ARTIGO ORIGINAL

“Afasta de mim esse cale-se!”: mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em um município de Pernambuco

 

Evylene Adlla Cavalcanti Lima*, Andreza Amanda de Araújo**, Ana Wladia Silva de Lima***, Gertrudes Monteiro da Costa****, Mariana Boulitreau Siqueira Campos Barros***, Zailde Carvalho dos Santos***

 

*Bacharel em Enfermagem pela Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico de Vitória (UFPE-CAV), Vitória de Santo Antão/PE, **Discente do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico de Vitoria (UFPE-CAV), Vitória de Santo Antão/PE, ***Docentes do Núcleo de Enfermagem Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico de Vitória (UFPE-CAV), Vitória de Santo Antão/PE, ****Sanitarista da Secretaria Municipal de Saúde de Olinda e do Cabo de Santo Agostinho/PE

 

Recebido em 6 de junho de 2018; aceito em 17 de novembro de 2018.

Endereço para correspondência: Evylene Adlla Cavalcanti Lima, Rua Neto de Mendonça, 57, 55602-540 Vitória de Santo Antão PE, E-mail: evylenecavalcanti@hotmail.com; Andreza Amanda: andreza.amanda2015@hotmail.com, Ana Wladia: anwladia@gmail.com, Gertrudes Monteiro: gertrudesmonteiro@yahoo.com.br, Mariana Boulitreau: marianabscbarros@gmail.com, Zailde Carvalho: zailde2013@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Traçar o perfil clínico-epidemiológico das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar acolhidas no Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM) do município de Vitória de Santo Antão/PE. Métodos: Estudo transversal, descritivo, de abordagem quantitativa, realizado com base nas informações das Fichas de Atendimento Individual (FAI) de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar ocorridos entre janeiro de 2009 e dezembro de 2016. Resultados: Foram notificados 156 casos de violência contra a mulher. Desses, houve prevalência de mulheres entre 19-30 anos de idade (35,26%); etnia parda (46,15%); solteira (34,62%); ≤ 8 anos de estudo (52,57%); sem atividade remunerada (55,77%) e ≤ um salário mínimo (54,49%). Quanto ao tipo de violência, destaca-se a psicológica (85,26%). A cabeça foi à região corporal mais atingida (36,54%), as equimoses como lesões mais frequentes (39,10%) e ameaças meio de intimidação habitual (84,62%). Conclusão: A Rede de Atendimento às Mulheres em situação e/ou risco de violência é indispensável nas ações do cuidado por meio do acolhimento e escuta qualificada, a fim de promover a equidade na assistência, identificação e encaminhamento adequado das vítimas e ao desenvolvimento de estratégias efetivas de proteção; assim como a (re)educação do agressor.

Palavras-chave: violência contra a mulher, violência doméstica, epidemiologia.

 

Abstract

“Stop telling me to shut up!”: women victims of domestic and familiar violence in a municipality of  Pernambuco

Objective: To describe the clinical and epidemiological profile of women victims of domestic and family violence at the Specialized Center for Assistance to Women (CEAM) in the city of Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brazil. Methods: A cross-sectional, descriptive, quantitative approach based on information from the Individual Care Records (FAI) of women victims of domestic and family violence that occurred between January 2009 and December 2016. Results: 156 cases of violence against women were reported. Of these, women between 19-30 years of age (35.26%) were prevalent; ethnicity brown (46.15%); single (34.62%); ≤ 8 years of study (52.57%); without paid activity (55.77%) and ≤ a minimum wage (54.49%). As for the type of violence, the psychological (85.26%) stands out. The head was the most affected body region (36.54%), ecchymoses were the most frequent lesions (39.10%) and threats were habitual intimidation (84.62%). Conclusion: The Network of Assistance to Women in situations and/or risk of violence is indispensable in the care actions through the reception and qualified listening; in order to promote fairness in care, adequate identification and referral of victims and the development of effective protection strategies; as well as the (re) education of the aggressor.

Key-words: violence against women, domestic violence, epidemiology.

 

Resumen

“No me digas que me calle!”: mujeres víctimas de violencia doméstica y familiar en un municipio de Pernambuco

Objetivo: Trazar el perfil clínico-epidemiológico de las mujeres víctimas de violencia doméstica y familiar acogidas en el Centro Especializado de Atención a la Mujer (CEAM) del municipio de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil. Métodos: Estudio transversal, descriptivo, de abordaje cuantitativo realizado con base en las informaciones de las Fichas de Atención Individual (FAI) de mujeres víctimas de violencia doméstica y familiar ocurridas entre enero de 2009 y diciembre de 2016. Resultados: Se notificaron 156 casos de violencia contra la mujer. De estos, hubo prevalencia de mujeres entre 19-30 años de edad (35,26%); la etnia parda (46,15%); (34,62%); ≤ 8 años de estudio (52,57%); sin actividad remunerada (55,77%) y ≤ un salario mínimo (54,49%). En cuanto al tipo de violencia, se destaca la psicológica (85,26%). La cabeza fue la región corporal más afectada (36,54%), las equimosis como lesiones más frecuentes (39,10%) y amenazas por medio de intimidación habitual (84,62%). Conclusión: La Red de Atención a las mujeres en situación y/o riesgo de violencia es indispensable en las acciones del cuidado por medio de la acogida y escucha calificada; a fin de promover la equidad en la asistencia, identificación y encaminamiento adecuado de las víctimas y el desarrollo de estrategias efectivas de protección; así como la (re) educación del agresor.

Palabras-clave: violencia contra la mujer, violencia doméstica, epidemiología.

 

Introdução

 

Violência doméstica e/ou familiar contra a mulher é a hostilidade ocorrida tanto no âmbito domiciliar/privado quanto no coletivo; perpetrada por um membro da família que conviva ou tenha relacionamento afetivo com a vítima ou até mesmo por um desconhecido, que ocasione danos físicos, psicológicos, sexuais, patrimoniais, morais, além de negligência e abandono [1]. Atrelada à violência contra a mulher, ressalta-se a questão de gênero e sexismo, interpretada como uma situação sofrida pela população feminina sem distinção de etnia, classe social, idade ou religião, na qual as vítimas são protagonistas de violência pelo simples fato de serem mulheres [2].

Segundo dados estatísticos do Mapa da Violência e Homicídios de Mulheres, no Brasil em 2015, ocorreram 147.691 casos por 10 mil mulheres e no Nordeste 24.555 casos por 10 mil mulheres [3]. Em Pernambuco, de acordo com boletim emitido pela Secretaria da Mulher do Estado, exatos 50.042 casos de violência contra as mulheres foram notificados em 2016 [4]. O processo e as lutas para a criação de uma lei específica de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil deram-se de maneira árdua. Foram necessários embates políticos, jurídicos e internacionais que culminaram com a criação da Lei nº 11.340 (Código Civil Brasileiro), de 7 de agosto de 2006. A Lei Maria da Penha, popularmente conhecida, foi sancionada criando mecanismos para coibir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher [5].

Mais recentemente, a Lei nº 13.427 de março de 2017 altera o Art. 7º da Lei Orgânica nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Que através de uma emenda constitucional, acresce o inciso XIV aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), o princípio da organização de atendimento público específico e especializado para mulheres e vítimas de violência doméstica em geral, que garanta atendimento, acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas reparadoras [6].

Para combater a violência infligida às mulheres, a vítima necessita interromper o ciclo vicioso de violência, que consiste em quatro fases: amor, tensão (na qual o indivíduo começa a demostrar os primeiros sinais de agressividade), violência propriamente dita e o remorso respectivamente. Uma das primeiras atitudes é o rompimento do silêncio, quando a agredida procura auxílio fora do seu âmbito domiciliar [7].

Para a proteção das mulheres em situação de violência, a notificação compulsória é importante não só para gerar dados, mas também para acionar os serviços da Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica e/ou Familiar Contra a Mulher [8]. A rede trabalha em quatro dimensões: prevenção, combate, assistência e garantia de direitos; a mesma é composta por serviços especializados (delegacia da mulher, defensoria pública, ministério público, centros de referência de atendimento à mulher, serviços de saúde, núcleo de apoio à mulher etc.) e não especializados (centro de referência especializado da assistência social e centro de referência de assistência social) de atendimento às mulheres [9].

No município em estudo a Ficha de Atendimento Individual (FAI), utilizada pelo Centro Especializado de Atendimento a Mulher (CEAM), são registrados os dados relacionados a(s) vítima(as), a(s) violência(s)/agressão(ões) e informações sobre o(s) agressor(es). Essas informações alimentam o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), informatizado e gerenciado pelo Ministério da Saúde, por meio do qual se pode acompanhar as tendências epidemiológicas de diversas doenças e agravos; e que, desde 2009, passou a registrar notificações dos diversos tipos de violência [10].

Portanto, considera-se essencial a realização de pesquisas que forneçam dados a respeito do cenário da violência doméstica no estado de Pernambuco. Mais especificamente no município de Vitória de Santo Antão, onde há uma escassez de estudos sobre o tema e que podem contribuir subsidiando com informações importantes, na criação ou no redirecionamento de políticas públicas no sentido de promover mudanças no cenário epidemiológico do agravo.

Este estudo teve por objetivo traçar o perfil clínico-epidemiológico das mulheres vítimas de violência doméstica acolhidas no Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM) do município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil, no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2016.

 

Material e métodos

 

Refere-se a um estudo transversal, descritivo, de abordagem quantitativa, baseado nos dados das Fichas de Atendimento Individual (FAI) de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar acolhidas no Centro Especializado de Atendimento a Mulher (CEAM), do município de Vitória de Santo Antão, localizado na Zona da Mata, mais especificamente na mesorregião da Mata Centro, do estado de Pernambuco, Brasil. Em 2016, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade possuía uma população estimada em 136.706 habitantes, com área territorial de 368 km2 [11].

O estudo analisou dados secundários provenientes das fichas de atendimento individual do CEAM no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2016, tratando-se, portanto, de uma amostra censitária, que contém informações relacionadas à(s) violência(s) e informações sobre o(s) agressor(es).

Os critérios de inclusão da pesquisa foram: registros de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar (física, psicológica, sexual, moral e/ou patrimonial) residentes no município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil. E registro de atendimento e cadastro realizados exclusivamente no CEAM no período em estudo. O critério de exclusão foi: fichas provenientes da Delegacia da Mulher do município e Defensoria Pública.

Uma planilha específica no software Excel 2010 foi utilizada para organização e tabulação dos dados. Posteriormente, os mesmos foram transferidos para um software de análise estatística, EPI INFO versão 7.2. Os dados foram representados em tabelas por estatística descritiva, utilizando medidas absolutas e relativas assim como de tendência central e dispersão. Adotou-se um nível de significância de 5%.

A realização deste estudo respeitou aos requisitos determinados pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos, sendo devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sob CAAE N° 59537816.9.0000.5208.

 

Resultados

 

Um total de 156 mulheres demandaram os serviços do Centro Especializado de Atendimento a Mulher (CEAM) de janeiro de 2009 a dezembro de 2016, vítimas de violência doméstica e familiar. A predominância foi de mulheres na faixa etária entre 19 e 30 anos (35,26%), com uma média de idade de 36 anos, desvio padrão ± 12,4, idade mínima 13 anos, idade máxima de 75 anos e a média de 28 anos.

Uma frequência relativa de (46,15%) das mulheres declararam ser pardas, (34,62%) eram juridicamente solteiras e (52,57%) estudaram menos de 8 anos. Em relação à atividade laboral, (55,77%) não possuíam atividade remunerada; com renda familiar mensal menor ou igual a um salário mínimo (54,49%) (Tabela I).

Em relação ao agente/agressor dos atos violentos, (94,87%) eram do sexo masculino; entre a relação dos envolvidos observa-se que em (36,54%) dos casos o agressor era parceiro íntimo da vítima. No que se diz a respeito à ocorrência dos atos violentos, (55,77%) afirmaram sofrer violência frequentemente, e a violência mais infligida às mulheres foi a psicológica (85,26%), seguido da física (48,08%) e moral (41,67); nos casos de violência sexual, das (17,31%) vítimas, apenas (17,24%) procuraram serviços de saúde para assistência imediata (Tabela II).

As partes do corpo mais afetadas foram a cabeça (36,54%), seguida por membros superiores (27,56%), pescoço (21,79%), tórax/dorso (8,97%) e membros inferiores (8,97%). Em relação à natureza/tipos das lesões, predominaram as equimoses (39,10%) e escoriações (27,56%) logo em seguida aparecem os hematomas (25%), as fraturas (1,28%) e as queimaduras (0,64%). No que se refere às maneiras/meios de intimidação usada pelo agressor, as ameaças correspondem ao quantitativo de (84,62%), logo após a humilhação (65,38%), força física (46,15%), calúnia (37,82%), difamação (37,18%), arma branca (12,82%), depredação do patrimônio da vítima (12,18%) e arma de fogo (12,82%) (Tabela III).

 

 

Tabela IPerfil social e demográfico das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar (N=156) no município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil, 2009 a 2016. n=

Frequência absoluta; %= Frequência relativa

 

Fonte: Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM) Vitória de Santo Antão/PE, 2016.

 

Tabela IIDistribuição dos casos notificados de violência doméstica e familiar contra a mulher (N=156) segundo sexo do agressor, vínculo da vítima como mesmo, frequência das agressões, tipos de violência sofrida e se em caso de violência sexual procurou o serviço de saúde no município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil, 2009 a 2016.

 

n= Frequência absoluta; %= Frequência relativa; Fonte: Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM) Vitória de Santo Antão/PE, 2016. A amostra variou devido à possibilidade de vários tipos de violência ocorrerem simultaneamente em uma única vítima.

 

Tabela IIIDistribuição das características das agressões das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar (N=156) no município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil, 2009 a 2016.

 

n= Frequência absoluta; %= Frequência relativa; Fonte: Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM) Vitória de Santo Antão/PE, 2016; a) A amostra variou devido à possibilidade de várias regiões corporais atingidas, natureza da lesão e meios de agressão ocorrerem simultaneamente em uma única vítima.

 

Discussão

 

A violência infligida às mulheres é uma temática que tem instigado, atraído e mobilizado a comunidade civil em geral [9]. Entretanto, o número de casos notificados ainda não é expressivo, pois os profissionais mantêm-se impotentes diante da questão [12]. Contudo, inúmeras iniciativas e ações abordando o tema demonstram uma crescente tendência no reconhecimento da relevância dessa adversidade enquanto problema e objeto de intervenções de Saúde Pública [9].

Um inquérito realizado nos serviços situados em 24 capitais brasileiras e no distrito federal, caracterizou o perfil da vítima com faixa etária de 18 a 29 anos, etnia parda, com escolaridade menor ou igual a oito anos e sem atividade remunerada [2]. Outra investigação realizada em uma unidade de proteção especial de mulheres vítimas de violência do Estado do Ceará demostrou que as violentadas possuíam uma faixa etária acima de 31 anos, solteiras e com renda menor ou igual a um salário mínimo [13]. Em nossos achados as vítimas eram jovens adultas, com faixa etária de 19-30 anos de idade; o que diverge parcialmente dos resultados apresentados nos estudos citados anteriormente.

A violência psicológica foi a mais notificada pelas mulheres que demandam os serviços do CEAM, seguido da violência física e moral. A primeira geralmente torna-se contínua, embora menos percebida pela sociedade, uma vez que as mais divulgadas pelas mídias sociais são as violências física e sexual. Tais dados corroboram estudos realizados em Campos dos Goytacazes/RJ [14] e Cajazeiras/PB [15].

Os achados também identificaram uma maior frequência do parceiro íntimo, pertencente ao sexo masculino, como agente frequente da violência infligida às mulheres em estudo. O que não diverge dos estudos realizados em Recife/PE [16] e no Distrito Federal/DF [17] os quais mostram que os companheiros são os principais denunciados seguido do cônjuge.

Neste estudo a violência sexual não ganhou tanto destaque em relação às outras. Contudo, é importante salientar que uma pesquisa, realizada em Toronto no Canadá, apontou que pelo menos uma vez na vida mulheres sofreramviolência sexual e/ou física por partes do companheiro [18]. Para estes casos, é um dos objetivos específicos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher promover a atenção às mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual, tais como: organizar redes integradas de atenção às mulheres em situação de violência sexual e doméstica; articular a atenção à mulher em situação de violência com ações de prevenção de IST/AIDS e promover ações preventivas em relação à violência doméstica e sexual [19] e pela Lei nº 12.845 de 1º de agosto de 2013 que dispõe através dos seus artigos e incisos, sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação exclusiva de violência sexual [20].

A desinformação da vítima acerca do que é violência sexual contribui para subnotificação e consequentemente a falta do direcionamento da assistência, pois segundo a Lei Maria da Penha, qualquer conduta que a constranja a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada, mesmo com o companheiro, é uma violação [1,21].

Nesta pesquisa, predominou a ameaça como forma de agressão, variável definidora da violência psicológica, difícil de ser identificada pelo fato de ser considerada silenciosa. Esse dado reforça os resultados encontrados em um estudo em Belém/PA acerca dos meios de agressão utilizados pelos agentes para coibir a vítima [22].

A cabeça/face foi o local mais atingido e equimoses/contusões como lesões frequentes; o que corrobora a pesquisa realizada em algumas cidades brasileiras [2], na qual traz como mais prevalente a força corporal como forma intimidadora, cabeça/face foi o local mais atingido, e contusão/entorse/luxação como lesões frequentes.

Uma limitação encontrada no estudo foi a dificuldade de distinguir a diferença de parceiro íntimo e cônjuge, ambos são definições diferentes. Segundo o Art. 1.723 (Código Civil Brasileiro), para mulheres juridicamente solteiras, o companheiro, é parceiro íntimo. Já as casadas, no civil, utiliza-se cônjuge. Isto posto, sugere-se a revisão destes conceitos ou o esclarecimento desse tópico da (FAI), para obtenção de dados mais fidedignos.

A principal limitação do estudo foi o número da amostra, apesar de censitária, ser um quantitativo reduzido de notificações. Podemos relacionar essa limitação às seguintes razões: a mulher não escolher o CEAM como serviço de atendimento inicial; escolher a Delegacia Especializada da Mulher do Município; outro ponto é a respeito do serviço apenas funcionar das 7:00h as 13:00h, ou seja, caso ocorra a violência fora desse período de tempo, a vítima, caso deseje realizar denúncia imediata, precisará se deslocar para outro serviço de atendimento especializado, tal como a Delegacia Especializada da Mulher do Município. Ou pelo simples fato de não querer de forma alguma exteriorizar a situação e/ou risco de violência, denunciando seu agressor, perdurar no “Cale-se”.

Espera-se que os resultados desta pesquisa contribuam para dar visibilidade ao problema para gestores, docentes, profissionais e acadêmicos da área da saúde, bem como das demais áreas do conhecimento envolvidas com a temática, e assim auxiliar na revisão de políticas relativas à proteção da mulher e de políticas de educação permanente de profissionais para abordagem adequada da questão conferindo maior segurança ao tratar do problema [23,24].

 

Conclusão

 

Reconhecer a importância do fortalecimento e funcionamento da Rede de Atendimento às Mulheres em situação e/ou risco de violência é fundamental na ampliação e melhoria da qualidade do acolhimento, identificação e encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência e ao desenvolvimento de estratégias efetivas de proteção.

Outra questão, geralmente ignorada pela sociedade, é a (re)educação deste agressor. Não obstante, a literatura científica brasileira, voltada aos agentes que praticam e/ou perpetuam violência doméstica e familiar contra a mulher, ainda é escassa e o estudo acadêmico tem contribuído pouco para a consideração do homem causador da violência como pessoa, dotado de necessidades de saúde e cuidado integral humanizado. Uma vez que se conhece o perfil deste indivíduo, o direcionamento das ações na erradicação/combate a violência contra as mulheres torna-se mais preciso e eficaz.

 

Referências

 

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