ARTIGO
ORIGINAL
Rede de
cuidado ao adolescente usuário de substâncias psicoativas na concepção de
profissionais do conselho tutelar e judiciário
Mirela Frantz
Cardinal*, Daniele Dalla Porta*, Diana Mara Sarzi**,
Bruna Rios Paim***, Amanda de Lemos Mello, M.Sc.****, Daiana Foggiato
de Siqueira, D.Sc.*****, Marlene Gomes Terra, D.Sc.******
*Psicóloga
Residente do Programa de Residência Multiprofissional Integrada em Saúde Mental
no Sistema Público de Saúde da Universidade Federal de Santa Maria (PRMS/UFSM),
Santa Maria/ RS, **Enfermeira Residente do PRMS/UFSM, Santa Maria/RS,
***Assistente Social Residente PRMS/UFSM, Santa Maria/RS, ****Estudante do Programa
de Pós-Graduação em Enfermagem, nível Doutorado, da UFSM, Santa Maria/RS,
*****Professora da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões (URI), Santiago/RS, ******Professora Associada do Departamento de
Enfermagem, UFSM, Santa Maria/RS
Recebido em 27 de
fevereiro de 2018; aceito em 13 de junho de 2018.
Endereço
para correspondência:
Amanda de Lemos Mello, Avenida Roraima, 1000, Prédio 26, sala 1445, Bairro Camobi, 97105-900 Santa Maria RS, E-mail:
amandamello6@yahoo.com; Mirela Frantz Cardinal: miziyeah@gmail.com; Daniele
Dalla Porta: danidporta@gmail.com; Diana Mara Sarzi:
marasarzi@hotmail.com; Bruna Rios Paim: brunariospaim@gmail.com; Daiana Foggiato de Siqueira: daianasiqueira@yahoo.com.br; Marlene
Gomes Terra: martesm@hotmail.com.br
Resumo
Introdução: A atenção voltada
para a população de adolescentes, a fim de considerar as peculiaridades e
necessidades de acordo com os princípios estabelecidos pelo Sistema Único de
Saúde, pode ser considerada como um dos maiores desafios para a área de saúde
mental. Objetivo: Analisar a
percepção dos profissionais acerca da rede de cuidado ao adolescente usuário de
substâncias psicoativas. Material e
métodos: Pesquisa qualitativa com os profissionais do conselho tutelar e
judiciário e coleta de dados a partir de um círculo de construção de paz. Resultados: Os profissionais sentem
dificuldade para dialogar entre seus colegas de rede, necessitam de
investimento na saúde do trabalhador e em recursos humanos e materiais nos
serviços que compõem a rede de cuidado do adolescente que faz uso de
substâncias psicoativas. Conclusão:
Faz-se necessário o estabelecimento de uma reunião frequente de representantes
dos serviços que compõem a rede de cuidado do adolescente que faz uso de
substâncias psicoativas.
Palavras-chave: adolescente, rede
de cuidado, transtornos relacionados ao uso de substâncias.
Abstract
Network of care to the adolescent user of psychoactive substances in the
conception of professionals of the tutelary and judicial council
Introduction: Attention focused on the adolescent population, in order to consider
the peculiarities and needs according to the principles established by the
Unified Health System can be considered as one of the greatest challenges for
the area of Mental Health. Objective:
To analyze the professionals' perception about the network of care for the
adolescent user of psychoactive substances. Methods:
Qualitative research with the professionals of the tutelary and judicial
council and data collection from a circle of peace building. Results: Professionals find it difficult
to dialogue among their network colleagues, they need investment in the health
of the worker and in human and material resources in the services that make up
the adolescent care network that makes use of psychoactive substances. Conclusion: It is necessary to establish
a frequent meeting of representatives of the services that make up the
adolescent care network that makes use of psychoactive substances.
Key-words: adolescent,
network of care, substance-related disorders.
Resumen
Red de cuidado al adolescente usuario de sustancias psicoactivas en la concepción
de profesionales del consejo tutelar y judicial
Introducción: La atención
hacia la
población de adolescentes, a fin
de considerar las peculiaridades y necesidades de acuerdo con los principios
establecidos por el Sistema
Único de Salud puede ser
considerada como uno de los mayores
desafíos para el área de salud mental. Objetivo:
Analizar la
percepción de los profesionales acerca de la red de cuidado al adolescente usuario
de sustancias psicoactivas.
Material y métodos: Investigación cualitativa con los profesionales
del consejo
tutelar y judicial y recolección de datos a partir de un círculo de construcción de paz. Resultados:
Los profesionales sienten dificultad para dialogar entre sus
colegas de red, necesitan
de inversión en la salud del
trabajador y en recursos
humanos y materiales en los servicios que componen la red
de cuidado del adolescente que hace
uso de sustancias psicoactivas.
Conclusión:
Se hace necesario el establecimiento
de una reunión frecuente de
representantes de los servicios
que componen la red de cuidado del adolescente
que hace uso de sustancias psicoactivas.
Palabras-clave: adolescente, red de cuidado, trastornos
relacionados con sustancias.
A construção de uma
política voltada para a população de crianças e adolescentes, a fim de
considerar as peculiaridades e necessidades de acordo com os princípios
estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser considerada como um
dos maiores desafios para a área de saúde mental [1]. A fim de possibilitar um
cuidado mais integral às pessoas, a Portaria nº 4279[2], instaura as Redes de
Atenção à Saúde (RAS), caracterizada como arranjos organizativos de ações de
serviços de saúde, de graus diferentes de complexidade com o apoio da união de
sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão. É a partir da lógica do
cuidado em rede que deveria se organizar o cuidado em saúde mental das crianças
e adolescentes.
Nesse sentido, o
Ministério da Saúde (MS) instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS),
conforme a Portaria nº 3088[3], sendo criada a fim de ampliar o acesso a ações
de saúde mental, vincular as pessoas que possuam transtornos mentais ou
problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas aos pontos de atenção e
garantir a integração e articulação desses pontos. A Portaria GM nº 3.088 [4]
enfatiza a importância de olhar para as ações em saúde enquanto estratégias na
construção do trabalho em rede. Dentre essas ações, estão aquelas voltadas para
a saúde mental, realizadas pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Por meio da Portaria
nº 336/GM [5], definiram-se os CAPS como serviços abertos de atenção diária que
funcionam a partir da lógica do território e que vão ao encontro dos ideais da
Reforma Psiquiátrica para compor esta rede. A partir disso, os profissionais
tendem a desenvolver atividades individuais e em grupo, oficinas terapêuticas,
visitas domiciliares, apoio aos familiares e atividades comunitárias [6]. Os
CAPS também ofertam cuidado às crianças e adolescentes em sofrimento psíquico,
assim como aquelas que fazem uso de substâncias psicoativas (SPA).
O início do
tratamento de adolescentes em um CAPS voltado à atenção de substâncias
psicoativas, intitulados CAPS álcool e drogas (CAPS ad), geralmente ocorre por
encaminhamentos judiciais (associados a atos infracionais) ou pelo Conselho
Tutelar [7]. De acordo com a Lei Federal nº 8.069, de 13 de Julho de 1990 [8],
que dispõem sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Conselho
Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
Os conselhos tutelares são compostos por cinco membros, escolhidos pela
população local, com mandato de quatro anos, sendo presente em todos os
municípios.
Já a Defensoria
Pública é composta pelos advogados públicos que desempenham o papel de
orientação jurídica e defesa em todos os graus dos necessitados, conforme o
caput do Art.134 da Constituição Federal. Em relação aos promotores, estes
estão vinculados ao Ministério Público e tem como função ser o fiscal da lei,
ou seja, verificar se o direito está sendo cumprido, Art. 129, C.F [9]. O ECA, além disso, traz como papel da promotoria pública
receber a representação, verificar as provas apresentadas, ouvir o adolescente
e, se considerar suficiente, apresentar a denúncia perante o juiz, propondo a
medida adequada [8].
Neste contexto, o
tratamento para uso de SPA por adolescentes surge como um tema importante a ser
pesquisado, sendo um assunto emergente conforme a Agenda Nacional de
Prioridades em Pesquisa na Saúde [10]. Dessa forma, esta pesquisa teve como
foco trabalhar com os pontos da rede de cuidado ao adolescente que faz uso de
SPA compostos pelo Judiciário (Promotoria da Justiça e Defensoria Pública) e,
especificadamente da Assistência Social, o Conselho Tutelar. Este estudo tem
como objetivo analisar a percepção dos profissionais acerca da rede de cuidado
ao adolescente usuário de substâncias psicoativas.
Trata-se de uma
pesquisa qualitativa desenvolvida em novembro 2015, em dois pontos de atenção
que compõem a rede de cuidado ao adolescente usuário de SPA, a Assistência
Social (Conselhos Tutelares) e o judiciário (Promotoria de Justiça e a
Defensoria Pública), em um município do interior do Rio Grande do Sul, Brasil.
Para participar da pesquisa, os critérios de inclusão foram os profissionais
que atuavam nos referidos cenários, sendo 15 conselheiros tutelares, dois
promotores de justiça, um defensor público e um juiz. Destes, todos foram
convidados e sete profissionais aceitaram participar da pesquisa.
Para a coleta de
dados foi desenvolvido um encontro a partir da realização do Círculo de
Construção da Paz, que visou explorar o valor do respeito para potencializar o
diálogo entre os serviços que atuam na Rede de Cuidado do Adolescente que faz
uso de SPA. Esse encontro foi mediado pelas pesquisadoras. O encontro foi áudio
gravado, realizado em uma sala que garantisse um ambiente tranquilo e reservado
e teve duração de uma hora e meia.
O Círculo de
Construção da Paz ou Círculos Restaurativos são modelados a partir da Justiça
Restaurativa. Esse círculo propõe a amplitude de possibilidades sociais, de
força/energia e restauração - na forma de sentimentos e motivações diversas,
reconexões de sociabilidade, encontro reequilibrante
entre dor e afeto, potencial de cura de relações, traumas, suporte humano e
elementos afins. Muda-se o foco com que se percebem os dados e as reparações de
um conflito, buscando outras formas de reconciliação [11,12].
Antes de iniciar o
encontro, preparou-se o ambiente. Formou-se um círculo com as cadeiras
disponíveis em uma das salas de grupo de um serviço de saúde mental do
município. O círculo iniciou com uma abertura, a qual apresentava o objetivo do
encontro. Após, seguiu os pressupostos de Boyes-Watson
e Pranis [12], os quais indicam as seguintes etapas:
apresentação do objeto da palavra, da peça central, rodada de
apresentação/check-in, atividade principal, rodada de check-out
e fechamento. Todos os participantes do círculo, se quiserem, podem contribuir
e dialogar com o colega. Inclusive as pesquisadoras, pois ao mediar o círculo
da paz, também há a possibilidade de contribuir para o tema desenvolvido.
Conforme as autoras
supracitadas, o objeto da palavra é passado de pessoa para pessoa à volta do
círculo. Somente a pessoa segurando o objeto da palavra pode falar, permitindo
que aquele que está de posse do mesmo fale sem interrupção e fazendo com que os
ouvintes foquem na escuta e não se distraiam pensando na resposta que poderão
oferecer. Ele também permite a plena expressão das emoções, reflexão atenta e
um ritmo sem pressa. Já a peça central, que geralmente fica no chão, no centro
do espaço aberto pelo círculo, tipicamente é um tecido ou uma esteira que serve
de base. Inclui itens que representem os valores do eu verdadeiro, os
princípios fundamentais do processo, ou a visão compartilhada do grupo. Também
realçam a inclusão ao incorporarem símbolos de membros individuais do círculo,
bem como culturas que estejam representadas no círculo. O que quer que esteja
incluído deve representar uma sensação de calor humano, hospitalidade e
inclusão.
A abertura foi
realizada através da construção de um acróstico com a palavra 'respeito'. Foi
requisitado aos participantes que usassem as letras da palavra ‘respeito’ para
escrever outras palavras que fossem consideradas relacionadas. Após, passou-se
o objeto da palavra convidando-os a compartilhar as palavras em seu acróstico no
centro do círculo e explicar a mesma aos outros participantes.
Durante a explicação
dos acrósticos foi apresentado ao círculo o significado do objeto da palavra e
da peça central. Após, realizou-se a rodada de apresentação/check-in. Foi passado o objeto da
palavra, convidando os participantes a se apresentarem. Para isso, utilizou-se
uma dinâmica, com uma caixinha que tinha dentro papéis com o dia da semana,
mês, estação do ano, animal, número, entre outros, para que os participantes do
círculo escolhessem um e relacionassem com o seu jeito de ser.
Após a apresentação,
realizou-se a atividade principal. Foram lidas sete frases que foram
construídas pelas pesquisadoras, as quais foram: “precisamos humanizar e
capacitar às redes”; “a rede parece um diálogo de surdos, um fala e o outro não
escuta, e porque não escutou, não repassa”; “se deparar com o colega da rede
com os mesmos problemas”; “reconhecer que preciso do meu colega de rede para
trabalhar”; “a rede precisa de um fluxo” e por fim, a “falta de vínculo entre
os trabalhadores da rede”.
Após, os
participantes foram convidados a refletir um minuto.
Passou-se o objeto da palavra e os participantes compartilharam o que
refletiram com o grupo. Por fim, realizou-se a rodada de check-out
e o fechamento. Passou-se o objeto da palavra novamente, convidando os
participantes a compartilharem seus pensamentos a respeito do círculo. Para o
fechamento, foi lida uma frase relacionada à rede de cuidado ao adolescente
usuário de SPA. A frase, do Livro da Árvore Sagrada, dizia: “completude, todas
as coisas estão inter-relacionadas, tudo no universo é parte de uma só
totalidade. Cada coisa está conectada, de alguma forma, a todo o resto. Assim
sendo, só é possível entender alguma coisa se nós pudermos entender como ela
está conectada a todo o resto”. É uma das formas de fechamentos indicadas por Boyes-Watson e Pranis [12]. Após,
agradeceu-se a participação do encontro.
Posterior ao
desenvolvimento do encontro, as falas foram transcritas e realizou-se a análise
dos dados por meio da Proposta Operativa de Análise Temática de Minayo [13]. Sendo composta por três etapas: ordenação dos
dados; classificação dos dados; análise propriamente dita. A primeira etapa
consiste na organização do material a ser analisado com o objetivo de
sistematizar as ideias iniciais. Na segunda etapa é feita a definição de
categorias. Esta etapa é de grande importância, pois vai possibilitar a riqueza
das interpretações e inferências. A terceira fase diz respeito à análise dos dados.
A pesquisa foi
Aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com Seres Humanos, sob o nº
4593315.1.0000.5346 e respeitou os princípios e
diretrizes da Resolução Nº 466/12 do Conselho Nacional da Saúde [14]. As falas
serão identificadas com a letra inicial “P” de profissional seguida de um
número arábico (P1, P2, P3 e assim sucessivamente) a fim de garantir o
anonimato.
A seguir são
apresentadas as categorias que emergiram a partir da análise dos dados obtidos
com a realização do Círculo de Construção da Paz: rede de cuidado ao
adolescente usuário de SPA: é necessário dialogar e O respeito (ou a falta
dele) entre profissionais e a importância de se reunir: com vínculo se constrói
a rede de cuidado.
Rede de
cuidado ao adolescente usuário de SPA: é necessário dialogar
Os participantes do
estudo relatam que a rede de cuidado do adolescente que faz uso de SPA se
configura como um “diálogo de surdos”. Existe a necessidade de escutar o colega
que trabalha em outros setores da rede. Para isso, concluem que é preciso
trabalhar o respeito (ou a falta dele) no relacionamento entre profissionais da
mesma. Também, consideram importante trabalhar a empatia nos profissionais,
para que consigam se colocar no lugar do colega quando trabalham em rede.
Tem
que existir essa referência, contra referência, porque se não a coisa não anda
e ai, então, é um caso desses um diálogo de surdos porque assim no momento em
que tu tens que repassar algumas informações às vezes, tu colocas num documento
só, tu não podes colocar aquelas informações pertinentes
(P3).
Eu
acho que paciência é primordial, compreensão também, igualdade na linha da
empatia, pensar todo mundo como igual, tolerância e amor (P7).
A integralidade reveste-se
de uma importância estratégica ímpar para a consolidação de um novo modelo de
atenção à saúde no Brasil. Para ofertar um cuidado integral, que não olha para
aquele sujeito de maneira fragmentada, mas sim em todos os aspectos de sua
vida, é necessário que exista a conversa entre os diversos setores da rede de
saúde. Portanto, precisa-se do trabalho em equipe para desenvolver as ações de
cuidado. A importância do diálogo na busca do consenso constitui um elemento
importante para o fortalecimento da corresponsabilidade no cuidado em rede, a
fim de ofertar a integralidade das ações em saúde mental [15].
Em muitos momentos do
círculo participantes concluem, como colegas de rede, que enfrentam os mesmos
problemas, porém, sentem que não há compreensão do sofrimento do outro. Para
conseguir escutar o outro é necessário colocar-se à disposição, assim “saber” o
que de fato o outro quer dizer, sente, pensa,
expressa, ou mesmo não consegue expressar [11]. O diálogo vai muito além da
objetividade das palavras, não é apenas as palavras
ditas, mas a energia que circula, que depende das disposições e emoções em
jogo. Para que isso aconteça, é necessário preparo e tempo com o próximo, o que
em muitos momentos não acontece entre os profissionais da rede.
Se
deparar com o colega da rede com os mesmos problemas que nós, tipo, enquanto conselho enfrentamos, isso faz nós entendermos que não, nada
é fácil [...] Mas a gente sabe que a rede enfrenta os mesmos, os mesmos
desafios que a gente, os mesmos problemas, até na questão de quando tem (P4).
É
importante que se todo mundo conseguisse um pouquinho baixar
a guarda e pensasse que o outro, no outro serviço ou a pessoa do outro
serviço também tem suas dificuldades e acho que estamos todos no mesmo barco, a
verdade, em função de como, do poder público, das dificuldades todas (P5).
Os participantes
consideram importante a tolerância quando se trata do relacionamento entre os
profissionais da rede. Dizem ser fundamental compreender que o profissional é
um ser humano, com defeitos, angústias e problemas pessoais, que muitas vezes
influenciam quando se trata do trabalho em saúde mental e precisam ser
cuidados. Em muitos momentos, os profissionais sentem-se sobrecarregados.
Os profissionais de
um serviço de saúde mental estão submetidos a demandas psicológicas elevadas no
trabalho, sendo vulneráveis em relação à qualidade de vida no trabalho,
conforme apontado em estudo [16]. Além disso, evidenciaram-se fatores de
estresse que implicam na prevalência elevada de transtornos mentais entre esses
profissionais. Dessa forma, existe a necessidade de intervenção, visando
melhorar as condições gerais de trabalho e fornecer suporte social ao coletivo
de trabalhadores.
Saúde
eu acho primordial, principalmente em nosso caso que a gente acaba esquecendo disso, a gente acaba se envolvendo tanto,
cuidando tanto e deixando a nossa saúde de lado (P3).
Mas
o cuidado com o outro, o olhar, para entender que a pessoa está ali, mas ela é
um ser humano, ela tem seus problemas pessoais, tem seus defeitos, tem também
os seus momentos de angústia, e a gente que trabalha no dia-a-dia, tem dias que
a gente está um pouco, a saúde mental da gente está sobrecarregada. Então, acho
que para ter todo esse respeito e essa parceria numa rede, acho que a gente tem
que ter o cuidado e a tolerância (P7).
Quando se fala em
relação aos recursos materiais e humanos da rede de cuidado ao adolescente que
faz uso de SPA, os participantes concluem que a mesma é muito precária,
consideram que trabalham sem condições necessárias. Sabe-se que há variadas
razões para precarização do trabalho na saúde, que vai desde a falta de
condições estruturais básicas até às relações de poder dentro das equipes de
trabalho [17].
Faz-se importante
refletir sobre o que tem sido construído em termos de políticas públicas para a
saúde mental na infância e adolescência, em especial porque muitas das
condições identificadas podem representar um risco para a saúde mental futura e
um aumento na demanda do cuidado do adulto, visto que esta população está em
processo de desenvolvimento e vivenciam situações que necessitam de uma atenção
maior [18]. Esse aspecto ressalta a precariedade de oferta de atendimento
público em saúde mental para a população de crianças e adolescentes.
A
gente não consegue se reunir, olha como foi difícil para gente se reunir hoje,
então é toda uma dificuldade que vai entrar, alta demanda, falta de recursos,
falta de pessoal e porque não só as pessoas é o contexto que a gente está nos
serviços e são esses serviços que vão compor a rede, se o serviço está
defasado, se não tem carro, se não tem material, vai fazer diferença (P1).
A
rede ela ainda é muito precária, ou seja, construir com o que se tem de recurso
ainda não é o suficiente (P6).
Os participantes
consideram fundamental construir um fluxo para a rede de cuidado do adolescente
que faz uso de SPA. Também, concluem que é importante desenvolver o cuidado
através da prevenção e promoção de saúde na rede. Para um funcionamento eficiente,
a RAS e as ações em território são dois conceitos fundamentais para o
entendimento do papel estratégico dos serviços da rede de cuidado destes
adolescentes, sendo imprescindível a sua relação com a Rede Básica de Saúde.
A Reforma Psiquiátrica
Brasileira desloca o centro do cuidado para fora do hospital, em direção à
comunidade, e os CAPS são os dispositivos estratégicos deste movimento [6]. Os
setores da educação e da atenção básica, em conjunto com outros serviços como o
CAPS, são integrantes de uma rede pública ampliada de cuidado da criança e do
adolescente, em que o processo da construção destas redes no país é potente e
promissor, podendo ter função de destaque no desenvolvimento de ações
preventivas e de promoção de saúde [19].
Além disso, no
círculo os participantes disseram que há a necessidade de capacitar os
profissionais da rede para maior compreensão do trabalho do outro. Em algumas
situações, os colegas da rede não compreendem o que o outro serviço faz, nem o
papel de cada profissional. Os participantes do círculo acreditam que
facilitará o vínculo entre os profissionais.
A
capacitação também é muito importante. É preciso que haja esse conhecimento por
parte dos profissionais, esses profissionais que atuam em rede e não só o
profissional conhecer seu núcleo profissional, conhecer o outro também para que
eles entendam o funcionamento da rede e o trabalho do outro profissional e tu
atender a demanda de uma forma mais qualificada. (P2)
Mas,
para que a gente tenha o fluxo, a gente precisa antes investir em algumas
coisas, para que esse fluxo funcione, porque não adianta ser um fluxo capenga.
(P60)
De acordo com as
falas obtidas no círculo, concluiu-se que a falta de aderência do adolescente
ao tratamento para uso de SPA é consequência das dificuldades da rede. Se os
serviços estão defasados, a rede também está. De acordo com suas falas, não é
possível cuidar do adolescente como gostariam, como é preconizado por lei.
Em estudo realizado
por autores [7], dos quatorze adolescentes que fazem
uso de SPA entrevistados, apenas três buscaram o tratamento espontaneamente, o
que coloca em questão a efetividade do tratamento devido à ausência de
motivação ou disponibilidade para mudança. É necessário buscar esses adolescentes,
ter uma rede de cuidado que seja atrativa para eles. Com todas essas
dificuldades apresentadas, dificulta-se a aderência dos mesmos. Conforme o ECA [8], o Conselho tem papel fundamental na articulação
do cuidado da criança e do adolescente. Para que esse cuidado se efetive, é
necessário que ele possa circular por uma rede organizada.
Dessa forma, pode-se
evidenciar nessa categoria que a falta de recursos para o trabalho em rede, a
necessidade de trabalhar a saúde mental dos profissionais que garantem o
cuidado dos adolescentes, a alta demanda e, principalmente, a dificuldade de
diálogo entre os profissionais para realização do cuidado do adolescente e para
melhoria do funcionamento da rede são aspectos que influenciam no
desenvolvimento da rede de forma efetiva.
O
respeito (ou a falta dele) entre profissionais e a importância de se reunir:
com vínculo se constrói a rede de cuidado
De acordo com as
falas dos participantes, os profissionais se sentem desrespeitados nos poucos
momentos em que há reuniões da rede. Concluem que existe desrespeito aos
serviços que compõem a mesma. Exemplificam este desrespeito ao descreverem
situações em que as discussões da rede acabam sendo pessoalizadas.
A
comunicação faz-se
premente ao se tratar do processo de trabalho em saúde mental,
pois é através
da comunicação que se toma consciência do estado de
saúde, se processa a tomada
de decisão e se promove uma gestão adequada de um
determinado regime terapêutico,
muitas vezes complexo [20]. Ao nos comunicarmos, temos de fazer
previsões sobre
como a outra pessoa pode reagir, criam-se expectativas ou
previsões dos outros
e de nós. Através do aperfeiçoamento da capacidade
de se colocar no lugar do
outro, melhoramos a comunicação. Assim, a
adoção de papéis e a interação
são
instrumentos úteis para melhorar a eficiência da
comunicação, o que exige
motivação para tal.
Concordo
plenamente com as minhas colegas e vejo a falta de respeito. Em função da dificuldade,
da demanda de muitas coisas que dificultam o trabalho, às vezes no momento do
diálogo algumas pessoas esquecem que são representantes de um serviço e aí
acabam te desrespeitando enquanto pessoa mesmo, com agressões, verbalizando
palavras indelicadas (P5).
Principalmente
em relação à gestão querer exigir demais dos profissionais, querer que os
profissionais façam demais com relação aos poucos recursos que tem e não dão
condições para esses profissionais, acho que isso é uma falta de respeito (P6).
Em muitos momentos,
na concepção dos profissionais, essas situações criam um ciclo
vicioso, no qual eles dão respostas que os outros não gostam, gerando
mais desrespeito. Para os participantes do círculo, o respeito entre os colegas
atuantes da rede só irá se concretizar quando for trabalhado cuidado e a
tolerância entre os profissionais. Dessa forma, concluem que é necessário ‘baixar a guarda’ para que os colegas de rede consigam se
relacionar com respeito.
A
gente tem que ter tolerância, paciência, resignação e controle assim, máximo,
às vezes, para ti não tomar uma atitude mais violenta numa relação assim,
então, o que é que a gente faz, a gente aumenta os nossos argumentos, baixa a
voz e dá, às vezes, uma resposta que normalmente as pessoas não gostam, então,
tu és vista como uma pessoa antipática (P3).
Se
a gente baixasse um pouquinho todo mundo a guarda, já poderíamos avançar
bastante e colocar em prática o respeito e para mim essa e a ideia fundamental
e o resto é conversar. Eu acho que precisa assim, existir uma grande reunião
para todo mundo se conhecer e todo mundo sabendo que estamos ai pra um objetivo
maior (P5).
Em alguns momentos,
de acordo com os participantes do círculo, a falta de respeito também acontece
na relação da gestão municipal e os serviços da rede de cuidado do adolescente.
Em suas falas, relatam existir assédio moral e pressão da gestão para solução
de problemas sem as devidas condições de trabalho para tal, provocando nos
profissionais que compõem os serviços a sensação de que são desrespeitados.
Para autores, ao
avaliar os modelos assistenciais, de gestão e de formação de trabalhadores de
um CAPS, ficou claro entre os profissionais o reconhecimento da
responsabilidade do gestor com a clínica desenvolvida [21]. Nesse sentido,
percebe-se que as relações de poder que se estabelecem entre gestor e
profissional do serviço, judiciário e serviço, acabam gerando situações de
desrespeito aos profissionais.
No entanto,
problematizar estas situações por meio do diálogo só ocorre quando existe a
possibilidade de estabelecer vínculo entre as pessoas [11]. De acordo com a
fala dos participantes, com vínculo, é melhor trabalhar em rede. Eles concluem
que é mais fácil trabalhar em conjunto se os profissionais se ajudarem. Relatam no círculo ser importante procurar entender o colega
da rede na hora de realizar os encaminhamentos, o trabalho em conjunto. Para
que isso aconteça, é fundamental que quando reunidos, se sintam respeitados.
Eu
acredito que fazer alguns eventos mais reuniões. Não tem um evento aqui assim
que convoque toda a rede, não existe, acho que seria importante. (P2)
Então,
eu acho que no momento em que cada um tem responsabilidade e conhecimento da
rede, da sua competência e da competência dos demais a coisa flui (P3).
Para os participantes
do círculo, se todos os profissionais da rede se unissem, o trabalho seria
diferente. Consideram importante que os colegas conheçam os serviços e os
profissionais da rede pessoalmente. Alegam que quando os mesmos conhecem a
rede, os serviços que a compõem e suas atribuições, o trabalho na mesma flui
melhor.
Para elevar a
motivação no trabalho faz-se importante o relacionamento interpessoal, visto
que a partir da formação contínua destes profissionais, há o intuito de
sensibilizá-los a se preocupar com sua equipe e comunidade a ser assistida
[22]. Quando os profissionais desejam mudanças em relação a esses aspectos do
trabalho é importante que seja dada a devida atenção, pois, apesar de serem
externos, garanti-los possibilita que a motivação do profissional se reflita no
objetivo da organização.
A articulação entre
as ações dos profissionais ocorre principalmente no momento da reunião, pela
necessidade de falar a mesma linguagem, isto é, afinar os discursos para que
todos compreendam da mesma forma determinados assuntos [23]. Dessa forma, ao
finalizar o círculo da paz, os participantes concluem que, ao conhecer os
colegas de trabalho e estabelecer uma relação amistosa com os mesmos, os
processos de trabalho e o cuidado do adolescente podem ser qualificados.
A partir dos
resultados pode-se perceber a importância do diálogo, no entanto, os
profissionais sentem dificuldade para dialogar entre seus colegas de rede, o
que acaba influenciando no trabalho em conjunto. Além disso, emergiram das
falas dos participantes a necessidade de investimento em recursos humanos e
materiais nos serviços que compõem a rede de cuidado do adolescente que faz uso
de SPA.
Compreende-se que
este estudo obteve limitações ao visualizar a perspectiva apenas de uma parte
da rede, tornando os resultados obtidos correspondentes apenas à população
estudada e, por isso, não pode ser generalizável. Para tanto, pode-se
evidenciar a importância em ofertar espaços para que os profissionais tenham
como dialogar e trocar. Assim, faz-se necessário a instituição de encontros que
possibilitem problematizar a sistematização das atividades desenvolvidas pelos
profissionais dos serviços que compõem a rede de cuidado do adolescente que faz
uso de SPA.
O desenvolvimento de
práticas circulares, como o Círculo da Construção da Paz, possibilitou uma
atividade dialógica, democrática e bidirecional aos participantes da pesquisa,
sendo destacado como um potencial da pesquisa. Dessa forma, essa prática como
coleta de dados permitiu problematizar o cotidiano das práticas dos
profissionais da rede de cuidado ao adolescente usuário de SPA e, também, os
relacionamentos interpessoais que permeiam o trabalho.