REVISÃO
Fatores
facilitadores e limitativos da regulação pública da saúde no Brasil
Luzia Beatriz Rodrigues
Bastos, D.Sc.*, Maria Alves Barbosa, D.Sc.**, Diniz Antonio de Sena
Bastos, D.Sc.***
*Universidade
da Amazônia/UNAMA, Belém/PA, ** Professora de Enfermagem na Universidade
Federal de Goiás, Goiânia/GO, **Professor de Psicologia na Universidade
Estadual do Pará, Belém/PA
Recebido em 11 de julho
de 2018; aceito em 22 de abril de 2019.
Endereço
de correspondência:
Luzia Beatriz Rodrigues Bastos, Conjunto Médici II Travessa Portel, 105
Marambaia 66620-160 Belém PA, E-mail: beatrizbastos_02@yahoo.com.br; Maria
Alves Barbosa: maria.malves@gmail.com; Diniz Antonio
de Sena Bastos: diniz_sena27@yahoo.com.br
Resumo
Introdução: A regulação se insere
como importante instrumento na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), pois
possibilita o ordenamento da relação dos cidadãos com os serviços, cabendo ao
gestor do sistema de saúde a organização do fluxo com os serviços. Objetivo: Analisar os fatores
facilitadores e limitantes do processo regulatório dos entes federativos e sua
repercussão no acesso à saúde dos usuários do SUS. Métodos: Revisão narrativa a partir de trabalhos que discutem a aplicabilidade
da regulação da saúde no Brasil, publicados no período de 2006-2017. O
levantamento foi realizado a partir dos termos “regulação da saúde” e “gestão
da saúde”, resultando na identificação de 35 artigos, dos quais foram
analisados 20, que tinham relação direta com o tema. Resultados: Fatores facilitadores e limitativos do processo
regulatório ficaram evidentes nos artigos elegidos para o estudo, servindo como
ponto de partida para o desenvolvimento de estratégias na consolidação do
sistema de saúde, centrado no sujeito e na qualidade da assistência. Conclusão: A qualificação do processo
regulatório é primordial, na qual diversas ferramentas de gestão têm o
potencial de ajudar a melhorar a assistência, no sentido de superar os
mecanismos de regulação ainda frágeis e insuficientes, destacados nos artigos
estudados.
Palavras-chave: organização e
administração, serviços de saúde, saúde pública, Sistema Único de Saúde.
Abstract
Factors
and facilitators of public health regulation in Brazil
Introduction:
Regulation is an important tool in the management of Unified Health System
(SUS), since it allows the ordering of the relationship between citizens and
services, and it is the responsibility of the health system manager to organize
the flow with providers. Objective:
To analyze the facilitating and limiting factors of the regulatory process of
federative entities and their repercussion in the access to the health of SUS
users. Methods: Narrative review
based on papers that discuss the applicability of health regulation in Brazil,
published in the period 2006-2017. The survey was conducted using the terms
"health regulation" and "health management", resulting in
the identification of 35 articles, of which 20 were analyzed, which had a
direct relationship with the theme. Results:
Facilitating and limiting factors of the regulatory process were evident in the
articles chosen for the study, serving as a starting point for the development
of strategies in the consolidation of the health system, centered on the
subject and the quality of care. Conclusion:
The qualification of the regulatory process is paramount, in which several
management tools have the potential to help improve assistance, to overcome the
still fragile and insufficient regulatory mechanisms highlighted in the
articles studied.
Key-words: organization
and administration, health services, public health, Unified Health System.
Resumen
Potencialidades y fragilidades
de la regulación en salud
en Brasil
Introducción: La regulación se
inserta como importante instrumento en la gestión del
Sistema Único de Salud (SUS), pues
posibilita el ordenamiento de la relación de los ciudadanos con los servicios, correspondiendo al gestor del
sistema de salud la organización del flujo con los
prestadores. Objetivo: Analizar los factores
facilitadores y limitantes del proceso
regulatorio de los entes
federativos y su repercusión
en el acceso
a la salud de los usuarios del
SUS. Métodos: Revisión
narrativa a partir de trabajos que discuten la aplicabilidad
de la regulación de la salud en
Brasil, publicados en el
período 2006-2017. El levantamiento fue realizado a partir de los
términos "regulación de la
salud" y "gestión
de la salud",
resultando en la identificación de 35 artículos, de los
cuales fueron analizados 20, que tenían relación directa con el tema. Resultados: Los factores facilitadores y
limitantes del proceso regulatorio quedaron evidentes en los artículos elegidos para el estudio, sirviendo
como punto de partida para el
desarrollo de estrategias en la consolidación
del sistema de salud,
centrado en el sujeto y en la
calidad de la asistencia. Conclusión: La cualificación del proceso regulatorio
es primordial, en la cual diversas herramientas de gestión tienen el potencial de ayudar a mejorar la asistencia,
para superar los mecanismos de regulación
aún frágiles e
insuficientes, destacados en los
artículos estudiados.
Palabras-clave: organización
y administración, servicios
de salud, salud pública,
Sistema Único de Salud.
O tema regulação
representa um grande desafio nas políticas de saúde. É considerado uma
importante ferramenta de gestão, que otimiza os recursos disponíveis e favorece
o acesso dos usuários aos serviços de saúde e deve ser pensada sempre no
contexto dos princípios norteadores do SUS e não apenas como forma de
racionalizar os recursos existentes [1]
Na legislação do SUS,
está inserida a regulação da saúde, através do Pacto pela Saúde de 2006, cuja
política se insere como um instrumento potente para a gestão do SUS, pois
possibilita o ordenamento da relação dos cidadãos com os serviços dos quais
necessita, cabendo ao gestor do sistema de saúde a organização do fluxo com os
prestadores em nível de municípios e estados.
O conceito de regulação
tem sido empregado nos sistemas de saúde em dois sentidos principais: no
controle de acesso dos usuários aos serviços de saúde como o ato de criar e
implementar regras; e em relação ao subsistema privado, concebida como a
correção de falhas nas relações do mercado da saúde [2]
A
regulação está
assentada principalmente na quantidade adequada de ações
e serviços de saúde
disponíveis à população e a qualidade dos
padrões dos serviços ofertados. Assim
aumenta a necessidade de regulação, em razão dos
tetos financeiros disponibilizados
à saúde e às contradições, em
relação aos marcos regulatórios instituídos
por
municípios e estados brasileiros.
O estudo tem por
objetivo analisar as potencialidades e fragilidades da regulação dos entes
federados e sua repercussão no acesso à saúde dos usuários do SUS.
A revisão iniciou com
busca a artigos relacionados ao tema regulação da saúde, proposto pela
legislação do SUS em publicações científicas nacionais e internacionais, que
foram classificadas e analisadas, considerando o período os últimos dez anos,
em fontes de busca da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Scientific
Eletronic Library Online (Scielo).
Para os critérios de
inclusão foram considerados artigos vinculados ao tema, entre o período de 2006
a 2017, sendo excluídas monografias, dissertações e teses.
Os termos “regulação da
saúde” e “gestão da saúde” foram pesquisados no descritor de assunto nas fontes
de pesquisa, que resultaram na identificação de 35 artigos, dos quais foram
selecionados 20 que tinham relação direta com o tema. Posteriormente foram
agrupados em duas categorias temáticas: potencialidades do processo regulatório
em saúde no Brasil e fragilidades que repercutem no acesso qualificado do
usuário aos serviços de saúde.
Potencialidades
da regulação
Por ser a regulação em
saúde uma necessidade no SUS, a ela, são atribuídas competências de
fiscalização, controle e mecanismos para a orientação do sistema, mas é
necessário que essas ações sirvam, de fato, como ações facilitadoras na atenção
à saúde, no sentido de garantir ações pautadas nas necessidades e direitos dos
usuários [1]
As instâncias de
harmonização de interesses e pactuação de serviços, como as Comissões Intergestoras Bipartite e
Tripartite (CIB e CIT) devem funcionar em razão dos interesses dos usuários,
cabendo aos municípios o desafio de assumir a gestão do sistema e o
planejamento das ações [3]. Estas instâncias, enquanto fóruns de deliberações e
decisões na área do SUS precisariam reforçar e recomendar a integração articulada
e solidária dos entes federativos no sentido de assegurar o direito da
população à saúde.
Diante dessa questão,
pode-se afirmar que a regulação da saúde no país ainda é incipiente,
considerando as necessidades de saúde da população que necessita do SUS em
grande parte, precariamente atendidas. Essa posição se confirma ao destacar que
apesar dos avanços na forma de operacionalização da regulação do acesso, o
processo de regulação em saúde, requer aprimoramento em diversos aspectos [4]
Em estudo na cidade de
Ribeirão Preto/SP [5], foi apontada a necessidade de criação de complexos e
centrais reguladores, por se constituírem em ferramentas importantes na gestão,
admitindo que sua implantação tem força para colaborar na sustentabilidade do
SUS.
Os complexos
reguladores são estruturas que consistem em um conjunto de ações de regulação
do acesso à assistência de maneira articulada e integrada, buscando adequar a
oferta de serviços de saúde à demanda de necessidades reais em saúde,
permitindo aos gestores, articular e integrar dispositivos como centrais de
internação, de consultas, exames, internações, dentre outras funções da gestão
como programação e regionalização.
Como uma estrutura do
processo regulatório, a central de regulação é responsável pelas solicitações
de atendimento, que avalia, processa e agenda, a solicitação dos usuários do
sistema de saúde, a partir do conhecimento da capacidade de produção instalada
nas unidades prestadoras de serviços. São exemplos, centrais de internação,
alta complexidade, de consultas e exames especializados, dentre outras.
Essas estruturas,
complexos e centrais de regulação, são importantes no processo organizacional,
pois se constituem em áreas de referência e articulação, fornecendo resposta mais
efetiva às unidades solicitantes e, sobretudo, ao usuário [5]. Assumem o
propósito de regular o acesso por meio de protocolos previamente estabelecidos,
buscando aperfeiçoar os recursos financeiros disponíveis à definição da melhor
alternativa assistencial dirigida a cada usuário [6].
Na regulação há
potência para práticas integrais a partir dos diferentes sentidos de
integralidade: um primeiro sentido de integralidade contido no encontro
profissional-paciente; outro se relaciona com a organização dos serviços e das
práticas de saúde; e o terceiro trata das respostas governamentais a certos
problemas de saúde [7-9]
A regulação da saúde
pode estar relacionada à integralidade, equidade, igualdade e universalidade,
mas para isso torna-se necessário o resgate da dimensão política e do conteúdo
social da saúde, que é imprescindível para desencadear ações emancipatórias que
possam assegurar a saúde como direito [10].
A implantação de um
núcleo interno de regulação [11] vem ao encontro das melhorias sentidas pelos
sujeitos envolvidos no processo, e os resultados indicaram a necessidade de
continuidade das ações regulatórias, em especial em um sistema de saúde
abrangente e complexo, como é o SUS.
Diante do cenário
brasileiro, pode-se apontar como potencialidades da regulação da saúde:
Fragilidades
do processo regulatório
O foco de convergência
da regulação é o acesso qualificado do usuário que busca os serviços de saúde
no SUS, na obtenção de resposta satisfatória às suas necessidades de saúde. No
entanto, muitas vezes o poder público, como principal agente regulador,
encontra-se refém de outros interesses, definindo a regulação e seus mecanismos
alicerçados nessa limitação.
O papel do Estado passa
a ser o de estabelecer regras definidas para atuação dos mercados, o que
configuraria a passagem de um Estado prestador para um Estado regulador,
comprometido em estabelecer as políticas de saúde definindo suas orientações e
alvos a serem alcançados.
Esse entendimento é
reafirmado em pesquisa [12], que destaca fragilidade no sistema público de
saúde, com práticas de regulação pouco efetivas e dependentes de mecanismos não
formais de ação. Centra-se o estudo em dois principais aspectos: na falta de
vagas, sendo esta reconhecida como a grande barreira ao acesso; e na falta de
recursos de especialidades mais complexas. Por isso a defesa por sistemas de
saúde orientados para atenção primária.
Os sistemas de saúde
orientados para a atenção primária apresentam impacto positivo nos indicadores
de morbimortalidade e promovem cuidados em saúde mais efetivos com maior
efetividade, eficiência e equidade, quando comparados a sistemas voltados para
atenção especializada [13-15]
Na ótica de
planejamento dos serviços no SUS, a rede assistencial primária constitui-se
pela porta de entrada do usuário ao sistema, no entanto no cotidiano impõe
barreiras ao acesso da população aos serviços de saúde, caracterizando pouca
utilização da tecnologia leve.
Em estudo desenvolvido
na Central de Regulação de Leitos de Minas Gerais [16], os autores demonstraram
que muitas internações ocorrem diretamente nos hospitais, sem intermediação da
central, confirmando a necessidade de qualificar as centrais regulatórias,
avaliando o tempo para atendimento do pedido de internação, os resultados
obtidos, e os casos que não tiveram acesso às internações, embora tenha havido
pedido de vaga.
Em algumas situações
havia um fluxo de encaminhamento diferenciado, com análise classificatória de
prioridade/risco que por vezes, revelava problemas no acesso aos serviços, que
implicam em localização da oferta, transporte, tempo, distância e custos de
deslocamento, comprometendo a continuidade e a resolubilidade da atenção.
Há de se afirmar que os
processos regulatórios, na prática, constituem-se mecanismos racionalizadores de acesso ao usuário, não se efetivando em
princípios pautados na integralidade, equidade e universalidade.
Nota-se que o país tem
adotado um projeto de regulação, ligado às mudanças do modo de governança, uma
tendência cada vez mais frequente de delegação de funções ou responsabilidades
do Estado ao setor privado. Isso inclui a terceirização e novos arranjos
contratuais nos sistemas de saúde [17].
A governança constitui
um conceito que fomenta a capacidade de conduzir os processos de formulação,
execução e avaliação de políticas públicas integrando instrumentos e mecanismos
de gestão que viabilizem harmonizar as relações econômicas e sociais [18]
Nesse sentido, na
regulação são introduzidas novas modalidades de gestão no SUS, tais como as
Organizações Sociais de Saúde (OSS) e as Fundações Estatais de Direito Privado,
que permitiram novos desafios na compreensão do público/privado no sistema de
saúde brasileiro e na discussão da regulação em saúde.
Em relação a essa
questão, o Brasil apresenta inúmeras contradições. Em estudo sobre os (des) caminhos da assistência médico-hospitalar [19], os
autores demonstram que as unidades filantrópicas e setor conveniado são
duplamente favorecidos com aumento do valor médio das internações e benefícios
fiscais. Muitas entidades sem fins lucrativos vislumbram lucro, principalmente
em torno de especialidades mais bem remuneradas no SUS.
Interesses privados e
interferências clientelistas obstruem as possibilidades de coordenação do
cuidado na rede intermunicipal e transformam o direito à saúde do usuário em
troca de favores [20].
Há reconhecimento que a
contratação de organizações não governamentais, filantrópicas, privadas e/ou de
qualquer outra natureza carece de forte componente regulador, considerando que
grande parte de estabelecimentos privados são conveniados a outras operadoras
do setor suplementar além de serem credenciados ao SUS. Isso demonstra a
fragilidade do processo regulatório.
Em estudo de caso na
cidade de Recife [21], em relação à Central de Regulação de Consultas e Exames
Especializados, vários aspectos reforçavam que pouco contribuiu para impactar
no acesso de usuários aos procedimentos de média complexidade de
responsabilidade municipal, pois a atuação centralizadora da gestão estadual
dificultava o processo pleno de autonomia municipal.
Podem-se enumerar, após
estudo, algumas fragilidades que repercutem no processo regulatório da saúde no
SUS:
A regulação da saúde no
SUS é uma importante ferramenta de equidade, acessibilidade e integralidade na
conjuntura de saúde brasileira, mas é inquestionável que apresenta muitas
fragilidades. A qualificação do processo regulatório é primordial, na qual
diversas ferramentas de gestão têm o potencial de ajudar a equacionar,
coordenar e melhorar a assistência, no sentido de superar os mecanismos de
regulação ainda frágeis, insuficientes e tímidos, destacados nos artigos
estudados. A compreensão do público/privado no sistema de saúde brasileiro é
questão fundamental para a discussão da regulação em saúde. Isso acarreta a
estruturação da produção de serviços de saúde a partir desses novos moldes
privados. Isso requer pensar a questão da regulação, considerando-se a real
estrutura fortemente marcada pelos ditames do sistema econômico capitalista.
Cabe aos atores interessados em garantir o caminho da saúde para todos,
inscrito na Constituição Federal e na Legislação do SUS, trilhar o movimento
rumo à outra direção, mantendo vivos os princípios e diretrizes norteadores das
políticas de saúde, resgatando o processo efetivo de politização e participação
social.