RELATO DE CASO

Síndrome do intestino curto

 

Ana Clara Ribeiro Ornellas*, Bruna Santoni Silva*, Larissa Tayná da Silva Calixto*, Tayná Batista Oliveira*, Carmen Elisa Villalobos Tapia**

 

*Acadêmica do Curso de Graduação de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC), Campinas/SP, **Enfermeira Docente da disciplina Prática Supervisionada de Saúde da Criança e do Adolescente no Hospital da PUC Campinas

 

Recebido 13 de março de 2018; aceito 15 de dezembro de 2018.

Endereço de correspondência: Ana Clara Ribeiro Ornellas, Alameda das Cabreuvas, 131 – Manoel de Vasconcelos 13174550 Sumaré SP E-mail: anaornellasbr@gmail.com; Bruna Santoni Silva: santoni.bru@gmail.com; Larissa Tayná da Silva Calixto: larissacalixto3@gmail.com; Tayná Batista Oliveira: taynaobatista@yahoo.com.br; Carmen Elisa Villalobos Tapia: celisav@puc-campinas.edu.br.

 

Resumo

A Síndrome do Intestino Curto consiste em uma falência do intestino por perda parcial ou total do intestino caracterizada pela incompetência do organismo em manter o controle hidroeletrolítico e calórico-proteico com dieta ingerida por via oral. Objetiva-se identificar na literatura a ação do enfermeiro, assim como a importância do trabalho multiprofissional para a obtenção de bons resultados no plano terapêutico. Trata-se de estudo descritivo do tipo observacional, as informações foram obtidas por meio de revisão do prontuário e entrevista com o acompanhante da criança. Resultados: Foram realizadas as etapas do Processo de Enfermagem, detalhando a ação da equipe de enfermagem. Devido ao tratamento complexo e delicado, conclui-se que o enfermeiro deve agir de forma holística e estabelecer vínculo com pacientes e familiares, além da sua relação com a equipe multidisciplinar, a fim de que o plano terapêutico estabeleça uma assistência eficaz, visando a melhor qualidade de vida do paciente e família.

Palavras-chave: síndrome do intestino curto, nutrição parenteral, processo de enfermagem.

 

Abstract

Short Bowel Syndrome

Short Bowel Syndrome consists of a bowel failure due to partial or total loss of the intestine characterized by the organism's incompetence in maintaining hydroelectrolytic and caloric-protein control with diet ingested orally. The objective of this study was to identify the nurse's action in the case presented, as well as the importance of multiprofessional work to obtain good results in the therapeutic plan. Descriptive study of the observational type, in which the information was obtained through a review of the medical record and interview with the family. Before the case, the steps of the Nursing Process were carried out, detailing the action of the nursing team. Due to the complex and delicate treatment, it is concluded that the nurse must act in a holistic way and establish a bond with patient and family, as well as their relationship with the multidisciplinary team, for the therapeutic plan establishing an effective assistance, aiming at the best quality of life of the patient and family.

Key-words: short bowel syndrome, parenteral nutrition, nursing process.

 

Resumen

Síndrome del intestino corto

El Síndrome del Intestino Corto consiste en un fallo intestinal por pérdida parcial o total del intestino debido a que el organismo no consigue mantener el control hidroelectrolítico y calórico-proteico con dieta administrada por vía oral. El objetivo de este estudio es identificar la acción del enfermero ante el caso presentado, así como la importancia del trabajo multiprofesional para la obtención de buenos resultados en el plan terapéutico. Se trata de estudio descriptivo, observacional, cuyas informaciones fueron obtenidas por medio de revisión del prontuario y entrevista con el acompañante. Se realizaron las etapas del Proceso de Enfermería, detallando la acción del equipo de enfermería. En vista del tratamiento complejo y delicado, se concluye que el enfermero debe actuar de forma holística y establecer vínculo con paciente y familiares, además de su relación con el equipo multidisciplinario, a fin de que el plan terapéutico establezca una asistencia eficaz, buscando la mejor calidad de vida del paciente y familia.

Palabras-clave: síndrome del intestino corto, nutrición parenteral, proceso de enfermería.

 

Introdução

 

Considerada como a causa mais comum de insuficiência intestinal em crianças, a síndrome do intestino curto (SIC) pode ser definida como a redução no funcionamento do comprimento intestinal, além de estar correlacionada a 50% dos casos do uso de nutrição parenteral domiciliar [1].

A nomeação “curto” procede do fato de que a doença é adquirida após um procedimento cirúrgico, onde devido a estruturas intestinais não viáveis, parte desses segmentos são retirados [2]. A doença pode se caracterizar pela perda parcial ou total do intestino onde o organismo é incapaz de manter o controle hidroeletrolítico e calórico-proteico com dieta ingerida por via oral [3].

Sua incidência não é conhecida com exatidão. Um estudo realizado no Canadá relata que há 24,5 casos a cada 100.000 nascidos vivos, sendo a maioria antes de 37 semanas de gestação. Um outro estudo afirma que dentro de um período de 5 anos, de 80 crianças estudadas, 5 apresentavam SIC, e um terceiro ainda afirma a incidência de 11 casos dentro de um período de 3 anos, sendo que 30 bebês foram estudados [1].

As causas mais comuns de SIC em recém nascidos são a enterocolite necrosante (ECN), volvo de intestino médio, má formações congênitas. Já em crianças mais velhas, as causas estão mais associadas ao volvo intestinal e a ressecções de segmentos devido a cirurgias de repetição por aderências intestinais. Outras causas também podem ser citadas como a displasia neuronal intestinal, assim como outras formas de pseudo-obstrução intestinal crônica [2].

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria [4] cerca de 7% dos Recém-nascidos (RN) a termo possuem ECN, que consiste em uma necrose, desconhecendo-se a causa, em um segmento do intestino, normalmente íleo terminal, e todo intestino grosso, que após ser tratada pode apresentar como consequência a SIC.

Os sinais e sintomas são identificados logo nos primeiros dias de vida e dependem muito do quanto os segmentos intestinais estão comprometidos. Tal fato resulta em uma condição clínica de diarreia devido ao transito intestinal rápido e a má absorção de nutrientes. [2] Em geral, há distensão abdominal, apetite voraz, vômitos persistentes em jato, diarreia, palidez, ausência de mecônico e estenose de anastomose ou presença de alça estagnante [5].

Até a década de 1970 havia uma alta taxa de mortalidade devido a desnutrição severa pela falta de um tratamento eficaz. Atualmente, o uso da nutrição parenteral alterou o prognóstico das crianças com a doença. [1] O tratamento deve contar com a presença de uma equipe multidisciplinar e tem o objetivo de manter uma nutrição adequada, retornar os pacientes para o convívio social e diminuir ao máximo o uso de nutrição parenteral, assim como a necessidade de transplante. A dieta enteral deve ser introduzida assim que possível, uma vez que melhora a adaptação inicial e diminui a necessidade de NPP [3].

Diante deste contexto o presente estudo tem como objetivo identificar a ação do enfermeiro diante o caso apresentado, assim como a importância do trabalho multiprofissional para a obtenção de bons resultados no plano terapêutico.

 

Apresentação do caso

 

E. L. F., feminino, 3 meses, nascida em um hospital do município de Campinas, SP, no dia 05 de julho de 2017 com peso: 2370 g, estatura: 44 cm, Perímetro Cefálico (PC): 32 cm, Perímetro Torácico (PT): 30 cm, Idade Gestacional (IG): 38+4 e Apgar: 9/10.

Sua família reside em Campinas, em casa com 4 cômodos, sendo composta por sua mãe, pai e irmão. Mãe relata que durante a primeira mamada após o nascimento, lactente apresentou vômito em grande quantidade, com aspecto meconial, sendo submetida a lavagem gástrica, não cessando este conteúdo; após, realizou exames de imagem e foi diagnosticada com torção do intestino/enterocolite necrotizante/síndrome do intestino curto, necessitando de transferência para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal, passando por laparotomia exploradora com enterectomia total e realização de duodenostomia transitória.

      Posteriormente, realizou cirurgia de reconstrução do transito intestinal e encaminhada a Unidade de Internação. Foram diagnosticadas também hipotireoidismo congênito, colestase hepática e estenose leve de ramos pulmonares. Durante internação, apresentou sepse neonatal.

Mãe refere ter comparecido a 11 consultas pré-natais, ter apresentado diabetes gestacional. Ao exame físico: lactente ativa, corada, com mucosas hidratadas, ictérica 3/4+, acianótica, mantendo : 36,2ºC, FC: 127 bpm e FR: 54 mpm. Peso: 3880g. TS: O+, PC: 36 cm, fontanela bregmática normotensa, medindo cerca de 5 cm, cabelos finos, em pequena quantidade, Cateter Central de Inserção Periférica (PICC) em região parietal, com inserção sem sinais flogísticos, infundindo soro para manter cateter à 2 ml/h, contínuo. Esclera ictérica 2/4+, conjuntiva hidratada e corada; nariz, cavidades nasal e oral sem alterações e hidratadas; apresenta sucção efetiva; Cateter Orogástrico (COG) com 4 ml de dieta enteral de 3 em 3 horas, em 1 hora. Fácies sem alterações. PICC em jugular esquerda, infundindo Nutrição Parenteral Periférica (NPP) à 25,3 ml/h, contínuo, inserção sem sinais flogísticos. Pescoço com mobilidade e sustentação preservada. Tórax e expansibilidade simétrica bilateral; Murmúrios vesiculares (MV) +, com ausência de ruídos adventícios. Ictus cordis palpável, Ausculta cardíaca (AC): 2 Bulhas Normofonéticas (BNF) rítmicas sem sopros.

 

Discussão

 

Diante do caso, podemos perceber que a causa apresentada pela paciente coincide com o que está descrito na literatura, ou seja, a enterocolite necrotizante como sendo a causa de maior incidência dentre os recém-nascidos, na qual apresentou sinais e sintomas compatíveis com as apresentadas na literatura, como vômito e alteração na pele, além de estar com uso de dieta enteral. A realização da cirurgia de reconstrução do intestino, também nos traz como explicação cientifica da nomeação de Enterocolite Necrotizante para Síndrome do Intestino Curto para o caso apresentado.

As etapas do Processo de Enfermagem foram implementadas e os principais diagnósticos levantados foram a nutrição desequilibrada menor do que as necessidades corporais, seguido dos principais riscos: tensão do papel de cuidador, infecção, aspiração, integridade de pele prejudicada, queda e de desequilíbrio hidroeletrolítico.

Com relação ao tratamento proposto, a paciente apresenta um quadro patológico com maior grau de complexidade, devido ao diagnóstico de hipotireoidismo congênito, colestase hepática e estenose leve de ramos pulmonares. A NPP foi instalada e considerada como primordial no tratamento, embora esteja sendo administrada a dieta através do cateter oro gástrico e estudada na equipe multidisciplinar a conduta de transplante.

Os cuidados realizados envolveram principalmente o controle rigoroso com a infusão da dieta, assim como uma intensa orientação à mãe e demais acompanhantes que estavam presentes. Foi trabalhado também a questão emocional, sendo solicitado a presença da psicóloga para trabalhar os aspectos da internação da lactente, fornecer todas as informações solicitadas e explicar todos os exames ou procedimentos a serem executados, a fim de reduzir ansiedade e passar tal segurança para a paciente.

 

Conclusão

 

Devido ao seu tratamento complexo e duradouro, pacientes com a SIC necessitam de uma equipe multiprofissional que atue em prol de sua qualidade de vida, visando a família como parte do tratamento, uma vez que constatado o cansaço excessivo dos familiares, em particular da mãe, da criança estudada.

O enfermeiro, sendo o profissional que passa maior tempo com o paciente e sua família, deve agir de forma a estabelecer o vínculo, explicando a patologia com objetivo de incluir os familiares do tratamento, fazendo-os entender a necessidade de cada procedimento, que em sua maioria das vezes são invasivos, dolorosos e estressantes para a criança. Além disso, é necessária uma visão holística, percebendo as consequências que essa hospitalização e tratamento tem gerado na vida da família, estabelecendo uma relação com a equipe multiprofissional, sobretudo da psicologia, onde o plano terapêutico aborde a família em todas as suas áreas, melhorando a sua qualidade de vida e prestando uma assistência eficaz.

 

Referências

 

  1. Batra A, Keys SC, Johnson MJ, Wheeler RA, Beattie RM. Epidemiology, management and outcome of ultrashort bowel syndrome in infancy 2017. Archives of Disease in Childhood - Fetal and Neonatal Edition 2017;102:F551-F556. https://doi.org/10.1136/archdischild-2016-311765 
  2. Tannuri U, Barros F, Aoun TAC. Tratamento da síndrome do intestino encurtado na criança: valor do Programa de Reabilitação Intestinal. Rev Assoc Med Bras 2016 ; 62(6):575-83. https://doi.org/10.1590/s0104-42302004000300044 
  3. Campos Junior D, Burns DAR, Lopez FA. Tratado de Pediatria. 3ª ed. Barueri/SP: Manole; 2014.
  4. Oliveira ND, Miyoshi MH. Avanços em enterocolite necrotizante. J Pediatr 2005;81(1Supl):S16-S22. https://doi.org/10.1590/s0021-75572005000200003 
  5. Fraga GP, Sevá-Pereira G, Lopes LR. Atualidades em clínica cirúrgica intergastro e trauma 2011. Atheneu; 2011.