ARTIGO ORIGINAL

Conhecimento de enfermeiros acerca do processo de doação de córneas

 

Silvia Silva de Souza, D.Sc.*, Odila Migliori**, Olvani Martins da Silva***, Tatiana Gaffuri, D.Sc.*,Michelle Kuntz Durand**, Kátia Lilian Sedrez Celich, D.Sc.*

 

*Enfermeira, docente do curso de Enfermagem da Universidade Federal Fronteira Sul, Campus Chapecó SC, **Acadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Chapecó SC, ***Enfermeira, docente do curso de Enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina

 

Recebido em 26 de fevereiro de 2018; aceito em 6 de novembro de 2018.

Endereço para correspondência: Kátia Lilian Sedrez Celich, Rua Curitiba, 130D/603, Chapecó SC, E-mail: katia.celich@uffs.edu.br; Silvia Silva de Souza: silvia.souza@uffs.edu.br; Odila Migliori: odiiila_@hotmail.com; Olvani Martins da Silva: olvanims@hotmail.com; Tatiana Gaffuri da Silva: tatiana.silva@uffs.edu.br; Michelle Kuntz Durand: michakd@hotmail.com

Resumo

Introdução: O transplante de córneas apresenta-se como uma alternativa terapêutica para grande parte das doenças corneanas, tendo o enfermeiro um papel preponderante na identificação e notificação do potencial doador de córneas. Objetivo: Avaliar o conhecimento dos enfermeiros sobre a identificação e notificação do potencial doador de córneas. Métodos: Estudo transversal realizado com 40 enfermeiros de uma instituição hospitalar, a partir de um questionário, cuja amostra foi calculada através do sistema SEstatnet, por estimação de percentual – variável quantitativa, considerando erro amostral por estimação de percentual de 5% e nível de confiança de 95%, perda amostral de 10%. Para a coleta de dados, foi aplicado um instrumento fechado. A estatística descritiva foi realizada por meio de frequência absoluta e média. Resultados: Quanto aos critérios de identificação e notificação do potencial doador, 57,5% responderam de forma incorreta; referente às facilidades frente à notificação, o serviço de enfermagem foi apontado como uma potencialidade. Conclusão: O estudo evidencia a importância da equipe da Comissão Intrahospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes ao implantar ações de educação continuada. Ademais, revela a necessidade do apoio institucional para o alcance de resultados positivos no que se refere à identificação e captação deste órgão.

Palavras-chave: transplante de córnea, enfermagem, coleta de tecidos e órgãos.

 

Abstract

Knowledge of nurses about the process of donating corneas

Introduction: Corneal transplantation is a therapeutic alternative for most corneal diseases, and nurses have a leading role in identifying and notifying the potential donor of corneas. Objective: To evaluate nurses' knowledge about the identification and notification of the potential donor of corneas. Methods: Sectional study carried out with 40 nurses of a hospital institution, using a questionnaire, whose sample was calculated through the SEstatnet system, by means of a percentage - quantitative variable, considering sample error by percentage of 5% and confidence level of 95%, sample loss of 10%. For the data collection, a closed instrument was applied. Descriptive statistics were performed using absolute and mean frequency. Results: Regarding the criteria of identification and notification of the potential donor, 57.5% answered incorrectly; referring to the facilities against the notification, the nursing service was pointed out as a potentiality. Conclusion: The study highlights the importance of the team of the Intra Hospital Organ Donation and Tissue Transplantation Team when implementing continuing education actions. In addition, it reveals the need for institutional support to achieve positive results regarding the identification and funding of this organ.

Key-words: corneal transplantation, nursing, collection of tissues and organs.

 

Resumen

Conocimiento de enfermeros acerca del proceso de donación de córneas

Introducción: El trasplante de córneas se presenta como una alternativa terapéutica para gran parte de las enfermedades corneales, teniendo el enfermero un rol preponderante en la identificación y notificación del donador en potencial de córneas. Objetivo: Evaluar el conocimiento de los enfermeros sobre la identificación y notificación del donador en potencial de córneas. Material y métodos: Estudio transversal realizado con 40 enfermeros de una institución hospitalaria, a partir de un cuestionario, cuya muestra fue calculada a través del sistema SEstatnet, por estimación de porcentaje - variable cuantitativa, considerando error de muestra por estimación de porcentaje del 5% y nivel de confianza de 95%, pérdida de muestras del 10%. Para la recolección de datos, se aplicó un instrumento cerrado. La estadística descriptiva fue realizada por medio de frecuencia absoluta y media. Resultados: En cuanto a los criterios de identificación y notificación del donante en potencial, el 57,5% respondió de forma incorrecta; sobre las facilidades frente a la notificación, el servicio de enfermería fue señalado como una potencialidad. Conclusión: El estudio evidencia la importancia del equipo de la Comisión Intra Hospitalaria de Donación de Órganos y Tejidos para Trasplantes al implementar acciones de educación continuada. Por otra parte, apunta la necesidad del apoyo institucional para el logro de resultados positivos en lo que se refiere a la identificación y captación de este órgano.

Palabras-clave: trasplante de córnea, enfermería, coleta de tejidos y órganos.

 

Introdução

 

A córnea é um tecido do olho humano que tem a finalidade de melhorar a qualidade da imagem formada na retina. Trata-se de uma membrana convexa, transparente, intensamente inervada e sensível, localizada na porção anterior do globo ocular. Consiste no único tecido avascular do corpo humano [1-2], que, em casos de doenças graves, necessita de transplante para recuperar a visão [3].

O ato de transplantar a córnea apresenta-se como alternativa terapêutica para a maioria de suas doenças. O transplante de córneas, atualmente, é o mais realizado no Brasil, com crescimento gradativo ao longo dos anos. Segundo estudo realizado em um Hospital Público considerado referência para realização dos transplantes de córneas no estado do Rio Grande do Norte, em relação à distribuição temporal entre 2010 e 2014, 44,18% dos pacientes realizaram o transplante no ano de 2014, os anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, obtiveram 3,49%, 17,83%, 21,32% e 13,18%, respectivamente [4]. Contudo, ao relacionar o número de pacientes em fila de espera, ainda está muito aquém da necessidade [3].

Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), em 2016 no Brasil foram transplantadas 14.534 córneas, destas, 600 ocorreram no estado de Santa Catarina [3]. Quanto a principal condição indicadora para o transplante de córnea, estudo aponta a ceratocone, ceratite intersticial e a ceratopatia bolhosa como principais causas [5].

A maioria das doenças da córnea, que resultam em cegueira, pode ser revertida quando realizado o transplante. A realização deste procedimento se reflete em uma melhor qualidade de vida, considerando em especial aspectos sociais e econômicos decorrentes da preservação das atividades laborais e interações sociais e afetivas [2].

Desta forma, a atuação do enfermeiro no banco de olhos e na identificação e notificação do potencial doador de córneas é algo que surge como um desafio, caracterizando amplo campo de atuação para os enfermeiros [3], sendo necessário ao profissional desenvolver capacidade técnica, bem como conhecimento acerca da legislação que orienta este processo. Neste sentido, uma atuação adequada frente a possíveis doadores, pode influenciar positivamente no número de doações efetivadas [3].

O elevado número de pacientes em fila de espera aguardando um transplante é devido ao número insuficiente de doações efetivadas, resultantes da negativa familiar e dificuldade de identificação e notificação de potenciais doadores [3]. Desta forma, a realização deste estudo, com o objetivo de avaliar o conhecimento dos enfermeiros sobre a identificação e notificação do potencial doador de córneas, apontará aspectos que poderão ser fortalecidos junto às equipes de saúde vinculadas à doação.

 

Material e métodos

 

Estudo transversal, realizado em uma instituição hospitalar do Oeste de Santa Catarina no período de setembro a outubro de 2016. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Fronteira Sul, CAE n°1667911. Todos os preceitos éticos foram respeitados, conforme descritos na Resolução n.466/12, do Conselho Nacional de Saúde.

A amostra do estudo foi constituída por 40 enfermeiros atuantes na instituição hospitalar pesquisada. Foram excluídos aqueles que desenvolvem atividades na Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), devido ao domínio teórico dos protocolos, os que não atuam na assistência direta ao paciente e os que estavam em férias, auxílio-doença e licença maternidade no período da coleta de dados. A amostra foi calculada através do sistema SEstatnet, por estimação de percentual – variável quantitativa, considerando 70 enfermeiros como população do estudo, erro amostral de 5% e nível de confiança de 95.

A seleção da amostra foi realizada a partir da técnica de amostragem aleatória simples, por meio do ambiente virtual SEstatNet considerando população de 70 profissionais e percentual amostral de 42 pessoas. Nesta etapa, cada profissional recebeu um número de série em ordem crescente de acordo com a data de admissão informada pelo setor de Recursos Humanos.

Para a coleta de dados, foi aplicado um instrumento fechado estruturado com base no formulário de doação de córneas por parada cardiorrespiratória (PCR) da Comissão Nacional de Captação e Doação de Órgãos de Santa Catarina (CNCDO/SC) -2016, o qual se encontra disponível com acesso livre na página da SC Transplantes. Foi entregue aos enfermeiros, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no ambiente de trabalho do profissional com prazo de 15 dias para devolutiva. Todos os instrumentos foram devolvidos.

Para análise estatística, os dados foram digitados, utilizando o programa Office Excel, versão 2013. A estatística descritiva foi realizada por meio de frequência absoluta e média [6]. Foram considerados dados “consistentes” aqueles que correspondiam 100% ao preconizado na legislação vigente, os demais eram considerados “inconsistentes”.

 

Resultados

 

Em relação ao perfil dos profissionais, a maioria era do sexo feminino, com especialização, desenvolvendo a função de enfermeiro assistencial, relataram ter recebido informações sobre o tema doação de órgãos na graduação e na instituição hospitalar em que o estudo está sendo realizado, conforme Tabela I.

 

Tabela I - Caracterização dos profissionais entrevistados.

 

Fonte: Os autores, 2016.

 

Identificação e notificação do potencial doador de córneas

 

Em relação à identificação do Potencial Doador (PD) de córneas, os profissionais da instituição foram questionados a respeito da idade mínima e máxima para a doação; as contraindicações absolutas; o que não contraindica a doação e quem pode ser um doador de córneas. Conforme suas respostas, a maioria dos profissionais respondeu as questões de forma consistente.

Quando questionados a respeito das etapas a serem seguidas na avaliação do paciente, e no tempo entre a PCR e a enucleação em refrigeração, prevaleceram respostas inconsistentes, no entanto souberam identificar Tempo entre a PCR e a enucleação em temperatura ambiente e Tempo entre a enucleação e a chegada do tecido ocular no banco de olhos, conforme apresentado na tabela II.

 

Tabela II - Critérios de Identificação e notificação do potencial doador de córneas

 

Fonte: Os autores, 2016.

 

Facilidades e dificuldades na realização da notificação do potencial doador de córneas

 

A respeito das facilidades na realização da notificação do PD de córneas observa-se que dos itens investigados, o que se sobressai é o serviço de enfermagem atento para informar e detectar dúvidas relacionadas ao PD, com 40% das respostas, seguido de apoio da CIHDOTT com 30% e apoio dos demais enfermeiros que obtiveram 30% das opções.

Quanto às dificuldades encontradas pelos profissionais, destaca-se a falta de tempo para realizar a busca ativa e identificação de PD de forma adequada com 62,5%, seguida da falta de apoio da instituição com 12,5%, falta de apoio de colegas equipe obteve 7,5% e falta de apoio da CIHDOTT citado por 2,5%, 15,5% não responderam esta questão.

 

Discussão

 

O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), através da resolução n°292, de 07 de junho de 2004, aponta que o enfermeiro tem responsabilidades na execução, coordenação, planejamento, supervisão e avaliação dos procedimentos de enfermagem prestados ao doador de órgãos e tecidos. Descreve como uma de suas responsabilidades realiza a notificação dos potenciais doadores às Centrais de Notificação Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO), e também desenvolver a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) no processo de doação, documentando, registrando e arquivando o processo no prontuário do doador [7].

Neste contexto, o enfermeiro tem papel fundamental nas instituições hospitalares, visto que participa de todo o processo de doação de córneas, desde a identificação do potencial doador, entrevista com a família, até a conservação do tecido [7]. Estudo realizado em um hospital de Porto Alegre a respeito da atuação do enfermeiro em captação de córneas identificou que 75% das captações efetivadas tiveram o processo conduzido por enfermeiros, dado que ressalta a importância da atuação deste profissional [8]. Ainda, foi comprovado que córneas captadas por enfermeiros apresentaram menor índice de rejeição e maior aproveitamento [9].

Ao analisarmos as questões sobre a identificação do potencial doador de córneas (tabela I), pode-se perceber que quase a totalidade dos enfermeiros soube identificar a idade mínima e máxima para que a doação possa ser efetivada. De acordo com as normativas do protocolo da CNCDO-SC, deve-se realizar busca ativa a potenciais doadores com idade mínima de 02 e máxima de 70 anos. Em pacientes com idades entre 70 e 80 não deve ser feito a busca ativa [10].

Os profissionais deste estudo demonstraram estar atentos à legislação sobre doação de córneas ao identificarem a idade mínima e máxima para a realização do transplante. A partir da avaliação dos três parâmetros: causa do óbito, tempo de conservação da córnea e idade do doador foi possível identificar que a idade do doador é o fator mais significativo [9].

Entretanto, estudo prospectivo com ensaio clínico controlado duplo cego, realizado para identificar a efetividade e qualidade da córnea doada comparando doadores com maior e menor idade demonstrou que a idade do doador não influenciou no sucesso do transplante, mas sim o número adequado de células endoteliais e o armazenamento correto do tecido [11].

Nas questões relacionadas às contraindicações absolutas e as não contraindicações à doação (tabela I), as assertivas corresponderam respectivamente, 92,5% e 90% evidenciando o domínio sobre a temática quando são analisados os aspectos clínicos que podem ser um obstáculo a doação do PD de córnea. Este conhecimento é relevante quando se considera os motivos para a não utilização do tecido doado. Estudo realizado sobre o descarte de córneas no Rio Grande do Norte aponta a sorologia positiva como terceira causa relacionada [12].

Dentre as contra indicações absolutas além da sorologia positiva para AIDS, estão as infecções não controladas até o momento da PCR, raiva, hepatite viral aguda, tuberculose ativa, causa da morte desconhecida, rubéola congênita, retinoblastoma, tumores malignos do segmento anterior ocular ou adenocarcinoma no olho, leucemias, mielomas múltiplos, linfoma ativo disseminado, síndrome de Reye, encefalite viral ativa ou de origem desconhecida ou encefalite progressiva, leuco encefalopatia multifocal progressiva, doença neurológicade diagnóstico indeterminado, endocardite ativa, marcadores sorológicos reagentes para HBsAg, Anti-HBc, Anti-HCV, AntiHIV-I e II, HTVL-I e II , as demais neoplasias não contraindicam a doação [10].

Ao serem questionados sobre quem pode ser ou não um doador de córneas, 42,5% demonstraram fragilidade sobre o tema, fato evidenciado pela dificuldade em distinguir quem pode ou não doar córneas. Médicos da especialidade de clínica médica e de clínica cirúrgica também apresentaram desconhecimento em relação a quem pode ser doador de córneas, uma vez que a maioria associou a necessidade do potencial doador estar em morte encefálica (ME) comprovada [6]. A doação de córneas se difere da doação de múltiplos órgãos, pois ela pode ocorrer a partir do óbito por ME e também em até seis horas após o óbito por parada cardiorrespiratória [3].

O processo de captação de córneas se inicia após a constatação do óbito do paciente, independente do setor em que ele se encontra, sendo de responsabilidade do enfermeiro preencher a ficha de informações para a doação de córneas. A partir dos dados obtidos no prontuário do paciente, verificando se o paciente é um potencial doador ou não, caso ele não se enquadre como doador, o processo de captação termina neste momento, os principais fatores que excluem os pacientes são: choque séptico, HIV, hepatite B ou C, idade [8].

Os participantes ao serem indagados sobre quais etapas devem ser seguidas na avaliação do potencial doador de córneas, 42,5% dos entrevistados identificaram de modo assertivo as etapas. Esta informação demonstra a necessidade de qualificação permanente dos profissionais de saúde, considerando que a falta de identificação pode levar a uma diminuição no número de doações. Um dos obstáculos para a elevação do número de transplantes é a falta de capacitação e ainda escassez de profissionais envolvidos diretamente neste processo, o que torna necessário que a equipe de saúde esteja instrumentalizada e, acima de tudo, comprometida com o tema doação de órgãos e tecidos [3,13].

A Lei que regulamenta a atuação do enfermeiro na captação e transplante de órgãos é a Resolução de n°292/2004, a qual responsabiliza o enfermeiro quanto à enucleação do globo ocular (desde que habilitado pela Associação Pan-americana de Banco de Olhos (APABO)); otimização da doação e captação de órgãos e tecidos; desenvolver pesquisas; promover medidas educativas junto à comunidade e profissionais; entrevistar o responsável legal do doador; solicitar o termo de consentimento livre e esclarecido, e outras funções. Os óbitos ocorridos em âmbito hospitalar, independente da causa, devem ser notificados a CNCDO, e deve ser realizado o mais próximo do horário em que ocorreu o óbito, visando aumentar a chance de transplante dos órgãos e tecidos [3].

Os profissionais ao serem questionados sobre o tempo entre a PCR e a enucleação, 55% identificaram o tempo correto para a realização do procedimento. Entretanto, quando questionados sobre o tempo máximo entre a PCR e a enucleação em refrigeração apenas 42,5% responderam corretamente. Quando questionados sobre o tempo máximo entre a enucleação e a chegada do tecido no banco de olhos, 65,5% dos respondentes tiveram êxito na resposta.

O tempo máximo entre a PCR e a enucleação quando o corpo estiver em temperatura ambiente é de 6 horas e com o corpo mantido em refrigeração até 24 horas. A enucleação deve ocorrer em no máximo 6 horas após a chegada do tecido ocular ao banco de olhos [12]. O tempo de preservação prolongado da córnea pode afetar a qualidade do tecido doado, podendo resultar em descarte ou complicações como rejeição do enxerto após o transplante, além deste fator também interferem a idade do doador, tempo entre o óbito e a enucleação [14,15].

Estudo realizado em uma Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos no estado de Sergipe identificou que as córneas captadas no tempo certo e pelo profissional enfermeiro apresentaram menor índice de rejeição se comparado às córneas captadas por outro profissional [10].

Em relação aos aspectos legais, quando os profissionais foram indagados sobre quem pode autorizar a doação, 30% dos enfermeiros souberam responder em relação aos doadores maiores de 18 anos e 32,5%, com idade inferior a 18 anos, dados divergentes podem relacionar-se à alteração da lei que rege o transplante, uma vez que a doação compulsória, em vigor até 2001 foi substituída pela lei n°10.21123 que prevê a doação a partir da autorização familiar, ou para doador maior de 18 anos os autorizantes legais são: cônjuge, pai, mãe, irmãos (maiores de 18 anos), filhos (maiores de 18 anos), avós e netos e na ausência de parentes ou responsáveis legais somente através de autorização judicial. Já para menores de 18 anos autoriza a doação os responsáveis que constarem na certidão de nascimento/registro de identidade, tutor (com comprovação legal) e na ausência dos mesmos, somente com autorização judicial [4,6].

As facilidades e dificuldades apontadas pelos enfermeiros nos remetem a uma reflexão do processo de trabalho em âmbito hospitalar. Notam-se questões atreladas às relações do cotidiano profissional. A ineficiência nos recursos humanos, disponibilidade de materiais e equipamentos insuficientes influenciam na qualidade da assistência, prejudicando atividade laboral com aumento da carga de trabalho, fadiga emocional e insatisfação no trabalho [7]. As situações elencadas se refletem nos números de identificação e notificação do potencial doador.

 

Conclusão

 

O estudo explícita a importância da equipe da CIDOTH, frente a necessidade constante de alertar os profissionais da ponta sobre condições consideradas indicação para a doação de córneas. Ademais, revela a importância do apoio institucional para o alcance de resultados positivos no que se refere à identificação e captação deste órgão. Em sua maioria os profissionais da instituição apresentaram conhecimento relacionado às etapas iniciais do processo de identificação e notificação do potencial doador de córneas, principalmente no que diz respeito à idade mínima e máxima para a doação, contraindicações absolutas e o que não contraindica a doação. Já os resultados que se apresentaram insatisfatórios estão relacionados às etapas a serem seguidas na avaliação do paciente, bem como os cuidados com a córnea. Em relação aos aspectos legais, os resultados foram pouco satisfatórios. A partir da realização do estudo identifica-se a necessidade de abordar a temática regularmente em atividades de educação em saúde, a fim de empoderar o enfermeiro para a atuação no processo de identificação e notificação do potencial doador de córneas. O estudo limitou-se a abordagem exclusiva dos profissionais enfermeiros e num único centro, o que pode ter limitado os resultados, discussão e potencial de comparação.

 

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