ARTIGO ORIGINAL
Estudo retrospectivo de
radiodermatite em pacientes com câncer de mama: uma
experiência institucional privada e pública
Andrea Moraes
Ipiranga*, Cintia Yolette Urbano Pauxis
Aben-Athar, D.Sc.**, Renata
Glaucia Barros da Silva Lopes, M.Sc.***, Heryvelton Lima de Freitas****, Aline Maria Pereira Cruz
Ramos, D.Sc.*****
*Enfermeira,
Especialista em Enfermagem Oncológica, Hospital Porto Dias, Belém/PA,
**Enfermeira, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Pará, Belém/PA,
***Enfermeira, Universidade da Amazônia, Belém/PA, ****Médico especialista em
radioterapia do Hospital Porto Dias e Hospital Ophir
Loyola, Belém/PA, *****Enfermeira, Faculdade de Enfermagem/UFPA e Núcleo de
Pesquisa em Oncologia/UFPA, Belém/PA
Recebido em 18 de maio
de 2019; aceito em 22 de maio de 2020.
Correspondência: Aline Maria Pereira
Cruz Ramos, Faculdade de Enfermagem da UFPA e Núcleo de Pesquisa em Oncologia
em Oncologia, Tv. Benjamim Constant, 631, 66053-040 Belém PA
Andrea Moraes Ipiranga:
dedeia_ipiranga@hotmail.com
Cintia Yolette Urbano Pauxis Aben-Athar: abenathar_cintia@hotmail.com
Renata Glaucia Barros
da Silva Lopes: renatagbsilva@yahoo.com.br
Heryvelton Lima de Freitas:
heryvelton@me.com
Aline Maria Pereira
Cruz Ramos: nurse.alinecruz@gmail.com
Resumo
Introdução: A radiodermatite
aguda é comumente observada em pacientes com câncer de mama submetidas à
radioterapia. Objetivo: Comparar a radiodermatite
aguda em mulheres tratadas com radioterapia convencional ou com intensidade
modulada em dois Centros de Radioterapia (intituição
pública e privada). Métodos: Estudo transversal, retrospectivo e
descritivo, desenvolvido em dois hospitais da cidade de Belém/PA, que avaliou
343 mulheres entre 2012 e 2015. Resultados: Houve radiodermatite
aguda nos dois Centros de Radioterapia analisados, coincidindo entre a 16º à
20º aplicação independentemente do tipo de tecnologia utilizada. A maioria das
lesões foram classificadas como RTOG1 e interrupção do tratamento por 1 semana
ocorreu na instituição pública. Quanto ao manejo profilático, as instituições
divergiram na indicação da compressão com chá de camomila e creme a base de aloé vera, e coincidiram no tratamento
farmacológico com esteróide e antibiótico tópico. Conclusão:
Os resultados evidenciaram radiodermatite aguda em
ambas instituições, independente da técnica aplicada.
Palavras-chave: neoplasia de mama,
radioterapia, radiodermatite.
Abstract
Retrospective study of radiodermatitis in breast cancer patients: a
public and private institutional experience
Introduction: Acute radiodermatitis is commonly seen in patients with breast cancer
undergoing radiation therapy. Aim: To compare acute radiodermatitis in
women treated with conventional radiotherapy or modulated intensity in two
Radiotherapy Centers (public and private institutions). Methods:
Cross-sectional, retrospective and descriptive study, developed in two
hospitals in the city of Belém (in the north of
Brazil), which evaluated 343 women between 2012 and 2015. Results: There
was acute radiodermatitis in the two Radiotherapy Centers analyzed, coinciding
between 16th to 20th application regardless of the type of technology used.
Most injuries were classified as RTOG1, and treatment interruption for 1 week
occurred in the public institution. As for prophylactic management, the
institutions diverged in the indication of compression with chamomile tea and
cream based on aloe vera and coincided in the
pharmacological treatment with steroid and topical antibiotic. Conclusion:
The results showed acute radiodermatitis in both institutions, regardless of
the technique applied.
Keywords: breast neoplasms, radiotherapy, radiodermatitis.
Resumen
Estudio retrospectivo de radiodermatitis en pacientes con cáncer de mama: una
experiencia institucional privada y publica
Introducción: La radiodermatitis aguda se observa comúnmente
en pacientes con cáncer de mama que reciben
radioterapia. Objetivo: Comparar la dermatitis aguda en mujeres tratadas con radioterapia
convencional o con intensidad
modulada en dos centros de radioterapia (instituciones públicas y privadas). Métodos: Estudio transversal, retrospectivo y descriptivo,
desarrollado en dos hospitales de la ciudad de Belém (en el norte de Brasil), que evaluó a
343 mujeres entre 2012 y 2015. Resultados: Radiodermatitis aguda en los dos Centros de Radioterapia analizados,
coincidiendo entre 16 y 20 fracciones, independientemente del tipo de tecnología utilizada. La mayoría
de las lesiones se clasificaron
como RTOG1 y la interrupción
del tratamiento durante 1
semana ocurrió en la institución pública. En cuanto al tratamiento
profiláctico, las instituciones
divergieron en la indicación de compresión con té de manzanilla y crema a base
de aloe vera, y coincidieron
en el tratamiento
farmacológico con esteroides y antibióticos tópicos. Conclusión: Los resultados mostraron
radiodermatitis aguda en
ambas instituciones, independientemente
de la técnica aplicada.
Palabras-clave: neoplasias de la mama, radioterapia, radiodermatitis.
O câncer de mama é o
tipo mais comum de câncer em mulheres [1] e a radioterapia é um componente
crítico e comum no tratamento desta doença [2].
Apesar dos avanços
tecnológicos e da melhor dosimetria loco-regional alcançados pela radioterapia
de intensidade modulada (IMRT), esta ainda é capaz de
causar toxicidade cutânea devido à pele estar entre a fonte de radiação e o
alvo terapêutico, caracterizando-a como fator dose-limitante no controle da
doença devido à interrupção prematura, dose e prognóstico [3]. Mais de 90% das
mulheres em radioterapia experimentam algum grau de radiodermatite
no decorrer do tratamento ou imediatamente após, afetando a autoimagem e
qualidade de vida [4,5].
A radiodermite
é complexa e multifatorial estando relacionada a fatores intrínsecos e
extrínsecos (principalmente, relacionados a dose total, diária, boost, tipo de energia, etc.)
[6,7]. Esta lesão aguda surge entre 10-14 dias após o início do tratamento e a
acumulação de dose induz à interrupção da mitose, regeneração celular e
apoptose, bem como a indução de processo inflamatório no tecido e danos
endoteliais [8]. Assim, o enfermeiro é capaz de atrasar o surgimento e diminuir
a gravidade da radiodermatite desde que as
orientações de autocuidado sejam seguidas e haja adesão ao tratamento, como a
aplicação de produtos profiláticos [9].
Este estudo teve como
objetivo comparar a radiodermatite aguda em mulheres
tratadas com radioterapia convencional (3D-CRT) ou com intensidade modulada em
dois Centros de Radioterapia (instituição pública e privada).
Trata-se de um estudo
transversal, retrospectivo e descritivo, desenvolvido em dois hospitais da
cidade de Belém (no norte do Brasil), o Hospital Ophir
Loyola e Hospital Porto Dias (HPD), instituições públicas e privadas,
respectivamente, no período entre 2012 e 2015. Este estudo foi submetido ao
Comitê de Ética em Pesquisa sob pareceres Nº 904.233 e 1.398.679.
A população foi
composta por 343 mulheres com histopatológico positivo para câncer de mama
tratadas com radioterapia durante o mesmo período nas duas instituições. Foram
excluídos pacientes com câncer de mama masculino e mulheres sem indicação de
radioterapia.
Foi aplicado um
formulário criado pelos autores para direcionar e otimizar a coleta de dados
dos prontuários, cujas variáveis identificadas estavam relacionadas a dados
epidemiológicos, clínicos-patológicos e terapêuticos. A análise dos dados
ocorreu em duas fases, a primeira foi descritiva à incidência de radiodermatite aguda nas diferentes tecnologias (IMRT vs.
3D-CRT) e a segunda comparou o grau de RTOG às variáveis relacionadas ao
tratamento de cada tipo de tecnologia aplicada.
Os dados foram
organizados em planilhas no Programa Excel 2010 e submetidos à análise
estatística descritiva contendo a frequência e a porcentagem de todas as
variáveis relacionadas aos achados clínicos e às características
epidemiológicas dos participantes. Na análise inferencial, o teste exato de
Fisher e o qui-quadrado (c2)
foram utilizados nas
análises de variáveis categóricas em
relação às reações cutâneas
agudas (RTOG)
e o teste G foi utilizado na comparação da radiodermatite
aguda entre instituições públicas e privadas. Todas as análises estatísticas
foram realizadas usando o Pacote R v2.15 e foram fixadas em um nível
significativo de 5%.
A análise dos
prontuários de 343 mulheres mostrou uma idade média de 55 anos (± 24-95), sendo
provenientes da região metropolitana de Belém (65,3%). A maioria delas
apresentou carcinoma ductal invasivo (74,3%),
acometendo a mama direita (39,6%) ou (34,1%) a esquerda, com subtipo Luminal A
ou B por Imuno-histoquímica entre os dois grupos (Tabela I). Interessantemente,
o estadiamento tumoral divergiu entre as instituições, prevaleceu o precoce
(TNM I + II com 36,1%) na privada e tardio (TNM III com 25%) na pública (Figura
1).
Tabela I - Características
patológicas clínicas dos dois grupos de pacientes.
*a
Classificação TNM de tumores malignos, 8o ed
[18]; *b Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Carcinoma de Mama (Portaria
nº 04/2018) [19].
Identificou-se também
divergência entre as instituições quanto a cirurgia e quimioterapia, o que foge
do escopo desta análise. Ressalta-se a grande quantidade de informações
ausentes e/ou incompletas, com destaque aos registos da imunohistoquímica
e estadiamento nas mulheres da instituição pública.
Figura 1 - Níveis de
estadiamento de câncer de mama em pacientes do gênero feminino de um Hospital
Público e Privado. Belém/PA, Brasil, 2012-2015.
A figura 2 mostra o
pico de radiodermatite aguda entre o 16º e 20º dia de
aplicação de radioterapia, independentemente do tipo de tecnologia utilizada
(instituição pública 24% e privada 28,77%). A maioria delas foi classificada
como RTOG1, com destaque na instituição privada (74,1%). Alternativamente, as
mulheres da instituição pública apresentaram lesões de grau 2 (20,58%) e 3
(5,41%) (Tabela II). Nenhuma toxicidade aguda de Grau 4 ou superior foi
observada em ambas as instituições (Figura 3).
A tabela II mostrou
variação significativa quanto ao protocolo terapêutico seguido nas
instituições. A tecnologia IMRT aplicou maior dose total (p=0,0001), maior
fração diária (p=0,0001) e menor número de sessões (p=0,0001),
caracterizando-se tratamento hipofracionado. Por
outro lado, a instituição pública, com tecnologia 3D-CRT, ofertou menor dose
total, equiparação de dose diária e maior número de sessões, caracterizando-se
como tratamento hiperfracionado. Na minoria das
pacientes o boost foi aplicado, com destaque para a
instituição pública (p=0,0397).
Tabela II - Análise de RTOG em
comparação aos fatores relacionados à radioterapia por instituição.
*Teste exato de Fisher;
**Teste do Qui quadrado
Figura 2 - O número de
sessões de radiodermatite nas instituições públicas e
privadas. Belém/PA, Brasil, 2012-2015.
Figura 3 - Grau de RTOG entre
casos de radiodermatite aguda em instituições
públicas e privadas. Belém/PA, Brasil, 2012-2015.
Os achados revelaram
episódios de interrupção temporária do tratamento significativamente maiores na
instituição pública em relação a privada (p= 0,0028), por 1 semana (4,9%) ou 2
semanas (4,41%). Os registros nos prontuários exibiram que 67 pacientes (32,8%)
e 77 (55,3%) apresentaram diferentes graus de descamação úmida inframamária e / ou aréola mamilar em instituições privadas
(IMRT) e públicas (3D-CRT), respectivamente (Figura 4).
Figura 4 – Interrupção de
tratamento secundário à gravidade da radiodermatite
aguda em instituições públicas e privadas. Belém/PA, Brasil, 2012-2015.
As instituições
divergiram quanto ao manejo profilático (p=0,0001), o chá de camomila (Matricaria chamomilla) foi o mais
recomendado pela enfermeira na instituição pública e o creme a base de aloe vera (Aloe
vera L.) na privada. Adicionalmente, a maioria do manejo farmacológico
coincidiu nas duas instituições, com a prescrição médica de esteróide
e antibiótico tópico (p=0,0001).
A radiodermatite
aguda é comumente experimentada em mulheres com câncer de mama que recebem
radioterapia [5]. O seu surgimento é multifatorial, relacionado a fatores
intrínsecos e extrínsecos (principalmente, relacionado a dose total, diária, boost, tipo de energia etc.) [6].
Neste estudo, a
caracterização das mulheres foi similar a estudos prévios [10,11]. Os achados
deste estudo revelaram informações interessantes. Em primeiro lugar, houve radiodermatite aguda nas duas instituições,
independentemente do tipo de tecnologia aplicada, com o pico coincidente entre
D16-20 de fração.
Isso pode ser
justificado devido a pele estar no trajeto entre a radiação ionizante gerada
pelo acelerador e o órgão alvo [10]. A toxicidade cutânea é um evento
determinístico, ou seja, é dose-dependente com tempo previsível entre 10-14
dias após o início do tratamento, independente da tecnologia aplicada [8].
Logo, período similar ao nosso.
Em segundo lugar, uma
análise mais minuciosa dos casos de radiodermatites
na instituição privada mostrou o emprego de uma dose total e fração diária mais
elevadas em menor tempo de tratamento (hipofracinamento),
o que resultou em graus mais leves de radiodermatite.
A distribuição homogênea de dose ao volume alvo pela tecnologia IMRT e entregue
de forma hipofracionada é importante na redução da
incidência e grau de severidade da radiodermatite
[12], dados semelhantes a este estudo.
Por outro lado, a
instituição pública aplicou menor dose total e fração diária mais flutuante em
mais dias de tratamento (hiperfracionada). Por
conseguinte, evidenciou-se radiodermites com diversos
graus de severidade, maior número de descamação úmida e, por conseguinte, maior
interrupção da radioterapia, cuja repercussão pode ser negativa sobre o
prognóstico [2].
A distribuição não
homogênea e hiperfracionada são um dos preditores de
toxicidade cutânea aguda. Como visto, a tecnologia 3D-CRT [13,14] reforça que a
frequência e gravidade da radiodermatite no Sistema
Único de Saúde (SUS) está relacionada à técnica terapêutica ultrapassada, ainda
guiada por radiografia ou tomografia e os campos conformados ao tumor. Sabe-se
ainda que a descamação úmida não ocorre até que uma certa dose limite seja
atingida e esse risco sofre incremento conforme o volume da pele onde excede
esse limiar [10], porém esta variável não foi avaliada neste estudo devido a
dados incompletos no prontuário.
Em terceiro lugar, foi
observada divergência quanto a recomendação das medidas profiláticas a
compressa com chá de camomila (Matricaria recutita Linnaeus) na instituição pública e aloe vera (Aloe vera L.) na privada. Adicionalmente, a
maioria do manejo farmacológico coincidiu nas duas instituições, com a
prescrição médica de esteróide e antibiótico tópico.
A indicação da camomila
foi predominante na primeira instituição devido a apresentar suas propriedades antiinflamatórias, antioxidantes, bactericidas que promove
o conforto do paciente, além do fácil acesso e baixo custo desse fitoterápico
aos pacientes [15,16]. Já o Aloe vera é uma das plantas mais pesquisadas em
cuidados com a pele, sendo eficaz na cicatrização de lesões (inflamação, eritema)
e proteção contra radiação UV [17].
Embora a radiodermatite seja um evento comum, não há protocolos
clínicos padronizados à prevenção e tratamento. Uma vez que as evidências
científicas disponíveis são heterogêneas e não conclusivas, com ensaios clínicos
isolados, amostras limitadas, com fins comerciais e lucrativos geralmente
[5,9].
Finalmente, o presente
estudo apresentou limitações devido ao seu desenho retrospectivo, relacionado
ao número relativamente pequeno de pacientes analisados e aos dados incompletos
de algumas variáveis (por exemplo, tipo de pele, tamanho da mama e etilismo
etc.), bem como a ausência de outras informações relevantes no prontuário, um
documento legal. É importante ressaltar que a incidência de radiodermatite
é flutuante devido às subnotificações e estudos adicionais que precisam ser
desenvolvidos sobre a temática.
Este foi o primeiro
relato sobre a experiência institucional quanto à incidência de radiodermatite entre tecnologias diferentes no tratamento
do câncer de mama no Norte do Brasil.
A análise dos
prontuários de mulheres submetidas à radioterapia revelou discrepâncias
significativas entre as duas instituições, diante de terapia aplicadas e graus
de radiodermites, bem como seu manejo. Na instituição
privada, observou-se maior acesso à imunohistoquímica
e maior qualidade assistencial prestada pela enfermeira devido a menor demanda
de pacientes. Por outro lado, no hospital público houve maior severidade da
lesão e mais interrupção/atraso no tratamento, além de dados incompletos nos
prontuários que trazem prejuízo significativo as vertentes clínicas, jurídicas
e científicas.
No entanto, a
radioterapia de intensidade modulada persiste como um tipo de tecnologia
efetiva, porém de alto custo, com acesso restrito a poucos centros no Brasil
pelo SUS, ainda ausente nessa região.