septic patients in a high complexity hospital, Belém/PA

Objective: To evaluate the sepsis protocol after the implantation of it in hospital of high complexity identifying the variables that improve the survival of septic patients. Methods: This is a medical records analysis performed in a general hospital of high complexity in the Northern Region of Brazil, with data collected in January and February 2015 with 58 patients. Results: The administration of the antibiotic within one hour of the recognition of sepsis in 81.03% of patients was the variable that significantly interfered with patient survival (p = 0.0356). Conclusion: Adequate antibiotic therapy improves the survival of septic patients.

Key-words: sepsis, protocols, survival, therapeutic use, antibiotic therapy, anti-bacterial agents.

 

Resumen

Antibioticoterapia y supervivencia de pacientes sépticos en hospital de alta complejidad, Belém/PA

Objetivo: Evaluar el protocolo de sepsis después de la implantación de éste en un hospital de alta complejidad identificando las variables que mejoran la supervivencia de los pacientes sépticos. Métodos: Se trata de un análisis de prontuarios realizado en un hospital general de alta complejidad de la Región Norte de Brasil, con los datos recolectados en los meses de enero y febrero de 2015 con 58 pacientes. Resultados: La administración del antibiótico en hasta una hora del reconocimiento de la sepsis en el 81,03% de los pacientes fue la variable que interfirió significativamente en la supervivencia de los pacientes (p = 0,0356). Conclusión: La antibioticoterapia en el tiempo adecuado mejora la supervivencia de los pacientes sépticos.

Palabras-clave: sepse, protocolos, supervivencia, uso terapéutico, antibacterianos.

 

Introdução

 

A sepse é uma síndrome clínica de resposta inflamatória sistêmica secundária a um processo infeccioso com foco presumido ou conhecido [1]. Estudos como o de Kissoon têm demonstrado elevadas taxas de ocorrência (cerca de ¼ dos leitos de UTI) e de mortalidade (cerca de 60% de óbito no choque séptico). Além disso, grande heterogeneidade de condutas foi constatada entre os centros hospitalares. Assim, estratégias para homogeneizar essas condutas, através de protocolos gerenciados, baseados em evidências científicas, poderiam reduzir o risco de óbito [2].

O protocolo de sepse é um norteador da conduta dos profissionais de saúde, auxiliando no diagnóstico precoce e tratamento, além de reduzir a taxa de mortalidade. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar o protocolo de sepse após a implantação deste em hospital de alta complexidade identificando as variáveis que melhoram a sobrevivência dos pacientes sépticos.

 

Material e métodos

 

O estudo abrangeu pacientes internados em hospital geral de alta complexidade em Belém/PA, que possui 51 leitos de UTI, 257 leitos de internação e 12 leitos de observação na Unidade de Emergência. A coleta de dados foi realizada nos meses de janeiro e fevereiro de 2015. A Instituição da pesquisa é participante da ANAHP (Associação Nacional de Hospitais Privados), entidade representativa dos principais hospitais privados de excelência do país [3].

Trata-se de uma análise de prontuários de pacientes com diagnóstico de sepse comunitária, internados no hospital no período de janeiro a dezembro de 2014, após a implantação do protocolo de sepse em 2012. As variáveis gerais e clínicas pesquisadas foram: sexo, idade, faixa etária, comorbidades, sinais e sintomas relacionados à sepse, tempo de internação, foco infeccioso, resultado do lactato, resultado da cultura, antibiótico prescrito e tempo de administração.

A população inicial foi 86 pacientes que atendiam aos critérios para sepse estabelecidos em 1992 por Bone et al. [1]. Foram excluídos 28 pacientes: 12 cujo diagnóstico ocorreu em outros hospitais, 06 de pacientes sem resultado de lactato (02 destes evoluíram a óbito), 04 prontuários estavam indisponíveis, 03 de pacientes com tempo de internação hospitalar menor que 24 horas (os mesmos tiveram alta hospitalar dando continuidade no tratamento em domicílio), 02 de pacientes não tinham antibiótico prescrito e 01 paciente teve alta com foco a esclarecer.

Os dados dos 58 pacientes foram coletados no sistema de prontuário eletrônico Tasy/Philips no Serviço de Apoio Médico Estatístico (SAME), acompanhados até os 28 dias de internação. Para a análise estatística de associação das variáveis estabeleceu-se o nível α de 5% e valor de p ≤ 0,05. Os testes utilizados foram Teste do Qui-quadrado, Teste de Fisher, Teste G de independência e Odds Ratio.

O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará e registrado na Plataforma Brasil (CAAE. 47960515.6.0000.5174, em 10/06/2015).

 

Resultados

 

A administração dos antibióticos foi realizada no tempo adequado (até uma hora após inclusão do paciente no protocolo de sepse) em 81,03%, dos quais 88,24% destes tiveram alta hospitalar (Tabela I). Apesar de a distribuição dos dados não apresentar diferenças estatisticamente significativas, com base no teste de Fisher, podendo-se afirmar que as diferenças foram atribuídas ao acaso (p=0,09), foi aplicado teste de Odds Ratio, para o cruzamento das variáveis desfecho e tempo adequado, chegando a seguinte afirmação: cada indivíduo que não recebeu o antibiótico no tempo adequado tem três vezes (OD=3,08) chance de ir a óbito do que o indivíduo que recebeu no tempo adequado.

 

Tabela I - Relação entre tempo adequado de administração de antibiótico e desfecho dos pacientes com diagnóstico CID 10 A.41 em hospital de alta complexidade, Belém/PA, 2014.

 

Fonte: Pesquisa de campo *p ≤ 0,05 Teste Fischer (p=0,09) OR=3,08

 

Para a efetividade do protocolo foi realizada a análise de sobrevivência e dentre as variáveis (inclusão no protocolo, lactato alterado e administração do antibiótico em até uma hora), a administração do antibiótico em até uma hora foi a que interferiu mais significativamente na sobrevivência dos pacientes (p=0,0356) (Tabela II). A taxa de sobrevivência neste estudo foi de 70%.

 

Tabela II - Relação entre fator preditivo e sobrevivência dos pacientes com diagnóstico CID 10 A.41 em hospital de alta complexidade, Belém/PA, 2014.

 

Fonte: Pesquisa de campo *p ≤ 0,05

 

A faixa etária mais frequente foi acima de 60 anos (74,14%). O tempo médio de internação foi menor que 10 dias em 65,52% dos pacientes incluídos no protocolo. Quanto à etiologia, algumas culturas não apresentaram crescimento (25,86%), bactérias Gram negativas (10,35%), bactérias Gram positivas (1,72%) e pacientes sem resultado registrado em prontuário (62,07%). Além disso, 72,42% dos pacientes tiveram o resultado do lactato acima de 2,0 mmol.L-1, com média de 2,9 mmol.L-1. As comorbidades identificadas foram: hipertensão (55,93%), diabetes (37,9%), cardiopatia (15,25%), neurológica (10, 17%), respiratória (10,17%), neoplasias (10,17%) e hepatopatias (5,08%). Quanto aos sinais e sintomas gerais mais frequentes foram: a febre, dispneia e estado mental alterado. Outras variáveis inflamatórias, disfunção orgânica, hemodinâmicos e de perfusão tecidual são apresentados na Tabela III.

 

Tabela III - Distribuição dos sinais e sintomas inflamatórios, disfunção orgânica, hemodinâmicos e de perfusão tecidual de pacientes com diagnóstico CID 10 A.41 em hospital de alta complexidade, Belém/PA, 2014.

 

Fonte: Protocolo de pesquisa

 

As combinações ceftriaxona/claritromicina foram prescritas em 29,31% dos casos, piperacilina sódica/tazobactam sódico em 12,07% e ceftriaxona/clindamicina em 10,34% dos casos. Os demais casos (48,28%) foram tratados com monoterapia (ceftriaxona, ciprofloxacino, cefepime e oxacilina, etc.). O foco pulmonar foi evidenciado em 41,38% dos pacientes.

 

Discussão

 

As condutas médicas são cumpridas com mais agilidade quando o paciente é incluído em protocolo como a administração do antibiótico no reconhecimento da sepse [4]. Neste estudo 92,86% dos pacientes que foram incluídos no protocolo fizeram o antibiótico no tempo adequado, que é até uma hora. Porém, quando isso não ocorre, a conduta torna-se mais demorada, tendo em vista que a implementação de protocolos clínicos gerenciados é uma ferramenta útil que auxilia as instituições na padronização do atendimento ao paciente séptico, diminuindo desfechos negativos e proporcionando melhor efetividade do tratamento [5]. Quanto mais precoce for antibioticoterapia adequada, melhor será o prognóstico do paciente [6]. A taxa de antibiótico adequada em sepse, em 2014 foi de 86,3%, resultando em menor mortalidade em estudo apresentado por hospitais associados à ANAHP (Associação Nacional dos Hospitais Privados) [3]. Na presença de choque séptico, cada hora de atraso na administração de antibióticos eficazes está associada a aumento mensurável da mortalidade [7].

A média de idade encontrada corrobora estudos no Brasil em que a pessoa acima de 60 anos é mais acometida pela doença [5,8,9]. O tempo médio de permanência no hospital foi inferior a 10 dias corroborando pesquisas principalmente em países mais desenvolvidos [10], ou quando essa média de permanência é específica para alta da UTI [9]. O diagnóstico microbiológico é uma importante ferramenta para o tratamento dos pacientes com sepse, devendo ser realizada antes da administração da primeira dose do antibiótico. No entanto, é baixo o índice de isolamento do agente etiológico [11]. Fato confirmado com os agentes identificados, 1,72% foram bactérias Gram positivas, 10,35% bactérias Gram negativas, 25,86% com resultado negativo e 62,07% dos resultados não estavam registrados em prontuário. Na maioria dos estudos de sepse é predominante as bactérias Gram positivas [5,8,12]. Embora também pareça um objetivo fácil, nos hospitais da rede sepse no Brasil, fortemente estimulados a aderir ao protocolo, coleta de hemoculturas só ocorreu em torno de 69% das vezes, enquanto que o dado mundial é de 78% [13]. A hipóxia tecidual favorece a glicólise anaeróbica, consequentemente aumentando a produção de lactato. O uso do lactato é estabelecido como marcador diagnóstico, terapêutico e prognóstico da hipóxia tecidual global no choque hipovolêmico [14]. Os níveis de lactato iguais ou superiores a 2,0 mmol.L-1 nas 24horas após o reconhecimento da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS) são relacionados a aumento da mortalidade [15]. O presente estudo teve como resultado que 72,42% dos pacientes tinham lactato maior que 2,0 mmol.L-1, fato que vai ao encontro de estudos anteriores em que o lactato apresentou-se elevado na maioria dos pacientes com sepse [8,15].

Dentre as comorbidades dos pacientes em estudo, a hipertensão (55,93%) e diabetes (37,9%) foram as que mais se destacaram, assim como se observam em outros estudos [5,8]. A febre e a dispneia (variáveis gerais), a hipotensão (variável hemodinâmica) e a plaquetopenia (variável de disfunção orgânica) são comuns nos estudos sobre sepse [5,8]. Com relação à administração de antibióticos, observou-se que a maioria das prescrições médicas foi de terapia combinada (29,31%), seguindo diretrizes estabelecidas [6,7]. O foco infeccioso evidenciado nos pacientes foi o pulmonar sendo discutido por outros autores [5,8,10].

 

Conclusão

 

Em conclusão, a antibioticoterapia no tempo adequado de até uma hora melhora a sobrevivência dos pacientes sépticos. A cultura antes do antibiótico é uma variável que pode melhor potencializar o uso dos antibióticos. A inclusão do paciente no protocolo de sepse e o uso do lactato como biomarcador são fatores que também auxiliam no diagnóstico e tratamento precoce da sepse, reduzindo a mortalidade desses pacientes.

As limitações da pesquisa relacionam-se acerca do número reduzido da amostra e por ser realizada em apenas um hospital. Assim, estudos adicionais devem ser feitos para avaliar o protocolo de sepse após implantação em outros hospitais como forma de melhorar a adesão e reduzir dados alarmantes desta síndrome.

 

Agradecimentos

 

Os autores agradecem ao apoio do hospital pesquisado.

 

Referências

 

  1. Bone RC, Balk RA, Cerra FB, Dellinger RP, Fein AM, Knaus WA. Definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepsis. The ACCP/SCCM Consensus Conference Committee. American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine. Chest 1992;101(6):1644-55.
  2. Kissoon N. Sepsis guidelines to improve adherence. J Infect 2015;71(1):36-41.
  3. ANAHP. Associação Nacional dos hospitais privados. [citado 2016 Mai 18]. Disponível em: http://anahp.com.br/produtos-anahp/observatorio
  4. Laguna-Pérez A, Chilet-Rosell E, Lacosta MD, Alvarez-Dardet C, Selles JU, Muñoz-Mendoza CL. Observância e efetividade das intervenções de um protocolo clínico utilizado para pacientes com sepse grave e choque séptico de uma Unidade de Cuidados Intensivos da Espanha. Rev Latinoam Enferm 2012;20(4).
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  6. Singer M, Deutschman CS, Seymour CW, et al. The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA 2016;315(8):801-810. https://doi.org/10.1001/jama.2016.0287
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