ARTIGO
ORIGINAL
Internações
hospitalares por dependência química no Brasil: um estudo epidemiológico
Raiane Jordan da Silva
Araújo*, Janaína Paula Calheiros Pereira Sobral, M.Sc.**, Roberta Virtuoso de
Souza***, Yasmin Virtuoso de Souza****
*Enfermeira,
Especialista em Saúde Mental, Especialista em Gestão em Saúde Pública, Hospital
Universitário Professor Alberto Antunes, Maceió/AL, **Enfermeira, Mestra em
Enfermagem, Universidade Federal de Alagoas/UFAL, Maceió/AL, ***Enfermeira,
Especialista em Oncologia, Faculdade SEUNE/AL, ****Acadêmica de Enfermagem,
Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas/UNCISAL, Maceió/AL
Recebido em 26 de março
de 2018; aceito em 10 de janeiro de 2019.
Correspondência: Raiane
Jordan da Silva Araújo, Hospital Universitário Professor Alberto Antunes, setor
de Radiologia, Av. Lourival Melo Mota, S/N Tabuleiro do Martins 57072-970
Maceió AL, E-mail: raianejsa@hotmail.com; Janaína Paula Calheiros Pereira
Sobral: nainacalheiros2@gmail.com; Roberta Virtuoso de Souza:
robertav.souza@hotmail.com; Yasmin Virtuoso de Souza:
yasminvirtuoso@hotmail.com
Resumo
Esta pesquisa teve como
objetivo analisar os dados epidemiológicos acerca das internações hospitalares
por transtornos mentais e comportamentais decorrentes do abuso do álcool e de
outras substâncias psicoativas no Brasil, de 2007 a 2016. Configura-se uma
pesquisa descritiva de corte transversal com abordagem quantitativa baseada em
dados documentais oriundos do Sistema de Informações Hospitalares/DATASUS. Os percentuais
analisados e discutidos foram: ano, sexo, idade e região. Houve redução de mais
de 30% na quantidade de internações no período de 2011 a 2016, com
predominância no sexo masculino, faixa etária de 30 a 49 anos, em São Paulo e
Região Sudeste. O presente estudo constatou que houve impacto positivo na saúde
pública no sentido da desinstitucionalização nos tratamentos em saúde mental e
que o público feminino e a região sudeste precisam ser alvos de mais ações em
relação ao uso do álcool e de outras substâncias psicoativas e a redução de
danos.
Palavras-chave: transtornos
relacionados ao uso de substâncias, hospitalização, saúde mental.
Abstract
Hospitalizations by chemical dependency in Brazil: an
epidemiological study
This
study aimed to analyze the epidemiological data about hospital admissions due
to mental and behavioral disorders resulting from alcohol and other
psychoactive substances abuse in Brazil from 2007 to 2016. A descriptive
cross-sectional study with a quantitative approach based on documentary data
from the Hospital Information System / DATASUS. The percentages analyzed and
discussed were: year, sex, age and region. There was a reduction of more than
30% in the number of hospitalizations in the period from 2011 to 2016, with a
predominance of males, aged between 30 and 49 years, in São Paulo and Southeast
Region. The present study found that there was a positive impact on public
health in the sense of deinstitutionalization in mental health treatments and
that the female audience and the southeast region need to be targets of more
actions regarding the use of alcohol and other psychoactive substances and the
reduction of damage.
Key-words: disorders
related to substance use, hospitalization, mental health.
Resumen
Internaciones hospitalarias por dependencia
química en Brasil: un estudio epidemiológico
Esta investigación tuvo como objetivo analizar los datos
epidemiológicos acerca de las internaciones
hospitalarias por trastornos
mentales y comportamentales
derivados del abuso del alcohol y de otras sustancias psicoactivas en Brasil, de 2007 a 2016. Se configura una investigación descriptiva de
corte transversal con abordaje
cuantitativo basado en datos documentales
provenientes del Sistema de Informaciones
Hospitalarias / DATASUS. Los porcentuales
analizados y discutidos fueron:
año, sexo, edad y región. En el
período de 2011 a 2016, con predominio
en el sexo masculino, grupo
de edad de 30 a 49 años, en São Paulo y Región Sudeste hubo reducción de más del 30% en la
cantidad de internaciones.
El presente estudio constató
que hubo un impacto
positivo en la salud pública en el sentido de la desinstitucionalización en los tratamientos en salud mental y que el público femenino y la región sudeste necesitan de ser objeto de más acciones
en relación al uso del alcohol y de otras sustancias psicoactivas y la reducción de daños.
Palabras-clave: trastornos
relacionados con el uso de sustancias, hospitalización, salud mental.
O uso de drogas é um
fenômeno utilizado com um recurso que acompanha o ser humano ao logo de toda a
história não se reduzindo a uma relação linear de causa e efeito, mas insere-se
numa perspectiva complexa, por envolver fatores pessoais e
também políticos e sociais [1,2].
O processo de
adoecimento psíquico decorrente do uso de drogas, independentemente de ser
devido ao uso do álcool ou de outras substâncias psicoativas, podem levar ao
usuário a necessidade de um tratamento através da internação hospitalar. Mesmo
desconsiderando, em alguns casos, a vontade e o desejo do sujeito para iniciar
o tratamento [2].
A internação hospitalar
psiquiátrica é um momento que causa sofrimento mental para o sujeito, uma vez
que impede o processo de trocas sociais, pois, ao visar à proteção do sujeito e
seu entorno, se opera um cerceamento físico, subjetivo e dos afetos, pela
deslegitimação do diálogo no momento da crise, anulando esse sujeito nas
relações [3].
E o processo de reinternação é algo observado no contexto hospitalar
psiquiátrico e ocasionado por diferentes motivos, entre eles ocasionados pelo
sujeito (recaídas, falta de adesão ou abandono ao tratamento), pela ausência do
suporte social e familiar, pelo próprio sistema de saúde (falta de medicações,
falta de profissionais nos serviços da rede) [4].
Nota-se a insuficiência
dos serviços substitutivos e a ineficiência da assistência, que resultam, entre
outros problemas, no fenômeno da reinternação
psiquiátrica [5].
Assim, o modelo de
atendimento substitutivo promovido no Brasil, e que privilegia serviços extrahospitalares, se propõe a reduzir a importância do
hospital no sistema como um todo [6]. Porém, a reinternação
psiquiátrica, como fenômeno atual, desvela o processo ainda inconcluso e não
consolidado da Reforma Psiquiátrica e confirma que a efetiva
desinstitucionalização só ocorrerá com a devida substituição do modelo hospitalocêntrico pela Atenção Psicossocial [5].
Na atenção em saúde
mental, é preciso construir estratégias e dispositivos que busquem resgatar ao
sujeito, seu lugar de protagonista nas ações, fomentando a cotidianidade nos
serviços de saúde e rede que reinscreva o processo de adoecimento como parte
integrante da vida [3].
Estas estratégias podem
ser desenvolvidas a partir da análise dos indicadores de saúde da população,
entre eles os índices de hospitalização, que no contexto da saúde mental,
indicam não só números, mas expressam a efetivação da Reforma Psiquiátrica.
Assim, este estudo teve
como objetivo analisar os dados epidemiológicos acerca das internações
hospitalares por Transtornos Mentais e Comportamentais (TMC) decorrentes do
abuso do álcool e de outras substâncias psicoativas no Brasil, no decênio de
2007 a 2016, caracterizando assim as internações por dependência química no
âmbito hospitalar do sistema público brasileiro.
Estudo de caráter
transversal, baseado em dados secundários, coletados no site do Departamento de
Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), no Sistema de Informações
Hospitalares (SIH).
A triagem dos dados
ocorreu em dezembro de 2017, a partir da plataforma Informações de Saúde
(TABNET), com a seleção do item “Epidemiológicas e Morbidade” e em seguida com
a escolha da opção “Morbidade Hospitalar do SUS, o que permitiu acessar o banco
de dados do Sistema de Informação Hospitalar (SIH/SUS) e escolher a opção “por
local de internação” no Brasil. Foram selecionadas as informações relacionadas
às internações hospitalares e o capítulo V da Classificação Internacional de
Doenças, 10ª Revisão (CID-10), mais precisamente, a lista de morbidades com
diagnósticos de F10 (TMC devido ao uso de álcool) e de F19 (TMC devido ao uso
de outras substâncias psicoativas), no decênio de 2007 a 2016.
Foram incluídas no
estudo todas as internações por TMC devido ao uso do álcool e de outras
substâncias psicoativas que o SIH/SUS apresentou na busca, incluindo dados de
menores de 10 anos, mesmo não sendo números significativos para considerar na
discussão.
Os dados do
DATASUS/TABNET/SIH foram exportados para o programa Microsoft Excel® 2016,
tabulados e analisados por frequência simples. As internações hospitalares por
agrupamentos da CID-10 foram analisadas com a realização de cruzamentos com ano
da internação, sexo, faixa etária e Região do Brasil.
Os dados adquiridos
estão disponíveis na internet, para livre consulta, disponibilizados pelo
Ministério da Saúde, apresentando domínio público e preservando o sigilo dos
seres humanos envolvidos, não necessitando da submissão ao Comitê de Ética em
Pesquisa.
Foram identificadas
958.635 internações hospitalares por dependência química considerando o
somatório das internações por TMC devido ao uso do álcool e as internações por
TMC devido ao uso de outras substâncias psicoativas.
O período de maior
quantidade dessas internações foi no ano de 2011 com 108.715, representando
11,3% de todas as internações no período de 2007 a 2016.
É possível observar
através do Gráfico 1 que, a partir desse período, houve um declínio no seu
índice, chegando a 74.481 no último ano analisado (2016). Essa diminuição pode
ser considerada positiva, pois reduziu em 30% a quantidade das internações por
dependência química no Brasil.
Fonte: Ministério da
Saúde, DATASUS.
Gráfico 1 - Quantidade de internações por transtornos mentais e comportamentais
devido ao uso do álcool e de outras substâncias psicoativas, por ano, no
Brasil, 2007-2016.
Ao visualizar o Gráfico
2 é possível notar que houve um destaque na prevalência do sexo masculino com
818235 equivalente a 85,3% de todas as internações por dependência química no
Brasil no período de 2007 a 2016.
Fonte: Ministério da
Saúde, DATASUS.
Gráfico 2 - Quantidade de internações por transtornos mentais e comportamentais
devido ao uso do álcool e de outras substâncias psicoativas, por sexo, no
Brasil, 2007-2016.
Os dados disponíveis no
DATA/SUS relacionados a esta temática exibem cortes de idades com intervalo de
4 anos, inclusive nas faixas etárias inferiores a 10 anos, porém neste estudo
como forma de generalizar a faixa etária que corresponde ao grupo de crianças e
adolescentes foi considerado o somatório desses dados disponíveis e
categorizado em menores de 19 anos. Exibindo na totalidade quatro faixas
etárias: até 19 anos, de 20 a 39 anos, de 40 a 59 anos e de 60 anos a mais.
Percebeu-se que os adultos jovens na faixa etária de 20 a 39 anos apresentaram
maior índice na quantidade das internações por dependência química com o total
de 474.768 equivalente a quase metade do total analisado (49,5%), conforme
descrito no Gráfico 3.
Fonte: Ministério da
Saúde, DATASUS.
Gráfico 3 - Quantidade de internações por transtornos mentais e comportamentais
devido ao uso do álcool e de outras substâncias psicoativas, por faixa etária,
no Brasil, 2007-2016.
Através da Tabela I
fica evidente que as regiões sul e sudeste apresentam os maiores índices na
quantidade de internações por dependência química quando comparadas as demais
regiões do país, sendo a região sudeste a que predomina com 374.472 sendo 39,1%
de todas as internações avaliadas.
Tabela I - Quantidade de internações por transtornos mentais e comportamentais
devido ao uso do álcool e de outras substâncias psicoativas, por região, no
Brasil, 2007-2016.
Fonte: Ministério da
Saúde, DATASUS.
A redução de 30% de
internações psiquiátricas por dependência química no Brasil, no período de 2007
a 2016, pode ser considerada algo positivo na saúde pública e na questão da
desinstitucionalização dos leitos psiquiátricos, pois outro estudo que abordou
esta temática, na primeira década após a implantação da reforma psiquiátrica no
Brasil, não identificou redução significativa nessa taxa de hospitalização, mas
destacou que poderia ser reflexo do equilíbrio entre a pressão por aumento de
demanda e a ampliação da capacidade de atendimento pela implantação dos CAPS e
das redes locais de saúde [6].
O ano de 2016 também
foi considerado o ano de menor índice de internações hospitalares por
transtornos mentais e comportamentais em idosos brasileiros, e as internações
devido ao uso do álcool e de outras substancias psicoativas representaram 25%
do destas [8].
Todavia, outro estudo
realizado também no Brasil, especificamente no Ceará, investigou essa mesma
temática, dirigida ao público de crianças e adolescentes no período de 2000 a
2015 e não encontrou variação significativa nas taxas de hospitalização por
dependência química. Este dado pode ser explicado justamente pelos resultados
desta pesquisa na qual demonstrou que a maior quantidade deste fenômeno não
está associada a faixa etária de crianças e adolescentes [9].
Em contrapartida mais
um estudo, com esta mesma temática e nessa mesma primeira década (2000 a 2011)
sendo apenas em um Estado brasileiro, observou aumento das taxas de internações
hospitalares devido aos transtornos mentais e comportamentais por uso de álcool
e outras substâncias psicoativas [10].
A predominância de
internações no sexo masculino nesta pesquisa é semelhante ao estudo que avaliou
os dados sociodemográficos na reinternação
psiquiátrica em um Estado do Brasil e mais um estudo que avaliou esta mesma
temática sendo no período de 2010 a 2012 em outro Estado brasileiro [4,6].
Mais um estudo aponta a
prevalência de internações masculinas, entre o período de 2012 a 2016,
relacionadas à dependência química em pessoas idosas, principalmente as que são
devido ao uso do álcool [8].
Foi possível
identificar que a prevalência do sexo masculino em internações por dependência
química está presente, mesmo no público mais jovem, conforme resultado de outra
pesquisa brasileira [9].
Os adultos jovens
também apresentaram prevalência na quantidade de internações em outro estudo,
embora a categorização da faixa etária (30 a 49 anos) não tenha sido igual ao
desta pesquisa, ainda assim representa o público jovem da fase adulta [4].
Outro estudo apresenta
dados semelhantes aos encontrados nesta pesquisa, o qual evidenciou que as
internações por transtornos relacionados à dependência química foram muito
frequentes na população jovem com predominância da faixa etária entre 20 a 49
anos [11].
O público masculino
jovem com a média de idade de 36,5 anos também foi caracterizado como
predominante nas internações por intoxicação na dependência química em mais um
estudo realizado no Brasil [12].
Assim como esta pesquisa
evidenciou-se a região sudeste, como a região do país que apresenta o maior
número de internação hospitalar por dependência química. Outro estudo que
avaliou de forma geral as internações por transtorno mental comportamental em
idosos também caracterizou esta mesma região como a que detém também esta maior quantidade [8].
Este estudo nos
possibilitou compreender que as internações por dependência química no âmbito
hospitalar público, no Brasil, ainda expressam números altos, mesmo tendo um
declínio de mais de 30% no último analisado (2016). No entanto, esta
porcentagem já tem sido um resultado favorável, na luta pela redução de
hospitalizações psiquiátricas no país.
Ao relacionar os dados
encontrados nesta pesquisa com outros estudos realizados no Brasil, de mesma
temática, em períodos e públicos diferentes, foi possível observar que houve
variação de resultados.
Os homens, mesmo em
faixas etárias diferentes, são caracterizados como o público mais prevalente
nestas internações hospitalares públicas para o tratamento da dependência
química, o que evidencia um dado de alerta para realização de ações voltadas a
saúde do homem nesta perspectiva da saúde mental.
Jovens adultos,
especificamente entre 20 e 39 anos, também devem ser alvos de mais ações de
saúde pública no combate ao uso do álcool e outras drogas, uma vez que eles
exibiram os maiores números destas internações.
A região sudeste,
igualmente, precisa fortalecer as políticas de saúde que visem à redução desse
índice, garantindo rede de amparo aos usuários de drogas com o intuito de
evitar a dependência química dessas pessoas.
Esses dados
epidemiológicos retratam não somente informações expressas por preenchimentos
de guias de informação em saúde, mas principalmente apresentam a situação de
saúde, neste caso, a saúde mental da população brasileira diante do uso e abuso
de drogas e ainda a necessidade de estratégias factíveis que promovam melhorias
para que esse público tenha estímulo para o enfrentamento da problemática
relativa ao uso de álcool e de substâncias psicoativas.
Essas estratégias podem
ser discutidas e elaboradas com a participação de diferentes atores envolvidos,
como os gestores públicos, os profissionais que compõem a Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS), a comunidade e os próprios usuários das substâncias
psicoativas, objetivando a pactuação de métodos que alcancem resultados
positivos e melhorem cada vez mais os indicadores de saúde mental.
Como propostas de
embate ao assunto em questão, torna-se possível sinalizar medidas preventivas
como as ações em saúde, para que sejam inseridas com mais frequência a partir
de uma responsabilização intersetorial, saúde, educação e outros, que
possibilitem dialogar com os jovens e adolescentes o uso e abuso do álcool e
outras drogas, tornando a base de medidas preventivas. Outra proposta seria o
fortalecimento da RAPS com mais investimentos públicos financeiros,
possibilitando maiores impactos nos serviços que substituem a internação
hospitalar.
Sugere-se ainda uma
investigação aprofundada dos números obtidos de internações por TMC em menores
de 10 anos, visto que a ocorrência delas expressa uma realidade preocupante por
representar crianças em situação de adoecimento psíquico resultante do acesso
ao uso ou abuso de drogas.
Ressalta-se a
necessidade de realização de mais estudos com esta temática no sentido de
identificar o que favorece a ocorrência das internações e reinternações
por TMC devido ao uso e abuso do álcool e outras substâncias psicoativas.