ARTIGO
ORIGINAL
Trajetória
e atuação profissional das enfermeiras da região oeste de Santa Catarina: um
resgate histórico
Carine Vendruscolo, D.Sc.*,
André Lucas Maffissoni**, Fabiane Pertille***,
Júlia Ruth Toledo da Silva****, Kátia Jamile da Silva*****, Denise Antunes de
Azambuja Zocche, D.Sc.******,
Edlamar Kátia Adamy, D.Sc.*******, Michelle Kuntz Durand, D.Sc.********, Otília
Cristina Coelho Rodrigues, M.Sc.*********
*Professora
do Mestrado Profissional em Enfermagem na atenção Primária à Saúde da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), **Mestrando em Enfermagem
pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Catarina (PEN-UFSC), ***Mestranda em Biociências e Saúde pelo programa de
pós-graduação em Biociências e Saúde da Universidade do Oeste Santa Catarina –
UNOESC, Professora colaboradora da UDESC, ****Residente de Enfermagem e egressa
da UDESC, *****Estudante de Enfermagem e bolsista de Iniciação científica
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), ******Professora da graduação
e do Mestrado Profissional em Enfermagem na atenção Primária à Saúde da UDESC,
*******Professora da graduação e do Mestrado Profissional em Enfermagem na
atenção Primária à Saúde da UDESC, ********Pós-Doutora
em Enfermagem, Professora Universidade Federal do Paraná, *********Gerente de
Atenção básica da Agência de Desenvolvimento Regional de Chapecó, professora
colaboradora do Mestrado Profissional em Enfermagem na atenção Primária à Saúde
da UDESC
Recebido em 10 de
julho de 2018; aceito em 5 de fevereiro de 2019.
Endereço para
correspondência: Carine Vendruscolo, Rua Mato Grosso,
1044 E. Jardim Itália, 89803-048 Chapecó SC, E-mail:
carine.vendruscolo@udesc.br; André Lucas Maffissoni: andremaffissoni@gmail.com;
Fabiane Pertille: fabi_m2008@hotmail.com; Júlia Ruth
Toledo da Silva: julia.ruth.enfermagem@gmail.com; Kátia Jamile da Silva:
katiajamiledasilva@gmail.com; Denise Antunes de Azambuja Zocche:
denise9704@gmail.com; Edlamar Kátia Adamy: katia.adamy@udesc.br; Michelle Kuntz
Durand: michakd@hotmail.com; Otília Cristina Coelho
Rodrigues: otiliacoelho@yahoo.com.br
Resumo
Revisitar a história
é movimento importante para resgatar fatos e acontecimentos que marcaram a
construção de uma profissão. O presente estudo, de natureza histórico-social,
teve como objetivo conhecer as trajetórias históricas das enfermeiras do Oeste
Catarinense por meio de suas narrativas. Os dados foram produzidos mediante
entrevistas com quatro enfermeiras entre os anos 2016 e 2017. As informações
foram analisadas utilizando-se da análise temática para estudos qualitativos.
Os resultados revelaram três categorias: a) primeiro contato com a profissão:
desafios regionais, valorização profissional e início da trajetória; b)
mudanças, motivações e construção da identidade profissional; e c) dirigindo-se
para as boas práticas de enfermagem: uma constante busca pelo conhecimento. As
dificuldades e motivações vivenciadas pelas enfermeiras impulsionaram a
transformação da realidade do cuidado de enfermagem, sobretudo, relacionado às
oportunidades de trabalho, valorização e qualificação profissional. Conhecer as
condições e elementos que compuseram essa história foi fundamental para
compreender a realidade da profissão nos dias atuais e projetar um futuro
comprometido com a qualificação dos enfermeiros.
Palavras-chave: enfermagem, escolas
de enfermagem, história da enfermagem, narrativas pessoais.
Abstract
Trajectory and professional activity of nurses of the west region of
Santa Catarina: a historical rescue
To review the history is important to rescue facts and happenings which
marked a profession building. The present study of historical social approach
aims at knowing the nurses of Santa Catarina West
historical trajectories through her narratives. Data were produced by
interviews with four nurses, between 2016 and 2017. The information was
analyzed using thematic form for quantitative studies. The results reveal three
categories: a) first professional contact with the profession: regional
challenges, professional appreciation and trajectory beginning; b) changes,
motivations and building a professional identity; c) driving to nursing great
practices: a constant search for knowledge. The difficulties and motivations
experienced by nurses boosted the transformation of the care in nursing
reality, above all, relating to the work opportunities, professional
appreciation and qualification. To know the conditions and the elements which
composed that history was fundamental to understand the profession reality
currently and to project a new future committed to nurses
qualification.
Key-words: nursing,
nursing schools, nurse history, personal narratives.
Resumen
Trayectoria y actuación profesional de enfermeras de la
región oeste de Santa Catarina: un
rescate histórico
Revivir la historia es movimiento
importante para rescatar hechos
y acontecimientos que marcaron
la construcción de una profesión. El presente estudio,
de naturaleza histórico-social, tiene
como objetivo conocer las trayectorias históricas de las enfermeras del
Oeste catarinense por medio de su
narrativas. Los datos fueron
producidos mediante entrevistas con
cuatro enfermeras entre los años 2016 y 2017. Las informaciones fueron analizadas utilizando el análisis
temático para estudios cualitativos.
Los resultados revelaron tres
categorías: a) primer contacto
con la
profesión: retos regionales,
valoración profesional e
inicio de la trayectoria;
b) cambios, motivaciones y construcción de la identidad profesional; y c) dirigiéndose hacia las buenas prácticas
de enfermería: una constante búsqueda
por el conocimiento. Las dificultades y motivaciones vivenciadas por las enfermeras impulsaron la transformación
de la realidad del cuidado de enfermería, sobre
todo, relacionado a las oportunidades de trabajo, valorización y calificación profesional. Conocer las condiciones y
elementos que compusieron esa
historia fue fundamental para comprender
la realidad
de la profesión en los días
actuales y proyectar un futuro comprometido con la calificación de los enfermeros.
Palabras-clave: enfermería,
facultades de enfermería,
historia de la enfermería, narrativas personales.
A formação em
enfermagem no Brasil alcança seu ápice no século XX, com a Reforma Sanitária e
a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), fomentando o aumento do número de
novas escolas de graduação, motivadas pelo quadro sanitário preocupante da
época que culminava com a baixa cobertura assistencial e disseminação de
doenças contagiosas [1]. A implantação e o fortalecimento de um modelo de
gestão em saúde descentralizado marca também este período, no qual a AB é
compreendida como ordenadora da rede de serviços do SUS [2]. Tal cenário
influencia a formação de profissionais da enfermagem, com significativo
crescimento por força da expansão dos movimentos de regionalização no país, bem
como pelo aumento da população e consequente necessidade de ampliação da oferta
de serviços de saúde.
Segundo dados do
Conselho Federal de Enfermagem, a força de trabalho na enfermagem é de quase
dois milhões de profissionais, entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de
enfermagem; representando um maior percentual de técnicos, com 54,59%; seguido
pelos enfermeiros, representando 23,82%; e auxiliares, com 21,59%. Desses
profissionais, 47,93% estão na Região Sudeste do Brasil, 20,81% estão na Região
Nordeste, 13,86% na Região Norte, 13,46% na Região Sul, e Região Centro-Oeste
com 3,94% da força de trabalho em Enfermagem [3].
Esse panorama tem
contribuído com o mercado de trabalho na saúde e em enfermagem também no Oeste
do Estado de Santa Catarina (SC), cenário deste estudo, além de incentivar
enfermeiros na busca permanente de formação profissional. No Oeste catarinense,
o crescimento acelerado dos municípios e o consequente aumento populacional
conferem destaque à enfermagem como profissão, que vem apresentando constante
evolução teórico-científica e prática, sobretudo a partir da vinda de cursos
superiores para a Região e da ampliação da oferta de serviços de saúde.
Frente ao exposto,
objetiva-se com esta pesquisa conhecer as trajetórias histórias das enfermeiras
do Oeste catarinense, por meio de suas narrativas. O interesse pelo estudo
surgiu por haver poucos registros desse contexto histórico, além de ser um
resgate importante para compreender os significados e a cultura da profissão,
dentre outros elementos que compuseram a trajetória das enfermeiras na Região,
sobretudo, a partir da vinda das universidades.
Pesquisa qualitativa
do tipo histórica e narrativa, na qual os entrevistados narram acontecimentos
da sua vida acerca de uma temática específica e os associam com o contexto
social da época, buscando revisitar e melhor compreender os processos históricos
que o constituíram [4]. Neste estudo, as informantes discorreram acerca de suas
trajetórias profissionais durante a organização profissional da enfermagem no
Oeste de SC.
O período da coleta
de dados iniciou-se na 77ª Semana Brasileira de Enfermagem e 12ª Semana de
Enfermagem do Núcleo Chapecó, evento promovido pela Associação Brasileira de
Enfermagem (ABEn) e que,
tradicionalmente, é organizado numa parceria entre os três cursos de graduação
em enfermagem, escolas técnicas de enfermagem e as instituições de serviço do
município de Chapecó, Região Oeste de SC. Em 2016, durante o evento, foram
identificadas e convidadas a participar da pesquisa as enfermeiras que tivessem
vivenciado e contribuído com a consolidação da enfermagem na Região e atendessem
aos critérios de inclusão do estudo: ser enfermeira há um período igual ou
superior a 20 anos, com atuação, majoritária, na Região Oeste de SC. Foi
estabelecido como critério para exclusão: trajetória profissional marcada,
exclusivamente, por vivências em outras regiões do Estado.
Participaram do
estudo quatro enfermeiras. As entrevistas foram do tipo semiestruturadas e
abordaram os desafios e motivações presentes na trajetória profissional das
enfermeiras no Oeste, os marcos dessa história e percepções
sobre a profissão. O local das entrevistas foi acordado com as participantes
conforme disponibilidade, e o tempo de duração de cada
entrevista foi de, aproximadamente, uma hora. Posteriormente, foram realizadas a transcrição e a transcriação
das entrevistas, as quais foram enviadas via e-mail para validação do conteúdo
pelas participantes.
Os dados foram
analisados a partir da proposta temática para análise de dados qualitativos e
foram seguidos os seguintes momentos de pré-análise,
exploração do material e tratamento dos dados [5]. A análise deu origem as
seguintes categorias: a) Primeiro contato com a profissão: desafios regionais,
valorização profissional e início da trajetória; b) Mudanças, motivações e
construção da identidade profissional; c) Dirigindo-se para as boas práticas de
enfermagem: uma constante busca pelo conhecimento.
Foram observadas as
exigências éticas da pesquisa envolvendo seres humanos, conforme a Resolução
466/2012 do Conselho de Nacional de Saúde. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê
de Ética em Pesquisa (CEP) local, com aprovação nº 1.412.103, de fevereiro de
2016. As participantes, no momento da entrevista, foram informadas sobre os
seus objetivos, a gravação de áudio e foram convidadas a assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Sob consentimento,
optou-se por identificar de modo nominal cada uma das enfermeiras participantes
do estudo, buscando reconhecer e valorizar mulheres que fizeram parte da
construção da enfermagem no Oeste de SC.
Informações sobre o
ano e instituição de formação, cenário da primeira atuação como enfermeira e
cenário de prática no momento das entrevistas estão detalhadas na tabela I.
Tabela
I - Perfil das enfermeiras entrevistadas com
relação à formação e cenário de prática atual.
Fonte: Elaborado pelos
autores, 2018.
A seguir serão
discutidas as categorias que emergiram dos dados.
Primeiro
contato com a profissão: desafios regionais, valorização profissional e início
da trajetória
Nessa categoria foram
organizados os relatos que contemplam a inserção das enfermeiras nos serviços
de saúde e as oportunidades de trabalho que surgiram, demonstrando a maneira
como as atividades correspondiam (ou não) às suas expectativas e as dificuldades
que envolviam a enfermagem da época, como a falta de profissionais qualificados
(graduados) e questões políticas locais:
[...]
eu atuei em Cunha Porã num hospital de pequeno porte, muito além da realidade
hoje, sem auxiliar de enfermagem, sem técnico de enfermagem, na época eram só atendentes [de enfermagem]. Eu trabalhei lá por três
anos, apesar de todas as dificuldades. (Liane Colliselli)
[...]
eu me formei e tinha que trabalhar. Trabalhei por três meses como atendente de
enfermagem, foi o que surgiu na época [...] Depois, apareceu uma vaga em um
município próximo, num hospital de pequeno porte, sessenta leitos [...] naquela
época eu trabalhava como atendente, deveria receber um salário mínimo, mas,
quando fui efetivada como enfermeira, recebi dez salários mínimos. Então,
imagina a minha alegria de primeiro salário como enfermeira, hoje seria oito
mil reais, eu fiquei nesse emprego nove anos. Durante esses nove anos, além de trabalhar no hospital, eu me inseri na saúde
coletiva; atuei como diretora do serviço de saúde. Acabando no período dos
quatro anos, que foi concomitante com o hospital, nós perdemos a eleição do
partido atual que eu apoiava. Eu fui convidada a me retirar do cargo, houve um
condicionamento para minha continuidade no hospital ou não. Enquanto diretora,
a gente tinha feito um convênio entre prefeitura e hospital; e a prefeitura
mantinha os médicos plantonistas do hospital que atendiam a noite, finais de
semana sempre tinha alguém para atender. A minha saída foi condicionada a isso,
se eu não saísse, seria suspenso esse convênio da prefeitura e hospital. Aí eu
vim para Chapecó. (Tânia Maria Ascari)
A chegada de
enfermeiras graduadas gerou, em certa medida, resistência da equipe de saúde, o
que resultou em relações de poder conflituosas entre as enfermeiras e outros
profissionais, sobretudo médicos, e com os membros da equipe de enfermagem.
Além de coordenar a equipe nos hospitais, as enfermeiras passaram a ocupar
cargos de gestão, no âmbito da saúde coletiva. Há mais de vinte anos, como se
percebe nas falas, não havia muitas enfermeiras (com formação de ensino
superior) no Oeste de SC e a equipe estava acostumada com atendentes de
enfermagem que eram profissionais sem nenhuma formação técnica ou ensino
superior:
Quando
se forma, você sai cheio de ideais e de perspectivas, enfim, de como atuar, de
como fazer, você aprende a fazer tudo correto. Na época eu fui para o hospital
de Cunha Porã, que não tinha auxiliar e técnico de enfermagem. [...] quem
mandava era o médico, os profissionais entravam pela cozinha como cozinheiros,
ou pela limpeza. Elas [as atendentes de enfermagem] eram treinadas para atuar
na enfermagem, esse era o perfil que eu encontrei. Então, desde a anestesia,
quem fazia a anestesia geral era uma atendente de enfermagem. (Liane Colliselli)
Muitas oportunidades
de emprego foram facilitadas pela expansão da Estratégia de Saúde da Família
(ESF) e outros espaços vinculados ao SUS. As enfermeiras ressaltam que as
possibilidades de atuação antes da criação do SUS não eram tão amplas e que a
ESF e outros serviços proporcionaram novos espaços de atuação profissional.
Suas falas também destacam a aproximação das enfermeiras com a cultura da
Região:
[...]
Aí surgiu essa oportunidade no estado [Secretaria de Estado da Saúde], mas
também numa situação precária, na época não tinha muitas ofertas de emprego
aqui em Chapecó. Tinha o hospital Santo Antônio que depois entrou em crise, no
ano de 1986, e tinham começado a construir o Regional [Hospital Regional do
Oeste]. (Maria Elisabeth Kleba).
[...]
eu fiz um concurso e passei na Secretaria de Saúde, aí eu fui trabalhar lá no
Marechal Bormam [distrito do município de Chapecó],
era quando começou a Saúde da Família [Programa/Estratégia], 1996 [...] Não
tinha espaço para trabalhar, nunca tinha havido uma enfermeira, tive que
começar tudo de novo [...] e a gente fez coisas muito bacanas: trabalho na
comunidade, com grupo, enfim [...] era uma região muito pobre, produtores de
erva mate, muita criança desnutrida, com verminose. (Liane Colliselli)
Mudanças,
motivações e construção da identidade profissional
Nessa categoria serão
abordadas as mudanças ocorridas na trajetória profissional das enfermeiras
entrevistadas: motivações que as inspiraram e elementos que embasaram a
construção da identidade profissional.
Quando interrogadas
sobre os motivos que as fizeram mudar dos locais onde iniciaram sua trajetória
profissional e a percepção sobre o que fez com que mudassem de área de atuação,
as enfermeiras mencionam a seguridade, a busca por melhores condições de
trabalho ou por novos desafios pessoais e profissionais:
[...]
as mudanças foram por querer ter um trabalho assalariado, querer ter um
trabalho melhor, um trabalho que eu também poderia estar fazendo do jeito que
eu gostasse [...]. (Maria Elisabeth Kleba)
Acho
que, num primeiro momento, a busca pelo novo, aprender coisas novas, mas se for
observar eu mudei bastante porque eu já sou formada há quase 30 anos, então é
natural que a gente busque [...] até achar um espaço que eu imaginava ser um
lugar melhor. A primeira busca foi à questão de melhorar a condição de vida e,
em um segundo momento, aprender coisas novas [...]. (Ivete Maroso
Krauzer)
Os motivos que as
levaram ao desligamento dos serviços vão ao encontro de fatores relacionados às
suas expectativas, necessidades e valores, tais como: melhor remuneração,
adquirir experiências novas, fatores relacionados à vida familiar. As
enfermeiras se sentem satisfeitas com a profissão e consideram que isso tem
muito a ver com o contato com o ser humano, paciente e com o fato de poder
ajudar através do cuidado de enfermagem, elementos que motivam e recompensam o
indivíduo:
[...] um sentimento de amor pela profissão,
pelo cuidado da enfermagem, e gosto de lidar com pessoas de diferentes origens
e culturas. A enfermagem me permitiu isso de, ao longo da vida, conhecer muitas
pessoas e a maioria delas em situação crítica de vida, isso me permitiu
desenvolver o cuidado com muito mais responsabilidade e aprender muito com isso
também [...]. (Ivete Maroso Krauzer)
Um aspecto
considerado marcante para as enfermeiras foi a criação
de cursos de graduação em enfermagem na Região Oeste. Elas vivenciaram essa
trajetória, não somente como a possibilidade de inserção em um novo campo de
trabalho (a docência), mas, sobretudo, com a oportunidade de crescimento e
fortalecimento da profissão:
[...]
um marco para mim foi quando veio o primeiro curso de graduação para Chapecó,
na época eu trabalhava no Hospital Regional e havia uma grande polêmica; até
porque se achava, bom, que tinha um curso em
Concórdia, 80 km, tinham alguns cursos da região do Rio Grande do Sul, não tão
distante. Então, se pensava que, bom, num raio aí de 200 km já havia um bom curso,
que aqui não haveria demanda e que seria um curso que não vingaria; isso foi em
1998, talvez 1999. Começou-se a pensar e, em seguida, começou a construção do
projeto pedagógico, abriu a primeira turma, então para mim isso foi um marco. E
eu lembro exatamente das pessoas que comentaram sobre isso, as pessoas que
foram abrindo caminho para o curso. (Maria Elisabeth Kleba).
Olha,
a Região Oeste, para quem viu há 20 anos atrás, ela
expandiu [...] e o que nós temos na cidade, dois grandes hospitais, isso é
emprego! Então, na área da saúde, aqui, se não é, será o grande polo da área da
saúde! Com a vinda das universidades públicas isso melhorou muito, as
universidades comunitárias e particulares também, elas também têm um
contingente de pessoas muito grande. Eu vejo a área da enfermagem com boas
perspectivas na região pelo fato de ter a formação, ter as universidades e as
instituições empregadoras em desenvolvimento, isso vai dar coisa boa! (Ivete Maroso Krauzer)
Dirigindo-se
para as boas práticas de enfermagem: uma constante busca pelo conhecimento
Esta categoria
apresenta os dados encontrados em relação ao aperfeiçoamento profissional das
participantes. Todas as quatro enfermeiras entrevistadas são pós-graduadas,
duas possuem título de Mestre em Enfermagem e duas são Doutoras. Nas falas que
seguem, as enfermeiras relatam sua trajetória profissional e abordam sobre o
caminho percorrido em sua formação, até o momento:
Eu
fiz a especialização em Joaçaba, em Metodologias do Ensino Superior. Quando eu
comecei a dar aulas, lecionar aqui, então, a gente sente essa necessidade.
Depois eu fiz o mestrado, e depois de um tempo eu fiz o Curso de Ativadores de
Mudança na Formação dos Profissionais de Saúde [...] fui para o doutorado na
Alemanha, Universidade de Bremen, e o pós-doutorado na UFSC [...] (Maria
Elizabeth Kleba)
[...]
eu recebi um convite, para fazer um intercambio para Alemanha, fui por meio ano
no intercambio, no ano de 90 eu acho, 91. Eu fiquei por seis meses lá na
Alemanha, onde eu participei, me inseri, fiz estágio voluntário em espaços da
saúde: hospital, asilo e trabalho com deficientes. (Liane Colliselli).
Questionadas sobre o
que fundamenta o trabalho da Enfermagem, as entrevistadas afirmaram que o
conhecimento científico é um dos principais fatores, pois o embasamento teórico
é o que vai possibilitar uma prática a partir de evidências:
Eu
acredito que o alicerce da enfermagem é o conhecimento para o cuidado, o
cuidado, no sentido amplo. Não só cuidado técnico, mas o compromisso com a
saúde a partir da gestão, em pensar em políticas públicas, pensar em
assistência individualizada, pensar no cuidado do coletivo, da comunidade [...]
e assumir o nosso papel de transformadoras da realidade, também na assistência
de qualidade. (Liane Colliselli)
Eu
sempre digo para meus alunos: o que dá corpo é o conhecimento. Conhecimento
para argumentar, conhecimento para fazer, conhecimento para pesquisar. O
conhecimento, ele não vai acabar nunca! Vai ser sempre uma construção [...] de
mais, mais, e mais, e mais. E quanto mais você sabe, mais você vê que não sabe.
(Tânia Maria Ascari)
As enfermeiras do
Oeste narram sua vivência quanto à atividade profissional e a transição da
academia para o campo de trabalho, ao encontro dos desafios enfrentados pelas
enfermeiras recém-formadas no Brasil, discutidos desde a segunda metade do
século XX. Eles se relacionam, principalmente, à incorporação do papel da
enfermeira no contexto prático e à ausência de orientação específica do
empregador [6,7].
O mercado de trabalho
para o campo da Enfermagem e demais profissionais de saúde expandiu com o
desenvolvimento das políticas públicas e com a institucionalização do SUS,
demandando maior quantidade e qualidade de recursos humanos [8]. Nesse sentido,
nota-se que os enfermeiros recém-graduados conseguem inserção no mercado de
trabalho pouco tempo após a formação, contudo, o tipo de vínculo está associado
à baixa remuneração e outras dificuldades do mundo do trabalho [8]. Soma-se a
isso o crescente e desordenado aumento de cursos superiores de enfermagem, sem
a expansão proporcional de postos de trabalho, o que pode acarretar na
precarização dos vínculos empregatícios [9].
A enfermagem tem
divisões no que se refere ao trabalho que desempenha, ora orientado para a
gestão, ora para o cuidado [8]. A divisão técnica do trabalho em enfermagem faz
com que alguns profissionais administrem e outros executem e essa característica
é bem evidenciada nas falas das enfermeiras. Suas narrativas também corroboram
a literatura, que confirma a importância das constantes transformações e
avanços nos cenários de produção de práticas de saúde, associadas ao aumento do
número de pessoal de enfermagem, para a qualificação da assistência em saúde
[10].
O tempo e a
experiência profissional fizeram com que as
enfermeiras, ao longo da trajetória profissional, passassem por contextos que
marcaram seu processo de construção pessoal e suas percepções, o que refletiu
nas escolhas e na tomada de decisões e influenciou transformações na área da
enfermagem naquela região. Ao se inserir em um grupo, o ser humano tende a
incorporar certos padrões culturais e sociais e, de certo modo, também tende a
agir sobre esse grupo promovendo modificações [11].
O processo de
cuidado, na área de enfermagem, acontece em todos os espaços que pressupõem
acordo com a prática e o código de ética profissional da profissão. Esse
cuidado emerge nas narrativas como fenômeno intencional e fundamental para a
vida, que acontece quando seres humanos interagem
entre si, por meio de atitudes que envolvem consciência, solidariedade, afeto e
zelo. Estar presente no cuidar implica em (re)conhecer-se e (re)significar-se,
para depois conhecer e compreender o ser cuidado, aceitando sua integralidade,
respeitando seus limites e transcendendo o cuidado técnico na direção da ética
e da estética [12]. Nessa perspectiva, cabe destacar a produção da identidade
profissional da enfermagem por meio dos elementos que fortalecem a profissão.
Quando atribuímos significado ao que sabemos e fazemos, estamos incorporando
algo próprio à nossa identidade, potencializando saberes como geradores e
organizadores de nossas práticas de cuidado, para referenciar o identitário de nossa profissão [13].
O processo de
construção identitária parte de uma contextualização
da prática profissional que possibilita estabelecer uma relação com a história
do ensino da enfermagem. Resgatar a história possibilita contribuir com novas
explicações acerca da profissão assegurando a institucionalização do ensino e
da prática da enfermagem [14]. A construção desta identidade profissional se
relaciona com a preocupação constante das enfermeiras com o aprimoramento profissional
e com a procura por especializações ao longo da sua trajetória profissional,
com vistas ao desenvolvimento pessoal e também da profissão, como possibilidade
de ampliar conhecimentos, competência, raciocínio crítico e a melhoria na
resolução de problemas e tomada de decisão [10]. Isso as tornou pioneiras na
direção da busca pelas boas práticas de enfermagem, aproximando o saber e o
fazer, ao buscar elementos da experiência e os confrontar às evidências
científicas, a fim de garantir a qualidade do cuidado [15].
As enfermeiras do
Oeste catarinense tiveram uma forte adesão aos serviços hospitalares e à AB,
atuando na ESF e, atualmente, na docência de graduação e pós-graduação. Com
base nessas experiências, elas vêm imprimindo mudanças na prática e no ensino
em enfermagem, provocando transformações e influenciando a cultura do cuidado
de enfermagem na região.
Os desafios e
motivações na trajetória profissional das enfermeiras do Oeste catarinense
iniciam com a graduação e acompanham parte do itinerário que compõe a história
da categoria. O período que seguiu o findar da graduação foi permeado por
mudanças e adaptações que contribuíram para a construção da identidade
profissional, visto a necessidade de empregabilidade e de responsabilidades
inerentes ao exercício laboral, bem como a necessidade constante de
aperfeiçoamento profissional.
As motivações
profissionais, por vezes, se inter-relacionam com as características da
profissão, pois estão ligadas aos encontros e ao afeto que permeia o cuidado de
enfermagem. Quanto à permanência das profissionais em seus ambientes de
trabalho, emergem desafios relacionados ao reconhecimento e à valorização
profissional. As narrativas sinalizam desafios que sempre fizeram parte da
história da enfermagem, por estarem ligados a questões que permeiam o processo,
como cenário político, movimentos sociais e culturais, sobretudo, aqueles que
envolveram as lutas de classe. Por vezes, estes desafios auxiliaram a
consolidar o entendimento profissional que vigora atualmente, para criar o
momento futuro.
As trajetórias
profissionais são únicas e cada história abriga um universo de fatos e
lembranças que servem de subsídio para o futuro, uma vez que impulsionam
movimentos e posturas profissionais. A trajetória das enfermeiras do Oeste
catarinense consolidou os fundamentos que serviram de base para a atual prática
de enfermagem, fundamentada no ideário que permeia os dias atuais e influencia
na formação dos futuros profissionais. Considera-se, sobretudo, o fato de a
profissão ter como elemento principal da sua atuação a especificidade e a
complexidade do cuidado do outro, o que envolve habilidades, competências e uma
conduta ética pautada nesses ideais.