REVISÃO

Experiências e percepções dos profissionais de saúde sobre o uso do Prontuário Eletrônico do Paciente na atenção primária de saúde

 

Everaldo Nery de Andrade, Ft., D.Sc.*, Maykon dos Santos Marinho**, Felipe Mancini, D.Sc.***

 

*Professor assistente do curso de fisioterapia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), **Enfermeiro, Doutorando do Programa de Pós-graduação em Memória: Linguagem e Sociedade (UESB), ***Graduado em Ciência da Computação, Doutor em Gestão e Informática em Saúde (UNIFESP), professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

 

Recebido em 14 de novembro de 2017; aceito em 20 de fevereiro de 2018.

Endereço para correspondência: Everaldo Nery de Andrade, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Avenida José Moreira Sobrinho, S/n, Jequiezinho 45205-490 Jequié BA, E-mail: everalfisio@yahoo.com.br; Felipe Mancini: felipemancini@yaho.com.br; Maykon dos Santos Marinho: mayckon_ufba@hotmail.com

 

Resumo

Objetivo: Verificar as experiências e percepções dos profissionais de saúde sobre o uso do Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) na atenção primária de saúde. Métodos: Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica de artigos publicados nas Bases Eletrônicas Lilacs, Medline e Scielo entre os anos de 2005 e 2016, utilizando-se os descritores: prontuário eletrônico, prontuários médicos eletrônicos e atenção primária à saúde. Resultados: As percepções positivas foram a redução de duplicidade de registro de pacientes e de despesas nos serviços de saúde, melhora no cuidado do paciente e coordenação entre os níveis assistenciais e administrativos, enquanto que as negativas foram associadas a infraestrutura precária e falta de capacitação. Conclusão: Apesar de os estudos serem escassos e recentes, as experiências sobre o uso da PEP foram, predominantemente, positivas, porém as fragilidades apontadas dificultam a tomada de decisão e o completo monitoramento das ações em saúde.

Palavras-chave: prontuário eletrônico, prontuários médicos eletrônicos, atenção primária à saúde.

 

Abstract

Health professionals’ experiences and perceptions about the use of the patient's electronic medical record in primary health care

Objective: To verify health professionals’ experiences and perceptions about the use of the patient's electronic medical record (EHR) in primary health care. Methods: This is a bibliographic review of articles published in the Electronic Basis Lilacs, Medline and Scielo between the years 2005 and 2016, using the descriptors: electronic record, electronic medical records and primary health care. Results: The positive perceptions were the reduction of double registration of patients and expenses in health services, improvement in patient care and coordination between care and administrative levels, while negative ones were associated with poor infrastructure and lack of capacity building. Conclusion: Although the studies are scarce and recent, the experiences about the use of the PEP were predominantly positive, but the fragilities pointed out make it difficult to make a decision and the complete monitoring of health actions.

Key-words: electronic records, electronic medical records, primary health care.

 

Resumen

Experiencias y percepciones de los profesionales de la salud sobre el uso de la historia clínica electrónica en la atención primaria de salud

Objetivo: Comprobar las experiencias y percepciones de los profesionales de salud sobre en el uso de registros electrónicos de pacientes (PEP) en la atención primaria de salud. Métodos: Se trata de una revisión bibliográfica de los artículos publicados en las bases electrónicas Lilacs, Medline y Scielo entre los años 2005 y 2016, utilizando los descriptores: registros electrónicos, registros médicos electrónicos y atención primaria de salud. Resultados: Las percepciones positivas fueron la reducción de la duplicidad de registros de pacientes y los costes de la asistencia sanitaria, la mejora de la atención al paciente y la coordinación entre la atención y los niveles administrativos, mientras que las negativas se asociaron con una infraestructura deficiente y la falta de formación. Conclusión: Aunque los estudios son escasos y recientes, las experiencias sobre el uso de la PPE han sido predominantemente positivas, pero las debilidades identificadas dificultan la toma de decisiones y el seguimiento completo de las acciones de salud.

Palabras-clave: registros electrónicos, registros médicos electrónicos, atención primaria de salud.

 

Introdução

 

A palavra prontuário possui origem do latim Promptuarium e significa: local em que as informações são classificadas, organizadas e guardadas [1] para facilitar o diagnóstico [2]. Os prontuários são essenciais para a realização de atividades de administração, cuidados e atenção aos pacientes em qualquer unidade de saúde ou mesmo para subsidiar a coleta de dados em pesquisas [3].

O suporte de informações por meio do prontuário impresso foi por muito tempo o único dispositivo utilizado para armazenar as informações em saúde. Entretanto, nas últimas décadas, o surgimento e a expansão tecnológica contribuiu para que os prontuários do paciente sejam mais vantajosos, eficientes e não apenas um repositório de informações [3]. Dessa forma, o Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) é um novo modelo de tratamento de informação em saúde que auxilia nas ações de atenção à saúde da população [2].

Possari [2] considera que o PEP é objeto e processo, já que descreve e armazena uma sequência de eventos, tais como: o registro dos dados pessoais, os procedimentos, prescrições e exames médicos realizados durante o ciclo de vida do paciente, alertas aos usuários, links para bases de conhecimento médico [4]. Assim, o PEP também pode representar uma fonte de informações fundamental no processo de tomada de decisão [5], além de propiciar a redução de custos e a reorganização dos processos de trabalho [6].

O PEP é uma proposta para atender as demandas dos novos modelos de atenção e de gerenciamento da saúde. No Brasil, desde 1920, foram criados vários modelos de sistemas na tentativa de organizar a atenção primária à saúde. Hoje, o sistema de Redes de Atenção à Saúde (RAS) tem sido efetivo na organização das esferas de gestão, porém demandam sistemas de informação evoluídos, para o qual o PEP pode ser indicado [7].

Entretanto, a implantação  do PEP nos serviços de atenção primária à saúde no país é desafiador para o nosso sistema de saúde, pois exige mudanças no processos de trabalho, familiarização dos profissionais ao novo fluxo de registro, uniformização e integração dos diferentes modelos de prontuários com os sistemas de informação vigentes, além da criação de infraestrutura física e  tecnológica.  Assim como no Brasil, os outros países enfrentaram  dificuldades logísticas na implantação e uso do PEP na atenção primária à saúde, e as maiores dificuldades apontadas na literatura estão relacionadas a resistência dos profissionais de saúde em operar o computador, a alteração do processo de trabalho e o impacto no relacionamento com o paciente [2,8].

Nessa perspectiva, os resultados das experiências e percepções dos profissionais de saúde em relação ao PEP podem apontar para possíveis necessidades de mudanças administrativas nas relações dos processos de trabalho e de infraestrutura física e tecnológica nas unidades de atenção primária de saúde.

Desse modo, a partir destas considerações, este artigo pretende responder à seguinte questão: Quais são as experiências e percepções dos profissionais de saúde sobre o uso do Prontuário Eletrônico do Paciente?

Diante do exposto, este estudo tem por objetivo verificar as experiências e percepções dos profissionais de saúde sobre o uso do Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) na atenção primária.

 

Métodologia

 

Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica de caráter descritivo a respeito das experiências e vivências dos profissionais de saúde sobre o uso do Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) na atenção primária de saúde no Brasil ou relacionada a esta temática publicadas entre 2005 e 2016. De acordo com Gil [9], a pesquisa bibliográfica busca explicar um problema a partir de materiais já elaborados, constituído principalmente de livros e artigos científicos.

A realização da pesquisa bibliográfica foi composta por quatro leituras: a exploratória, em que o estudo é avaliado em relação à sua importância; a segunda, em que os materiais bibliográficos interessantes para o estudo são selecionados; a analítica, em que as informações adquiridas são ordenadas para responder os objetivos do estudo; a interpretativa que é caracterizada pela leitura analítica, a fim de relacionar a hipótese com o problema para o qual uma solução é proposta [9].

A pesquisa foi realizada nas bases de dados eletrônicas: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), Scientific Electronic Library Online (Scielo). A busca foi realizada por meio dos seguintes descritores: prontuário eletrônico, prontuários médicos eletrônicos e atenção primária à saúde.

Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram: estudos descritivos publicados em português, disponíveis na integra, gratuitamente, com livre acesso on-line. Artigos repetidos e de revisão bibliográficas, monografias foram excluídos da pesquisa.

A partir do levantamento bibliográfico foi realizado o ordenamento e análise dos seis trabalhos selecionados, para posterior avaliação e discussão dos aspectos apresentados nas pesquisas em relação ao objeto de estudo desta revisão bibliográfica. Para tanto, foram considerados: a distribuição das publicações por região e estado do Brasil, o período de publicação, as principais conclusões [5] e a abordagem do estudo.

 

Resultados e discussão

 

Foram selecionados e analisados seis trabalhos científicos sobre as percepções e as experiências de implantação do PEP na atenção básica no Brasil ou relacionados a esta temática. A maior prevalência de estudos ocorreu na região Sudeste (83,3%) e Sul (16,7%) do Brasil. No Sudeste, dois estudos foram realizados no Rio de Janeiro e três no Estado de Minas Gerais, enquanto que na região Sul, um estudo foi realizado no Paraná. Esses dados corroboram estudo que constatou que cerca de 93% das produções científicas sobre a implantação do PEP no Brasil se concentram nas regiões Sul e Sudeste do país [5].

Apesar da busca bibliográfica ter ocorrido num período compreendido entre os anos de 2005 e 2016, foram encontradas duas publicações em 2012 e um trabalho por ano em 2010, 2011, 2013 e 2015. Entre essas, três artigos foram caracterizados como do tipo exploratório-descritivo e três como estudo de caso. A carência e a prevalência de estudos recentes sobre essa temática estão relacionadas com os avanços ainda contemporâneos sobre as informações necessárias em um prontuário médico e as normas técnicas para a guarda e manuseio dos prontuários dos pacientes [10]. Entretanto, o estabelecimento da obrigatoriedade da adoção do PEP nas unidades básicas de saúde no Brasil, a partir de dezembro de 2016 [11] deve interferir na estatística desses resultados nos próximos anos.

A tabela I apresenta a distribuição das publicações, segundo títulos, objetivos e principais resultados. Observou-se que as publicações analisadas abordavam temáticas como o uso, a análise da funcionalidade e a qualidade da informação do PEP na atenção primária à saúde, apesar de um estudo não ter apontado a existência do PEP nas redes de atenção à saúde [12].

Embora ainda recentes, as experiências e percepções positivas dos profissionais de saúde sobre o uso da PEP na atenção primária à saúde foram prevalentes. Entre elas, destacam-se: a redução na duplicidade de registro de pacientes [15]; a melhora da coordenação do cuidado ao paciente [13] e da comunicação entre os níveis assistenciais, articulando as ações preventivas e curativas [13,14]; o aumento da quantidade de informações relevantes ao planejamento em saúde e da produtividade dos profissionais envolvidos [14]; a redução da duplicação de exames de apoio ao diagnóstico [13,14], de procedimentos médicos e de medicamentos vencidos com consequente articulação entre os sistemas administrativos como almoxarifado e setor de compras, diminuindo os custos assistenciais [14]; a incorporação de protocolos clínicos na tomada de decisão e padronização de condutas clínicas [15].

As percepções e experiências positivas em relação ao uso do PEP corroboram Santos [17] ao afirmar que a introdução de tecnologias de informação traz avanços na organização do processo assistencial. Além disso, a participação dos profissionais de saúde no processo de aprimoramento dos registros eletrônicos é fundamental [18].

 

Tabela IArtigos localizados nas bases de dados Lilacs (2010-2016), Scielo (2010-2016) e Medline (2010-2016) sobre as experiências e percepções dos profissionais de saúde sobre o uso do prontuário eletrônico do paciente (PEP) na atenção primária de saúde.  Vitória da Conquista/BA 2016.

 

PEP = Prontuário eletrônico do paciente; USF = Unidade de saúde da família; SUS= Sistema Único de Saúde; PSF = Programa de saúde da família; ESF = Equipe de saúde da família.

 

 

Por outro lado, alguns aspectos negativos, fragilidades a serem superadas com o aprimoramento do sistema foram citadas, dos quais se destacam: lentidão [3,13], formato rígido e desatualização do software, perda de informações durante o seu uso [13] e segmentação dos programas, mesmo com a presença de coletores eletrônicos de dados, alterando a funcionalidade e padronização das informações sobre o atendimento com outros módulos do sistema [3,15]; evidências de diferenças entre o fluxo de atendimento modelado e o fluxo de atendimento real [3]; prontuários com registros clínicos incompletos e contrários as normas técnicas estabelecidas [16]; necessidade de formação e capacitação de recursos humanos [15]. Segundo os autores, essas adversidades no PEP dificultam a tomada de decisão e monitoramento das ações em saúde [13].

Essas fragilidades no uso do PEP podem estar relacionadas à incipiente implementação desse sistema na atenção primária de saúde [10] e a necessidade de investimentos em tecnologia e capacitação dos recursos humanos para o uso dessa ferramenta. Além disso, o maior uso do PEP ainda ocorre em hospitais e clínicas particulares, em detrimento, da atenção básica e pública [19].

Assim, é importante que novas pesquisas sobre o uso da PEP e as respectivas experiências e percepções dos seus usuários sejam realizadas, principalmente após a recente obrigatoriedade de sua implementação na atenção básica à saúde, a fim de que  suas fragilidades sejam superadas e os aspectos positivos fortalecidos para que todos os benefícios do PEP sejam aproveitados e a assistência à saúde aprimorada.

 

Conclusão

 

Apesar de o número de publicações sobre a temática ser escasso, o uso do PEP pelos profissionais de saúde na atenção primária, apontam, predominantemente, percepções positivas em relação à redução de duplicidade de registro de pacientes e gastos nos serviços de saúde, melhora no cuidado do paciente e da coordenação entre os níveis assistenciais e administrativos. Entretanto, existem experiências negativas relacionadas com infraestrutura precária e falta de capacitação pessoal que dificultam a tomada de decisão e o monitoramento completo das ações em saúde.

 

Referências

 

  1. Mota FRL. Prontuário eletrônico do paciente: Estudo de uso pela equipe de saúde do Centro de Saúde Vista Alegre [Dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2005.
  2. Mourão AD, Neves JTR. Impactos da implantação do prontuário eletrônico do paciente sobre o trabalho dos profissionais de saúde da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. In: Anais do Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia; 2007 out 22-24; Resende, Brasil. Rio de Janeiro; 2007. p. 25-6. 
  3. Godoy JSM, Gonçalves LS, Peres AM, Wolff LDG. O uso do prontuário eletrônico por enfermeiros em Unidades Básicas de Saúde brasileiras. J Health Inform 2012;4(1):3-9.
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  9. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 5 ed. São Paulo: Atlas; 2010.
  10. Galvão MCB, Ricarte ILM. Prontuário do Paciente. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2012.
  11. Brasil. Ministério da Saúde. Em 60 dias, posto de saúde sem prontuário eletrônico perderá recurso federal, 2016. Disponível em URL: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/25937-em-60-dias-posto-de-saude-sem-prontuario-eletronico-perdera-recurso-federal
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