EDITORIAL

Um campo onde o enfermeiro se destaca: gestão da qualidade nas empresas para maior produtividade, redução dos custos e aumento dos lucros

 

Kamila Fachola*, Marli de Carvalho Jericó D.Sc.**

 

*Enfermeira, Gerente Assistencial e Consultora em Gestão em Saúde, especialista em Gestão da Qualidade em Saúde e Segurança do Paciente, mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Enfermagem – Mestrado Acadêmico, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/SP (FAMERP), **Enfermeira, docente e orientadora de graduação e pós-graduação da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Orientadora da dissertação que inclui conteúdo deste editorial

 

Correspondência: Kamila Fachola: kfachola@gmail.com; Marli de Carvalho Jerico: marli@famerp.br

 

Os serviços de saúde têm passado por transformações importantes nos últimos anos, deixando de ser vistos de forma mais filantrópica, assistencialista e devocional, para serem observados do ponto de vista estratégico. Sendo assim, a gestão da qualidade, nas instituições de saúde, deixou de ser um diferencial para se tornar essencial. Ela transcendeu na busca de um modelo com foco na acreditação nos resultados que a gestão da qualidade proporciona, visando como melhoria das ações assistenciais, com gestão dos processos e dos riscos, o que repercute em redução de custos [1-3].

Além do cenário político-econômico que vivemos no Brasil, o sistema de saúde tem um comportamento bem singular, com seus custos fortemente atingidos pela necessidade de incorporação de novas tecnologias, mão de obra cara, escassa e com altos índices de rotatividade, dificuldade de financiamentos, associados a desperdícios, o próprio modelo curativo e não preventivo, além de modelo de remuneração por procedimento e não por performance [4].

Diante dessa situação, o desafio dos gestores de saúde é obter o equilíbrio necessário dentro de uma realidade de custos fixos altos e lucratividade baixa.

E de que forma a gestão da qualidade pode intervir positivamente? Qualidade é mais que satisfação do paciente, mais do que selo de excelência, qualidade é a entrega de valor. E valor é o conjunto de experiência que se pode ter com determinado serviço, no nosso caso, as experiências que o paciente teve durante toda a cadeia de assistência [5].

E tudo isso parece muito caro, não é mesmo? Você já pensou em ter uma entrega de valor significativa, proporcionada por experiências positivas e com um custo baixo? É isso que propõe o Institute for Health Care Improvment (IHI), que desenvolveu um conceito denominado triple aim que procura otimizar o desempenho do sistema de saúde. O “triplo objetivo”, propõe que as organizações de saúde, busquem simultaneamente três dimensões: melhorar a experiência do paciente no cuidado (incluindo qualidade e satisfação); melhorar a saúde das populações; e reduzir o custo per capita dos cuidados de saúde [6].

Não é um desafio simples; se fosse, não estaríamos discutindo esse tema aqui. Mas é um desafio possível, que pode nos trazer resultados positivos e duradouros.

Por isso, trouxemos uma experiência pessoal para compartilhar com vocês, e primeiramente, acredito que sim, o enfermeiro por seu conhecimento e habilidade, se somados a atitude, é o profissional que reunirá as melhores condições para trabalhar com gestão da qualidade e enfrentar o desafio do triple aim, obtendo resultados extremamente relevantes.

Essa experiência se passou em um hospital privado de pequena e média complexidade, com capacidade de realização de 300 cirurgias/mês, mas que realizava apenas 150. E para identificar o cenário que estávamos, optamos por utilizar a ferramenta de gestão SWOT [5], que trata das dimensões fraquezas, forças, ameaças e oportunidades relacionadas ao negócio. Associado a isso, observamos os processos e resultados pelo período de dois meses, que nos trouxe a exata realidade antes de partirmos ao planejamento. Essa etapa foi essencial, além da observação direta, o brainstorming ou a participação de todos os colaboradores incluindo dos setores de enfermagem, corpo clínico, farmácia, higiene e limpeza, administração, que nos trouxe informações extremamente relevantes ao planejamento.

Assim que obtivemos os resultados, pudemos diagnosticar que havia muitos processos inseguros e ineficientes, como, por exemplo, o agendamento e distribuição de cirurgias. O dimensionamento de enfermagem, embora estivesse correto em número de profissionais, não previa a distribuição de forma a atender as demandas do dia ou a sazonalidade de um hospital eletivo. O corpo clínico também estava em número insuficiente para suprir a capacidade operacional do centro cirúrgico.

A partir daí utilizamos a ferramenta de melhoria proposta também pelo IHI, o PDSA [6], muito parecida com o nosso conhecido PDCA, porém com a diferença de que a fase “S”, que substitui a fase “C”, é mais complexa na identificação de que tal planejamento realmente produziu o efeito que se espera.

Muitas estratégias foram implementadas e destacamos as seguintes: a incorporação de novos médicos no corpo clínico, que nessa instituição em si, é aberto, proporcionou o aumento do número de cirurgias e, consequentemente, o gerenciamento da agenda cirúrgica, monitoramento de indicadores de desempenho [7], como índice de cancelamento de cirurgia, índice de atraso de cirurgia, índice de procedimentos não programados, cuidado centrado no paciente, focando a segurança e satisfação do paciente e diminuição dos desperdícios.

Os resultados obtidos foram positivos, a ociosidade cirurgica chegou a 4,06%, e 284 cirurgias no mês de janeiro de 2018. Tivemos um aumento de mais de 50% na receita, e o custo do minuto cirúrgico diminuiu resultando em lucros superiores ao antes obtido.

Na maioria das vezes os resultados vão aparecer a médio e longo prazo, porém de forma permanente e transformadora.

Nós incentivamos você, não importa onde esteja, na assistência direta ao paciente, na gestão da saúde, na docência, ou mesmo que nos primeiros passos da graduação, que busque sempre incorporar o triple aim. Com certeza, você vai melhorar a experiência dos pacientes, agregar valor à instituição onde opera e transformar seu processo de aprendizagem. Também, contribuir para a valorização e reconhecimento do enfermeiro como gestor da assistência e dos serviços de saúde.

 

Referências

 

  1. Donabedian A. The definition of quality and approaches to its assessment. (Explorations in Quality Assessment and Monitoring). Ann Arbor: Health Administration Press; 1980a. 176p.
  2. Donabedian A. The criteria and standards of quality. (Explorations in Quality Assessment and Monitoring). Ann Arbor: Health Administration Press; 1980b.
  3. Donabedian A. The Seven Pillars of Quality. Arch Pathol Lab Med 1990;114:1115-9.
  4. Trindade L, Lage MJ. A perspectiva histórica e principais desenvolvimentos da segurança do paciente. In: Sousa, Paulo. Segurança do Paciente: conhecendo os riscos nas organizações de saúde. Rio de Janeiro; EAD/ENSP Fiocruz; 2014. p.40-56.
  5. Chiavenato I, Sapiro A. Planejamento estratégico: fundamentos e aplicações. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2003.
  6. Institute for Healthcare Improvement [Internet]. Boston: IHI; 2018. The IHI Triple Aim. [citado 2018 Maio 03]. Disponível em: http://www.ihi.org/Engage/Initiatives/TripleAim/Pages/default.aspx
  7. Programa de Qualidade Hospitalar (CQH). Manual de Indicadores de Enfermagem NAGEH, 2012 [pdf]. São Paulo: APM/CREMESP. [citado 2018 Maio 2018]. Disponível em: http://www.cqh.org.br/portal/pag/doc.php?p_ndoc=125. Acesso em 03 mai 2018.