ARTIGO ORIGINAL

A percepção de cuidadoras sobre os cuidados com a criança soropositiva ao HIV

 

Samuel Lima Ferreira*, Isabelle Vasconcelos de Sousa**, Marcos Vinícius Costa Fernandes, M.Sc.***, Arinete Véras Fontes Esteves, D.Sc.****, Ellen Pessoa Rocha, M.Sc.*****

 

*Acadêmico de Enfermagem na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), **Acadêmica de Enfermagem na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ***Enfermeiro, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade do Estado do Pará (UEPA) em associação com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus (AM), Brasil, ****Enfermeira, professora, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade do Estado do Pará (UEPA) em associação com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), *****Enfermeira, Universidade Federal do Amazonas

 

Recebido em 2 de abril de 2018; aceito em 14 de junho de 2019.

Correspondência: Samuel Lima Ferreira, Graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Manaus (EEM), Rua Teresina, 495, Adrianópolis, 69057-070 Manaus AM, E-mail: samuelllima97@gmail.com; Isabelle Vasconcelos de Sousa:       isavasconcelosds@gmail.com; Marcos Vinicius Costa Fernandes: mvcf_2012@hotmail.com; Arinete Véras Fontes Esteves: arineteveras@bol.com.br; Ellen Pessoa Rocha: ellenrocha.hugv@gmail.com.

 

Resumo

Introdução: A soropositividade implica em desafios para seus portadores, principalmente na infância, pois repercute negativamente na construção interpessoal e no desenvolvimento biopsicossocial da criança. O ser cuidador/orientador atua como auxiliar na transição entre a infância e adolescência, de modo a buscar novas formas para melhorar a qualidade na assistência desses menores soropositivos. Objetivos: Compreender a percepção do cuidador quanto à rotina de cuidados com a criança soropositiva e a aceitação quanto a construção de uma tecnologia educacional para este contexto, bem como conhecer a rotina e as dificuldades enfrentadas pelas cuidadoras durante a assistência. Métodos: Estudo descritivo exploratório com abordagem qualitativa, realizado na Associação de Apoio à Criança com HIV (AACH) localizada em Manaus. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada com 8 cuidadoras da instituição e foram analisados conforme a técnica de análise qualitativa de dados. Resultados: Os resultados mostram aspectos importantes a serem considerados durante a realização dos cuidados a criança soropositiva, dentre os quais o medo de infectar-se, a dificuldade de revelar o diagnóstico e a carência de novas metodologias para o cuidar mostram-se como as principais peculiaridades durante o assistir ao menor soropositivo. Conclusão: Nota-se, assim, a necessidade de implementação de tecnologias educativas pautadas para a educação das cuidadoras e crianças com HIV.

Palavras-chave: sorodiagnóstico da AIDS, criança, cuidados, educação em saúde.

 

Abstract

The perception of caregivers on care of HIV seropositive child

Introduction: Seropositivity is a challenge for patients, especially in childhood, because it negatively affects the interpersonal construction and the biopsychosocial child development. The caregiver/counselor acts as a support in the transition between childhood and adolescence, to seek new ways to improve the care quality of these seropositive children. Objectives: To understand the perception of the caregiver regarding the routine of care with seropositive child and the acceptance regarding the construction of an educational technology in this context, as well as to know the routine and the difficulties faced by caregivers during the care. Methods: Exploratory descriptive study with qualitative approach, conducted at the Association for Supporting Children with HIV (ASCH) located in Manaus. The data were collected through a semi-structured interview with 8 caregivers from the institution and analyzed according to the technique of qualitative data analysis. Results: The results show important aspects to be considered during the care of the seropositive child, among them the fear of becoming infected, the difficulty of revealing the diagnosis and the new methodologies deficiency to take care of are shown as the main peculiarities during the support of the seropositive minor. Conclusion: It is noted therefore, the need to implement educational technologies based on the children with HIV and caregivers education.

Key-words: AIDS serodiagnosis, child, care, health education.

 

Resumen

La percepción de cuidadoras sobre los cuidados con el niño seropositivo al VIH

Introducción: La seropositividad implica en desafíos para sus portadores, principalmente en la infancia, pues repercute negativamente en la construcción interpersonal y en el desenvolvimiento biopsicosocial de los niños, el cuidador/ orientador actúa cómo auxiliar en la transición entre la infancia y la adolescencia, de modo a buscar nuevas formas para mejorar la cualidad en la sistencia de eses menores seropositivos. Objetivo: Comprender la percepción del cuidador en cuanto a la rutina de cuidados con el niño seropositivo y la aceptación en cuanto a la construcción de una tecnología educativa para este contexto, así como conocer la rutina y las dificultades enfrentadas por las cuidadoras durante la asistencia. Métodos: Estudio descriptivo exploratorio con abordaje cualitativo, realizado en la Asociación de Apoyo al Niño con VIH (AACH) ubicada en Manaus. los datos fueran colectados por medio de entrevistas semiestructurada con 8 cuidadoras de la institución y fueran analizados conforme la técnica de análisis cualitativa de datos. Resultados: los resultados muestran aspectos importantes que deben considerarse durante la realización de los cuidados al niño seropositivo, entre los cuales el miedo de infectarse, la dificultad de revelar el diagnóstico, y la carencia de nuevas metodologías para el cuidar se muestran cómo las principales peculiaridades durante la asistencia al menor seropositivo. Conclusión: Se observa así, la necesidad de implementación de tecnologías educativas pautadas para la educación de las cuidadoras y niños con VIH.

Palabras-clave: Serodiagnóstico del SIDA, niño, cuidados, educación en salud.

 

Introdução

 

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), sempre foi vista pela sociedade, como um transgressor de normas sociais, sendo uma doença com estigma e preconceitos, de doenças oriundas da promiscuidade com estereótipos de grupos de riscos e morte iminente. Os usuários de drogas, homossexuais, prostitutas e garotos de programa eram vistos como grupos vulneráveis à contaminação do HIV. No entanto se observa uma mudança no panorama da realidade acerca desta doença, porém ainda continua incorporada no pensamento errôneo da sociedade [1].

A mudança no perfil vem se justificando a partir dos indicadores epidemiológicos que apontam o aumento da exposição heterossexual, sendo a mulher mais vulnerável a contaminação pelo vírus HIV. Tal condição impõe alto risco de contaminação vertical, em caso de gravidez na ausência de um pré-natal eficaz. A ocorrência destes fatos infere prejuízos na estrutura familiar [2].

A partir deste momento surge o conflito das peculiaridades do crescimento e desenvolvimento da criança com a doença e a ansiedade da incerteza da espera do diagnóstico, gerando abalos emocionais no ambiente familiar. Vários temores e sentimentos conflitantes são apresentados pelas famílias após a confirmação do diagnóstico definitivo e durante o conviver com o portador do vírus do HIV, afetando sua estrutura psicológica, religiosa, biológica e familiar [3].

Sendo a infância um marco no crescimento e desenvolvimento da criança, por conta das transformações biopsicossociais e o HIV um fator extrínseco negativo a este processo, que passa a viver no ser mais íntimo da criança, os profissionais de saúde devem favorecer ao cuidador através da educação em saúde sua inserção no tratamento e nos cuidados prestados a estas crianças, pois estes são responsáveis pelo atendimento à criança em todas as suas necessidades e peculiaridades [4].

Visando uma assistência de enfermagem com melhor qualidade, o enfermeiro pode inserir as metodologias ativas na educação em saúde a fim de facilitar a assimilação do conhecimento e o trabalho de cuidar permitindo sua utilização como um motivador na realização de tarefas do cotidiano, interferindo diretamente na inter-relação do saber-fazer e aprender a aprender, utilizando as tecnologias educacionais como manuais, simulações, cartilhas, álbum seriado e vídeos educativos, para facilitar e aprimorar o ensino-aprendizagem do portador do vírus do HIV e o empoderamento no tratamento [5].

 

Material e métodos

 

Tratou-se de um estudo descritivo-exploratório de abordagem qualitativa, o referido método busca compreender a casuística do modo como os sujeitos a vivenciam, bem como identificar os fatos em sua essência. Essa estratégia metodológica é comumente empregada por profissionais de enfermagem, uma vez que descreve os fenômenos em suas dimensões e variações no contexto em que se realiza o estudo. 

Optou-se por realizar a coleta de dados em uma Instituição Não Governamental (ONG) denominada Associação de Apoio à Criança com HIV (AACH), a mesma está localizada na cidade de Manaus/AM, que dispõem de serviços de assistência integrativa de cuidados a crianças diagnosticadas com HIV, bem como crianças que se encontram expostas a referida condição de saúde.

Para selecionar as participantes do estudo, optou-se como critério de inclusão que a cuidadora tivesse contrato empregatício de pelo menos 6 meses com a referida instituição, sendo assim, 8 cuidadoras foram convidadas a participar da pesquisa e explicados os benefícios e malefícios da pesquisa e todos os pontos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) respeitando a Lei nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que trata sobre as pesquisas envolvendo seres humanos. Por outro lado, os critérios de exclusão consistiram em não incluir neste estudo as cuidadoras que, no período da coleta de dados, estavam afastadas por internação hospitalar, atestado médico ou férias.

Ao aceitarem participar da pesquisa assinando o TCLE, realizou-se uma entrevista semiestruturada com cada uma das cuidadoras, aplicando-se um questionário com perguntas abertas e fechadas no intuído de construir o diagnóstico situacional do público alvo. Esse questionário passou por modificações para que as perguntas ficassem coesas com o objetivo da pesquisa. As entrevistas eram realizadas durante as trocas de turnos e intervalos das cuidadoras, por isso essas entrevistas que eram audiogravadas para se obter maior autenticidade e descrição dos dados tinham o tempo médio de 25 minutos.

Após a coleta dos dados, todas as entrevistas foram transcritas na íntegra e separadas conforme a estratégia metodológica de análise de temática de Minayo [6] que afirma: “a análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”. Em primeiro momento foi realizada a Leitura Flutuante para que se tivesse um contato direto e intenso com o material de campo, em seguida as falas foram separadas e comparadas de maneira a determinar as palavras-chave e frases que mais se destacavam nas falas das cuidadoras e quanto à relevância para o objetivo do estudo, e assim chegou-se nas Unidades Categóricas que se apresentam nos resultados. A análise estatística não foi necessária, visto que se pretendeu trabalhar mais com os significados do que investir em inferências estatísticas. O presente estudo obteve aprovação no Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas com CAAE: Nº 54697816.0.0000.5020.

 

Resultados

 

Da análise das entrevistas, emergiram três unidades categóricas: tecnologia educativa: o que sabe não sabe, aprender para usar; cuidar de criança soropositiva: mitos e medos; o ser cuidador/orientador: amor incondicional; rotina e cuidados: principais dificuldades dos cuidadores. Para manter a integridade das participantes do estudo, optou-se por identificá-las apenas como “cuidadora”, seguindo a ordem das entrevistas.  

 

Tecnologia educativa: o que sabe/não sabe, aprender para usar

 

Ao serem entrevistadas, houve desconhecimento por parte das cuidadoras, quanto à temática abordada de forma a se basearem pelas palavras “tecnologia educacional” e falarem da sua construção a partir desse entendimento. No entanto, interessaram-se em conhecer sobre as tecnologias educacionais para que pudessem opinar melhor sobre a sua construção. Após conhecerem o papel básico das tecnologias valorizaram o interesse de implementá-las na intenção de promover melhoria aos cuidados prestados. A seguir observa-se nas falas das cuidadoras o conhecimento, tangente às tecnologias educativas:

 

“Seria muito bom, pois é preciso porque é bom a gente sempre ler ou alguém falar do HIV pra gente, tipo, relembrar e reciclar sobre os cuidados e sobre o HIV [...]”. Cuidadora 4

 

 “Tecnologia educacional? Educação pelo computador e essas coisas?” Cuidadora 6

 

 “Acho que é um meio de comunicação através da internet”. Cuidadora 5

 

“Eu nunca tinha ouvido falar não, agora que eu conheço essa palavra [...] teria muito interesse em aprender sobre tecnologia educacional”. Cuidadora 1

 

“É um benefício interessante pra elas, um tipo de educação através da tecnologia”. Cuidadora 8

 

“Desconheço um pouco, eu acho que é bom a gente saber muito mais para cuidar dessas crianças”. Cuidadora 7

 

Como destacado pelas cuidadoras, a incorporação de novos saberes retrata a relevância de sempre estar atualizado e aberto a novos conhecimentos e metodologias de cuidar/ensinar, em especial para prestar cuidados direcionados às necessidades e peculiaridades ao tema em questão e ao público alvo. Quando indagadas quanto à construção de Tecnologias educacionais para melhorar a assistência das crianças soropositivas, as cuidadoras demonstraram entusiasmo pelo material a ser produzido.

 

Cuidar de crianças soropositivas: mitos e medos

 

O assistir a criança requer um conhecimento integral de seu crescimento e desenvolvimento para uma assistência de qualidade. A assistência à criança soropositiva vai além do cuidado com o corpo, cuidar de crianças soropositivas requer um preparo biopsicossocial sobre o pequeno ser, bem como a doença com estigma social favorece a exclusão de seus portadores. O conceito deturpado do HIV/Aids na sociedade corrobora o desconforto dos cuidadores de criança soropositivas quando o tema é mencionado. Neste contexto, a referida temática foi abordada pelas cuidadoras quando falaram sobre o cuidar da criança com o HIV/Aids.

 

“[...] tenho medo de transmissão [...] o bumbum da criança é cheio de feridinhas e pode transmitir a doença, não sei bem”. Cuidadora 6

 

“[...] eu tenho um pouco de medo, elas são muito agressivas e não querem tomar os remédios, mas conversamos muito com eles porque sabemos que é a doença [...]” Cuidadora 1

 

Observa-se que existe sensação de insegurança no momento de executar a tarefa, as cuidadoras possuem suas dúvidas quanto a transmissibilidade da doença, quanto as características comportamentais das crianças que incluem a agressividade verbal e corporal (como chutes, mordidas). As cuidadoras relatam que é difícil lidar com uma criança que possui um vínculo familiar frágil, pois estas crianças evidenciam o medo de serem discriminados também por outras pessoas. Como problemática observa-se a interpretação errônea das cuidadoras, uma vez que relacionam o comportamento da criança proveniente das características da doença.

 

O ser cuidador/orientador de criança soropositiva: amor incondicional

 

Trabalhar com criança soropositiva requer se desnudar dos preconceitos para atender suas necessidades, sejam elas cotidianas ou psicológicas. Neste âmbito o ser cuidador destaca a importância de alguns aspectos para lidar com essas crianças em diferentes situações, como se pode observar a seguir nas falas das cuidadoras.

     

“Acho que em primeiro lugar pra trabalhar com criança soropositiva, você tem que ter amor ao que você faz, porque sem isso você não faz nada; paciência porque eles requerem muita paciência”. Cuidadora 3

 

“Conversar, dialogar, tem que ter diálogo com uma conversa você algumas vezes consegue reverter o problema, a discórdia [...]”. Cuidadora 7

 

      Observa-se nas falas das cuidadoras que essas crianças apresentam uma barreira para aceitar novas rotinas em suas vidas, em decorrência das restrições impostas a elas; assim, este panorama requer do cuidador um exercício constante de seu bom senso buscando compreender a necessidade afetiva dessas crianças. Com isso, observa-se que quem cuida também precisa de apoio psicológico, pois existe uma grande sobrecarga sobre ela, que é submetida diariamente a um agregado de emoções e ainda assim desempenha a função de cuidador, orientador e educador dessas crianças.

 

Rotina e cuidados: principais dificuldades dos cuidadores

 

A rotina dos cuidadores de soropositivos mostra-se como um desafio constante para esses, pois quase sempre se deparam com dificuldades para aplicar o cuidado necessário para a criança.

 

“Ah, o banho [...] alguns não querem tomar banho”. Cuidadora 1

 

“Eles não querem comer a alimentação que é estipulada pela nutricionista, eles querem comer besteiras”. Cuidadora 3

 

“Acho que o pior de tudo que a gente passa é pra dar a medicação, é por conta de elas serem grandes e algumas ruins e isso faz eles recusarem [...] e quando eles perguntam pra que serve”. Cuidadora 4

 

Evidenciou-se que os cuidadores sentem certa dificuldade para realizar tarefas diárias para esses menores como administrar as medicações que muitas vezes causam mal-estar nas crianças; além de todo o envolto acerca da doença, algumas dificuldades enfrentadas pelos cuidadores também se relacionam com a faixa etária das crianças.

 

Discussão

 

Frente aos resultados apresentados percebe-se que a caracterização do medo de prestar assistência a criança soropositiva é uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas cuidadoras e isso surge por conta do desconhecimento de aspectos inerentes ao HIV como: a patogenicidade, o diagnóstico da doença e a ausência de cura; esse não saber ou não ter acesso a informação faz com que os cuidadores acabem discriminando essas crianças de forma despercebida.

Da mesma forma, no estudo realizado em Fortaleza/CE [7], em um hospital de referência para tratamento a portadores de HIV/Aids, após identificar as interações sociais com crianças soropositivas, relata que a incerteza de contagio faz com que a assistência seja problematizada pelos cuidadores, pois a exacerbação do medo gera insegurança na realização dos cuidados diários com soropositivos. Com isso, ao transparecer essa insegurança ao prestar a assistência, essas cuidadoras acabam por estigmatizar as crianças; e essas por já sofrerem discriminação, dentro do próprio círculo familiar, se isolam ainda mais e criam barreiras com o receio de enfrentar o preconceito que muitas vezes se faz presente em casa.

Ao mesmo tempo, o medo como mecanismo de defesa por parte das crianças, faz com que estas apresentem peculiaridades de comportamento de modo a dificultar ainda mais a assistência, no entanto o cuidador por ser o elo entre a criança e o meio social auxiliando-as a transpor essa faixa de transição, entre a infância e adolescência deve construir ferramentas de apoio para o processo de educação, promoção da saúde e prevenção de agravos desses menores institucionalizados, para que esse sentimento de impotência e raiva seja superado. Esse medo das crianças também é observado num estudo feito no Hospital Infantil de Minas Gerais, no qual os pequenos demonstram incerteza pela vida e pelo futuro [8].

O estudo de Favero et al. [9], desenvolvido em um Serviço de Assistência Especializada (SAE) em HIV/AIDS, com crianças com HIV, demonstrou a necessidade de ter o cuidador para ajudar na interação social das crianças. Corroborando os dados deste estudo, no qual o cuidador tem o papel de atender as necessidades de saúde e de interação social dessas crianças, auxiliando-os na fase de transição da infância para a adolescência, orientando e aconselhando, principalmente por conta dos temores e angustias que se apresentam ao conviver com o HIV/Aids, para oferecer uma melhor qualidade de vida para esses enfermos, além disso o cuidador deve sempre aprimorar as suas habilidades para que essas contribuam com a educação em saúde.

Ao desvelar as dificuldades enfrentadas pelas cuidadoras no cotidiano, observou-se que gerenciar a adesão ao tratamento das crianças é uma tarefa delicada para elas, pois existe o comportamento de não-aceitação ao medicamento devido aos efeitos adversos e tamanho das pílulas a serem ingeridas pelas crianças. Da mesma forma, no estudo realizado por Braga [10], na cidade do Piauí, observa-se que as dificuldades que se apresentam no cotidiano, principalmente em relação aos medicamentos, devem ser trabalhadas individualmente por cada cuidador, ou o próprio receber instruções para lidar com determinadas situações, visando sempre o bem-estar das crianças.

Para dar a assistência à criança, alguns aspectos são necessários como paciência e interpretação das expressões faciais e corporais, pois elas são carentes de afeto. Igualmente observado na pesquisa desenvolvida em serviços especializados em DST/AIDS no município de Porto Alegre, no qual revela que o cuidado familiar no mundo da criança soropositiva deve apresentar um ambiente harmonioso e uma relação saudável, pois se torna um aspecto facilitador para que as crianças possam expressar seus sentimentos livremente e, dessa forma, a assistência se faz mais eficaz por atender as reais necessidades que as crianças apresentam [11].

Neste contexto, o amor envolvido na atividade do cuidar, advindo do convívio e da aproximação entre profissional e paciente, reflete na vida do cuidador que passa a se preocupar mais com a criança cujo organismo torna-se suscetível a patologias oportunistas e as hospitalizações. O estigma social sofrido pelas crianças em cuidados diários também gera uma sobrecarga mental e física no cuidador que desempenha várias funções além do cuidar.

Por conta disso, observa-se que a vida social de algumas cuidadoras se torna solitária devido a dedicação exclusiva as crianças soropositivas, e por estes profissionais sofrerem do estigma social de cuidar de pacientes com HIV. Nesta situação, faz-se necessário que essas cuidadoras recebam apoio psicológico para que essa sobrecarga não venha a interferir nos cuidados a serem prestados [12].

Dessa forma, a tarefa das cuidadoras em falar sobre o HIV com as crianças mostra-se bastante delicada, visto que existe um limiar de aceitação difícil por parte dos pacientes em viver e conviver com a doença. Na visão das cuidadoras é importante que eles aprendam sobre a doença desde cedo, mas segundo elas a implicação negativa que isso pode ter na infância faz com que o diagnóstico acerca da patologia seja revelado apenas em certa parte da adolescência.

No contexto das dificuldades por parte dos profissionais, o estudo de Zanon realizado em Ambulatório de Doenças Infecciosas Pediátricas do Hospital Universitário de Santa Maria [13] afirma que a principal dificuldade seria em revelar o diagnóstico a criança/adolescente, pois esses não sabem como abordar sobre a patologia com os menores; e ressalta que falar o diagnóstico deve ser um processo lento e planejado juntamente com outros profissionais e com os familiares, sendo assim são necessários ferramentas e métodos que ajudem o cuidador nessa tarefa delicada que enfrenta diariamente seja ela explicar a patologia para os pais ou quando indagados pelas crianças com certas perguntas acerca das restrições.

Neste âmbito, o apoio ao cuidador pode vir através da utilização de ferramentas que facilitem a assistência a ser prestada, de forma que promova a educação e o cuidado, ao mesmo tempo em que melhora a qualidade de vida desses enfermos. A tecnologia educacional como ferramenta, além de possibilitar novas formas de cuidado ao paciente, permite que os cuidadores aprendam e promovam a educação do autocuidado [14].

Neste estudo, percebeu-se que as cuidadoras desconhecem o emprego da tecnologia de educação como ferramenta para adquirir conhecimento, e fica explicito que a utilização desse instrumento ainda é pouco difundida na assistência à criança soropositiva. No entanto, as cuidadoras da instituição demonstraram interesse em aprender mais sobre as tecnologias educacionais, pois segundo elas qualquer ferramenta que as ajude é sempre necessária para cuidar dessas crianças. Esse fato implicou na questão da percepção da construção, pois elas sabiam pouco ou quase nada sobre as tecnologias educacionais.

Considerando esse contexto, Fernandes et al. [15] ressalta que a utilização da tecnologia para cuidar de crianças soropositivas é carente, e que essa ausência de inovação no cuidado pode comprometer o desenvolvimento e crescimento infantil, sendo necessários mais estudos voltados para esse contexto, para que possam empoderar os profissionais que assistem a criança com HIV, de forma coerente e segura dos procedimentos a serem executados na assistência.

Outros estudos realizados sobre construção, validação de tecnologias e que falam sobre a utilização de cartilha como ferramenta para abordar o HIV são um marco importante para adquirir o conhecimento de forma eficaz e científica para o público alvo, pois permite que as dúvidas em relação à doença, os sinais e sintomas, e a transmissão seja esclarecida, de modo a facilitar a assistência à criança com HIV por parte dos demais profissionais [16,17].

Não houve erros metodológicos e as limitações encontradas no decorrer da pesquisa se deram em torno do conhecimento das cuidadoras acerca das tecnologias educacionais; a produção de artigos nacionais que abordassem sobre a temática das tecnologias para cuidadoras de crianças soropositivas. Essas limitações só embasam mais a importância de estudos futuros sobre a construção e validação de tecnologias como ferramenta de apoio para esse público alvo.

 

Conclusão

 

Os objetivos propostos foram alcançados de maneira a apresentar a rotina das cuidadoras de crianças soropositivas, as dificuldades e a sua percepção quanto a construção de tecnologias educacionais voltadas para ajudar na rotina de cuidados com menores soropositivos.  O estudo vem a contribuir para o meio científico de forma que enfatiza a produção de novas tecnologias educacionais para cuidadores de soropositivos, além de trazer dados relevantes sobre as dificuldades que esses passam durante o cotidiano de cuidados. Os dados coletados neste estudo servirão como base para construção de uma tecnologia educacional para as cuidadoras da instituição, de modo a trabalhar as suas dificuldades.

 

Referências

 

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