Flávia Roberta Nery*, Meliza Goi Roscani*
*Universidade
Federal de São Carlos, São Carlos/SP
Recebido em 17 de março
de 2018; aceito em 13 de junho de 2019.
Correspondência: Flávia Roberta Nery,
Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Enfermagem, 13565-905 São
Carlos SP, E-mail: flaviarnery@gmail.com; Meliza Goi Roscani:
meliza.roscani@gmail.com
Resumo
Objetivo: Analisar as causas de
infarto agudo do miocárdio recorrente, prevenção e tratamento. Métodos: Revisão narrativa nas bases de
dados Scielo e Lilacs, para
conhecer os fatores relacionados a episódios recorrentes de infarto agudo do
miocárdio. A busca contemplou artigos dos últimos 15 anos e ocorreu entre
janeiro e outubro de 2017. Para seleção dos artigos, os critérios de inclusão
foram: artigos de revisão e originais de revistas Qualis
A e B de cardiologia nacionais e internacionais; nos idiomas português e
inglês; foram excluídos artigos pediátricos, teses e dissertações. Resultados: Pesquisados 17 artigos,
selecionados 15 artigos. O resumo dos principais fatores relacionados ao
infarto recorrente, diagnóstico e tratamento foi apresentado. Conclusão: Os fatores de risco são muito
semelhantes no primeiro episódio de infarto e demais eventos recorrentes. A
intervenção precoce e tratamento adequado reduzem o risco de novos eventos e
morte.
Palavras-chave: distúrbios
cardiovasculares, infarto agudo do miocárdio, eventos recorrentes.
Abstract
Review
of recurrent acute myocardial infarction
Objective: To analyze the
causes, prevention and treatment of recurrent acute myocardial infarction. Methods: Narrative review in Scielo databases to evaluate the factors related to
recurrent episodes of acute myocardial infarction. The research included
articles from the last 15 years between January and October 2017. For selection
of articles, the inclusion criteria were: review and originals articles of
national and international cardiology journals - Qualis
A and B; in English and Portuguese; Exclusion criteria: pediatric articles,
theses and dissertations. Results:
Seventeen articles were selected and 15 articles were
included in the review. The summary of the main factors related to recurrent
infarction, diagnosis and treatment was presented. Conclusion: Risk factors are very similar in the first episode of
infarction and other recurrent events. Early intervention and appropriate
treatment reduce the risk of new events and death.
Key-words: cardiovascular
disorders, acute myocardial infarction, recurrent events.
Resumen
Revisión sobre infarto agudo de
miocardio recurrente
Objetivo: Analizar
las causas de infarto agudo de miocardio
recurrente, prevención y tratamiento. Métodos:
Revisión narrativa en las bases de datos Scielo y Lilacs, para conocer los factores
relacionados a episodios recurrentes
de infarto agudo de miocardio. La búsqueda
contempló artículos de los
últimos 15 años y ocurrió
entre enero y octubre de
2017. Para selección de los
artículos, los criterios de
inclusión fueron: artículos
de revisión y originales de
revistas Qualis A y B de cardiología
nacionales e internacionales;
en Inglés y Portugués; se excluyeron
artículos pediátricos, tesis y disertaciones.
Resultados: Se han
encontrado 17 artículos, seleccionados 15 artículos siendo presentado el resumen de los principales factores relacionados
al infarto recurrente, diagnóstico y tratamiento. Conclusión: Los factores de riesgo son muy similares en el primer episodio
de infarto y otros eventos recurrentes.
La intervención precoz y el tratamiento adecuado reducen el riesgo de nuevos
eventos y la muerte.
Palabras-clave: trastornos
cardiovasculares, infarto agudo de miocárdio, eventos recorrentes.
As definições de infarto
recorrente e reinfarto são diferentes. Conforme as
diretrizes mais recentes, reinfarto caracteriza-se
como infarto agudo do miocárdio (IAM) que ocorre dentro de 28 dias do infarto
incidente. Se ocorrer após 28 dias, é considerado recorrente [1].
IAM recorrente e/ou reinfarto correspondem clinicamente a novos episódios de
dor torácica associados a novas alterações do eletrocardiograma (ECG) e
elevação da troponina I cardíaca. As medidas da troponina I cardíaca devem ser
obtidas no momento dos sintomas e três e seis horas após, considerando-se reinfarto um incremento de 20% relativo entre essas
medidas. Os valores da troponina I cardíaca são os mesmos para o primeiro
evento [1,2].
Estudos atuais mostram
diminuição de novos eventos recorrentes após o primeiro episódio de IAM. Isso
se deve à melhora no tratamento agudo eficiente do IAM, agilidade nos
procedimentos de revascularização e prevenção secundária [3].
À medida que a
expectativa de vida aumenta e a população envelhece, espera-se a ocorrência de
novos episódios de doença cardiovascular como IAM, o que pode levar a uma
sobrecarga dos serviços de saúde e aumento dos custos com doenças
cardiovasculares [3,4].
IAM é um episódio de
grande impacto desfavorável na vida dos pacientes. Implica em vários
sentimentos como medo de morrer, mudanças nos hábitos de vida e receio de um
novo episódio. A equipe de saúde deve estar capacitada no atendimento de
pacientes com IAM devido ao alto risco de mortalidade ou de eventos recorrentes
[5,6].
Devido à importância do
tema, realizou-se uma revisão narrativa visando enfatizar os fatores de risco
para eventos recorrentes de IAM e discorrer sobre abordagem diagnóstica e
terapêutica.
Após definição da
questão principal sobre fatores associados a episódios recorrentes de infarto
agudo do miocárdio, foi realizada uma revisão narrativa.
Para seleção dos
artigos, foram englobadas publicações dos últimos 15 anos das bases de dados
eletrônicas da Scientific Eletronic Library Online e Literatura Latino Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde, de revisão e originais de revistas Qualis
A e B de cardiologia, nacionais e internacionais, nos idiomas português e
inglês. Foram empregados descritores controlados existentes no DeCs (Descritores da Ciência da Saúde): distúrbios
cardiovasculares, infarto agudo do miocárdio e eventos recorrentes. Os
critérios de exclusão foram artigos pediátricos, teses e dissertações. Os
entrelaçamentos entre os termos se deram através do booleano “AND” com o
intuito de atingir um número adequado de artigos para responder a pergunta norteadora. A busca ocorreu em janeiro e julho de
2017.
Foram selecionados 17
artigos, sendo excluídos dois por não preencherem os critérios de inclusão. As
especificações dos artigos, resumidamente, estão descritas no quadro abaixo e
mostra a construção da temática da seguinte forma: fator de impacto das
revistas varia entre 1.1 e 7.9; seis trabalhos em revistas nacionais e nove
internacionais, sendo seis trabalhos publicados em revistas americanas e três
europeias.
IAM recorrente tem um
pior prognóstico e se assemelha aos pacientes com infarto agudo do miocárdio
com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST),
ocorrendo em sua maioria dentro do primeiro ano após o IAM inicial. Essa
gravidade do IAM recorrente está de acordo com o estudo de Smolina
et al. [3], que de 387.452 pacientes
sobreviventes de IAM, acompanhados por 06 anos, para os homens 69% sobreviveram
ao primeiro IAM contra 42% após evento recorrente. Nas mulheres, os dados são
de 53% para o primeiro evento contra 26% para evento recorrente [3,4].
Contudo, o uso de
medicações e procedimentos para reperfusão tem diminu.ído a gravidade do IAM ao
longo do tempo. Johkdar et al. [4] mostraram que nas duas décadas anteriores à publicação
do estudo, houve uma redução de 32% na ocorrência de IAM recorrente. Isso se
deve, além das terapias de reperfusão, à maior
agressividade na prevenção secundária. Em contrapartida, a inexistência de
técnicas de revascularização, carência de serviços adequados, idade e presença
de comorbidades aumentam o risco de repetição [3,4,7].
Considerando que os
óbitos por IAM declinaram, os sobreviventes estão sujeitos aos eventos
recorrentes, sendo constantes após o IAM, fazendo-se
menor o risco de morte súbita. No entanto, o IAM recorrente é um fator grave e
com risco elevado de óbito, sendo comum o seu aparecimento em necropsias e
difícil o seu diagnóstico em pacientes que faleceram subitamente e de
complicações de insuficiência cardíaca. Orn et al. expõem em um acompanhamento
de 2 anos e 07 meses com 5477 pacientes com insuficiência cardíaca ou presença
de disfunção ventricular após IAM, 946 evoluíram para óbito. Destes, 180 foram necropsiados e o IAM agudo era a causa de morte de 102 e o
IAM recorrente esteve presente em 80 pacientes [4,7].
Fatores
de risco
Diabetes mellitus (DM)
é uma variante individual de alto risco para mortalidade e morbidade de eventos
cardiovasculares adversos, primário ou recorrente, independente do sexo e faixa
etária [2,3].
A lipoproteína de baixa
intensidade (LDL), importante causa da mortalidade e morbidade cardiovascular,
em níveis abaixo de 70 mg/dl ocasiona menos riscos ECA. E estes valores são
mais satisfatórios se associado ao uso de estatinas mantiverem o valor de LDL
entre 40 e 60mg/dl uma vez que confrontado com valores entre 80 e 100 mg/dl
diminuem a propensão de eventos cardiovasculares adversos (ECA) [5].
As estatinas limitam os
riscos de novos ECA, porém o risco residual permanece. A dislipidemia
aterogênica (identificada por triglicérides elevados ≥ 150 mg/dl e
lipoproteína de alta densidade (HDL) baixo ≤ 40 mg/dl), comum em
pacientes com síndrome metabólica ou DM. De acordo com o estudo de Sirimarco et al.
[8], 01 em cada 10 pacientes portavam dislipidemia aterogênica. E ainda baseado
na definição primária, dislipidemia aterogênica está relacionada ao sexo
masculino, população asiática, DM, hipertensão arterial sistêmica (HAS),
tabagista, jovens e antecedentes prévios de doença arterial periférica ou
cardiovascular. O uso combinado de fibrato e estatina
podem levar a um equilíbrio dos lipídios e redução dos eventos cardiovasculares
adversos em até 46%.
Disfunção renal com a
diminuição da taxa de filtração glomerular estimada (TFGe)
e aumento da creatinina sérica se relaciona com ECA mais graves e recorrentes,
podendo ser usada para prever e prevenir recidivas de novos eventos [2,5].
A proteína de alta
sensibilidade C reativa (PCR) está associada ao aumento de resposta
inflamatória condicionada à ruptura da placa, apresentando elevação nos ECA. De
acordo com o estudo de Ribeiro et al.
[9], 300 pacientes foram acompanhados por 30 dias após algum evento
cardiovascular; destes 10 apresentaram IAM recorrente e ECA foram observados em
106 pacientes. Foi observado que em pacientes com ECA o valor da PCR foi de 8,0
mg/l contra 6,4 mg/l dos pacientes sem ECA. Esse biomarcador como prognóstico
não é totalmente esclarecido, mas sua elevação, de acordo com Tomada e Aoki, em um estudo com 234 pacientes, os mesmos
apresentaram um aumento de ≥ 0,3 mg/dl, considerado um preditor
independente, incluindo reoclusão da artéria ainda no
hospital, reinfarto e morte no IAM C/SST tratado com
ACTP e implante de stent. Na angina instável, esse
biomarcador é conferido à inconstância da placa e infartos recorrentes.
O tabagismo é um fator
de risco multifatorial: elevação da exigência de oxigênio pelo miocárdio,
aumento da atividade do sistema renina-angiotensina-aldosterona, alteração
endotelial, progresso da aterosclerose e ativação plaquetária. Está relacionado
a IAM de maior gravidade, em pacientes submetidos à cinecoronariografia e
terapia trombolítica. Estudo de Shah et al. [10], em uma população de 924
fumantes, 06 meses após um IAM, expõe que 82 morreram, 50 tiveram um IAM
recorrente e desses 19 morreram posteriormente e 36 foram hospitalizados por
insuficiência cardíaca, morrendo 14 desses. A suspensão do tabagismo reduz em
até 30% o risco de IAM recorrentes e 40% a mortalidade, podendo assemelhar
positivamente outros tratamentos para complicações pós IAM.
As mulheres com idade
mais avançada têm um prognóstico mais reservado em comparação aos homens.
Estudo comparativo entre a taxa de sobrevida dos homens após primeiro IAM é de
69% e IAM recorrente de 42%; nas mulheres essa taxa é de 53% após primeiro IAM
e 26% depois de IAM recorrente, demonstrando que o sexo feminino é predisposto
a ocorrência de IAM, tanto primário quanto recorrente. Em mulheres jovens pode
ser secundária à predominância de DM, demais comorbidades, maiores complicações
intrahospitalares, doença arterial
coronariana (DAC)
prematura, diferenças anatômicas, variação
dos mecanismos fisiopatológicos e
forma diferente dos sintomas. Outro fator importante a ser considerado
é a
associação do gênero feminino e a
diminuição do nível de estrogênio por
cirurgia ou pós-menstrual. Esse hormônio desempenha uma
ação protetora, agindo
no sistema cardiovascular causando efeitos a curto prazo: aumento da
vasodilatação e a liberação de óxido
nítrico; e longo prazo: diminuição da
aterosclerose, lesão vascular e aumento das células
musculares lisas,
favorecendo o desenvolvimento das células endoteliais. Sua
diminuição causa um
avanço na progressão da placa aterosclerótica e
HAS [3,6].
Fatores
psicológicos
(depressão, percepções da doença,
ansiedade) estão relacionados à adição de
novos ECA e redução da qualidade de vida. Nesse sentido
é necessário trabalhar
o paciente para o enfrentamento da situação, garantindo o
envolvimento dinâmico
do paciente, como alterações na mudança do estilo
de vida (prática de
atividades físicas e nutrição saudável),
além da adesão à medicação;
gerenciamento do estresse crônico. O enfrentamento norteado para
as atividades
diárias está condicionado às respostas
biológicas favoráveis [11].
Prevenção
e tratamento
Autoridades na área da
saúde devem impor regulamentos, normas e modificar as leis com a meta de
conversão no perfil epidemiológico do grupo de risco [12].
A participação em programas
de reabilitação cardíaca promove a adesão ao tratamento medicamentoso e permite
um controle mais próximo dos fatores de risco, diminuindo a mortalidade em
vários países [12,13].
Considerando que os
fatores de risco para DAC são em grande parte modificáveis, é necessário adotar
medidas eficazes para prevenção de eventos recorrentes. Padrão alimentar
adequado, diminuição no consumo de sódio, moderação na ingesta alcoólica,
controle do peso e prática de atividade física. Tratamento relacionado ao
tabaco, direcionar para programa de cessação de tabagismo combinado com a
farmacoterapia tem se mostrado eficaz. Além disso, englobar a família, evitar a
exposição a locais com fumantes é extremamente importante [12,13].
Modificações no estilo
de vida incluem a prática de exercícios físicos, sendo atestado mundialmente
como benéfico e seu resultado favorece a prevenção de ECA. O Institute for Health Care Excellence (NICE) indica a prática de 150 minutos de
exercícios físicos de moderada intensidade ou 75 minutos de atividade vigorosa
semanalmente [14].
A dieta empreende um
papel expressivo no risco para ECA, porém, as diretrizes não têm uma
concordância igualitária sobre o tema. A Americam Hearth Association
(AHA) sugere dietas que visam o controle da PA, pobre em gorduras saturadas e
açucares e rica em vegetais, frutas e grãos integrais. A European Society of Cardiology
(ESC) recomenda uma dieta com ácidos graxos poli-insaturados, acrescido de
fibras, vegetais, frutas e peixe, além da abstenção de álcool e adesão a uma
dieta estilo mediterrâneo. A NICE sugere redução do consumo de gordura
saturada, adição de ácidos graxos monoinsaturados e cinco porções de legumes e
frutas diariamente e consumo de duas vezes por semana de peixe, além de dieta rica
em fibras [14].
Redução da pressão
arterial (PA) pode ser realizado através da dieta hipossódica. AHA sugere 2,4 g
diária, NICE 6 g reduzindo para 3 g até 2025 e ESC 5-6 g.
No entanto, como essa redução ocorre após no mínimo 4 semanas, se houver risco
de ECA, deve ser instituído tratamento farmacológico para redução imediata da
PA. O tipo de droga a ser utilizado varia de acordo com cada indivíduo, devendo
ser considerado fatores adicionais como comorbidades, idades, ECA, etnia
[13,14].
O uso de inibidores da
enzima conversora da angiotensina (IECA) e os bloqueadores dos receptores de
angiotensina II (BRA) é essencial para prevenção de eventos recorrentes, em
pacientes com e sem sinais de insuficiência cardíaca ou disfunção sistólica do
ventrículo esquerdo, interrompendo a remodelagem das células miocárdicas e com
DAC estável. Estudo de Chinwong expõe que de 405
pacientes tratados com IECA/BRA, 235 não sofreram IAM recorrente, 18 tiveram um
episódio recorrente e 09 mais que 02 eventos [2,5].
As estatinas são
utilizadas desde a década de 1980 para a redução dos níveis lipídicos.
Atualmente, a sociedade americana propõe estatinas para a prevenção primária
com LDL sérico > 4,9 mmol/L, independente do perfil de risco; a europeia
aconselha para pacientes com alto risco ou com níveis elevados de colesterol
> 4,9 mmol/L. Os efeitos colaterais das estatinas incluem artralgia, mialgia
e transtornos gastrointestinais temporários [14,15].
Terapia antiplaquetária
deve ser instituída para prevenção secundária (75-160 mg diária), além dos
betabloqueadores após IAM [15].
Os fatores de riscos
são muitos semelhantes para o primeiro e demais eventos recorrentes. Podemos
destacar que o IAM S/SST está associado a maior recorrência, principalmente
dentro do primeiro ano e com maior mortalidade a partir do segundo evento.
Procedimentos de revascularização quando realizados precocemente e associados
ao uso de medicações modificadoras da doença aterosclerótica e controle
agressivo dos fatores de risco reduzem o risco de recorrência de novos
episódios de IAM.