ARTIGO ORIGINAL

Vivências da equipe de enfermagem com pessoas em quimioterapia

 

Maggie Rocha de Melo*, Júlia Almeida Esteves, M.Sc.**, Thais Vasconselos Amorim, D.Sc.**, Anna Maria de Oliveira Salimena, D.Sc.**

 

*Enfermeira, Graduação pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora/ MG, **Professora da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora

 

Recebido em 8 de setembro de 2017; aceito em 14 de fevereiro de 2018.

Endereço para correspondência: Anna Maria de Oliveira Salimena, Rua Marechal Cordeiro de Faria, 172, 36 081-330 Juiz de Fora MG, E-mail: annasalimena@terra.com.br; Maggie Rocha de Melo: maggierocha_@hotmail.com; Thais Vasconselos Amorim: thaisamorim80@gmail.com; Júlia Almeida Esteves: juliadealmeidaesteves@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Conhecer o vivido de profissionais da equipe de enfermagem do setor de quimioterapia de um hospital oncológico. Métodos: Estudo descritivo de natureza qualitativa, tendo como cenário um hospital referência em diagnóstico e tratamento de pacientes com câncer na Zona da Mata Mineira. Participaram nove profissionais com entrevista aberta nos meses de maio/junho de 2016. Resultados: Da análise compreensiva emergiram as seguintes Unidades de Significado: Sentimentos do profissional ao vivenciar com pacientes o tratamento quimioterápico; Enfrentamento dos profissionais diante dos sentimentos vivenciados; e O significado de atuar na oncologia. Conclusão: A equipe de enfermagem apresenta forte envolvimento com as pessoas que realizam esta modalidade de tratamento, e esta relação influencia muito o dia a dia destes profissionais, seja de forma negativa ou positiva, tanto dentro do serviço quanto na vida pessoal. O reconhecimento das diversas formas de sofrimento se faz importante para delinear planos de cuidados para os mesmos.

Palavras-chave: Enfermagem oncológica, quimioterapia, equipe de enfermagem.

 

Abstract

Living of the nursing team with people in chemotherapy

Objective: To know the experience of professionals of the nursing team of the chemotherapy sector of a cancer hospital. Methods: Descriptive study of qualitative nature based on a reference hospital in the diagnosis and treatment of cancer patients in the Zona da Mata Mineira. Nine professionals participated in an open interview in May/June 2016. Results: From the comprehensive analysis emerged the following Units of Significance: Professional feelings when experiencing chemotherapy treatment with patients; The confrontation of the professionals with the feelings experienced; and The meaning of acting in the oncology. Conclusion: The nursing team has a strong involvement with people who perform this type of treatment and this relationship has a great influence on the daily life of these professionals, whether in a negative or positive way, both within the service and in their personal lives. Recognition of the various forms of suffering is important in outlining care plans for them.

Key-words: oncology nursing, drug therapy, nursing team.

 

Resumen

Vivencias del equipo de enfermería con personas en quimioterapia

Objetivo: Conocer el vivido de profesionales del equipo de enfermería del sector de quimioterapia de un hospital oncológico. Método: Estudio descriptivo de naturaleza cualitativa, teniendo como escenario un hospital referencia en diagnóstico y tratamiento de pacientes con cáncer en la Zona de la Mata Minera. Participaron nueve profesionales con entrevista abierta en los meses de mayo/junio de 2016. Resultados: Del análisis comprensivo surgieron las siguientes Unidades de Significado: Sentimientos del profesional al vivenciar con pacientes el tratamiento quimioterápico; Enfrentamiento de los profesionales ante los sentimientos vivenciados y el significado de actuar en la oncología. Conclusión: El equipo de enfermería presenta fuerte implicación con las personas que realizan esta modalidad de tratamiento y esta relación influye mucho en el día a día de estos profesionales, ya sea de forma negativa o positiva, tanto dentro del servicio como en la vida personal. El reconocimiento de las diversas formas de sufrimiento se hace importante para delinear planes de cuidados para los mismos.

Palabras-clave: Enfermería oncológica, tratamiento farmacológico, grupo de enfermería.

 

Introdução

 

O câncer é hoje um dos maiores problemas de saúde pública mundial, pois é a doença que mais cresce em incidência. Segundo a estimativa do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), o Brasil deverá registrar cerca de 600 mil novos casos de câncer no biênio 2016-2017 [1]. Esta realidade impõe à área da oncologia a necessidade de estudos atualizados, aprofundados e que visem ao aprimoramento de conhecimentos para membros da equipe de saúde para que, compartilhados, sejam fontes de novos métodos de cuidados e terapêuticas que objetivem a melhora na assistência dos profissionais aos pacientes.

Apesar das grandes campanhas em prol do diagnóstico precoce, ainda é grande o número de pessoas com diagnóstico tardio, o que leva a um estadiamento avançado da doença. Na maioria das vezes, nesse estágio mais adiantado, decorre-se a dependência de terapias mais agressivas, incluindo nestas a quimioterapia (modalidade de tratamento que utiliza medicamentos específicos para a destruição das células cancerosas). O problema é que, geralmente, os fármacos utilizados apresentam alta toxicidade a tecidos sadios, causando assim efeitos adversos, o que faz com que o tratamento quimioterápico, na maioria das vezes, seja um tratamento muito agressivo.

Estes efeitos afetam a vida das pessoas, inclusive a dimensão psicológica/ emocional, e, considerando que os profissionais da equipe de enfermagem são os que mais lidam com as pessoas referidas (seja diariamente, semanalmente e/ou mesmo mensalmente – de acordo com o esquema terapêutico), os sentimentos e sofrimento destas afetam muitas vezes estes profissionais.

Além disto, é fundamental o papel do enfermeiro que atua no setor de quimioterapia no sentido de atuar na orientação e auxílio quanto aos efeitos adversos, para tentar minimizar o problema e favorecer a aderência ao tratamento e consequentemente a melhora do paciente. Portanto, faz-se necessário que os profissionais de enfermagem estejam atentos às subjetividades do processo de adoecer que envolve o câncer, pois o tratamento poderá ser ineficaz e/ou abandonado, caso o doente não tenha recebido informações acerca da doença e do seu tratamento [2].

Neste contexto, a equipe de enfermagem tende a aprimorar conhecimentos para que sejam implementadas neste setor não somente formas de amenizar, mas também apresentar condições para os pacientes conviverem com estes efeitos sem prejuízos familiares, no trabalho e na vida social [3].

Em unidades de atenção oncológica, os profissionais de enfermagem estão ainda mais vulneráveis, pois lidam com pessoas que apresentam grande sofrimento. Além disso, a ideia de morte emerge mais valorizada e acrescida do simbolismo que a doença carrega [4]. Neste contexto, o cuidador fica mais exposto a sofrimentos físicos e psicológicos, o que pode afetar sua saúde e forma de cuidar. Assim, precisa reconhecer suas limitações e suas necessidades, buscar qualidade de vida e cuidar de si, repensando e transformando o estilo de vida em prol de um viver saudável, conhecendo-se e valorizando atitudes favoráveis à promoção da sua saúde física e mental [5].

Sendo assim, o tema relacionado à vivência da equipe de enfermagem que lida com pacientes oncológicos em quimioterapia, com ênfase aos sentimentos destes profissionais, insere-se em um campo sobre o qual é necessário realizarem-se estudos visando à melhoria das condições de trabalho para estes profissionais e, consequentemente, à melhoria da qualidade da assistência aos pacientes [6].

Este estudo teve como objeto e questão de investigação os sentimentos vivenciados por profissionais da equipe de enfermagem ao cuidar de pessoas em quimioterapia com o objetivo conhecer o vivido de profissionais da equipe de enfermagem do setor de quimioterapia de um hospital oncológico.

 

Material e métodos

 

Estudo descritivo de natureza qualitativa, pois esta metodologia preocupa-se com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e descrição do tema desenvolvido [7]. Assim, possibilita-se aos participantes expressarem livremente em seus depoimentos as suas vivências e cotidiano, propiciando reflexões sobre a realidade [8].

O projeto de pesquisa foi analisado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Juiz de Fora, CAAE: 56008916.1.0000.5147, sendo deferido como aprovado segundo Parecer de número 1.561.571 conforme preconizado pela Resolução 466/2012 que regulamenta a pesquisa com seres humanos [9].

O trabalho de campo foi realizado no período entre maio e junho de 2016, com entrevista aberta com nove profissionais da equipe de enfermagem que atuam no setor de quimioterapia de um hospital localizado em uma cidade da Zona da Mata Mineira. Como critério de inclusão, foram considerados os profissionais maiores de 18 anos, que atuam há pelo menos um ano no cenário e excluídos os que estavam de férias ou licenciados por algum motivo.

Os depoimentos foram gravados em mídia eletrônica durante o horário de trabalho dos profissionais, com duração de 20 a 30 minutos, por meio de entrevista aberta em ambiente reservado para se manter a privacidade (consultório), estabelecendo uma relação empática entre a pesquisadora e participante. As questões norteadoras foram: como é sua vivência junto às pessoas em tratamento quimioterápico para o câncer; e como você enfrenta seus sentimentos e os sentimentos delas.

Após cada entrevista, transcreveram-se os depoimentos na íntegra e registraram-se as anotações do diário de campo compondo as expressões não verbais, a saber, os gestos, atitudes e silêncios, o que favoreceu as primeiras reflexões. Por meio de sucessivas e atentivas leituras, buscaram-se apreender do conteúdo exposto os significados, chegando à compreensão e sua interpretação dos mesmos, conforme recomendado para a análise compreensiva [10]. Neste contexto, seguem-se os três momentos preconizados: a descrição, a redução e a compreensão do fenômeno.

Para manter o anonimato dos participantes, os trechos foram identificados como E para representar as falas das Enfermeiras e TE para as falas dos Técnicos de Enfermagem.

 

Resultados e discussão

 

Quanto à caracterização dos nove participantes, identificamos duas enfermeiras e sete técnicos de enfermagem; sete do sexo feminino e dois do sexo masculino, com idade variando entre 24 e 56 anos, todos formados há pelo menos três anos e atuantes na área da oncologia há, no mínimo, dois anos. As enfermeiras entrevistadas possuem Especialização em Oncologia.

A partir da análise compreensiva dos depoimentos, foram identificadas as estruturas essenciais e organizadas em Unidades de Significação, emergindo o que se segue.

 

Sentimentos do profissional na vivência com pacientes em tratamento quimioterápico

 

Os participantes relataram absorver o sofrimento/sentimentos que estão presentes no setor em que lidam diariamente com pessoas que realizam tratamento quimioterápico e tendem a sentir as situações vivenciadas pelos pacientes.

 

[...] Então você tá todo dia com o paciente, você acompanha ele todo dia. Chega pra você e desabafa, fala tudo, fala da família, fala do cachorro, do papagaio, e a gente absorve muito isso... eu absorvo. Então às vezes eu chego em casa e fico pensando naquela situação, daquele dia, daquele paciente que me chamou mais atenção[...] (E2)

 

[...] A gente também como técnico sente muito na pele esses sintomas [...] (TE3)

      Ainda pode-se observar que alguns profissionais apresentam diversos sentimentos concomitantemente, e estes sentimentos negativos que eles apresentam são algumas vezes acompanhados por sentimentos positivos. O fato de poder ajudar os faz se sentir bem, pois, ao se depararem com situações em que se obteve êxito no tratamento e alcance da cura, os profissionais sentem-se realizados e felizes, como apresentado por estudo realizado em 2013 em outro ambiente oncológico [4] e evidenciados nestes recortes:

 

[...] É um sentimento de amor por poder fazer alguma coisa pelo paciente, ao mesmo tempo dá uma certa tristeza pensar que ele pode se curar ou não[...] (TE1)

 

[...] Um sentimento bom de poder ajudar e isso me fez bem... lógico, a gente fica triste de saber que as pessoas, são muitas pessoas doentes e tudo, mas eu fiquei muito feliz, foi um sentimento de felicidade por poder ajudar essas pessoas que são pessoas que precisam da nossa ajuda [...] (TE2)

     

Alguns profissionais relataram sentimento de tranquilidade diante da situação do cuidado a estas pessoas ou expressaram conseguir lidar com a situação de forma positiva, não apresentando sentimentos negativos nesta vivência. Porém, este sentimento pode ser uma forma de negação, de tentativa de naturalizar a situação vivenciada, conforme se observa:

 

[...] Mexe, de certa forma sim, mas pra mim é tranquilo lidar com isso [...] (TE6)

 

[...] me afeta de uma forma positiva, porque eu tenho que viver, eu tenho que aproveitar porque a oncologia, essa doença é uma coisa que não escolhe esse ou aquele, entendeu [...] (TE7)

 

Percebe-se nestes relatos que o profissional se sente afetado de forma positiva, pois vê o problema que vivencia em sua rotina de serviço afetar várias pessoas, e o reconhecimento de que isto pode ocorrer com qualquer um, incluindo a si próprio ou um ente próximo, faz com que ele queira aproveitar a vida. Isto pode ser caracterizado pelo medo de não saber o dia de amanhã. Sendo assim, podemos compreender que o sentimento da vivência com pacientes oncológicos pode influenciar a vida pessoal do profissional, e não só durante a rotina de serviço. Estudo sobre o estresse ocupacional apontou maneiras e estratégias para minimizar o desgaste dos profissionais da equipe de enfermagem em suas atividades [11].

Outro sentimento expresso nos depoimentos destes profissionais foi o de buscarem se acostumar/adaptar à situação, tendo sido necessário trabalharem os sentimentos negativos que a princípio encontravam no setor para não se afetarem, conforme evidencia a fala deste depoente:

 

[...] A princípio meu sentimento foi um pouco assim...eu fiquei muito sentida, triste, mas eu mesma trabalhei isso comigo... eu não vou negar que no princípio eu comecei a ficar um pouco deprimida porque eu não estava acostumada a trabalhar em oncologia [...] (TE2)

 

Portanto, é importante que estes profissionais, principalmente os da equipe de enfermagem, tenham um preparo contínuo que os ajudem a lidar com seus sentimentos (e também dos pacientes) desenvolvendo mecanismos de defesa, pois o ambiente hospitalar e a rotina de trabalho geram ideia de sofrimento e vulnerabilidade emocional, como corrobora o estudo realizado sobre as estratégias de enfrentamento dos enfermeiros de oncologia na alta complexidade [12].

 

Enfrentamento dos profissionais diante os sentimentos vivenciados

 

É essencial que os profissionais da equipe de enfermagem que atuam na oncologia consigam desenvolver um autocontrole, pois lidam com pacientes em terminalidade e que exigem cuidados prolongados, o que pode representar uma difícil tarefa, decorrente do forte vínculo que se estabelece entre profissional e paciente nestas situações [13].

Os profissionais apresentaram diversas formas utilizadas por eles para enfrentar os sentimentos (na maioria das vezes negativos) que lidam na vivência da atuação no setor quimioterápico, variando desde o diálogo e crença em Deus até a separação entre a vivência profissional e pessoal.

Neste estudo, alguns profissionais disseram que se sentem bem ao conversar com seus familiares, amigos etc., dentro da Unidade com seus colegas de trabalho ou em casa, fora do ambiente de trabalho. Compreende-se que pode ser o modo de desabafar os sentimentos que os afeta, e o convívio com pessoas próximas constitui uma ferramenta para minimizar os sentimentos:

 

[...] Às vezes eu desabafo com o meu noivo ou com a minha irmã... eu sempre tento comentar com eles ‘ah paciente tá assim, queixou isso comigo e eu fiquei triste ou eu fiquei emocionada por conta disso, é um paciente que eu gosto, que eu tive uma afinidade maior[...] (E2)

 

[...] A gente divide esse sentimento com familiares, colegas de trabalho. É tentar dividir também as experiências ‘olha, eu com essa paciente assim, como que eu posso lidar [...] (TE4)

 

[...] Eu vou, saio um pouquinho do setor ou vou conversar com outros amigos... brinco muito com a colega de serviço [...] (TE5)

 

Outros profissionais se sentem confortados através da religiosidade, fazem uso de sua fé para enfrentar sentimentos pessoais e até mesmo pedir ajuda para os pacientes, como fica evidenciado nas falas:

 

[...] Dessa forma mesmo, pedir pra Deus tá cuidando porque ninguém melhor do que Deus pra cuidar, da gente e deles, tá fortalecendo a gente, dando sabedoria pra gente pra lidar com a situação, acho que seria dessa forma, pedindo pra Deus [...] (TE6)

 

[...] Assim eu pego muito com Deus porque se não fosse Deus hoje eu não teria retornado, porque eu fiquei de licença algum tempo devido meu emocional, por trabalhar com oncologia, mas, assim, agora eu peguei com Deus, muita oração sabe, eu sou evangélica, eu oro muito, sabe [...] (TE3)

      O modo de enfrentamento dos problemas utilizado por alguns profissionais se encontra no desenvolvimento de atividades de entretenimento, como expuseram:

[...] Ah, assim eu faço de tudo [...] sempre lendo um livro, às vezes eu ligo o celular aqui no radinho, escuto um pouquinho de música pra alegrar um pouquinho o ambiente [...] porque a gente ficar com cara amarrada também... isso não vale a pena...então assim a gente acaba fazendo isso, lê um livro, vai conversar com um outro colega...e assim a gente vai passando o dia [...] (TE5)

[...] Pra gente no caso é isso, a gente divide com o familiar, com colega de trabalho, com entretenimento, com uma música, com um livro [...] (TE4).

 

Da mesma maneira, alguns profissionais utilizam destes métodos e acreditam não ter como separar o que vivenciam dentro do setor da vida fora do ambiente de trabalho, como fica evidenciado nas seguintes falas:

 

[...] Não tem como passar uma borracha, saiu do hospital esquecer tudo, acabou, não é assim. A gente não tem essa frieza, a gente não é um mármore frio. A gente procura viver nossa vida, mas sempre vai ir de encontro a algum problema e é enfrentar mesmo, é aceitar [...] (E2)

[...] A gente não consegue dividir porque a gente é uma pessoa só, eu sou a X, a X não é diferente da X técnica [...] (TE4)

      Observa-se que outros tentam separar o vivido profissional, os sentimentos encontrados dentro do setor, da vida pessoal:

[...] Procuro não levar pra casa o que eu passo aqui [...] (TE1)

[...] Tento sair naquele portão e não levar pra casa os problemas e tento chegar aqui e não trazer meus problemas de casa pra cá. Isso é muito importante, a gente saber diferenciar o profissional com o pessoal [...] (TE3)

[...] Tento fazer uma dupla personalidade, aqui dentro eu sou X, técnico de enfermagem, amigo de paciente, escuto. Mas saindo daqui tento esquecer tudo que eu vivi aqui dentro, não levar pra fora e ficar lembrando [...] então X aqui, outro X lá fora [...] (TE7)

 

 

Esta prática evidenciada nas falas pode ser entendida como uma forma de tentar desvincular a vida profissional da vida pessoal, muitas vezes na busca por diminuir o envolvimento com o paciente. O convívio familiar se apresenta como forma de compensar o vivido durante o serviço [13]. Mas estudo revelou que o “bom relacionamento no ambiente do trabalho, colaboração e apoio mútuo são fortes contribuintes para a melhoria da qualidade de vida dos profissionais” [5:946], pois favorece o cuidar de si e sensibiliza para a promoção da saúde.

Neste sentido, encontra-se um fator dificultador que muitas vezes acomete os profissionais da área da enfermagem e merece atenção especial que é a carga horária de trabalho, o que muitas vezes gera problemas e até mesmo impossibilita estes profissionais de realizarem atividades que visem enfrentar os sentimentos que apresentam por lidar situações difíceis nos seus cotidianos:

 

[...] Infelizmente assim eu queria tá podendo fazer de alguma forma, praticar algum exercício físico alguma coisa, mas meu tempo não dá. A forma que tento é enfrentar isso, gosto muito de uma cervejinha, mas às vezes me pego assim, ‘poxa essa semana já tomei cerveja, duas vezes na semana’, porque a gente sabe que tem caso de pessoas da área de saúde que tem problemas com bebida ou que se droga por conta dessas coisas. Queria ter um pouco mais de tempo, ter outro prazer de poder fazer essa questão de sentimento, extravasar [...] (E1).

 

Estudos evidenciam que as condições e sobrecarga de trabalho são algumas possibilidades para o uso de drogas e que são usadas substâncias psicoativas com a finalidade de diminuir tensão, estresse e outros sintomas para negar ou minimizar a percepção da realidade que o faz sofrer [14]. Neste sentido, observa-se que a estratégia utilizada pelo profissional é reconhecida por ele próprio como um risco a desenvolver problemas a médio e longo prazos, porém, mesmo mediante desse reconhecimento, não encontra outra forma para enfrentamento devido à falta de oportunidade e tempo para isto, pois estes muitas vezes deixam de lado atividades de distração e descanso em busca de uma melhor condição financeira e de sobrevivência.

 

O significado de atuar na oncologia para os profissionais

 

Percebe-se que a relação com o paciente está realmente presente no cotidiano destes profissionais, pois ficou evidente a realização e sentimento de felicidade deles por atuarem na oncologia. Esta relação, mesmo que muitas vezes afete o profissional de forma negativa, levando ao sofrimento psíquico e emocional, tem sua repercussão positiva na vida destas pessoas, tanto como incentivo, possibilidade de demonstrar sua forma de cuidado, aprendizado e até mesmo como satisfação pessoal [15], segundo pode-se observar nos recortes:

 

[...] Então é muito bacana, quem vive a oncologia é um aprendizado pra vida da gente, não só como profissional. É pessoal mesmo, você leva muita coisa, aprende muita coisa... Hoje não me vejo trabalhando em outro setor que não seja oncologia [...] (E2).

 

[...] Eu adoro o que eu faço [...] lugar perfeito pra trabalhar. Pessoas muito carentes precisam muito de carinho de atenção, então é tudo que eu gosto [...] (TE1).

 

Às vezes a gente sai de casa com algum probleminha, com alguma coisa e quando chego aqui vejo que aquilo meu não é nada [...] (TE2).

 

[...] O setor que eu não quero sair da oncologia, é apaixonante quando você entra pra um hospital oncológico e se depara com tanta gente legal, tanto de profissionais quanto de paciente. A gente se apaixona realmente, é uma paixão tanto pros pacientes, pela área e por tudo [...] (TE4).

[...] Muitas das vezes eles dão força pra gente entendeu? [...] (TE5).

 

Observa-se que a interação do enfermeiro com o paciente e sua família pode abranger relações de amizade, facilitada por conversas ou outras formas de aproximação. Mas, pessoas que atuam na assistência na área da saúde sofrem, geralmente, uma grande sobrecarga emocional perante sua prática profissional como evidenciado em outros estudos [4,16]. Sendo assim, desde a formação (graduação) até sua atuação profissional nas instituições de saúde, são necessários apoio e ajuda para enfrentar o sofrimento e o estresse no cotidiano, para que os profissionais possam ter uma vida mais saudável [17].

Igualmente, outro estudo apontou que “a gravidade dos pacientes sob os cuidados dos profissionais de Enfermagem pode gerar desgaste mental e aumentar o estresse, contribuindo para o sofrimento no trabalho” [11:1636]. Neste sentido, há que se considerar que muitas vezes a ausência de cuidados e atenção que prestam a si próprios é ignorada. São profissionais que são formados visando ao cuidado do outro, mas não podem deixar de dar e receber atenção a sua própria saúde. Nesta perspectiva, salienta-se a importância do cuidado com a qualidade de vida destes profissionais, pois os fatores que os afetam podem gerar sintomas, distorcendo a ideia de prática prazerosa, para se tornar uma geradora de doenças [18].

 

Conclusão

 

Ao conhecer o vivido da equipe de enfermagem que atua no setor de quimioterapia de um hospital oncológico, foi possível apreender a intensa relação entre o sofrimento do paciente e os sentimentos apresentados por estes profissionais que atuam e convivem diretamente com estas pessoas. Faz-se necessário atentar aos sentimentos destes trabalhadores que se encontram vulneráveis, visando compreender o sofrimento psicológico vivenciado por eles e prestando apoio a fim de minimizá-los.

Espera-se contribuir para o melhor enfrentamento de situações vividas por profissionais que se encontram predispostos ao sofrimento psicoemocional e também colaborar no que diz respeito à integralidade da assistência prestada pelos profissionais da equipe de enfermagem na prática de suas atividades, proporcionando assim satisfação de quem cuida e de quem é cuidado.

A análise da vivência dos participantes deste estudo se traduz em conhecimento para a enfermagem e traz reflexões sobre o cuidado da saúde dos profissionais da equipe de enfermagem, principalmente aqueles que atuam em setores diretamente com pessoas em tratamento oncológico, além de fornecer subsídios e incitar outras investigações sobre o cuidado de si, visto que estes precisam estar bem de saúde física e mental, para estar-com-o-outro de modo integral, singular e autêntico.

 

Referências

 

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