ARTIGO ORIGINAL

Internamentos por acidentes de transporte em um hospital público baiano 

 

Douglas de Souza e Silva*, Adriana Ribeiro Oliveira**, Daniela Fagundes de Oliveira, M.Sc.***, Marcela Messeder Dias****, Jéssica Oliveira Lobo*****, Tássia Nery Faustino, M.Sc.******, Magno Conceição das Merces, M.Sc.*******

 

*Enfermeiro graduado pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Residente em Terapia Intensiva pela UNEB, **Enfermeira graduada pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Residente em Terapia Intensiva pela UNEB, *** Enfermeira, Universidade Federal da Bahia (UFBA), ****Enfermeira Especialista em Unidade de Terapia Intensiva, *****Enfermeira Especialista em Emergência e Unidade de Terapia Intensiva, ******Enfermeira, Professora do Departamento de Ciências da Vida da UNEB, Campus I, *******Biólogo e Enfermeiro, Professor do Departamento de Ciências da Vida da UNEB, Campus I

 

Recebido em 16 de novembro de 2017; aceito em 20 de fevereiro de 2018.

Endereço para correspondência: Douglas de Souza e Silva, Rua Silveira Martins, 2555, Cabula 41150-000 Salvador BA, E-mail: douglasss-gbi@hotmail.com.; Adriana Ribeiro Oliveira: enfa.oliveira@gmail.com; Daniela Fagundes de Oliveira: danielafagundes@hotmail.com; Marcela Messeder Dias: messedermarcela@gmail.com; Jéssica Oliveira Lobo: jel_lobo@yahoo.com.br; Tássia Nery Faustino: tassiafaustino@yahoo.com.br; Magno Conceição das Merces: mmerces@uneb.br

 

Resumo

Introdução: As causas externas de morbimortalidade vêm ocupando lugar de destaque na lista de agravos no mundo. Há ênfase para os acidentes de trânsito que representam uma grande parcela dos casos. Objetivo: Descrever o perfil dos internamentos por acidentes de transporte no Hospital Geral do Estado (HGE), localizado em Salvador/BA no ano de 2016. Material e métodos: Estudo transversal, descritivo, com dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), disponibilizados eletronicamente no portal eletrônico do Departamento de Informática do SUS. Foram incluídos os internamentos segundo a Classificação Internacional de Doenças, com o grupo de causas compreendidas com o código V01 a V99. Utilizaram-se as variáveis para análise: sexo, faixa etária, raça/cor e óbitos. Os dados foram tabulados e analisados com o Microsoft Office Excel, com cálculos das frequências absolutas e relativas. Resultados: Ocorreram 2.103 internações decorrentes de acidentes de transporte. Destes, 86,1% foram do sexo masculino e a maior concentração foi de adultos jovens de 20 a 49 anos (70,8%), 64,6% dos internamentos acometeram motociclistas, 2,6% dos casos evoluíram para óbito, destes 51,8% envolveram motociclistas. Conclusão: O perfil analisado foi constituído em sua maioria por homens, adultos jovens, e acidentes envolvendo motociclistas, sendo esta causa com a maior mortalidade.

Palavras-chave: acidentes de trânsito, motocicletas, hospitalização, epidemiologia.

 

Abstract

Internship for transportation facilities accidents in a public hospital of Bahia State, Brazil

Introduction: External causes of morbidity and mortality have been prominent in the list of causes of diseases in the world. There are highlights for traffic accidents which account for a large portion of the cases. Objective: The aim of this study was to describe the epidemiological profile of hospitalizations for transportation facilities accidents at the State General Hospital (SGH), located in Salvador/BA, Brazil, in 2016. Methods: Descriptive cross-sectional study using data from the SUS’ Hospital Information System, available electronically on the electronic portal of the Department of Information Technology of SUS. The hospitalizations, according to the International Classification of Diseases were included, with the group of causes included with code V01 to V99. The variables for analysis were sex, age, race/color and death. The data was tabulated and analyzed with Microsoft Office Excel program. Results: 2.103 hospitalizations occurred due to transportation accidents. Whereof 86.1% of these were male and the highest concentration of hospitalizations was young adults aged 20 to 49 years (70.8%), 64.6% of hospitalizations affected motorcyclists, 2.6% of the cases died, 51.8% of these cases involved motorcyclists. Conclusion: The analyzed profile is consisted mostly of men, young adults, and the accidents involving motorcyclists are the cause with the highest mortality.

Key-words: traffic accidents, motorcycles, hospitalization, epidemiology.

 

Resumen

Admisiones por accidentes de transporte en un hospital público baiano

Introducción: Las causas externas de morbimortalidad vienen ocupando un lugar destacado en la lista de agravios en el mundo. Hay un énfasis en los accidentes de tránsito que representan una gran parte de los casos. Objetivo: Describir el perfil de las internaciones por accidentes de transporte en el Hospital General del Estado (HGE), ubicado en Salvador, Bahía, Brasil, en el año 2016. Material y métodos: Estudio transversal, descriptivo, con datos del Sistema de Informaciones Hospitalarias del Sistema Único de Salud (SUS), disponibles electrónicamente en el portal electrónico del Departamento de Informática del SUS. Se incluyeron las internaciones según la Clasificación Internacional de Enfermedades, con el grupo de causas comprendidas con el código V01 a V99. Se utilizaron las variables para análisis: sexo, grupo de edad, raza / color y muertes. Los datos fueron tabulados y analizados con Microsoft Office Excel, con cálculos de las frecuencias absolutas y relativas. Resultados: Sucedió 2.103 internaciones derivadas de accidentes de transporte. De ellos, el 86,1% fue del sexo masculino y la mayor concentración fue de adultos jóvenes de 20 a 49 años (70,8%). El 64,6% de las internaciones acometieron motociclistas. El 2,6% de los casos evolucionó a muerte, de los 51,8% involucrados en motociclistas. Conclusión: El perfil analizado fue constituido en su mayoría por hombres, adultos jóvenes, y accidentes involucrando a los motociclistas, siendo esta causa con la mayor mortalidad.

Palabras-clave: accidentes de tránsito, motocicletas, hospitalización, epidemiología.

 

Introdução

 

As causas externas de morbimortalidade são reconhecidas como um grave problema de Saúde Pública no Brasil. Definem-se causas externas como o conjunto de agravos à saúde responsáveis por algum tipo de lesão, seja física, mental ou psicológica, sendo possível apresentar desfecho de óbito. Assim, além do impacto no perfil de mortalidade, elas representam um importante desafio para o padrão de morbidade da população, visto o elevado número de internações e ocorrência de sequelas aos acometidos [1,2].

As causas externas vêm ocupando lugar de destaque na lista de causas de óbitos no mundo. Há destaques para os acidentes de trânsito que representam uma grande parcela dos casos. Nota-se o crescente crescimento da frota de veículos como automóveis e motocicletas e o não acompanhamento proporcional de mudanças que melhorem o tráfego e promovam adequada instrução dos condutores e pedestres, levando a um problema social grave [3].

Dentre as causas externas de mortalidade, 25% correspondem aos acidentes de transporte, taxa considerada alarmante pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As estimativas apontam tendência crescente desses números, que deverão aumentar em 40% até 2030 [4,5]. Estima-se aproximadamente 1,2 milhão de pessoas vítimas de acidentes de trânsito ao redor do mundo [6].

No Brasil, os acidentes automobilísticos são responsáveis, aproximadamente, por quase 50 mil mortes por ano levando a altas taxas de morbidade e vítimas com lesões graves [7,8]. Os impactos gerados pelos acidentes de transportes são extremamente relevantes, visto que ocasionam uma sobrecarga em prontos-socorros, hospitais e setores de reabilitação, sendo nesta conjuntura um problema de grande impacto principalmente em países menos desenvolvidos [9].

De acordo com dados da OMS, o Brasil ocupa o terceiro lugar entre os países com maior número de mortes no trânsito. Porém, entre o grupo de países com desenvolvimento econômico e população semelhante, o Brasil apresenta o maior risco de morte, 22,5 óbitos por 100 mil habitantes, apresentando uma relevante repercussão financeira para o Sistema Único de Saúde (SUS) [10].

O presente estudo teve como objetivo descrever o perfil epidemiológico dos internamentos por acidentes de transporte em um hospital público, no ano de 2016, localizado na Bahia, estado mais populoso do Nordeste.

 

Material e métodos

 

Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo e descritivo, com dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), disponibilizados eletronicamente pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, no portal eletrônico do Departamento de Informática do SUS [11].

Os dados são referentes ao Hospital Geral do Estado (HGE), público, localizado na cidade de Salvador, capital da Bahia, Brasil, que possui serviços de urgência e emergência, internação, apoio e diagnóstico com atuação no segmento médico de alta complexidade e é, dentro do referido estado, o maior hospital especializado em atendimento a trauma, sendo referência no atendimento público às vítimas de acidentes de transportes no âmbito estadual.

A coleta ocorreu no mês de junho de 2017, sendo conduzida por dois profissionais de saúde. No primeiro momento cada um dos profissionais coletaram os dados individualmente e posteriormente foram confrontados a fim de verificar se as variáveis de interesse foram coletadas corretamente.

Foram incluídos os internamentos registrados no SIH/SUS segundo a Classificação Internacional de Doenças, em sua 10ª revisão (CID-10), com o grupo de causas compreendidas com o código V01 a V99, referentes a acidentes de transporte.

Utilizaram-se as seguintes variáveis para análise, a saber: sexo, faixa etária, raça/cor, grupos de causas relacionados aos acidentes de transporte e óbito. Os dados foram tabulados e analisados com auxílio do Microsoft Office Excel, com cálculos das frequências absolutas e relativas, sendo sumarizados em tabelas.

Por se tratar de um estudo com dados secundários e efetuado em uma plataforma de domínio público, dispensa-se a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos.

 

Resultados

 

No ano de 2016 foram registradas no Hospital Geral do Estado 2.103 internações decorrentes de acidentes de transporte (tabela I). Destas, 86,1% (1.811) foram em pessoas do sexo masculino e 13,9% (292) feminino. Em relação à faixa etária, verifica-se que a maior concentração de internamentos em adultos jovens de 20 a 49 anos de idade, correspondendo a 70,8% (1491). Neste ínterim, 73,3% (1.328) dos homens e 56% (163) das mulheres estavam contidos nesta faixa etária.

 

Tabela IInternações por acidentes de transporte de acordo com a idade e sexo no Hospital Geral do Estado, Salvador/BA Brasil, 2016.

 

Fonte: MS - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), 2016.

 

Os dados referentes à raça/cor apresentam-se em sua maioria como ignorados, perfazendo um total de 99,5%, o que impossibilita levantamentos de hipóteses relacionadas aos determinantes e condicionantes do processo saúde/doença.

Em relação aos grupos de causas relacionados aos acidentes de transporte (tabela II), verifica-se que 26% (547) dos internamentos acometeram pedestres, 9,3% (194) foram de ocupantes de automóvel e,  em sua maioria, com 64,6% dos casos (1.360) os motociclistas.

No tocante à mortalidade, 2,6% (56) dos casos evoluíram para óbito, destes, 51,8% (29) foram em motociclistas, 37,5% (21) pedestres e 10,7% (6) ocupantes de automóveis.

 

Tabela IIInternações e óbitos por acidentes de transporte segundo grupo de causa no Hospital Geral do Estado, Salvador/BA, Brasil, 2016.

 

Fonte: MS - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), 2016.

 

Discussão

 

O presente estudo evidenciou que no período analisado o perfil de internamentos por acidentes de transporte no HGE foi constituído em sua maioria por homens, adultos jovens, com predominância de acidentes envolvendo motociclistas. Tais dados estão em concordância com os resultados da pesquisa de Lignani e Villela, efetuada em Belo Horizonte/MG, que verificou um predomínio do sexo masculino e de adultos jovens nas internações por causas externas, apontando o estilo de vida e as diferenças comportamentais entre os sexos como um possível fator de predisposição [12].

Associadamente, um estudo de revisão sobre o perfil epidemiológico de ocorrências no trânsito no Brasil demonstra o crescente aumento do número de acidentes. Adultos jovens, gênero masculino, foram os que mais se envolveram em acidentes de trânsito. O veículo mais citado nos estudos foram as motocicletas, sendo as causas mais relacionadas: uso do álcool, alta velocidade, inexperiência por parte de alguns, e o não uso de equipamentos de proteção individual (EPI) necessários para a utilização deste veículo, originando uma contribuição direta para o aumento da morbimortalidade da população [13].

Um estudo realizado em Cuiabá/MS, ao descrever o perfil de vítimas de acidentes de transportes em unidades de urgência e emergência evidenciou que a maioria das vítimas era do sexo masculino, jovens, de cor da pele preta e com 9 a11 anos de estudo. Prevaleceram os acidentes envolvendo condutores e motociclistas (73,0%) com ocorrência nos finais de semana o que se infere o uso do álcool, alta velocidade e a não adesão do uso de EPI [14].

Mascarenhas e Barros destacam em seu estudo que objetivou descrever a evolução das hospitalizações por causas externas no Brasil, no período de 2002 a 2011, o aumento progressivo da demanda de internação hospitalar, sobretudo das causas acidentais, com destaque para acidentes de transportes terrestres e quedas, nos serviços públicos do Brasil, nos últimos anos [2].

Estudo aponta o impacto da morbimortalidade por acidentes de transporte entre homens e na população de adultos jovens [15]. Há estimativas de que os acidentes de transportes terrestres irão se destacar como uma das maiores causas de mortes no ano 2030, com ênfase nas regiões geográficas onde o advento da motorização não for seguido de condições e estratégias de melhoria e segurança viária [16].

Neste ínterim, destaca-se a importância dos acidentes envolvendo motociclistas.  Um estudo norte americano sobre hospitalizações relacionadas ao uso da motocicleta em jovens demonstrou que lesões de motocicletas são uma causa substancial de hospitalizações. A magnitude do ploblema envolve custos e alta morbidade [17].

Rodrigues et al. [18] enfatizam que em países mais pobres são piores os casos de mortalidade de motociclistas em relação aos países mais ricos. Assim, destacam que as mudanças econômicas recentes, o aumento rápido das taxas de motorização, a acessibilidade das motocicletas como transporte, a falta de políticas adequadas de transporte público e medidas insuficientes para melhorar a segurança podem explicar essas tendências [18].

Dados da OMS do ano 2015 apontam o Brasil na 3º posição entre os países com mais elevado número de mortes causadas pelo trânsito, com taxa de mortalidade de 23,4 para cada 100 mil habitantes. A velocidade excessiva, condições precárias das vias, não adesão de equipamentos de proteção e a maior facilidade em adesão de veículos de transportes, com ênfase nas motocicletas, fundamentam o aumento desses índices [9].

Destaca-se o aumento de 203,3% na frota de motos no Brasil entre os anos 2005 e 2013 sendo as regiões norte e nordeste com 285% e 307,3% respectivamente [19]. Um aspecto que merece atenção especial é a utilização da motocicleta para fins de trabalho sendo esta o principal veículo nestas regiões [20].

Estudo aponta os gastos com internações hospitalares decorrentes de acidentes de transportes terrestres em 2013, no âmbito do SUS. Assim, obteve-se o montante de R$ 231.469.333,13, dos quais R$ 188.025.095,94 corresponderam a gastos com serviços hospitalares e R$43.361.377,01 com serviços profissionais. O valor médio de internação foi de R$ 1.355,17. Entre as vítimas internadas, foram contabilizados, em total, 1.072.557 dias de permanência nos hospitais, com uma permanência média de 6,3 dias de internação por paciente [21].

 

Conclusão

 

Nota-se que o perfil de internamentos por acidentes de transportes no Hospital Geral do Estado foi constituído em sua maioria por homens, adultos jovens, e, acidentes envolvendo motociclistas, sendo esta causa com a maior mortalidade. Pontua-se que no SIH, são registradas apenas as internações de unidades do sistema público ou de unidades credenciadas a este sistema, o que não permite um levantamento real da morbidade desse agravo, o que pode ser apresentado como limitação do presente estudo. Outras limitações podem ser evidenciadas pela incompletude dos dados disponíveis no sistema de informação utilizado e corte temporal referente a 12 meses.

Salienta-se que medidas preventivas e de promoção da saúde poderiam ajudar na redução dos índices de morbimortalidade, uma vez que iniciativas nesse aspecto proporcionariam gastos menores para o setor público. Sabe-se que esses acidentes causam vários problemas sociais e econômicos sendo os responsáveis por muitas mortes e traumas de toda natureza, fragilizando e incapacitando pessoas, salientando a sobrecarga nos atendimentos do SUS.

Destaca-se que outros estudos com múltiplos métodos de análise devem ser desenvolvidos, a fim de conhecer os fatores associados aos casos de internamentos por acidentes de transportes.

 

Referências

 

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