REVISÃO

Cuidados de enfermagem na prevenção da ceratopatia por exposição na unidade de terapia intensiva

 

Tássio Ricardo Martins da Costa*, Sávio Felipe Dias Santos**, Paula Regina de Melo Rocha***, Andréia Rodrigues Pinto****, Maicon de Araújo Nogueira, M.Sc.*****, Ingrid Magali de Souza Pimentel, D.Sc.******

 

*Enfermeiro, Universidade do Estado do Pará, Belém/PA, **Acadêmico de Enfermagem, Universidade do Estado do Pará, Belém/PA, ***Enfermeira, Especialista em Urgência e Emergência, Belém/PA, ****Enfermeira, Especialista em Nefrologia e Urologia, Docente na Faculdade Gamaliel, Tucuruí/PA, *****Enfermeiro, Docente na Universidade do Estado do Pará, Belém/PA, ******Enfermeira, Docente na Universidade do Estado do Pará, Belém/PA

 

Recebido em 17 de abril de 2018; aceito em 17 de junho de 2019.

Correspondência: Tássio Ricardo Martins da Costa, Rua Cametá, 264, Cidade Velha, 66020-120 Belém PA, E-mail: tassioricardocosta@gmail.com; Sávio Felipe Dias Santos: saaviofelipe@gmail.com; Paula Regina de Melo Rocha: paulinha1912@hotmail.com; Andréia Rodrigues Pinto: andreiarodriguesp08@gmail.com; Maicon de Araújo Nogueira: profmaiconnogueira@gmail.com; Ingrid Magali de Souza Pimentel: imbarleta@yahoo.com.br

 

Resumo

Introdução: A incidência de ceratopatia é de 3% a 60% em pacientes críticos, com tempo médio de aparecimento da lesão de 8 a 9 dias. Portanto, é imprescindível traçar estratégias preventivas a fim de garantir cuidados oculares em paciente críticos. Objetivo: Analisar através da literatura, as principais ações preventivas de enfermagem utilizadas para diminuir o surgimento da ceratopatia, por exposição em pacientes internados em unidade de terapia intensiva. Métodos: Revisão integrativa baseada em artigos publicados nas bases de dados Scielo, Lilacs, BDEnf e Pubmed entre 2014 e 2018. Resultados: Quatro diferentes métodos foram identificados e comparados, visando evidenciar a melhor proposta para prevenir a ceratopatia por exposição. O filme de polietileno foi a opção, estatisticamente, mais viável, seguida da pomada liposica que apresentou bons resultados clínicos. A utilização de solução salina como método preventivo é desaconselhável, pois essa intervenção aumentou a gravidade e prevalência de ceratopatia. Conclusão: A carência de estudos torna imprescindível o despertar científico acerca do assunto, principalmente no Brasil, a fim de diminuir as altas taxas de incidência de ceratopatia em terapia intensiva.

Palavras-chave: cuidados críticos, protocolos clínicos, cuidados de enfermagem, doenças da córnea, prevenção e controle.

 

Abstract

Nursing care in the prevention of keratopathy by exposure in the intensive care unit

Introduction: The incidence of keratopathy is 3% to 60% in critically ill patients, with an average time to onset of the lesion from 8 to 9 days. Therefore, it is essential to plan preventive strategies to ensure ophthalmologic care in critically ill patients. Objective: To analyze, through the literature, the main preventive nursing actions used to reduce the appearance of keratopathy due to exposure in patients admitted to an intensive care unit. Methods: Integrative review based on articles published in the Scielo, Lilacs, BDEnf and Pubmed databases between 2014 and 2018. Results: Four different methods were identified and compared, aiming to evidence the best proposal for the prevention of keratopathy by exposure. The polyethylene film was the statistically more feasible option, followed by the liposomal ointment that presented good clinical results. The use of saline as a preventive method is inadvisable, since this intervention increased the severity and prevalence of keratopathy. Conclusion: The lack of studies makes scientific awakening essential, especially in Brazil, to reduce the high incidence rates of keratopathy in intensive care.

Key-words: critical care, clinical protocols, nursing care, corneal diseases, prevention and control.

 

Resumen

Cuidados de enfermería en la prevención de la queratopatía por exposición en la unidad de cuidado intensivo

Introducción: La incidencia de la ceratopatia es de 3% a 60% en pacientes críticamente enfermos, con un tiempo promedio de aparición de la lesión de 8 a 9 días. Por lo tanto, es esencial diseñar estrategias preventivas para garantizar la atención oftalmológica en pacientes críticos. Objetivo: Analizar, a través de la literatura, las principales medidas de prevención de enfermedades utilizadas para reducir la aparición de la queratopatía por exposición en pacientes de cuidado intensivo. Métodos: Revisión integradora basada en artículos publicados en las bases de datos Scielo, Lilacs, BDEnf y Pubmed entre 2014 y 2018. Resultados: Cuatro métodos diferentes fueron identificados y comparados, con el objetivo de demostrar una propuesta mejor para evitar la queratopatía por exposición. La película de polietileno fue una opción, estadísticamente, más viable, seguida de una pomada liposica que produjo buenos resultados clínicos. Uso de suero fisiológico como un preventivo y método es desaconsejable, ya que esta acción aumentó la prevalencia de la queratopatía. Conclusión: La falta de investigación científica se convierte en un imprescindible despertar científico sobre el tema, principalmente en Brasil, a fin de reducir las altas tasas de incidencia en queratopatía en cuidados intensivos.

Palabras-clave: cuidados críticos, protocolos clínicos, cuidados de enfermería, enfermedades de la córnea, prevención y control.

 

Introdução

 

As Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) visam garantir segurança aos pacientes clinicamente instáveis, proporcionar vigilância contínua e rigorosa mediante múltiplos paramentos tecnológicos e uma equipe multiprofissional especializada, contudo, a maior relação assistencial ocorre entre a equipe de enfermagem e o paciente, quando comparada às demais unidades hospitalares [1]. Essa relação assistencial é, principalmente, direcionada aos órgãos vitais, como o sistema cardiorrespiratório e nervoso, consequentemente, a equipe coloca em segundo plano os cuidados oculares, deixando o paciente vulnerável às doenças da superfície ocular como a ceratopatia, complicação frequente nas UTIs [2].

Estudos internacionais apontam a incidência variável de ceratopatia de 3% a 60% em pacientes críticos, incluindo a ceratite por exposição e outras complicações corneanas [3]. No âmbito nacional, um estudo identificou lesões na córnea em 59,4% dos pacientes criticamente enfermos, com tempo médio de aparecimento de 8 a 9 dias [4] e esses tipos de lesões possuem prevalência entre o segundo e sétimo dia de internação, apontou outro estudo internacional [5].

A prolongada internação, a ventilação mecânica, o uso de certos fármacos, a oxigenioterapia, a sedação e o coma, são alguns fatores que comprometem os mecanismos de defesa ocular, como o piscar dos olhos e o fechamento completo das pálpebras, acarretando riscos para o surgimento de doenças no tecido corneano [6,7]. Portanto, traçar estratégias preventivas, para garantir cuidados oculares é imprescindível para o paciente criticamente enfermo [8].

A partir disso, elaborou-se a seguinte questão norteadora: O que se tem de mais atual publicado na literatura para prevenir a ceratopatia por exposição em pacientes internados nas Unidades de Terapia Intensiva? Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi analisar através da literatura, as principais ações preventivas de enfermagem utilizadas para diminuir o surgimento da ceratopatia por exposição em pacientes internados nas Unidades de Terapia Intensiva.

 

Material e métodos

 

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura acerca das ações atuais utilizadas pelos profissionais de enfermagem para prevenir a ceratopatia por exposição em pacientes internados em UTIs. A pesquisa de revisão integrativa busca sintetizar o conhecimento baseado na análise de estudos científicos publicados, permitindo, assim, elaborar conclusões e saberes sobre determinado assunto e área de conhecimento [9].

Para elaboração deste estudo foram seguidas as seis fases do processo de elaboração da revisão integrativa: elaboração da pergunta norteadora; busca ou amostragem na literatura; coleta de dados; análise crítica dos estudos incluídos; discussão dos resultados; apresentação da revisão integrativa [10].

O levantamento bibliográfico ocorreu no mês de março de 2018 e foram escolhidas quatro bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Base de Dados de Enfermagem (BDEnf) e Pubmed, sequencialmente utilizou-se combinações dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) nos idiomas português e espanhol: “Cuidados Críticos/Cuidados Críticos; Protocolos Clínicos/Protocolos Clínicos; Cuidados de Enfermagem/Atención de Enfermería; Doenças da Córnea/Enfermedades de la Córnea; Prevenção & Controle/Prevención & Control” e os Medical Subject Headings (MeSH) no idioma inglês: “Critical Care; Clinical Protocols; Nursing Care; Corneal diseases; Prevention & Control”. Os operadores booleanos (OR e AND) foram utilizados em todas as bases de dados para garantir melhores resultados.

Os critérios de inclusão foram: estudos completos e gratuitos disponíveis na versão eletrônica que abordassem algum método para prevenir a ceratopatia por exposição em pacientes críticos, isolado ou em conjunto com outras temáticas, publicados em português, espanhol e inglês no período de 2014 a 2018. Os critérios de exclusão estavam: apostilas, cartas, editoriais, revisões, estudo/relato de caso, dissertações, teses, livros e documentos.

Ao fim da busca eletrônica, os estudos encontrados foram selecionados a partir da leitura do título e resumo e posteriormente pela leitura integral (Quadro 1). Ao final da busca, foram pré-selecionados 05 artigos, porém, apenas 03 foram selecionados definitivamente para compor o estudo. Quanto aos idiomas dos artigos selecionados todos estavam em inglês. Para a coleta de dados, utilizou-se o instrumento validado por Ursi [10].

Para garantir o sucesso deste estudo, os resultados foram descritos e distribuídos em tabelas destacando suas principais propriedades. A discussão foi elucidada de forma descritiva, a fim de atingir os objetivos da elaboração de uma revisão integrativa.

 

Resultados e discussão

 

Em concordância com o Quadro 1, os artigos passaram por análise e apenas 03 apresentaram achados relevantes. Entre os principais achados que abordam ações de enfermagem para prevenir a ceratopatia por exposição em pacientes críticos (Tabela II), verificou-se que a comparação entre métodos preventivos baseados em um protocolo operacional foi o tema central predominante e as intervenções específicas para os olhos, evidenciaram as melhores estratégias que o enfermeiro e sua equipe devem aplicar em suas rotinas.

 

Quadro 1Distribuição dos levantamentos bibliográficos e escolha dos artigos, 2018.

 

 

A partir da análise do levantamento bibliográfico, destaca-se a ausência de estudos nacionais acerca da temática em questão. Infelizmente, a consequência da ausência de estudos nacionais que utilizam e comparam métodos preventivos para ceratopatia por exposição é evidenciada na incidência de lesões na córnea que chega a quase 60% no Brasil [4].

 

Tabela IDistribuição dos estudos conforme numeração, autor, ano, título, desenho da pesquisa, periódico e local, 2018.

 

 

Tabela IIDistribuição dos estudos conforme numeração, objetivo da pesquisa, e achados da pesquisa, 2018.

 

 

Um ensaio clínico realizado no Irã em 2015, comparou o efeito de três técnicas de cuidados oculares, realizadas pelos enfermeiros, na prevenção de ceratopatia em pacientes internados em UTI. 96 pacientes críticos fizeram parte desse estudo e foram divididos em três grupos: uso de 2 gotas de lágrima artificial a cada 2 horas; uso de pomada liposica (carbómero 980) a cada 5 horas; uso de filme de polietileno (câmara úmida) com troca a cada 12 horas [13]. Os resultados encontrados a partir do teste Qui-quadrado baseados no sexo, idade, variação demográfica e motivo da internação não apresentaram dados estatísticos significativos. Entretanto, os dados revelaram diferença estatística significante entre as aplicações dos métodos de intervenção. O grupo que utilizou o filme de polietileno foi mais eficaz do que os outros dois grupos na prevenção de ceratopatia (p < 0,001), porém, não houve diferença estatisticamente significante entre o grupo que utilizou a pomada liposica e o grupo que utilizou as lágrimas artificias, mas clinicamente o uso da pomada liposica foi mais eficaz em relação a lágrima artificial na prevenção de ceratopatia [13].

Esses resultados revelam a importância do enfermeiro para prevenir doenças corneanas, utilizando-se de metodologias como a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) e conhecimentos técnico-científicos atualizados. Esse profissional treinado é capaz de aplicar diversos métodos preventivos como o filme de polietileno e garantir um bom prognóstico a pacientes dependentes de tecnologias duras.

Uma pesquisa de coorte, prospectiva buscou determinar a taxa de ceratopatia por exposição em pacientes internados em UTI, além de identificar os fatores de risco para o desenvolvimento de ceratopatia por exposição e verificar a eficácia de um protocolo para prevenir ceratopatia por exposição. Esse estudo foi dividido em duas fases e foi desenvolvido em 371 pacientes de uma UTI adulto geral do Reino Unido em 2018 [12]. Os pacientes foram divididos em dois grupos: controle (primeira fase) composto por 257 pacientes que foram observados pela enfermeira responsável até o surgimento da ceratopatia por exposição e, se necessário, foram realizadas intervenções; grupo intervenção (segunda fase) composto por 114 pacientes assistidos a partir de um protocolo específico baseado nos fatores de risco para ceratopatia evidenciados no local do estudo. A taxa global de ceratopatia por exposição no grupo controle foi de 21% e houve queda para 2,6% na fase de intervenção guiada por protocolo operacional. Portanto, o uso de cuidados oftalmológicos mediante uso de protocolo, em pacientes críticos, desenvolvidos em conjunto com a equipe multidisciplinar reduziu significativamente a incidência de ceratopatia por exposição [12].

Diante dos diversos fatores de risco e altos índices de lesão ocular em pacientes submetidos à terapia intensiva, a aplicação protocolizada de métodos preventivos comprovados, testados cientificamente e aplicados corretamente, garante à equipe intensivista multidisciplinar, em especial o enfermeiro que tem em sua essência o cuidado humanizado e holístico, ótimos resultados na prevenção de ceratopatia por exposição e outras doenças oculares comuns em um ambiente de cuidados intensivos.

Outro estudo randomizado realizado no Irã, em 2018, avaliou e comparou o efeito da solução salina sobre a incidência e gravidade da ceratopatia por exposição em 50 pacientes criticamente enfermos. Os enfermeiros foram capacitados para realizar a aplicação de um protocolo de cuidados oculares. Os pacientes foram divididos em dois grupos: controle e intervenção, o grupo controle fez uso do protocolo dividido em quatro fases: lavar as mãos; administração de duas gotas de lágrimas artificiais a cada 4 horas; fechar completamente os olhos com fita adesiva; avisar o médico responsável sobre ocorrência de dano aparente [11]. No grupo de intervenção, utilizaram-se o mesmo protocolo e a aplicação de solução salina a cada 6 horas. Entre os achados estatísticos da pesquisa, utilizando os testes Qui-quadrado e exato de Fisher, verificou-se que o aumento da prevalência e gravidade de ceratopatia no grupo controle do 1º ao 7º dia foi estatisticamente insignificante (p=0,10); no entanto, verificou-se o aumento estatisticamente significativo (p = 0,03) na prevalência e gravidade da ceratopatia no grupo de intervenção. Portanto, a administração da solução salina aumentou a prevalência e gravidade da ceratopatia [11].

A partir do exposto, é possível analisar e identificar a importância e o benefício de um método preventivo guiado por protocolos. Porém, o conhecimento empírico sobre o uso de solução salina é preocupante, pois sua administração em pacientes ventilados mecanicamente, com o fechamento palpebral ineficaz e o reflexo de piscar diminuído pode agravar as condições clínicas do paciente e facilitar o surgimento de ceratopatia.

A carência de estudos atuais dificulta a comparação entre métodos para prevenir a ceratopatia por exposição e o mais eficaz para se utilizar em pacientes críticos, sendo necessário novos estudos para futuras comparações. Contudo, a partir dos resultados obtidos, um cuidado pautado em protocolos, o uso do filme de polietileno e a não utilização da solução salina poderá apresentar grandes benefícios para o paciente crítico, com isso, o enfermeiro necessita buscar atualização científica, capacitação profissional e inquietação quanto aos procedimentos realizados em sua rotina.

 

Conclusão

 

Com os resultados da pesquisa, foi possível sintetizar o conhecimento científico produzido nos últimos cinco anos acerca das ações de enfermagem para prevenir a ceratopatia por exposição em pacientes internados em UTIs. Além disso, os levantamentos bibliográficos mostraram a ausência de produção científica brasileira sobre o tema, levando em consideração os fatores de riscos e os dados epidemiológicos. Este fato pode acarretar em complicações graves aos pacientes críticos internados nos hospitais brasileiros.

As lacunas, que os resultados deste estudo identificaram, devem ser corrigidas mediante realização de discussões na rotina da equipe multidisciplinar sobre a criação e atualização de protocolos operacionais em terapia intensiva, participação ativa de setores de gestão de recursos e de materiais, a fim de providenciar a compra de materiais adequados que serão utilizados na prevenção de ceratopatia em pacientes críticos, a capacitação profissional da equipe intensivistas e a inquietação quanto aos métodos utilizados ou não em sua rotina de trabalho, tendo em vista que essas atitudes poderão garantir impactos significativos para o conhecimento e habilidades dos profissionais.

Com isso, este estudo respondeu sua pergunta norteadora e cumpriu seu objetivo, pois levantou dados atuais e analisou na literatura nacional e internacional as ações de enfermagem para prevenir a ceratopatia por exposição em pacientes submetidos a cuidados intensivos. Nesse aspecto, espera-se contribuir para o desenvolvimento de novos estudos, reflexões e inquietações de profissionais que lidam diariamente com os riscos de ceratopatia.

 

Referências

 

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